28.06.2020
[Filemom] 1Eu, Paulo, prisioneiro de Cristo Jesus, escrevo esta carta, junto com nosso irmão Timóteo, a Filemom, nosso amado colaborador, 2à irmã Áfia, a Arquipo, nosso companheiro na luta, e à igreja que se reúne em sua casa. 3Que Deus, nosso Pai, e o Senhor Jesus Cristo lhes deem graça e paz. 4Sempre dou graças a meu Deus por você em minhas orações, 5pois ouço com frequência de sua fé no Senhor Jesus e de seu amor por todo o povo santo. 6Oro para que você ponha em prática a comunhão que vem da fé, à medida que entender e experimentar todas as coisas boas que temos em Cristo. 7Seu amor, meu irmão, tem me dado muita alegria e conforto, pois sua bondade tem revigorado o coração do povo santo. 8Por isso, ainda que pudesse exigir em Cristo que você faça o que é certo, 9prefiro pedir com base no amor — eu, Paulo, já velho e agora prisioneiro de Cristo Jesus. 10Suplico que demonstre bondade a meu filho Onésimo. Tornei-me pai dele na fé quando estava aqui na prisão. 11Onésimo não lhe foi de muita utilidade no passado, mas agora é muito útil para nós dois. 12Eu o envio de volta a você, e com ele vai meu próprio coração. 13Gostaria de mantê-lo aqui comigo enquanto estou preso por anunciar as boas-novas; assim ele me ajudaria em seu lugar. 14Mas eu nada quis fazer sem seu consentimento. Meu desejo era que você ajudasse de boa vontade, e não por obrigação. 15Ao que parece, você perdeu Onésimo por algum tempo para ganhá-lo de volta para sempre. 16Ele já não é um escravo para você. É mais que um escravo: é um irmão amado, especialmente para mim. Agora ele será muito mais importante para você, como pessoa e como irmão no Senhor. 17Portanto, se me considera seu companheiro na fé, receba-o como receberia a mim. 18Se ele o prejudicou de alguma forma ou se lhe deve algo, cobre de mim. 19Eu, Paulo, escrevo de próprio punho: Eu pagarei. E não mencionarei que você me deve sua própria vida. 20Sim, meu irmão, faça-me essa gentileza no Senhor. Reanime meu coração em Cristo! 21Escrevo esta carta certo de que você fará o que lhe peço, e até mais. 22Por favor, prepare um quarto para mim, pois espero que minhas orações sejam respondidas e eu possa voltar a visitá-lo em breve. 23Epafras, meu companheiro de prisão em Cristo Jesus, manda lembranças. 24Marcos, Aristarco, Demas e Lucas, meus colaboradores, também enviam saudações. 25Que a graça de nosso Senhor Jesus Cristo esteja com o espírito de vocês.
A Relevância da Fé Cristã
Os cristãos são geralmente acusados de omissão. Costumam dizer que não somos pela justiça social, não nos importamos com a causa dos pobres, não nos manifestamos contra racismo, violência ou injustiças cometidas contra minorias. Por aí vai… A mensagem que se prega é que nós cristão nos alienamos com a história da vida eterna e deixamos a cabeça lá no céu, nas coisas celestiais, enquanto tudo e todos se explodem aqui na terra.
É verdade que ao longo da história pessoas e grupos em nome do cristianismo cometeram todos os tipos de injustiça contra o ser humano. Não precisamos aqui ficar pontuando algumas dessas barbaridades. É também verdade que houve omissões igualmente lastimáveis por parte daqueles que se diziam cristãos, quando não uma ação direta de injustiça cometida contra o próximo. Com efeito, para a nossa vergonha, em nome da fé, todo tipo de abuso já foi cometido por parte daqueles que diziam estar seguindo a Bíblia – de violência doméstica, abuso infantil ou racial aos tiranos nacionalistas ou imperialistas que apareceram na história. É uma vergonha, uma tristeza, mas é verdade.
