16.02.2020
Atos 8.1,4
1[…] Uma grande onda de perseguição começou naquele dia e varreu a igreja de Jerusalém. Todos eles, com exceção dos apóstolos, foram dispersos pelas regiões da Judeia e de Samaria. […] 4Os que haviam sido dispersos, porém, anunciavam as boas-novas a respeito de Jesus por onde quer que fossem.
IMPORTÂNCIA DA HISTÓRIA DA IGREJA
Ser cristão é fazer parte da história. E para crescer como cristão é necessário ser um estudante de história: da história da igreja. Isso não significa que todo cristão deverá escavar documentos antigos em arquivos mofados ou ler os mais recentes estudos históricos publicados.
O cristianismo não é uma religião de abstração ou de filosofias especulativas, mas de fatos históricos. Ele traz, entre outras coisas, uma mensagem sobre eventos que ocorreram no tempo e no espaço.
O cristianismo também ensina algumas verdades eternas (a existência de Deus, seus atributos, natureza triúna, etc.), mas se concentra nos eventos históricos da encarnação, morte e ressurreição de Jesus, além de seus impactos e desdobramentos históricos. O cristão, portanto, está pessoalmente envolvido com a história.
Ocorre que, muitas vezes, ou desprezamos a importância da história ou a valorizamos por si mesma. Eis como Carl R. Trueman descreveu esses dois extremos:
Ou uma idolatria do novo e do jovem, com [o concomitante] desrespeito por qualquer coisa tradicional; ou uma nostalgia pelo passado, que é pouco mais que uma idolatria do antigo e do tradicional. Ambos são desinteressantes: o primeiro [idolatria do novo] deixa a igreja como uma entidade anárquica flutuante, que está fadada a reinventar o cristianismo todos os domingos e propensa a ser subvertida e tomada por qualquer líder ou grupo carismático (no sentido não-teológico!) que se preocupa em flexionar seus músculos; o segundo [idolatria do antigo] deixa a igreja ligada ao passado, pois seus líderes se preocupam em escrever esse passado e, portanto, ficam incapazes de se engajar criticamente com sua própria tradição.
A história é importante. Eis alguns efeitos de se negligenciar a história: eclesiologia (i.e., doutrina e práticas da igreja) confusa e distorcida; desunião por minúcia; confusão sobre missão; adoção acrítica de valores culturais; teologia desleixada; fundações fracas; heresias; etc.
“Podemos aprender da história?” Esse foi o tema da palestra proferida por Martyn Lloyd-Jones, no encerramento da Conferência Puritana no ano de 1969. Disse o Doutor:
Talvez não exista nada que tenha denegrido tanto a glória de Deus como a história do Seu povo na Igreja. Por isso, vou tratar deste assunto sobre aprender da história. O famoso dito de Hegel faz-nos lembrar que ‘O que aprendemos da história é que não aprendemos nada da história’. Ora, no que se refere ao mundo secular, essa é uma verdade indubitável. A história da raça humana mostra isso claramente. A humanidade, em sua loucura e estupidez, sempre repete os mesmos erros. Não aprende, e se nega a aprender. Mas não aceito isso como sendo próprio do cristão. O meu ponto de vista é que o cristão deve aprender da história, que, por ser cristão, seu dever é fazer isso, e deve animar-se a fazê-lo. (…) o meu argumento é que, para nós, é sempre essencial suplementar a nossa leitura teológica com a leitura da história da igreja. (…) senão, corremos o perigo de nos tornar abstratos, teóricos e acadêmicos em nossa visão da verdade; e, deixando de relacioná-la com os aspectos práticos da vida diária, logo estaremos em dificuldade.
Pois bem, neste que é o ano do Centenário dos Batistas em Goiás, decidimos estudar a tradição Batista. Uma vez por mês, em cada culto de Ceia (como este hoje), estamos nos concentrando nalgum aspecto desta linda história. Na primeira mensagem, defendemos a importância da tradição que recebemos. Hoje nós resumiremos os inícios da Igreja Cristã, abordando sua expansão e perseguição.
