04.12.2016
SEMENTE DE SANGUE
Atos 6.8-8.1
8 Estêvão, homem cheio da graça e do poder de Deus, realizava grandes maravilhas e sinais entre o povo. 9 Contudo, levantou-se oposição dos membros da chamada sinagoga dos Libertos, dos judeus de Cirene e de Alexandria, bem como das províncias da Cilícia e da Ásia. Esses homens começaram a discutir com Estêvão, 10 mas não podiam resistir à sabedoria e ao Espírito com que ele falava. 11 Então subornaram alguns homens para dizerem: “Ouvimos Estêvão falar palavras blasfemas contra Moisés e contra Deus”. 12 Com isso agitaram o povo, os líderes religiosos e os mestres da lei. E, prendendo Estêvão, levaram-no ao Sinédrio. 13 Ali apresentaram falsas testemunhas que diziam: “Este homem não pára de falar contra este lugar santo e contra a Lei. 14 Pois o ouvimos dizer que esse Jesus, o Nazareno, destruirá este lugar e mudará os costumes que Moisés nos deixou”. 15 Olhando para ele, todos os que estavam sentados no Sinédrio viram que o seu rosto parecia o rosto de um anjo. 7.1 Então o sumo sacerdote perguntou a Estêvão: “São verdadeiras estas acusações?” 2 A isso ele respondeu: [o sermão de Estêvão – v.2 a v.53] 54 Ouvindo isso, ficaram furiosos e rangeram os dentes contra ele. 55 Mas Estêvão, cheio do Espírito Santo, levantou os olhos para o céu e viu a glória de Deus, e Jesus em pé, à direita de Deus, 56 e disse: “Vejo os céus abertos e o Filho do homem em pé, à direita de Deus”. 57 Mas eles taparam os ouvidos e, dando fortes gritos, lançaram-se todos juntos contra ele, 58 arrastaram-no para fora da cidade e começaram a apedrejá-lo. As testemunhas deixaram seus mantos aos pés de um jovem chamado Saulo. 59 Enquanto apedrejavam Estêvão, este orava: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito”. 60 Então caiu de joelhos e bradou: “Senhor, não os consideres culpados deste pecado”. E, tendo dito isso, adormeceu. 8.1 E Saulo estava ali, consentindo na morte de Estêvão.
Intolerância religiosa
O cristianismo sofreu com a intolerância religiosa desde o seu nascimento.
Em contrapartida, o cristianismo também agiu com intolerância implacável em destacados momentos da história, especialmente após o século IV, quando a Igreja se uniu ao Estado romano. Visando poder ou supremacia, pessoas, em nome de Cristo, agiram com rancor, agressividade e desrespeito pela dignidade humana, combatendo o que eles chamavam de heréticos. Veja que, lamentavelmente, sempre houve, de todas as partes, sede de sangue para que um ponto de vista prevalecesse sobre os demais, beneficiando os dominadores.
O fenômeno é tão sério, mesmo no Brasil, que o tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) 2016 foi “Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil”. Buscou-se com essa iniciativa levar os alunos a refletirem e a apontarem medidas viáveis ou “caminhos” para se eliminar o ódio entre os diferentes credos.
O texto de hoje, que narra o martírio de Estêvão (Atos 7.8-8.1), lança, com toda certeza, luzes sobre dois pontos importantes para a igreja de Jesus Cristo: [1] os caminhos para cristãos combaterem a intolerância religiosa no Brasil e no mundo; e [2] os conceitos que fundamentam o modus operandi dos cristãos, ou seja: a maneira como o Senhor idealizou que os crentes vivessem e propagassem o evangelho.
O modus operandi dos cristãos
Nosso foco serão os conceitos que fundamentam a maneira como o Senhor idealizou que os crentes vivessem e propagassem o evangelho, pois ao esclarecê-los, descobriremos que a maneira real e definitiva de se combater a intolerância religiosa passa por uma transformação profunda de ideologia, interesses e atitudes que só a mensagem de Jesus Cristo é capaz de provocar no indivíduo e, consequentemente, na sociedade.
