22.04.2020
Lucas 23.46
Então Jesus clamou em alta voz: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito!”. E, com essas palavras, deu o último suspiro.
REFLEXÕES SOBRE A MORTE
Refletindo sobre a morte, Eugene H. Peterson fez afirmações bastante acertadas:
Nenhuma vida é completa até que haja a morte. A morte marca o limite. Ser humano é morrer. Ao morrermos atestamos nossa humanidade. A morte aprova, mais do que encerra, a nossa humanidade. A tentação original reside em tentarmos ser iguais a Deus (Gn 3.5). A advertência original é que, se tentarmos fazê-lo, morreremos (Gn 3.3). Todos nós tentamos e todos nós morremos. A morte protege e garante a nossa humanidade. Nossa tentativa de sermos mais, ou diferentes, do que é o humano (que é a marca comum do pecado) faz com que nos tornemos menos que humanos. Nesse sentido, a morte age de maneira a evitar nossa desumanização. Por isso, saber viver envolve necessariamente uma boa dose de meditação e consideração sobre a morte. Se não dermos a devida atenção à morte, mas vivermos a todo instante evitando ou obscurecendo o assunto com eufemismos [suavização ou minimização do significado], restringimos nossa vida. Ao negarmos a morte, evitamos a vida.
Prosseguindo, Peterson citou um comentário interessante do poeta Galway Kinnell:
Muitos pensam que temos de esquecer a morte. Dedica-se grande parte da cultura contemporânea a nos ajudar a fazê-lo. Mas gosto do que disse Hegel: ‘A vida do espírito não teme a morte e não se mantém isenta dela. Vive com a morte e nela se mantém’”.
Erwin Lutzer, ex-pastor da Igreja organizada por Moody, conta que em algumas culturas africanas, os cristãos locais oram por uma “boa morte”. “Boa morte” não significa morrer sem dor ou dignamente, ou mesmo ter de necessariamente morrer em idade avançada. “Boa morte” é ter a oportunidade de reunir a família em torno de si nos últimos momentos e ter forças para dar a todos um último “incentivo”: que levem uma vida piedosa e se preparem para a reunião no céu. Nessas tribos, quando morre um cristão, eles não dizem “Ele partiu”, mas sim: “Ele chegou”.
É assim que, de fato, funciona: Os crentes em Jesus Cristo vão peregrinando até que após, e somente após atravessarem o vale da sombra da morte, chegam ao lar celeste preparado por Jesus. Nas palavras do hino “Brilho Celeste” (475 do Cantor Cristão):
Peregrinando vou pelos montes
E pelos vales, sempre na luz!
Cristo promete nunca deixar-me
“Eis-me convosco”, disse Jesus!
Sombras à roda, nuvens em cima
O Salvador não hão de ocultar
Ele é a luz que nunca se apaga
Junto a seu lado sempre hei de andar
Vão me guiando raios benditos
Que me conduzem para a mansão
Mais e mais perto, o Mestre seguindo
Canto os louvores da salvação
Brilho celeste, brilho celeste!
Enche a minha alma, a glória de Deus
Com aleluias sigo cantando
Canto louvores indo pros céus
A verdade é que, apesar de seguirmos cantando louvores, não pensamos muito no fato de que, como cantamos, estamos sim “indo pros os céus”. Infelizmente, boa parte dos crentes, na prática, teme a morte. Teme a própria morte. Teme a morte dos seus entes queridos, mesmo que eles sejam crentes. De certa forma, compreensível. Afinal, morrer e perder aqueles os quais amamos não era o plano original de Deus.
A última palavra de Jesus na cruz, entretanto, é uma Palavra de Consolação para os crentes que, querendo ou não, a cada dia, estão cada vez mais próximos de atravessarem o vale da sombra da morte e chegarem à mansão celestial. A minha oração é que, ao nos informarmos, com o devido cuidado, sobre como Jesus morreu, nunca mais vejamos a morte com os mesmos olhos. Faremos o seguinte: destacaremos as razões que fizeram Jesus morrer confiante, na esperança de que elas nos consolem e removam todo e qualquer medo da morte que possa estar à espreita em nosso coração.