Antes, porém, entendo que devemos destacar dois pontos sobre essa série e as próximas mensagens. PRIMEIRO, ela não será uma história abrangente do cristianismo. Muita coisa ficará de fora, pois o tempo não nos permite ser tão abrangente. SEGUNDO, o que veremos será mais personalizado. Ou seja: Estamos tentando localizar a teologia e a prática Batista na corrente do cristianismo, à partir do primeiro século. Portanto, recortaremos os pontos da história que são mais importantes para nós como igreja batista local. Daí, após um passeio pela história (do primeiro século até chegarmos aos Batistas em Goiás), no ano que vem, Deus permitindo, mergulharemos nos nossos artigos de fé ou declaração doutrinária, e também nos princípios batistas.
CONTEXTO DO CRISTIANISMO PRIMITIVO
A seguir, consideraremos alguns recortes do contexto do cristianismo primitivo; isto é, aspectos do judaísmo, império romano, filosofia grega e religiões, expansão do cristianismo, perseguição e martírio. Nosso objetivo, como já destacamos, é localizar onde e como nasceu a tradição batista na corrente do cristianismo.
Judaísmo
O cristianismo emergiu como consequência natural do judaísmo, e os cristãos estavam conscientes de suas raízes no Antigo Testamento. Dessa forma, abraçavam as mesmas Escrituras e até alegavam adorar o mesmo Deus, o Senhor, que criou, sustenta e governa o mundo e tudo o que nele há — o Deus de Abraão, Isaque e Jacó.
Jesus Cristo cresceu em uma família judia e era inconfundivelmente judeu em seus ensinamentos e práticas. Muitos dos primeiros cristãos ainda adoravam no templo, guardavam o sábado judaico e se consideravam “bons judeus”, que apenas criam que Jesus era o Messias prometido de Israel.
Por um tempo, a fé cristã existiu em relativa paz sob Roma por causa da proteção oficial que foi concedida ao judaísmo, uma vez que a nova religião parecia uma pequena seita dentro da fé mais antiga. No entanto, como se lê no livro de Atos, os cristãos logo fizeram oposição significativa ao establishment judaico. Como aponta o historiador Mark Noll, a destruição de Jerusalém em 70 dC é o primeiro grande ponto de virada na história da igreja, porque então a igreja ficou forçada a sair do guarda-chuva protetor do judaísmo.
Império Romano
Jesus nasceu em uma terra governada pelo Império Romano. Durante o I (0-99) e o II (100-199) séculos dC, os imperadores romanos estenderam seu domínio geopolítico sobre um vasto domínio que se espichava da Grã-Bretanha ao Saara e da Espanha ao Iraque. O Império contava com território cerca de 4.800 km de leste a oeste, quase a mesma distância norte-sul em linha reta alcançada pelo Brasil e a distância leste-oeste alcançada pelos EUA. Os historiadores estimam cerca de 50 milhões de habitantes sob o domínio de César. No início do II século, Roma era a única superpotência mundial e estava bem no meio de um período de 200 anos conhecido como pax Romana, a “Paz Romana”, quando houve pouca ou nenhuma guerra internacional.
Embora Roma não tivesse rivais externos, sofria bastante com problemas internos. Cristo nasceu no Império Romano, experimentando turbulência considerável. Rebeliões locais eclodiam quase continuamente contra o domínio romano, particularmente entre os judeus. Sempre vigilantes para manter a soberania de Roma, os líderes de César vigiavam bem de perto qualquer ameaça que porventura começasse a ferver.
A religião oficial do Império pregava um panteão de divindades caprichosas (em constante evolução ou crescimento) que, supostamente, governava as forças da natureza. Quando conquistavam novas terras, Roma habitualmente incorporava os deuses locais à religião imperial. À medida que o Império cresceu em autoridade e destaque, o culto oficial tornou-se culto ao próprio imperador. O objetivo de toda devoção religiosa, aos olhos das autoridades romanas, era manter a unidade cívica e alcançar o favor divino.
Filosofia e religiões gregas
Além disto, novas filosofias e escolas de pensamentos contribuíram para uma atmosfera religiosa popular que não era vista no Império havia já algum tempo. Assim foi que religiões surgiram e acabaram naquele período. Filosofias helenísticas ou gregas e “religiões de mistério”, como eram chamadas, foram difundidas no século III entre aqueles que procuravam respostas que fossem mais intelectualmente e espiritualmente satisfatórias do que os cultos oficiais podiam oferecer. Neste ambiente foi que o cristianismo floresceu.
