07.06.2020
[Hebreus 12.15] Cuidem que ninguém se exclua da graça de Deus; que nenhuma raiz de amargura brote e cause perturbação, contaminando muitos.
Ferroada de abelha
Quem já foi picado, sabe: ferroada de abelha dói muito. Alguém descreveu que a sensação instantânea é semelhante a de levar um choque de alta voltagem.
Depois da picada, o local da ferroada fica vermelho, inchado e latejando de dor. É uma dor que persiste mesmo depois daquela sensação inicial na hora da ferroada. Por quê?
Quando as abelhas ferroam, elas injetam em suas vítimas um veneno (melitina) que ativa receptores de dor, o que resulta naquela sensação de queimadura. Depois que o ferrão penetra a pele da vítima, como ele tem a forma de uma espada com farpas, ele fica preso lá dentro, para injeção de mais veneno. A dor pode durar vários dias.
Agora, não é só a vítima que sofre com a ferroada. A abelha também sofre, e em alguns casos sofre até mais do que a vítima.
Quando uma abelha se sente ameaçada, ela utiliza o ferrão na pessoa que estiver por perto. Depois de dar a ferroada, ela tenta escapar e, por causa das farpas, a parte posterior do abdômen, onde se localiza o ferrão, na maioria das vezes fica presa na pele da vítima e, em alguns casos, a abelha perde uma parte do intestino, morrendo logo em seguida. Os órgãos prejudicados das abelhas em caso de o ferrão ficar preso na vitima variam de intestino até o coração.
Ferroada de gente
Não é só ferroada de abelha que dói. Ferroada de gente também é capaz de produzir uma dor insuportável na alma de quem foi tratado injustamente (ou julga que foi tratado injustamente). Ferrão de gente tem as mais diferentes formas: abusos físicos, verbais, ou sexuais; castigos desumanos (principalmente na infância); bullying; traição; abandono; injustiça; agressão; ofensa; desprezo; insulto; vergonha; humilhação; maus tratos; dívida; golpe; desonestidade; calúnia; fofoca; desrespeito; etc.
Ao ser ferroada, a pessoa só será curada depois que o ferrão for retirado da alma, depois que o perdão for concedido a quem lhe “ferroou”. O problema é que muita gente ferroada age como criança, ou seja: berra de dor, lamenta e chora por todos os cantos, queixa-se do ocorrido pra quem lhe der ouvidos, mas não deixa quem quer que seja tocar na ferida, arrancar o ferrão e aplicar o remédio.
Ferrão na alma
Gente ferroada por gente geralmente fica indisposta a perdoar. Normalmente, essas pessoas não admitem que estejam ressentidas, mas ao tocar no nome daquela pessoa ou lembrar da situação, brota raiva e rancor de dentro delas. Elas se transformam para o mal. Dizem que não têm nada contra, mas não querem nem ouvir falar. São pura mágoa.
Lewis B. Smedes, em seu livro Perdoe e esqueça: curando as mágoas que não merecemos (Forgive and Forget: Healing the Hurts We Don’t Deserve), escreveu que
O ressentimento é a ira multiplicada pelo tempo. Ele não se dissipa como a ira, mas se esconde na alma e não é detectado por aparelho de ultrassonografia.
Smedes também comenta o seguinte:
Fingimos que estamos em paz enquanto há raiva lá dentro, no fundo. Então, escondido e reprimido, nosso ódio abre torneiras subterrâneas de veneno que, aos poucos, contamina todo o corpo e nossos relacionamentos de maneira imprevisível e muitas vezes irreparável.
O ferrão do ressentimento não arrancado da alma é fatal em todos os sentidos – física, emocional, relacional e espiritualmente.
Ferrão não arrancado da alma pode causar no corpo diversas doenças: insônia, dor de cabeça, esgotamento físico e mental, artrite, palpitações, taquicardia, úlceras, pressão alta, doença de pele, etc.
Emocionalmente, o ferrão na alma nos aprisiona ao passado, a quem nos ferroou e nos torna amargos e incapazes de amar.