O problema, no entanto, não está na Bíblia, no Deus da Bíblia ou no Cristo dos cristãos. Prova é que uma olhada mais honesta nos anais da história revelará o quanto o cristianismo contribuiu para a causa dos direitos humanos e tantas outras questões sociais que nos são tão caras. Dentre tantos avanços, estamos falando, por exemplo, da democracia, da liberdade de expressão e da abolição da escravatura. Há muito mais. Pesquise e veja.
O professor Adauto Lourenço, um dos maiores cientistas cristãos em atividade, dedicando-se também a ensinar sobre apologética, que é a defesa da fé cristã, tem uma frase que é irretocável: “A ciência devidamente estabelecida e a Bíblia, corretamente interpretada, não entrarão em contradição.” Eu parafrasearia esta afirmação verdadeira da seguinte maneira: “A Bíblia, corretamente interpretada e praticada no Espírito, longe de ser fonte de atraso científico, autoritarismo, repressão ou abuso de qualquer natureza, promoverá a salvação do indivíduo e a verdadeira justiça social.”
A Declaração de Fé dos Batistas do Sul dos EUA [meu sonho que a dos Batistas Brasileiros estivesse escrita nesses termos, ipsis litteris!], traz o seguinte sobre a Bíblia:
A Bíblia Sagrada foi escrita por homens divinamente inspirados e é a revelação do próprio Deus ao homem. É um tesouro perfeito de instrução divina. Deus é o seu autor, a salvação é o seu fim, e a verdade, sem mistura de erro, seu assunto. Portanto, toda a Escritura é totalmente verdadeira e confiável. Revela os princípios pelos quais Deus nos julga, portanto é e continuará sendo até o fim do mundo, o verdadeiro centro da união cristã e o padrão supremo pelo qual toda conduta humana, credos e opiniões religiosas devem ser baseados. Toda a Escritura é um testemunho de Cristo, sendo Ele o próprio foco da revelação divina.
*Fonte: A Fé e A Mensagem Batista, Artigo I: As Escrituras,
disponível em http://www.sbc.net/pdf/translate/portuguese/thebaptistfaithandmessage.pdf.
A fé cristã, portanto, corretamente pautada pelas Escrituras e corajosamente praticada no poder do Espírito Santo, é de uma relevância inigualável para todas as culturas e épocas. Filemom é um exemplo claro do que estamos dizendo. Trata de justiça e de perdão.
Quem nunca precisou perdoar? Quem nunca desejou que se fizesse justiça? Quem nunca foi lesado por alguém? Quem nunca precisou pedir perdão? Quem nunca teve de restituir alguma coisa a alguém? Percebeu? Esses são problemas reais! Ferem lá fora, em níveis sociais, e machucam aqui dentro, nas relações interpessoais nas camadas mais diversas: familiar, eclesiástica, profissional, etc.
O caso de Floyd, o homem negro que foi morto pelo policial branco em Minnesota. A esposa que foi traída. O filho que furtou os pais. Pare e pense. Como lidar com essas questões reais? Como perdoar? Como agir, enquanto cristãos, para que questões como essas sejam definitivamente sanadas, a justiça estabelecida e a paz desfrutada? A resposta do cristianismo é o amor, o amor que flui do evangelho de Jesus Cristo. O amor faz justiça. Essa verdade nos traz mais uma vez à carta de Paulo a Filemom.
A aplicação da justiça e o restabelecimento da paz
A verdadeira fé cristã diz respeito à justiça. A justiça de Deus. A justiça entre os homens. Mas quando falamos em justiça, sem que se tenha algo concreto, fica difícil de se conceituar ou de se conceber. Precisamos de casos concretos. Filemom é um caso concreto.
Lemos a carta toda no início. Aliás, se você está acompanhando a série, esta foi a segunda vez que nós lemos a carta a Filemom. Você percebeu que a carta está cheia de gente? Contamos 12 pessoas diferentes nos 25 versículos desse documento tão pequeno. Além de Paulo, Filemom e Jesus, nós temos Timóteo, Áfia, Arquipo, Onésimo, Epafras, Marcos, Aristarco, Demas e Lucas. Dessa dúzia de gente, destacaremos os três casos mais detalhados e que nos são apresentados nessa miniatura do Novo Testamento.