JESUS MORREU CONFIANTE
Jesus morreu confiante. Morrendo, ele disse: Pai, em tuas mãos entrego meu espírito!
Lucas nos informa que “com essas palavras, [Jesus] deu o último suspiro.” (Lc 23.46). Pergunta: Quais eram as fontes da confiança do Senhor Jesus ao morrer? Podemos destacar três: a presença, a promessa, a proteção e os planos do Pai.
[1] A presença do Pai
Jesus morreu confiante porque ele tinha a presença do Pai.
Na vida e na morte, Jesus contou com a presença do Pai. Quando tinha apenas 12 anos, ele respondeu aos seus pais perplexos: “Não sabiam que eu devia estar na casa de meu Pai?” (Lc 2.49). No Sermão do Monte, ele usou mais de 15 vezes o substantivo Pai, referindo-se a Deus. No discurso e na oração no cenáculo, Jesus mencionou cerca de 50 vezes o mesmo substantivo Pai. Ele atestava que a sua comida era fazer a vontade do Pai. Jesus viveu e morreu fazendo a vontade do Pai.
Essa, pois, era uma das razões pelas quais Jesus morreu confiante: Ele tinha a certeza da presença do Pai. NOTA: As primeiras palavras de Jesus registradas nos Evangelhos são: “Não sabiam que eu devia estar na casa de meu Pai?” (Lc 2.49), com 12 anos de idade, e agora, aos 33, já que os negócios do Pai estavam concluídos, suas últimas palavras foram: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito” (Lc 23.46).
Jesus morreu confiante porque ele tinha a presença do Pai.
[2] A promessa do Pai
Jesus morreu confiante porque ele tinha a promessa do Pai.
Meninos e meninas judeus faziam do Salmo 31.5 uma oração na hora de dormir: “Em tuas mãos entrego meu espírito; resgata-me, SENHOR, pois és Deus fiel.” Este salmo é uma promessa do Antigo Testamento e Jesus, na hora de morrer, aplicou-a a si mesmo. Só que ele mudou a citação. Cristo acrescentou um substantivo masculino: Pai, apropriando-se da intimidade que o Pai lhe conferia. Outra coisa: Cristo omitiu uma frase, aquela que diz “resgata-me, SENHOR, pois és Deus fiel.” Jesus nunca pecou, não havendo, portanto, necessidade de ser resgatado ou redimido.
Quando estava morrendo, Jesus clamou pela a promessa da palavra de Deus e confiou o próprio espírito [fôlego de vida, alma vivente] ao Pai. Essa é a única maneira segura de morrer: confiante na presença e na promessa do Pai. Mas tem outra coisa…
[3] A proteção do Pai
Além da presença e da promessa, Jesus contava ainda com a proteção do Pai.
Ele pôde dizer: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito” (Lc 23.46).
O Senhor havia ficado muitas horas nas mãos de pecadores. No Getsêmani, ele disse aos discípulos: “O Filho do Homem está para ser entregue nas mãos de pecadores” (Mt 26.45). De fato, ele sofreu nas mãos de pecadores. Aquelas mãos o agarraram e o prenderam, elas bateram nele, elas o despiram, elas colocaram uma coroa de espinhos em sua cabeça e elas o pregaram na cruz. Contudo, quando chegou ao término de sua missão, Jesus Cristo já não estava mais nas mãos de pecadores. Ele morreu confiante porque estava nas mãos do Pai. O Pai não o entregaria ao inimigo. Lê-se assim no Salmo 31.8: “Não me entregaste a meus inimigos, mas me puseste em lugar seguro.”