As feridas que o ferrão do ressentimento não arrancado da alma pode causar nos relacionamentos também são desastrosas: gente que se relaciona sem amor, mas por interesse, por conveniência, por troca, pelo mesmo sentimento de vingança; gente que vive sozinha, que é evitada pelas pessoas, pois transpiram rancor; ao lado dela, todos concordam com ela, mas na primeira oportunidade todos somem da presença dela.
Espiritualmente, o ferrão do ressentimento não arrancado da alma também é fatal, pois quem não perdoa não pode dizer que um dia foi perdoado por Deus:
1Jo 4.19-21 – 19 Nós amamos porque ele nos amou primeiro. 20 Se alguém afirmar: “Eu amo a Deus”, mas odiar seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê. 21 Ele nos deu este mandamento: Quem ama a Deus, ame também seu irmão.
Combatendo o ressentimento
Graças a Deus que não precisamos conviver com esse ferrão de ressentimento destilando veneno e dor na alma da gente, matando-nos aos poucos. Há remédio para esse mal, não importa o tamanho da ferroada. É o remédio da graça de Deus que, se tomado pela fé, poderá arrancar o ferrão e sarar a ferida no corpo, na alma, nos relacionamentos e na caminhada com Deus.
Sim, é possível perdoar a ferroada da sogra, da nora, do genro, do sogro, do pai, da mãe, dos filhos, do amigo, do cônjuge, do parente próximo, do irmão, etc. Mas, como?
É impressionante como tanta gente doente não quer ser curada nem ao menos encarar o seu problema de frente. É gente que evita o médico. Não quer confronto. Nega a doença. Finge estar tudo bem. Foi por isso que, diante do cego Bartimeu, Jesus perguntou: “O que você quer que eu lhe faça?” (Mc 10.51). Pergunta óbvia? Não! Por quê? Tem muito cego que não quer ver. Tem muito doente que não quer cura. Tem muita gente que só quer ser bajulada, consolada, afirmada.
Se você quer ser curado do ferrão do ressentimento, encare o ferrão e deixe Deus colocar a mão nele. Não queira viver sendo adulado, consolado e afirmado para o resto da vida. Cresça. Queira ser curado. Encare de frente e deixe Deus tratar.
Hb 12.15 – Cuidem que […] nenhuma raiz de amargura brote e cause perturbação, contaminando muitos;
“Cuidem que” traduz a palavra grega “episkopeo”, que também dá origem ao substantivo “bispo”. O que faz o bispo? O bispo preside e supervisiona. O bispo fica de olho. O bispo faz o diagnóstico e aplica a doutrina. É assim que ele cuida.
Hebreus, portanto, está dizendo que devemos supervisionar constantemente as nossas vidas (“Cuidem que” está no presente ativo), de forma a não permitir que raiz de amargura (raiz venenosa) brote e cause danos, contaminando outros.
Em outras palavras: encare o ferrão e deixe Deus colocar a mãe nele. Não deixe que o ferrão continue lá na sua alma destilando veneno, provocando dor, matando você aos poucos, destruindo seus relacionamentos com o próximo e com Deus. Confesse a Deus o seu ódio, a sua amargura, o seu ressentimento e perdoe.
Além de admitir que há veneno de ódio e rancor circulando pelas veias da alma (que precisa ser drenado, expurgado, confessado), encarar o ferrão e deixar Deus colocar a mão nele significa reconhecer que deve haver (e haverá) justiça. Sim, deve haver (e haverá) justiça. Deus fará justiça:
2Ts 1.6-9 – É justo da parte de Deus retribuir com tribulação aos que lhes causam tribulação, e dar alívio a vocês, que estão sendo atribulados, e a nós também. Isso acontecerá quando o Senhor Jesus for revelado lá dos céus, com os seus anjos poderosos, em meio a chamas flamejantes. Ele punirá os que não conhecem a Deus e os que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus. Eles sofrerão a pena de destruição eterna, a separação da presença do Senhor e da majestade do seu poder.