EXPANSÃO DO CRISTIANISMO
O Império Romano foi o solo para a maior parte do florescimento do cristianismo. Vemos no Livro de Atos que o Evangelho Cristão, em apenas 30 anos, espalhando-se de Jerusalém para Judeia, Samaria, Palestina, todo o Oriente Próximo e Grécia na costa leste do mar Mediterrâneo, até chegar a Roma, no início dos anos 60 dC.
Cem anos depois, em cerca de 150 dC, temos relatos de cristãos espalhados por todo o Império, inclusive em todas as províncias romanas na parte oriental do Mediterrâneo, em todo o norte da África, chegando até à França moderna. O cristianismo também se espalhou além do Império para a Índia e, ao que tudo indica, até à Etiópia.
Tertuliano, intrépido defensor da fé cristã, em 150 dC, chegou a escrever para o imperador, dizendo assim:
Preenchemos tudo o que lhe pertence — as cidades, as fortalezas, os próprios campos, o palácio, o senado, o fórum. Deixamos [vazios] apenas os templos [pagãos].
Com efeito, pessoas de todas as esferas da vida abraçaram a nova fé.
A maioria dos cristãos primitivos vivia em áreas urbanas, e a maioria deles era de classe média, apesar de pessoas de classes baixa e alta também declararem fé em Cristo. Muitos eram de origem judaica helenizada (judeus com cultura grega), embora os convertidos viessem de todos os tipos de origens étnicas e religiosas.
A LÍNGUA GREGA. A mensagem da morte e ressurreição de Jesus Cristo chegou em um momento em que as condições estavam maduras para sua rápida disseminação e assimilação na cultura romana. Com as conquistas de Alexandre, o Grande, o grego se tornou a língua unificadora do Mediterrâneo. Barreiras de linguagem, então, não existiam, e a mensagem de Cristo movia-se rapidamente de boca em boca e pela escrita.
A DISPERSÃO DOS JUDEUS. Não apenas isto. Os judeus haviam sido dispersos por todo o império. Encontramos Paulo, por exemplo, indo direto às sinagogas judaicas em todas as cidades que visitou, proclamando a mensagem do Cristo ressurreto.
ESTRADAS E PAX ROMANA. Isto tudo era possível porque a infraestrutura do império era de um tipo sem precedentes na história: Um sistema de estradas cruzava a terra inteira, e o governo protegia os viajantes de bandidos e outros perigos. Ocorre que o Império havia aberto extensas rotas comerciais dentro de suas fronteiras e com outras civilizações, deixando um caminho útil para a Europa e a Ásia.
IMPORTANTE: Bem diferente de suas intenções, mesmo com as perseguições periódicas aos cristãos, Roma, frequentemente, ajudavam a propagação do Evangelho. Como lemos em Atos 8.1-4, quando a perseguição judaica estourou, os cristãos em Jerusalém se espalharam para o mundo, levando com eles as boas novas de Cristo.
POR QUE AS PESSOAS SE TORNARAM CRISTÃS? Em um sentido teológico, sabemos que a salvação é um ato soberano da graça divina. Da perspectiva humana, no entanto, podemos ampliar nossa imaginação histórica e analisar como aquela “estranha” nova fé, que apareceu do nada, atraía tantos novos crentes.
O fatos a seguir são baseados em tradições e histórias do I e II século dC.
PRIMEIRO: Compaixão e Graça. A caridade cristã teve grande apelo junto à população. Os cristãos se tornaram conhecidos e admirados pela bondade, hospitalidade e generosidade com os necessitados. Por exemplo: auxílio aos pobres, adoção de órfaos etc.
SEGUNDO: Vida comunitária. Em contraste com a rígida hierarquia social do Império Romano, os cristãos valorizavam todas as pessoas igualmente e modelavam uma comunidade que quebrou barreiras sociais, onde todos tinham voz e eram cuidados.