O lugar mais seguro do mundo é nas mãos do Pai. Mesmo que as mãos dos homens venham a nos ferir, o Pai, a seu tempo e a seu modo, vem nos proteger e cuidar de nós com suas próprias mãos. As mãos do Pai não nos deixam entregues às mãos do inimigo. Ouça as palavras confiantes dos apóstolos., Atos 4.26-28:
26Os reis da terra se prepararam para guerrear; os governantes se uniram contra o Senhor e contra seu Cristo’. 27“De fato, isso aconteceu aqui, nesta cidade, pois Herodes Antipas, o governador Pôncio Pilatos, os gentios e o povo de Israel se uniram contra Jesus, teu santo Servo, a quem ungiste. 28Tudo que fizeram, porém, havia sido decidido de antemão pela tua vontade.
Deus, o SENHOR, na pessoa de Cristo, podia fazer suas mesmas as palavras de José do Egito ditas aos irmãos, Gênesis 50.20:
Vocês pretendiam me fazer o mal, mas Deus planejou tudo para o bem. Colocou-me neste cargo para que eu pudesse salvar a vida de muitos.
De fato, pois inclusive muitos daqueles que covardemente maltrataram e friamente mataram Jesus, mais tarde foram salvos por ele (At 2.41; 4.4; 6.7).
[4] Os planos do Pai
Jesus morreu confiante porque ele contava com: a presença do Pai, a promessa do Pai, a proteção do Pai e também com os planos do Pai. Veja:
Não nos deveria causar surpresa o fato de que a morte de Jesus foi um ato voluntário e soberano; portanto, uma escolha feita por ele mesmo. Ocorre que, na cruz, os condenados morriam involuntariamente, vítimas dos horrores da crucificação. Jesus, entretanto, morreu voluntariamente (Lc 23.46):
Então Jesus clamou em alta voz: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito!”. E, com essas palavras, deu o último suspiro.
A vida de Jesus não lhe foi arrancada pelos sofrimentos e pela dor. Jesus, ao seu tempo e ao seu modo — depois de completar o que viera fazer, pagar o que viera comprar e dizer o que viera anunciar —, cedeu, liberou, entregou a sua vida nas mãos do Pai. Jesus morreu de acordo com os propósitos da providência divina, não por causa dos caprichos de homens ímpios e covardes. Ouça o que Jesus declarou a Pilatos (Jo 19.10-11):
10“Por que você se nega a falar comigo?”, perguntou Pilatos. “Não sabe que tenho autoridade para soltá-lo ou crucificá-lo?” 11Jesus disse: “Você não teria autoridade alguma sobre mim se esta não lhe fosse dada de cima. Portanto, aquele que me entregou a você tem um pecado maior”.
Assim como Jesus não morreu por causa de caprichos e injustiças humanas, mas segundo o plano eterno de Deus, mesmo sendo ainda tão jovem e morrendo de maneira tão trágica e, humanamente falando, cruel, nós também não morreremos vítimas do azar ou da tragédia. Com efeito, não morreremos pela vontade do câncer ou de outra enfermidade penosa; não morreremos por causa de irresponsabilidade de bêbados ao volante ou mesmo falha humana; não morreremos por causa de um bandido ou assassino cruel; não morreremos por não termos tido fé suficiente para sermos curados; não morreremos por causa de injustiças ou crueldades humanas; não morreremos por qualquer fatalidade… morreremos porque o salário do pecado é a morte; morreremos porque Deus, a fim de, graciosamente, nos preservar da desumanização — do sonho pecaminoso de querermos ser como Deus —, determina, em sua soberania, que há um tempo para nascer e um tempo para morrer… então, enquanto crentes em Jesus Cristo, morreremos sob os cuidados de Deus, segundo os planos eternos e a condução da soberana providência; passaremos pelo vale da sombra da morte de acordo com o relógio de Deus, não conforme o cronograma de uma sorte aleatória.
Disse Jesus, Lucas 12.4-7:
4Meus amigos, não tenham medo daqueles que matam o corpo; depois disso, nada mais podem lhes fazer. 5Mas eu lhes direi a quem devem temer. Temam a Deus, que tem o poder de matar e lançar no inferno. Sim, a esse vocês devem temer. 6“Qual é o preço de cinco pardais? Duas moedas de cobre? E, no entanto, Deus não se esquece de nenhum deles. 7Até os cabelos de sua cabeça estão todos contados. Portanto, não tenham medo; vocês são muito mais valiosos que um bando inteiro de pardais.