A necessidade era de que justiça fosse feita e a paz fosse restabelecida. Trocando em miúdos, alguém necessitava de perdão, alguém tinha a oportunidade de perdoar e alguém estava encorajando o perdão. À medida que examinamos esses casos, oro para que você consiga enxergar a relevância da fé cristã para a sua vida e para o cenário atual, em nível global. Oro ainda para que possamos todos aprender o jeito cristão de se buscar a justiça.
A necessidade de perdão: Onésimo
Podemos reconstruir a história de Onésimo a partir de alguns versículos da carta mesma. Paulo refere-se a Onésimo como alguém que “já não é um escravo”, sugerindo que a posição anterior dele era de escravo (v. 16). Falaremos mais sobre a escravidão no período bíblico (e como o cristianismo cooperou para colocar um ponto final nessa desumanidade) em mensagem posterior. Por ora, basta dizer que está claro pelo texto que Onésimo era escravo ou servo. E todo o tom da carta, em especial a partir do versículo 14, sugere que ele era um escravo que pertencia a Filemom. No entanto, algo deu errado.
No versículo 11, Paulo refere-se ao fato de Onésimo não ter sido “de muita utilidade [para Filemom] no passado” – ele deve ter sido um servo preguiçoso, displicente ou malcriado. No versículo 14, Paulo reconhece que Onésimo não poderia permanecer com ele sem o consentimento de Filemom. No versículo 15, o apóstolo refere-se à separação de Onésimo e de Filemom como algo que precisava ser de algum modo esclarecido. Então, no versículo 18, Paulo é mais claro – parece que Onésimo agiu errado com Filemom e estava em débito com ele. Paulo não é mais específico do que isso, mas pelas palavras do versículo 18 – “se ele o prejudicou de alguma forma ou se lhe deve algo, cobre de mim” –, muitos especulam que Onésimo deve ter roubado algo de Filemom e, depois, com medo do castigo e da justiça, tenha fugido. Qualquer que seja a razão, Onésimo abandonou Filemom de forma ruim e deixou algo pendente, não resolvido.
Após a fuga, de algum modo, Onésimo acabou conhecendo Paulo. Parece que uma vez na companhia do apóstolo em Roma (lugar perfeito para um fugitivo tentar se esconder), ele tornou-se “útil” (v. 11). Mais que isso, ele tornou-se cristão.
No versículo 10, Paulo diz: “meu filho Onésimo. Tornei-me pai dele na fé quando estava aqui na prisão”. Ora, parece que Paulo, sempre intencional em tudo que fazia, ganhou Onésimo para o Senhor Jesus Cristo, enquanto estava na prisão. E Onésimo, após encontrar a verdadeira fé, tornou-se “útil” e “irmão amado” para Paulo (vs. 11, 16). O coração de Paulo ligou-se ao de Onésimo de tal forma que, referindo-se a ele, falou: “Eu o envio de volta a você, e com ele vai meu próprio coração.” (v. 12).
Após sua conversão, Onésimo precisava reparar os erros que cometeu. Filemom poderia se dispor a libertá-lo de sua obrigação, mas Onésimo teria de começar o processo de restauração, pedindo perdão e oferecendo-se, antes de tudo, para restituir Filemom, qualquer que fosse o dano que suas ações e subsequente fuga pudessem ter causado ao patrão.
Pois bem, Onésimo retorna a Filemom em grande necessidade de perdão. Filemom precisava recebe-lo de volta, primeiro em seu coração e depois em sua casa para o serviço e para a amizade. Em outras palavras: o relacionamento precisava ser restaurado. Onésimo precisava que Filemom o perdoasse, e por isso, Paulo envia Onésimo de volta para Filemom.