TERCEIRO: Valorização do indivíduo. Os cristãos valorizavam todas as pessoas individualmente. Enquanto Roma valorizava a unidade cívica, subordinando a pessoa individual ao culto imperial, o cristianismo afirmou a dignidade e o valor de cada um.
QUARTO: Poder e libertação. O cristianismo prometeu poder do bem sobre o mal. Muitos romanos criam em espíritos malignos, mas a nova fé parecia oferecer proteção contra os demônios. Relacionado a isto, outro apelo do cristianismo era sua promessa de libertação da escravidão do pecado e da morte para a vida eterna.
QUINTO: Testemunho cristão. À medida que a perseguição aos cristãos se intensificou, o testemunho ousado e fiel de muitos crentes que enfrentavam tortura e morte não pôde ser ignorado. Ficavam impressionados. Raciocinavam: “Algo nessa fé deve ser real! Por que esses cristãos todos morreriam por essa fé?”
PERSEGUIÇÕES E MARTÍRIO
Esse crescimento ocorreu em meio a muito sofrimento.
Ao longo dos primeiros 300 anos da história cristã, numerosas perseguições eclodiram contra os cristãos, levando milhares à morte. As perseguições não eram necessariamente em todas as partes do Império — de cima para baixo — , embora algumas, mais tarde, tornaram-se. A maioria das perseguições era local, pressionada por autoridades provinciais. Elas eram severas, no entanto, e milhares de cristãos foram torturados e mortos de maneiras horríveis e cruéis.
Vemos este padrão já no Novo Testamento, à partir do martírio de Estevão, passando pelas prisões de Pedro e de Paulo. Pedro, em sua primeira epístola, até exortou aos crentes que sofriam sob a perseguição de Nero (em 60 dC). De fato, para praticamente todos os apóstolos, a perseguição era mais a regra do que a exceção. A tradição nos dá conta de que eles todos partilharam de um destino comum: o martírio.
Muitas dessas histórias podem ser verdadeiras. No entanto, elas devem ser tratadas com alguma cautela, já que no II século as igrejas em diferentes cidades começaram a reivindicar origens apostólicas e queriam apontar um apóstolo martirizado como seu fundador. Outra coisa: as histórias também indicam o foco que muitos cristãos primitivos colocaram na perseguição e a reverência que eles tinham pelos que sofriam e eram martirizados.
Com isso em mente, considere o que a tradição informa sobre o destino dos apóstolos. E se você ou as pessoas que você conhece se perguntam se Jesus era apenas uma farsa, considere que aqueles que o conheciam melhor estavam dispostos a morrer por quem eles criam que ele era: o eterno Filho de Deus, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. [Fonte: Livro dos Mártires, John Foxe e História Eclesiástica, Eusébio].
Como já foi dito, as perseguições não eram universais, mas locais; não era caça às bruxas, mas vassouradas com leis e delações de vizinhos. A paz era “deus” no Império.
A perseguição inicial, e bem conhecida, estourou sob Nero. Em 64 dC, um tremendo incêndio tomou conta da cidade de Roma. Muitas pessoas na cidade, provavelmente certas, culparam Nero pela tragédia. O historiador romano Tácito escreveu sobre a resposta do imperador aos rumores:
Para matar os rumores, Nero acusou e torturou algumas pessoas odiadas por suas práticas consideradas más — o grupo popularmente chamado de “cristãos”. O fundador dessa seita, Christus, havia sido morto pelo governador da Judéia, Pôncio Pilatos, quando Tibério era imperador.
Tácito continua:
Primeiro, aqueles que confessaram ser cristãos foram presos e, com base em seu testemunho, um grande número foi condenado, embora não tanto pelo fogo em si, mas pelo ódio ao gênero humano. Antes de matar os cristãos, Nero se divertia. Alguns eram vestidos de peles, para serem mortos por cães. Outros eram crucificados. Outros ainda eram incendiados no início da noite, para que pudessem iluminar. Nero abriu seus próprios jardins para esses shows.
Observe a acusação de Tácito de “ódio ao gênero humano”.
Nero parece ter perseguido os cristãos por três razões: 1seu desejo desesperado de distrair a atenção do grande incêndio, 2hostilidade generalizada para com os cristãos porque eles não adoravam os deuses romanos e 3a hostilidade dos judeus pelos cristãos.
