09.04.2020
A última quinta-feira de Jesus foi um dia cheio: ele e os discípulos se prepararam para a festa da Páscoa judaica, celebraram a última Ceia – na qual Cristo instituiu a nova aliança que seria selada com seu sangue na cruz – e lavou os pés dos apóstolos. Na sequência, fez o seu discurso de despedida, predisse as vezes que Pedro o negaria, viu Judas deixa-los e ir embora para trai-lo, ensinou algumas coisas práticas aos seus seguidores e mais tarde, lá no Getsêmani, agonizou profundamente até à morte diante da realidade da crucificação que estava adiante dele a apenas algumas horas, na sexta-feira que se aproximava.
São muitos os fatos da quinta-feira, mas desembrulhemos alguns deles em linhas bem gerais antes de trazermos algumas aplicações para a vida.
O dia começou com PREPARAÇÕES PARA A PÁSCOA: Jesus instruiu seus discípulos Pedro e João que garantissem o espaçoso cenáculo mobiliado e lá fizessem todos os preparativos para a refeição da Páscoa. Eles foram e encontraram tudo exatamente como Jesus lhes havia dito, e prepararam a Páscoa.
No cálculo judaico, um novo dia começa ao anoitecer, de modo que do entardecer da quarta-feira ao entardecer da quinta-feira (14 de Nissan ou 2 de abril) foi o dia de preparação para a refeição da Páscoa. A refeição da Páscoa em si – incluindo cordeiro assado, ervas amargas, pão sem fermento, molho de frutas e quatro cálices de vinho – seria compartilhada após o pôr do sol daquele dia, ou seja: no anoitecer da quinta para a sexta-feira. Na Páscoa original, o sangue dos cordeiros havia sido aplicado nos umbrais das portas dos lares dos hebreus que ainda viviam no Egito, daquela forma, protegendo-os do derramamento do julgamento de Deus sobre os egípcios (Êxodo 12.7,12-13,22-28).
Somente Mateus registrou Jesus dizendo a seus discípulos: “O meu tempo está próximo”, na manhã do dia em que o cordeiro da Páscoa foi sacrificado (Mateus 26.18). Jesus sabia que estava prestes a morrer, mas seus discípulos e os ouvintes originais falharam consistentemente em compreender a realidade das previsões de Jesus. Eles provavelmente entenderam as afirmações de Jesus à luz da versão corrente a respeito das expectativas messiânicas – ou seja: ele está prestes a forçar o confronto final que levará à sua vitória sobre os líderes religiosos judeus e o domínio dos romanos. Jesus, porém, estava de fato dizendo que a hora de ele ser sacrificado como o Cordeiro pascal de Deus, expiando os pecados do mundo inteiro, estava se aproximando.
De acordo com os regulamentos do Antigo Testamento (Deuteronômio 16.5-6), a Páscoa deveria ser comida dentro dos limites da cidade de Jerusalém. Então, por causa do status de celebridade de Jesus entre as multidões e da conspiração já armada contra ele pelo Sinédrio, seus preparativos para a Páscoa foram conduzidos com total discrição. Aquelas preparações incluíam compra, sacrifício, preparo e assado de um cordeiro, além da arrumação da sala do jantar e elaboração dos acompanhamentos. Jesus enviou dois de seus discípulos, Pedro e João, à cidade para encontrar um sujeito que os direcionaria para o cenáculo onde eles comeriam a Páscoa. Muito provavelmente, Jesus havia feito esses acordos com devida antecedência junto aos seus apoiadores na cidade. Como normalmente eram mulheres que carregavam jarros de água, a visão incomum de um homem carregando um jarro nos sugere ter sido um sinal combinado para a identificação dos discípulos. Pedro e João encontram tudo exatamente como Jesus lhes havia predito.
Chegamos à ÚLTIMA PÁSCOA: o entardecer durante o qual Jesus comeu a Páscoa com os seus discípulos. – Jesus e seus discípulos seguiram para o cenáculo que havia sido preparado para aquela ocasião e começaram a comer. Detalhe: A maioria das casas em Jerusalém era pequena, com dois níveis – inferior e superior, mas com apenas um quarto. A grande sala no piso superior (ou cenáculo) indica que o proprietário era uma pessoa de recursos.
Os arranjos típicos da mesa de jantar conteriam três grandes almofadas, dispostas em forma de U, capazes de acomodar vários participantes. A comida e a bebida estariam disponíveis no centro, em uma mesa baixa – tipo mesa de centro retangular. Os participantes se reclinavam para o lado esquerdo, apoiados no cotovelo esquerdo, com os pés voltados para fora. Comia-se com a mão direita.