PALAVRA DE CONSOLAÇÃO
Jesus Cristo morreu confiante no Pai. Suas fontes de confiança são as mesmas para os crentes em todas as épocas e em todos os lugares:
Podemos contar com a presença do Pai
“Eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século” (Mateus 28.20).
“Não temas, porque eu sou contigo; não te assombres, porque eu sou o teu Deus; eu te fortaleço, e te ajudo, e te sustento com a minha destra fiel” (Isaías 41.10).
Podemos crer na promessa do Pai
“Não temas, porque eu te remi; chamei-te pelo teu nome, tu és meu. Quando passares pelas águas, eu serei contigo; quando, pelos rios, eles não te submergirão; quando passares pelo fogo, não te queimarás, nem a chama arderá em ti” (Isaías 43.1-2).
“Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá” (João 11.25).
Podemos caminhar sob a proteção do Pai
“Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo; o teu bordão e o teu cajado me consolam” (Salmos 23.4).
“As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão. Aquilo que meu Pai me deu é maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar. Eu e o Pai somos um” (João 10.27-30).
Podemos confiar nos planos do Pai
“Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos, diz o SENHOR, porque, assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos, mais altos do que os vossos pensamentos” (Isaías 55.8-9).
“Eu é que sei que pensamentos tenho a vosso respeito, diz o SENHOR; pensamentos de paz e não de mal, para vos dar o fim que desejais.” (Jeremias 29.11).
“Também o Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa fraqueza; porque não sabemos orar como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós sobremaneira, com gemidos inexprimíveis. E aquele que sonda os corações sabe qual é a mente do Espírito, porque segundo a vontade de Deus é que ele intercede pelos santos. Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito. Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou” (Romanos 8.26-30).
“E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Romanos 12.2).
Todo mundo, ao morrer, estará nas mãos de Deus: os que creram em Cristo serão guiados para o descanso do Pai e os que negaram a salvação e o senhorio de Cristo cairão nas mãos do Deus vivo. Horrível coisa será para os ímpios (Hb 10.31).
Conta-nos a história cristã que quando John Hus (pré-reformador protestante) foi condenado pelo Concílio de Constança, em 1415, o bispo católico encerrou a cerimônia dizendo: “Nós agora confiamos sua alma ao Diabo”. Ao que Hus contestou, dizendo: “Confio meu espírito em tuas mãos, Senhor Jesus Cristo. A ti rendo o meu espírito, o qual tu salvaste.”
Estevão (o primeiro mártir cristão), quando pedras começaram a ser jogadas em sua direção, orou: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito!” (At 7.59). NOTA: Atos 7 é o único texto do Novo Testamento no qual lemos que Jesus estava “em pé, à destra de Deus”, pronto para receber um servo seu (At 7.55-56).
D. L. Moody (grande evangelista norte-americano), quando estava morrendo, declarou: “A terra recua; os céus se abrem para mim […] Se a morte é isto, é algo agradável”.
Deus não nos prometeu uma passagem tranquila pelo vale da sombra da morte, mas uma chegada segura ele garantiu. Jesus morreu sendo insultado, com o corpo ferido de morte e totalmente ensanguentado. Mas ele pôde dizer: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito!” — Pai, nas tuas mãos deposito/confio a minha vida!
Não interessa quando morreremos. Não importa como morreremos. A promessa do Senhor é que, independentemente de quão surpreendente ou turbulenta for a nossa morte, chegaremos em paz e segurança ao nosso destino final. O espírito sobrevive ao corpo, e graças à ressurreição, nosso corpo decadente ressurgirá em novidade de vida.
Poder um dia dizer, face a face com a morte: “Pai, pelos méritos de Jesus Cristo na cruz, nas tuas mãos entrego o meu espírito”, é fonte de grande consolação, é um convite ao louvor! Cante, pois, ao Senhor, crente! Cante com alegria!
S.D.G. L.B.Peixoto
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