Outra coisa: Onésimo retorna a Filemom para restituí-lo. Sim, existia também a questão da restituição. O que Onésimo podia fazer? Aparentemente, ele roubou algum bem de Filemom. Com certeza, ele roubou horas de trabalho. Ele precisava ressarcir Filemom, mas como podia fazer isso? Certamente que ele não tinha recursos para bancar a dívida com Filemom. Nem mesmo Paulo, que se ofereceu para pagar, tinha os recursos (vs. 18-19). Na pior das hipóteses, Onésimo restituiria com trabalho.
Ao retornar para casa, o servo não vai apenas com a necessidade de ser perdoado e de restituir o patrão. Onésimo volta para casa valorizado. Fica claro que Paulo valoriza Onésimo em altíssima estima. A ponto de ele pedir a Filemom: “Sim, meu irmão, faça-me essa gentileza no Senhor. Reanime meu coração em Cristo!” (v. 20). Paulo, provavelmente, desejava que Filemom desse as boas-vindas a Onésimo com o devido perdão, movido pelo amor. Afinal, Paulo já tinha dito no versículo 9: “prefiro pedir com base no amor”. Reanimar o coração de Paulo era a mesma coisa que reanimar o coração de Onésimo. Essa valorização amorosa por parte de Filemom cobriria a multidão de pecados de Onésimo e alegraria todas as partes, especialmente o coração de Paulo.
O apóstolo ainda vai além. Onésimo precisava de perdão, restituir o patrão e ser valorizado. Mas tinha algo mais no coração de Paulo para Onésimo. Repare no pedido do apóstolo no versículo 22: “Por favor, prepare um quarto para mim, pois espero que minhas orações sejam respondidas e eu possa voltar a visitá-lo em breve.” Ou seja: Paulo pretendia chegar junto e acompanhar de perto o desenrolar daquela história.
Portanto, esse é Onésimo – o servo que roubou, fugiu e encontrou Paulo, e, ao encontrar Paulo, encontrou Cristo e o caminho de volta para casa. Esse Onésimo, um belo dia, aparece na casa de Filemom com nada menos que uma carta de Paulo nas mãos. A carta, aliás, trazia as seguintes palavras (v. 19): “Eu, Paulo, escrevo de próprio punho: Eu pagarei. E não mencionarei que você me deve a própria vida.” Uau!
Você consegue imaginar o ex-escravo em pé à porta de entrada da casa de seu ex-patrão – quando a porta foi aberta – precisando de perdão, sendo incapaz de ressarcir e sendo cuidado apenas por alguém que está em uma prisão distante dali?! Em certo sentido, o desamparo desse ex-escravo é incomparável. Ele não pode oferecer nada e merece punição, merece castigo. Contudo, ele permanece lá sem desculpas para apresentar. Apenas com a verdade, e a carta de Paulo na mão.
Onésimo é o retrato de alguém que precisa de perdão. Você perdoaria Onésimo?
A oportunidade de perdoar: Filemom
Agora, olhemos para o retrato de alguém que tem a oportunidade de perdoar: Filemom. Tudo que acabamos de dizer que Onésimo precisa, Filemom é chamado a suprir.
PRIMEIRO, A OBRIGAÇÃO DE FILEMOM: PERDOAR. Considere o escopo do perdão que Paulo pede a Filemom:
Filemom precisava dar as boas-vindas a Onésimo, acolhê-lo em amor. O apóstolo pede a Filemom que receba Onésimo (v. 17). Ele é requisitado a abrir os braços para a mesma pessoa que (provavelmente) o roubou e, depois, abandonou-o. É requisitado a convidar esse homem a voltar para sua casa. Mas pode-se confiar nesse homem? Filemom terá de contar os talheres de prata todos os dias? Terá de verificar o troco toda vez que Onésimo voltar do mercado? Terá de vigiar as galinhas?