Entregar a sua causa ao Justo Juiz significa confiar na aplicação de seus decretos. Aos que se arrependem e creem em Jesus, Deus imputa justiça e derrama em Cristo todos os pecados (inclusive aqueles cometidos contra nós). Aos que não se arrependem e não creem em Jesus, Deus derramará justo juízo no dia final.
Confiar na justiça de Deus e celebrá-la com júbilo (Ap 18.20) não é se alegrar na vingança, mas se alegrar em confiar que Deus é justo e saberá executar os seus juízos da forma mais correta possível. Do contrário, Paulo não teria sido tão prudente ao escrever:
Rm 12.14-21 – Abençoem aqueles que os perseguem; abençoem, e não os amaldiçoem. Alegrem-se com os que se alegram; chorem com os que choram. Tenham uma mesma atitude uns para com os outros. Não sejam orgulhosos, mas estejam dispostos a associar-se a pessoas de posição inferior. Não sejam sábios aos seus próprios olhos. Não retribuam a ninguém mal por mal. Procurem fazer o que é correto aos olhos de todos. Façam todo o possível para viver em paz com todos. Amados, nunca procurem vingar-se, mas deixem com Deus a ira, pois está escrito: “Minha é a vingança; eu retribuirei”, diz o Senhor. Ao contrário: “Se o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede, dê-lhe de beber. Fazendo isso, você amontoará brasas vivas sobre a cabeça dele”. Não se deixem vencer pelo mal, mas vençam o mal com o bem.
Se Paulo estivesse celebrando a vingança pela vingança ele jamais teria dito que nós devemos ajudar os inimigos, vencer o mal com o bem e abençoar aqueles que nos perseguem. Paulo está dizendo que no final Deus saberá muito bem como aplicar justiça aos que pecaram contra ele e contra nós e nunca se arrependeram, refugiando-se na justiça de Cristo.
Entregar a causa ao Justo Juiz não é continuar se consolando na “santa vingança”, mas na sabedoria do Senhor Soberano para julgar.
Cl 3.12-13 – Portanto, como povo escolhido de Deus, santo e amado, revistam-se de profunda compaixão, bondade, humildade, mansidão e paciência. Suportem-se uns aos outros e perdoem as queixas que tiverem uns contra os outros. Perdoem como o Senhor lhes perdoou.
Entregue a sua causa ao Justo Juiz.
Encare o ferrão e deixe Deus colocar a mão nele – confesse o rancor.
Entregue a sua causa ao Justo Juiz – confie e perdoe.
Encontre o propósito soberano de Deus para o seu sofrimento – construa.
Deus nunca é pego de surpresa. Ele não só conheceu de antemão tudo o que nos aconteceria como também decretou que assim fosse, do contrário ele não seria Deus Soberano. E tudo o que acontece, de bem ou de mal, coopera para o bem, sempre para o bem, daqueles que amam a Deus e são chamados de acordo com os seus propósitos (Rm 8.28).
Portanto, a sua dor, o ferrão do sofrimento em sua alma, o que você sofreu, é sim para o seu bem. Eu sei que é duro de acreditar, mas é sim para o seu bem (pode ser!) – é para a sua salvação, para a sua santificação, para a sua satisfação em Deus.
José do Egito viu todo o seu sofrimento injusto dessa maneira:
Gn 50.15-21 – Vendo os irmãos de José que seu pai havia morrido, disseram: “E se José tiver rancor contra nós e resolver retribuir todo o mal que lhe causamos?” Então mandaram um recado a José, dizendo: “Antes de morrer, teu pai nos ordenou que te disséssemos o seguinte: ‘Peço-lhe que perdoe os erros e pecados de seus irmãos que o trataram com tanta maldade!’ Agora, pois, perdoa os pecados dos servos do Deus do teu pai”. Quando recebeu o recado, José chorou. Depois vieram seus irmãos, prostraram-se diante dele e disseram: “Aqui estamos. Somos teus escravos!” José, porém, lhes disse: “Não tenham medo. Estaria eu no lugar de Deus? Vocês planejaram o mal contra mim, mas Deus o tornou em bem, para que hoje fosse preservada a vida de muitos. Por isso, não tenham medo. Eu sustentarei vocês e seus filhos”. E assim os tranquilizou e lhes falou amavelmente.