O sangue dos mártires
Estêvão foi o primeiro mártir da igreja. Como lemos no início, sua morte foi ocasionada pela fidelidade com que pregou o evangelho aos que delataram e crucificaram o Senhor Jesus Cristo. Diante da mensagem, a fúria desses homens elevou-se a tal ponto que arrastaram Estêvão para fora da cidade e o apedrejaram até a morte (At 7.54-58).
O próximo mártir mencionado por Lucas foi Tiago, irmão de João (At 12.2). Esse segundo martírio aconteceu antes de se completar 10 anos da morte de Estêvão. John Fox, em O livro dos mártires, registra que
cerca que dois mil cristãos, inclusive Nicanor, um dos sete diáconos, foi martirizado durante “a tribulação que sobreveio no tempo de Estêvão”.
No entanto, a perseguição que se seguiu à morte de Estêvão, não impediu a igreja de avançar, pelo contrário. O sangue de Estêvão, como veremos mais adiante, foi semente que se espalhou, levando o evangelho de Jesus para além de Jerusalém, até chegar aos confins da terra.
Tertuliano, escrevendo o famoso tratado – Apologia -, assim se expressou sobre a crueldade cometida contra cristãos nos dois primeiros séculos de nossa era:
Seus discípulos [de Jesus], espalhando-se pelo mundo afora, fizeram o que Seu Divino Mestre dissera, e após sofrerem muito, eles próprios, com as perseguições dos judeus, com generosidade de coração, mantendo a fé na verdade, por último, semearam pela cruel espada de Nero, com sangue cristão, a sede de Roma [foi dando o próprio sangue, literalmente, que semearam Roma com o evangelho!].
A bem da verdade, quando se olha para o cristianismo puro e simples, sem mesclas nem perversões humanas, o que se descobre é que, assim como o seu Senhor, o crente não derrama sangue para fazer prevalecer o seu ponto de vista; não é dele o comenter qualquer tipo de intolerância religiosa. Antes, o crente, dá o seu sangue pela semeadura do evangelho. As crueldades das pessoas nunca prejudicaram e nunca prejudicarão os cristãos; ao contrário, conforme disse Tertuliano, “o sangue dos cristãos é como semente que brota”.
Semente de sangue
O cristão é semente, semente de sangue. Assim como Jesus, ele semeia com a própria vida – o Senhor, como substituto pelos nossos pecados e nós, como testemunhas do evangelho. Cristãos semeiam com palavras, posturas, lágrimas e, se preciso for, com sangue, dando a própria vida. Como Paulo disse:
Cl 1.24 | Agora me alegro em meus sofrimentos por vocês, e completo no meu corpo o que resta das aflições de Cristo, em favor do seu corpo, que é a igreja.
Mas, “o que resta das aflições de Cristo”? As de Jesus na cruz não foram completas? Sim, elas foram. A morte expiatória do Senhor foi suficiente para a salvação de todo aquele que crer. O que resta, agora, é levar a mensagem. Pois levá-la, em função de intolerância religiosa ou da dureza dos corações, é muitas vezes sinônimo de sofrimento e morte. Note o exemplo e Epafrodito, a seguir.
Fl 2.25-30 | 25 Contudo, penso que será necessário enviar-lhes de volta Epafrodito, meu irmão, cooperador e companheiro de lutas, mensageiro que vocês enviaram para atender às minhas necessidades. […] 29 E peço que vocês o recebam no Senhor com grande alegria e honrem homens como este, 30 porque ele quase morreu por amor à causa de Cristo, arriscando a vida para suprir a ajuda que vocês não me podiam dar.
Pensando no cristão como semente de sangue, como alguém chamado a levar no próprio corpo o evangelho de Cristo, entregando se preciso for a própria vida, convido você a olhar comigo para a vida de Estêvão: a primeira semente de sangue da igreja de Jesus Cristo, em busca de algumas lições. Usando a semente como metáfora, veremos: a casca da semente, a amêndoa da semente, a disseminação da semente e a germinação da semente.
1. A casca da semente
Estêvão em si mesmo era a casca da semente, o tegumento, o envoltório que protegia e carregava o que é mais importante. O evangelho, Cristo em nós é o mais importante. Nós, na verdade, não passamos de casca. Somos vasos de barro carregando o tesouro (2Co 4.7).