Essa visualização da forma de se assentar e comer à mesa, facilita-nos a compreensão de João 13.23 e 25, que descreve João “reclinando-se à mesa sobre o peito de Jesus”. Isso provavelmente significa que João, o discípulo amado, estava sentado em um lugar de honra à direita de Jesus, que provavelmente estava assentado no meio da almofada central. O fato de Jesus dar o pedaço de pão a Judas torna provável que Judas estivesse no outro lugar de honra, à esquerda de Jesus. Como Pedro faz um sinal para João perguntar a Jesus a quem ele se referia (João 13.24), é provável que Pedro estivesse em uma das almofadas laterais, perpendicular a João.
Enquanto eles comiam, Jesus fez um anúncio surpreendente: um dos Doze, um dentre aqueles que estavam comendo a refeição da Páscoa com ele, estava prestes a traí-lo. Aquela foi uma notícia chocante e perturbadora para os discípulos, que instantaneamente começam a tentar identificar o traidor, indagando entre si quem seria, dentre eles, o que estava para cometer um ato tão covarde e criminoso (Lucas 22.23) – trair seu Mestre. Jesus proferiu uma profecia sinistra a respeito de seu traidor: “Seria melhor para aquele homem que ele nunca tivesse nascido”. Àquela altura, Judas não previu o buraco negro no qual logo ele cairia, e que seria cavado pelas suas próprias mãos, mas o anúncio da condenação deve ter causado arrepios na espinha do traidor. Como cada discípulo estava questionando Jesus àquele respeito, Judas, cinicamente, também perguntou: “Sou eu?” Jesus respondeu criptograficamente (em códigos indecifráveis para os demais naquele momento): “É como você diz” (Mateus 26.25). João registra que Judas, tão logo comeu o pão, saiu na carreira, e já era noite (João 13.27-30).
Lucas arremata a apresentação da Ceia do Senhor com material não encontrado em Mateus, Marcos e João (Lucas 22.24-30). Os discípulos já podiam sentir que os eventos estavam caminhando para um confronto épico e estavam convencidos de que estavam do lado certo, o lado que, pensavam, conquistaria status, poder e riqueza. Aquela preocupação com uma conquista “humana” de poder e sucesso os fazia, como sempre, disputar e argumentar a respeito de quem seria o maior ou mais importante no novo reino (Lucas 22.24). Jesus rapidamente colocou fim à discussão deles, trazendo um argumento poderoso: a autoridade no reino de Cristo é diretamente oposta à dos governantes desta terra, e os maiores são os que servem aos menores. Os Senhor os estava assegurando de que eles realmente reinariam com ele algum dia (Lucas 22-28-30), mas aquele dia ainda não havia chegado – e à medida que a grande narrativa de Deus se desenrolasse, ficaria cada vez mais claro que, nesse meio tempo, muita perseguição e sofrimento ainda precisavam ser experimentados por Jesus e seus seguidores.
Durante a Ceia, JESUS LAVOU OS PÉS DOS SEUS DISCÍPULOS, interagiu com eles e fez o DISCURSO DO CENÁCULO ou DISCURSO DE DESPEDIDA – João 13 a 14. A narrativa de João demonstra que – tendo lavado os pés dos discípulos e os ensinado uma grande lição a respeito de humildade e de serviço, dando-lhes o exemplo de como eles deveriam proceder no reino do Pai celestial (João 13.15-20), em vez de ficarem disputando entre si sobre qual deles seria o mais importante – o Senhor se angustiou em espírito, deu-lhes o novo mandamento do amor, avisou a Pedro que ele o negaria, revelou ser ele – Cristo – o caminho para as moradas que ele e o Pai estão nos preparando, prometeu o Espírito Consolador aos discípulos, cantaram um hino juntos (provavelmente extraído dos Salmos 113 a 118), levantaram-se e partiram para o Monte das Oliveiras.
As palavras altamente significativas do Salmo 118.22-23 provavelmente ressoavam na mente de Jesus na medida em que ele se aproximava dos horrores da crucificação cada vez mais próximos – dizia o salmista: “A pedra que os construtores rejeitaram se tornou a pedra angular. Isso é obra do SENHOR e é maravilhosa de ver.” Jesus já havia citado esse versículo ao interpretar a parábola da vinha – ele mesmo era o herdeiro que os inquilinos da vinha haviam rejeitado e matado (Mateus 21.42). Os primeiros cristãos, da mesma forma, mais tarde interpretaram os versículos do salmo cantado ao final da última Ceia como sendo uma referência a Jesus: ele é a pedra angular que foi rejeitada, o único caminho para a salvação (Atos 4.10-12) e o fundamento, o alicerce da casa espiritual de Deus composta por seu povo (Efésios 2.19-20; 1Pedro 2.4-7). – Certamente que as palavras do último hino cantado na Ceia levaram grande conforto ao Senhor Jesus, lembrando-o de que a rejeição e o sofrimento que se aproximavam em alta velocidade eram os meios pelos quais Deus faria dele a pedra angular da salvação para todos os que cressem. Com essa segurança, ele estaria mais bem equipado para enfrentar a noite escura à sua frente no Getsêmani.