Outro fator, relacionado à acusação de Tácito: Muitos romanos consideravam os cristãos ateus e anarquistas por se recusarem a adorar as divindades pagãs ou o imperador. Tal obstinação cristã enfureceu os romanos. As divindades, eles pensavam, trariam desastres naturais, secas e doenças em retribuição à grande parte da população que se recusava a adorá-las. Tertuliano escreveu que sempre que um desastre natural acontecia, fosse inundação ou seca, o clamor imediatamente se elevava: “Os cristãos para os leões!”
Outros mal-entendidos da prática cristã provocavam acusações ainda mais violentas contra eles. Por causa da conversa dos cristãos sobre “amor” e porque até maridos e esposas se referiam um ao outro como “irmão” e “irmã”, crentes eram às vezes acusados de incesto. Finalmente, a observância cristã da Ceia do Senhor deu origem a inúmeras acusações de canibalismo.
Veja você que, desde o início, a crença e a prática cristã irritaram a cultura maior. Deveria ser diferente hoje quando dizemos coisas tais como: Casamento é a união de um homem e uma mulher por toda a vida… Jesus Cristo é o caminho, a verdade e a vida… ?
Quanto a Nero, rivais políticos o depuseram quatro anos depois, e o tirano desonrado tirou a própria vida. Dois anos após a deposição e suicídio de Nero, em 70 dC, as forças romanas, reprimindo mais uma rebelião judaica, destruiu o templo e Jerusalém.
Por mais trágico que tenha sido, como aponta o historiador cristão Mark Noll, a destruição do templo em Jerusalém marcou um “ponto de virada” decisivo na história da igreja. O cristianismo rompeu com o judaísmo para sempre, pois perdeu seus últimos laços com o templo e com Jerusalém, emergindo como uma fé distinta.
Mas a perseguição voltaria. Em 98 dC, o imperador Trajano lançou uma campanha contra a igreja que duraria quase duas décadas. Em uma correspondência reveladora entre Plínio, o Jovem, governador da província de Bitínia, e Trajano, Plínio perguntou se a mera menção ao nome “cristão” merecia punição, ou apenas as atividades associadas a isto. Trajano respondeu que os cristãos deveriam ser punidos apenas se recusassem renunciar à fé e não “adorar os nossos deuses”. Se o fizerem, devem ser libertados. Uma das cartas de Plínio descreve essa prática:
Esse é o curso que adotei. Pergunto se são cristãos. Se admitirem, repito a pergunta uma segunda e uma terceira vez, ameaçando-os com a pena de morte. Se eles persistirem, eu os condeno à morte, pois sua obstinação inflexível certamente deve ser punida. Cristãos que são cidadãos romanos, reservei que sejam enviados a Roma. Deixei ir aqueles que estavam dispostos a amaldiçoar a Cristo, algo que, diz-se, cristãos genuínos não podem ser persuadidos a fazer.
Alguns cristãos professos realmente chegaram a renunciar a fé em Cristo, e a igreja sofreu por séculos com perguntas sobre como tratar apóstatas (ou os “desviados” que mais tarde solicitavam readmissão na irmandade). Com efeito, esse foi um dos efeitos duradouros dessas primeiras perseguições.
Outro período de relativa tranquilidade e crescimento veio de cerca de 125 dC até o reinado de Marco Aurélio (161-180 dC), que desencadeou uma nova campanha de perseguição. Muitos cristãos foram martirizados durante aqueles anos, incluindo líderes de igrejas eminentes como Policarpo (que foi discípulo do apóstolo João).
Após essa temporada de provação, os cristãos desfrutaram outras duas décadas de relativa paz, enquanto a fé continuava a crescer em todo o Império. Mas de 197 a 1212, mais perseguições eclodiram. Do linchamento em Alexandria, aos ataques da máfia em Roma e às execuções judiciais em Cartago, os crentes foram severamente provados.