Quem olha para nós vê a casca, a casca da semente. Mas, que tipo de casca nós devemos ser? Veja comigo essa casca de semente chamada Estêvão. Vejamos com o que ela se parece. Adianto-lhes que quem olhava e observava Estêvão percebia imensa similaridade com Jesus. A casca da semente parece o Cristo.
At 6.3-5, 8-15 | 3 Irmãos, escolham entre vocês sete homens de bom testemunho, cheios do Espírito e de sabedoria. 5 […] Então escolheram Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo, […] 8 Estêvão, homem cheio da graça e do poder de Deus, realizava grandes maravilhas e sinais entre o povo. 9 Contudo, levantou-se oposição dos membros da chamada sinagoga dos Libertos, dos judeus de Cirene e de Alexandria, bem como das províncias da Cilícia e da Ásia. Esses homens começaram a discutir com Estêvão, 10 mas não podiam resistir à sabedoria e ao Espírito com que ele falava. 11 Então subornaram alguns homens para dizerem: “Ouvimos Estêvão falar palavras blasfemas contra Moisés e contra Deus”. 12 Com isso agitaram o povo, os líderes religiosos e os mestres da lei. E, prendendo Estêvão, levaram-no ao Sinédrio. 13 Ali apresentaram falsas testemunhas que diziam: “Este homem não pára de falar contra este lugar santo e contra a Lei. 14 Pois o ouvimos dizer que esse Jesus, o Nazareno, destruirá este lugar e mudará os costumes que Moisés nos deixou”. 15 Olhando para ele, todos os que estavam sentados no Sinédrio viram que o seu rosto parecia o rosto de um anjo.
Parece que estamos relendo a história de Jesus, narrando seu caráter, sua conduta, seus atos, suas atitudes, a perseguição e as injustiças sofridas. Realmente, vemos em Estêvão o que víamos em Jesus: 1 alguém cheio de poder e puro em verdade, mas cheio de graça; 2 alguém encharcado de sabedoria, mas pronto para servir ao próximo; 3 alguém que exalava amor, mas era odiado e perseguido pelas autoridades religiosas; 4 alguém que, por mais que o odiassem, quando olhavam para ele não viam nada que o condenasse.
Estêvão viveu como Jesus (At 6.3-11); pregou como Jesus (At 6.12-7.53) e morreu como Jesus; observe:
At 7.59-60 | 59 Enquanto apedrejavam Estêvão, este orava: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito”. 60 Então caiu de joelhos e bradou: “Senhor, não os consideres culpados deste pecado”. E, tendo dito isso, adormeceu.
A casca da semente se parece com Cristo; afinal, ela carrega em seu DNA todas as características da planta já formada. Assim é que semente cuja casca não parece com Jesus não pode dizer que é nascida de Deus.
A casca da semente parece o Cristo.
2. A amêndoa da semente
A amêndoa é a parte principal da semente. Ela é protegida pela casca e consta, em geral, de duas partes: embrião e albúmen. Gosto dessa imagem, pois se a nossa vida é a casca da semente, o que trazemos em nós é o que há de mais valioso – o embrião em nós é o Espírito Santo (que origina a vida, faz-nos germinar) e o albúmen é o evangelho (a reserva alimentar para a alma).
Quando olhamos para a pregação de Estêvão, descobrimos a amêndoa da semente que existia dentro daquela casca. Estêvão, homem cheio do Espírito, abre a boca para se defender das acusações e destila o evangelho, conforme ele o enxergava de Gênesis a Malaquias.
As acusações compradas contra Estêvão eram de que ele havia blasfemado contra Deus, Moisés, o templo e a Lei (At 6.11-14). A sua defesa, portanto, pautou-se em cada um desses pontos: Deus (7.1-16); Moisés (7.17-37); Lei (7.38-43) e templo (7.44-53) – todos eles abordados à luz dos propósitos de Deus em Cristo, o Messias. Tudo o que Jesus, os apóstolos e, agora, os diáconos e evangelistas estavam pregando fazia sentido com as Escrituras do Antigo Testamento. Então, porque os mestres da Lei se recusavam a aceitar?
At 7.51-53 | 51 “Povo rebelde, obstinado de coração e de ouvidos! Vocês são iguais aos seus antepassados: sempre resistem ao Espírito Santo! 52 Qual dos profetas os seus antepassados não perseguiram? Eles mataram aqueles que prediziam a vinda do Justo, de quem agora vocês se tornaram traidores e assassinos – 53 vocês, que receberam a Lei por intermédio de anjos, mas não lhe obedeceram”.