Jesus continuou com o seu DISCURSO DE DESPEDIDA e fez a sua ORAÇÃO SACERDOTAL – João 15 a 17. Seguindo com o discurso, o Senhor explicou aos discípulos que ele é a videira, o Pai é o que cuida da vinha e nós somos os ramos. Para maximizar a nossa frutificação, explicou Jesus, Deus, o viticultor, procede de duas maneiras. PRIMEIRO, o viticultor corta os ramos infrutíferos – por exemplo, Judas Iscariotes, que pela palavra da verdade de Cristo foi cortado do meio dos Doze e se tornou objeto do julgamento de Deus. SEGUNDO, o viticultor poda ou limpa os que estão dando frutos, para que produzam ainda mais frutos – por exemplo, vimos isto acontecer na vida dos primeiros discípulos que, dia a dia, sendo limpados pela palavra de Cristo, foram crescendo, a duras penas, em maturidade e produtividade no cumprimento da missão confiada a eles por Deus.
Na sequência do DISCURSO DE DESPEDIDA, Jesus alertou os discípulos para o fato de que eles seriam odiados pelo mundo por causa do nome de Cristo, mas, com a chegada do Consolador que seria enviado, eles seriam ensinados na verdade; o Espírito Consolador viria para ensiná-los, inspirá-los e capacitá-los a dar testemunho da vida e da obra gloriosas de Cristo. Era necessário, portanto, que Cristo fosse, mas a tristeza da separação, em breve, seria transformada em alegria, quando eles o reencontrassem ressurreto, explicou-lhes Jesus. E concluindo aquele discurso, o Senhor os encorajou: Em meio a dispersão que a crucificação e o sepultamento promoveriam, quando cada um seguiria para um rumo diferente, eles teriam que ter bom ânimo em meio às aflições, certos de que, assim como Cristo, eles venceriam o mundo (João 16.31-33).
O Senhor Jesus depois orou: orou por ele mesmo (João 17.1-5), orou pelos discípulos (João 17.6-19) e orou pelos seus futuros discípulos, eu e você, inclusive (João 17.20-26).
Terminada a ORAÇÃO SACERDOTAL, João nos conta da chegada de Judas, o traidor, com a escolta romana e alguns guardas da parte dos principais sacerdotes e fariseus para prender Jesus (João 18.1-11). Jesus foi preso, levado a Anás, sogro de Caifás, sumo sacerdote naquele ano (João 18.12-14). Mas isto será amanhã, sexta-feira.
Antes da prisão, no entanto, Jesus ainda teria dado várias INSTRUÇÕES PRÁTICAS aos discípulos, relacionadas a pertences e provisões para viagem. Apenas Lucas (22.35-38) registra essas palavras de sabedoria para o dia a dia dos discípulos durante o tempo que em breve chegaria.
Ainda no JARDIM GETSÊMANI, antes da prisão, Mateus 26.36-46, Marcos 14.32-42 e Lucas 22.39-46 nos dão alguns detalhes de como foi aquela estadia com o Senhor – enquanto Cristo lutava em oração, Pedro, Tiago e João lutavam para se manter acordados durante a vigília da noite. Aos três companheiros de oração, o Senhor desabafou e na companhia deles orou a Deus. Marcos 14.34-36: “Minha alma está profundamente triste, a ponto de morrer”, disse ele. “Fiquem aqui e vigiem.” Ele avançou um pouco e curvou-se até o chão. Então orou para que, se possível, a hora que o esperava fosse afastada dele. E clamou: “Aba, Pai, tudo é possível para ti. Peço que afastes de mim este cálice. Contudo, que seja feita a tua vontade, e não a minha”.
Na hora mais sombria de Jesus, ele modelou para seus discípulos e futuros cristãos o custo e a necessidade da submissão completa à vontade de Deus. A submissão nem sempre é agradável e muitas vezes dolorosa, mas sempre valerá a pena. O autor de Hebreus estava provavelmente comentando essas horas finais de oração de Jesus, quando escreveu: “Enquanto Jesus esteve na terra, ofereceu orações e súplicas, em alta voz e com lágrimas, àquele que podia salvá-lo da morte, e suas orações foram ouvidas por causa de sua profunda devoção.” (Hebreus 5.7).