Isso é que é encontrar o propósito soberano de Deus para o sofrimento!
Aquilo que sofremos, justa ou injustamente, serve para usarmos para o bem de outros feridos como nós. Paulo diz assim:
2Co 1.3-5 – Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, Pai das misericórdias e Deus de toda consolação, que nos consola em todas as nossas tribulações, para que, com a consolação que recebemos de Deus, possamos consolar os que estão passando por tribulações. Pois assim como os sofrimentos de Cristo transbordam sobre nós, também por meio de Cristo transborda a nossa consolação.
O ferrão do sofrimento na alma torna o céu mais real e necessário:
Hb 11.35-40 – Houve mulheres que, pela ressurreição, tiveram de volta os seus mortos. Uns foram torturados e recusaram ser libertados, para poderem alcançar uma ressurreição superior; outros enfrentaram zombaria e açoites; outros ainda foram acorrentados e colocados na prisão, apedrejados, serrados ao meio, postos à prova, mortos ao fio da espada. Andaram errantes, vestidos de pele de ovelhas e de cabras, necessitados, afligidos e maltratados. O mundo não era digno deles. Vagaram pelos desertos e montes, pelas cavernas e grutas. Todos estes receberam bom testemunho por meio da fé; no entanto, nenhum deles recebeu o que havia sido prometido. Deus havia planejado algo melhor para nós, para que conosco fossem eles aperfeiçoados.
Seja qual for o ferrão em sua alma. Não importa de quem ele tenha vindo. Deus, em graça soberana e em amor eterno, planejou a sua vida de forma que você encontrasse propósito nela através do seu sofrimento – para a sua salvação, a sua santificação e a sua satisfação em Deus.
Combatendo o ressentimento
Encare o ferrão e deixe Deus colocar a mão nele.
– Confesse o seu rancor e o seu ressentimento.
– Arranque esse ferrão de sua alma.
Entregue a sua causa ao Justo Juiz.
– Confie na justiça de Deus em Cristo e perdoe.
– Ore pelo seu inimigo. Suplique a graça de Deus sobre ele.
Encontre o propósito soberano de Deus para o seu sofrimento.
– Construa a sua vida a partir de sua experiência; use-a para abençoar outros.
– Encare-a à luz da graça soberana e do amor leal de Deus.
Jaime Kemp, falando sobre perdão, nos ensina que:
Perdoar não é esquecer, mas se lembrar como fato consumado.
Perdoar não é sentimento, mas decisão proposital que demonstra graça.
Perdoar não é voltar ao passado, mas tratá-lo com misericórdia.
Perdoar não é exigir mudanças de quem nos feriu antes de perdoarmos.
Perdoar é muito difícil, mas não é impossível.
Perdoar é considerar o outro como tão carente de graça como nós somos.
Ef 4.2-5.2 – Sejam bondosos e compassivos uns para com os outros, perdoando-se mutuamente, assim como Deus os perdoou em Cristo. Portanto, sejam imitadores de Deus, como filhos amados, e vivam em amor, como também Cristo nos amou e se entregou por nós como oferta e sacrifício de aroma agradável a Deus.
Perdoe e se veja livre desse ferrão.
Confie na justiça de Deus.
Use a sua ferida para curar a ferida de outros.
Suplique por graça e misericórdia agora mesmo (por você e por quem lhe ferroou). Afinal, lembre-se de que quem ferroa e não se trata, assim como a abelha, pode perder o coração e morrer.
Temos muito o que tratar hoje a noite. Quem ferroou e quem foi ferroado. Que a graça de Deus seja sobre todos nós.
Hebreus 12.15
Cuidem que ninguém se exclua da graça de Deus; que nenhuma raiz de amargura brote e cause perturbação, contaminando muitos;
S.D.G. L.B.Peixoto
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