O problema deles era a dureza do coração. A semente só tinha casca. Estêvão, por sua vez, provava que dentro da casca dele, no seu coração, tinha vida; sua amêndoa estava cheia do evangelho e do Espírito de Deus.
3. A disseminação da semente
Para a semente se dispersar pela superfície do globo terrestre, ela precisa de agentes disseminadores: ventos, água, animais do campo, pássaros, o próprio fruto, o homem, etc. A mesma coisa acontece com a dispersão do evangelho. Necessários são os agentes disseminadores.
Aqui, no caso de Estêvão, a disseminação da semente se deu através da perseguição à sua própria vida. Ventos fortes de perseguição, enchente de sofrimento e atitudes animalescas dos religiosos fizeram Estêvão, acusado e confinado, pregar com graça e com verdade o evangelho.
O resultado de tudo o que lhe aconteceu, bem como a sua forma graciosa e verdadeira de lidar com o injusto sofrimento, serviram para disseminar o evangelho em Jerusalém e de lá para a Judeia, Samaria e até os confins da terra. Observe o resultado obtido com a semente de sangue de Estêvão.
At 8.1-5 | 1 E Saulo estava ali, consentindo na morte de Estêvão. Naquela ocasião desencadeou-se grande perseguição contra a igreja em Jerusalém. Todos, exceto os apóstolos, foram dispersos pelas regiões da Judéia e de Samaria. 2 Alguns homens piedosos sepultaram Estêvão e fizeram por ele grande lamentação. 3 Saulo, por sua vez, devastava a igreja. Indo de casa em casa, arrastava homens e mulheres e os lançava na prisão.4 Os que haviam sido dispersos pregavam a palavra por onde quer que fossem. 5 Indo Filipe para uma cidade de Samaria, ali lhes anunciava o Cristo.
Permitam-me três observações:
Injustiça e sofrimento montam cenário para a nossa proclamação. Não desperdice o seu sofrimento, a sua enfermidade, enfim, a sua circunstância.
A forma piedosa com que lidamos com a intolerância religiosa inspira outros crentes a prosseguirem com fé e coragem na proclamação do evangelho. Enfrente a intolerância com graça e com verdade. Está em jogo o evangelho.
Nosso testemunho serve de semente para a conversão de alguém. A morte de Estêvão, de alguma forma, impactou Saulo de Tarso em sua conversão.
4. A germinação da semente
A história de Estêvão me remete ao ensino de Jesus: para germinar e frutificar, a semente tem que morrer.
Jo 12.24 | Digo-lhes verdadeiramente que, se o grão de trigo não cair na terra e não morrer, continuará ele só. Mas se morrer, dará muito fruto.
A morte de Estêvão trouxe muitos frutos. Frutos inimagináveis. Apenas a eternidade poderá nos revelar. Mas, que significa morrer para germinar e frutificar? Significa abrir mão da vida para se viver a vida de Cristo.
Jo 12.25-26 | 25 Aquele que ama a sua vida, a perderá; ao passo que aquele que odeia a sua vida neste mundo, a conservará para a vida eterna. 26 Quem me serve precisa seguir-me; e, onde estou, o meu servo também estará. Aquele que me serve, meu Pai o honrará.
Interessante que geralmente não abrimos mão da vida para não perdê-la. Só que a perdemos. Só não a perde aquele que dela abre mão para viver a de Jesus e servir como ele serviu. Esses serão honrados. Todos os outros serão destruídos.
Semente de sangue
Estevão não morreu. Na verdade, ele viveu. Passou da morte para a vida. Sua semente foi de sangue, mas seu serviço foi honrado. A sua morte possibilitou que ele recebesse a vida e morresse repartindo vida.
Numa semana em que tanto se falou de morte: Fidel Castro, Russell P. Shedd, os mortos na tragédia com o avião da Chapecoense… Meu Deus, quanta coisa!
Cabe sim a pergunta: pelo que viver e pelo que morrer?
Viva e morra pelo evangelho. É perdendo a vida que se ganha e se reparte Vida.
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