Fazendo uma pausa em sua oração, Jesus se voltou para seus discípulos, apenas para encontrá-los dormindo. As únicas fontes de apoio e de ajuda humana durante os momentos mais difíceis de sua vida provaram não ser confiáveis. Mesmo então, Jesus estava mais preocupado com o bem-estar deles do que com o seu próprio – ele sabia que os três – Pedro, Tiago e João – também deveriam orar para estarem preparados para enfrentar as tentações e as dificuldades à frente: “Vigiem e orem para que não cedam à tentação, pois o espírito está disposto, mas a carne é fraca.” (Mateus 26.41).
Jesus não seria o único que seria provado. Embora Lucas mencione o flagrante de Jesus acontecendo apenas uma vez, Mateus e Marcos fornecem detalhes adicionais de que aquele ciclo foi repetido três vezes. Cada vez que Jesus partia, ele orava, implorando a Deus que encontrasse outro caminho, mas submetendo-se à vontade de Deus, e cada vez que ele partia, os discípulos dormiam. Numa daquelas ocasiões, Marcos nos relata, ao serem flagrados no sono, Pedro, Tiago e João “não sabiam o que dizer” (Marcos 14.40). Eles certamente estavam envergonhados, mas cansados demais para conseguir ficar acordados. Lucas fornece dois detalhes adicionais.
Na ausência de apoio humano, Deus não deixou Jesus sozinho, mas enviou um anjo para fortalecê-lo (Lucas 22.43). Aquele apoio angélico, no entanto, não conseguiu eliminar a agonia, e Lucas descreve a intensa condição mental e física de Jesus, observando que “sua angústia era tanta que seu suor caía na terra como gotas de sangue.” (Lucas 22.44). A palavra “como” pode indicar o uso de metáfora, embora Jesus também possa estar experimentando hematidrosis, uma condição clínica rara na qual os vasos sanguíneos explodem sob extrema angústia ou estresse físico e o suor se mistura com o sangue. Jesus sabia que estava prestes a fazer um sacrifício indescritivelmente doloroso – sobre-humano, e a única saída era prosseguir em frente.
Quando Jesus despertou Pedro, Tiago e João pela terceira vez, ele evidentemente viu ou ouviu a multidão que se aproximava, então anunciou aos três: “Levantem-se e vamos. Meu traidor chegou” (Mateus 26.46) – é chegada a hora da cruz, a hora do cochilo acabou.
Jesus tinha orado por seu coração e agora estava pronto para enfrentar com confiança sua morte vindoura. Começaria a sexta-feira da Paixão.
Como Você Responde aos Problemas?
O que podemos aprender? Qual aplicação nós podemos extrair destes incidentes da quinta-feira da última semana de Jesus?
UMA SUGESTÃO: Que dia, meu Deus! Que dia foi aquela quinta-feira de Jesus! Problema atrás de problema, mas o Senhor se revelou confiante nos planos do Pai para ele e se entregou com fé e alegria, não obstante à dor e às angústias. Problemas revelam que tipo de pessoas nós somos; problemas expõem o nosso coração. Algumas pessoas explodem e desistem diante de problemas. Algumas pessoas negam que existam os problemas. Algumas pessoas culpam outras pessoas pelos problemas. Algumas pessoas, tendo orado e se preparado na Palavra e na oração, levantam-se e partem para enfrentar os problemas como deve ser, no Espírito, glorificando a Deus e fazendo mais do que qualquer outra pessoa seria capaz de fazer naquela mesma situação. Como você normalmente responde aos problemas? Reflita sobre o que aprendemos de Jesus na sua última quinta-feira. Você observou atentamente como ele enfrentou os problemas? Como ele os respondeu? O que você aprendeu? Ah, meu Deus! Quanta coisa há para nós nessas passagens bíblicas! – Em uma colher de chá apenas: Jesus confiou a vida dele à vontade do Pai; Jesus celebrou a Páscoa com os discípulos; Jesus cantou hinos com letras bíblicas que foram poderosas para fortalece-lo; Jesus se retirou em oração com um grupo de pessoas mais íntimas. – Como essas atitudes de Jesus são reveladoras para todos nós em nossos problemas! Vê-se nelas a importância de nos prepararmos para enfrentarmos os problemas quando eles chegarem – quanta gente se arrebenta quando chegam os problemas, simplesmente porque nunca se prepararam para eles; vê-se também nesses textos a importância de descansarmos em Deus, entregarmos a vida e o futuro a Deus quando os problemas chegarem – a vontade de Deus para nós é sempre boa, agradável e perfeita.
Como você responde aos problemas?
Volte-se para Jesus. Aprenda com Jesus. Leia e releia a Palavra de Jesus. Permaneça em Jesus, na Palavra de Jesus e receba do Espírito Santo – que nos foi enviado por Jesus – , graça, força e poder para você enfrentar seus problemas de forma a glorificar o Senhor e abençoar a todos que estão em seu derredor.
Deus abençoe você na sua peregrinação. Paz.
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Pr. Leandro B. Peixoto