A perseguição diminuiu até 235 e depois começou a crescer novamente. As condições se tornaram muito severas em 250, quando o novo imperador Décio (249-251) assumiu o trono, desejando restaurar Roma à sua glória anterior. Para promover a unidade cívica, Décio determinou que todos os cidadãos se envolvessem em sacrifícios públicos aos deuses romanos. Aqueles que obedeciam recebiam certificados, provando que haviam realizado os ritos necessários. Foram encontrados certificados desse tipo no Egito no século XX. Aqueles que recusavam eram considerados traidores e punidos severamente. Alguns cristãos não faziam os sacrifícios e ainda adquiriram os certificados de oficiais gananciosos e corruptos. Muitos apostataram e negaram a fé. Outros fugiram para o exílio. Alguns crentes resistiram e foram executados. Mas a Igreja ficou complacente e estava mal preparada para lidar com aquela perseguição. Muitos dos que ainda professavam fé se dividiram e se voltaram um contra o outro em disputas sobre qual fé era mais genuína e quem estava mais comprometido. Em 251, um historiador escreveu que “em todo o mediterrâneo, o cristianismo estava aparentemente em ruínas”. Isso deve nos advertir contra a “romantização” da perseguição ou pensar que ela sempre fortalece e faz crescer a igreja. Sob Décio, a perseguição quase conseguiu destruir a igreja.
Antes que pudesse continuar seu extermínio contra a igreja, Décio morreu em batalha, e a perseguição diminuiu por alguns anos. Mas em 257, o imperador Valeriano iniciou uma nova tentativa de acabar com a igreja. Ele deu instruções detalhadas para que bispos, presbíteros e diáconos fossem punidos imediatamente com morte, enquanto os senadores romanos e oficiais militares que fossem cristãos perdiam dignidade e propriedade. E os funcionários públicos que eram cristãos deveriam ser feito escravos e enviados em cadeias para trabalhar nas propriedades imperiais. Alguns acreditam que essa perseguição foi mais duradoura e resultou em mais mortes do que qualquer perseguição anterior.
Valeriano foi feito prisioneiro pelos persas em 260, e seu filho sucessor permitiu relativa liberdade religiosa, que a igreja desfrutou pelos próximos 40 anos. Durante esse período, a igreja cresceu muito, permeando todos os níveis da sociedade romana e se espalhando pelo norte da África, Egito, Síria e Armênia. O cristianismo alcançou tamanha proeminência no ano 300 que Frend escreve: “a questão se resumiu aos termos com os quais a Igreja e o Império poderiam cooperar, e se um acordo seria selado pacificamente ou após um último encontro sangrento” (Martírio e Perseguição no Início da Igreja, p. 325).
Em 23 de fevereiro de 303, o imperador Diocleciano deu sua terrível resposta. Na esperança de impor uma ordem uniforme ao império sobre costumes, forças armadas, moeda e religião, ele emitiu um decreto destinado a pôr um fim à ameaça cristã à unidade imperial. Inicialmente, os cristãos não foram mortos, apenas aprisionados ou escravizados, e as igrejas foram destruídas e as Escrituras queimadas. Porém, no ano seguinte, Diocleciano adoeceu e Galério assumiu o comando, ordenando que todos os cristãos insubordinados fossem executados. O sangue escorreu livremente, pois muitos cristãos sofreram o martírio durante esse período, conhecido como a “Grande Perseguição”.
O Senhor preservou sua igreja, no entanto, e em 311 Galério se retratou. Ele admitiu fracassar em extinguir o cristianismo porque muitos cristãos se recusaram a obedecê-lo e permaneceram fiéis. Ele emitiu um decreto dizendo “deixem os cristãos existirem mais uma vez e que reconstruam suas igrejas […] e que orem ao seu Deus pelo nosso bem-estar, pelo do Estado e por si mesmos”. Mais importante, os cristãos, por sua perseverança, boas-obras, amor, e seus números crescentes eram cada vez mais tolerados pelas massas em todo o Império Romano.
Os dois anos seguintes provocaram surtos esporádicos de perseguição, até que Constantino assumiu o poder em 313 e declarou uma política de tolerância ao cristianismo em todo o império. Nos primeiros três séculos, a Igreja sobreviveu a algumas das mais severas oposições imagináveis. Poderia agora sobreviver à aceitação?
S.D.G. L.B.Peixoto
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