Filemom precisava ainda transferir ou absorver a dívida de Onésimo. Claro que receber Onésimo talvez também significasse dizer que Filemom pediria que Paulo reembolsasse qualquer débito pendente. É interessante o fato de Paulo não dizer apenas: “Perdoe e esqueça, Filemom. Isso tudo é passado. Vamos deixar isso para trás.” Mas não, o apóstolo reconhece uma dívida genuína que precisa ser paga. Ele diz a Filemom (v. 18): se Onésimo “o prejudicou de alguma forma ou se lhe deve algo, cobre de mim.” Será que Filemom entendeu essa fala como: “Absorva a perda, Filemom.” Fico pensando: será mesmo que Filemom enviaria a conta de Onésimo para o grande apóstolo, enfraquecido e já velhinho em uma prisão romana? Fazer isto seria o mesmo que gastar a aposentadoria da avó em trivialidades. Não é o tipo de coisa que uma pessoa séria faria! Contudo, parece que parte do perdão concedido a Onésimo envolvia resolver o débito em que Onésimo incorreu. Fosse isso absorver a perda ou solicitar a um apóstolo idoso e preso que pagasse a conta, o fato é que era necessário lidar com a situação; a dívida era parte do problema. Perdoar Onésimo envolvia Filemom levar em conta esses problemas reais. Eles não podiam simplesmente ser varridos para baixo do tapete.
Cuidar de Onésimo. Perdoar Onésimo também acarretava cuidar dele. Paulo afirma claramente que consideraria a bondade de Filemom com Onésimo como dirigida a ele mesmo. Isso quer dizer que Filemom não podia apenas deixar Onésimo voltar para casa a contragosto. Paulo pedia mais que isso. Filemom teria de deixá-lo voltar para sua casa e para seu coração (v. 9 – “com base no amor”). Teria de perdoar genuinamente, de coração, os vários erros cometidos contra ele. Teria até mesmo que redobrar o cuidado afetuoso ao relacionamento dele como Onésimo.
Filemom precisava receber Paulo. Filemom teria que contar como certa a supervisão de Paulo sobre as atitudes dele. Ele não só teria de perdoar, mas teria de demonstrar que perdoou Onésimo. Certa dose de prestação de contas fazia parte desse perdão. Ele teria de preparar explicações para seus atos ou para a ausência deles para quando Paulo o fosse visitar (v. 22).
Filemom tinha a obrigação de perdoar. Você perdoaria?
SEGUNDO, A SITUAÇÃO DE FILEMOM: NADA FÁCIL. Vimos o escopo do perdão que Paulo pediu a Filemom. Consideremos agora a quem Paulo pede que Filemom perdoe. A situação de Filemom não era fácil.
O papel de Filemom na igreja. Fica evidente que Filemom tinha um papel proeminente na igreja. Provavelmente, ele era um dos poucos que tinham relacionamento pessoal com Paulo. Filemom vivia em Colossos, e Paulo nunca esteve naquela cidade, todavia, parece que Paulo mesmo foi o instrumento que levou Filemom ao Senhor (v. 19 – “você me deve sua própria vida”), provavelmente quando, vários anos antes, Paulo esteve na vizinhança, em Éfeso. Portanto, Filemom é um dos poucos da congregação que podia se vangloriar de que conhecia de fato o grande apóstolo. Paulo não escreveu essa carta “para a igreja”; ele a escreveu especialmente para Filemom (v. 1). Além disso, observamos que Filemom tinha um padrão econômico suficiente para contratar servos e era generoso o bastante para oferecer sua casa como local de reunião para a igreja colossense (v. 2). Fica claro que Filemom era um líder da igreja. Filemom precisava perdoar Onésimo.
A dificuldade para Filemom perdoar. Quão difícil pode ser perdoar? No mundo antigo, o perdão não era uma coisa considerada louvável. Você e eu podemos pensar: “Vamos, Filemom, concorde em perdoá-lo. É a coisa certa afazer. Deixe de ser teimoso.” Todavia, nem ele nem ninguém no mundo dele seria engrandecido ou reconhecido e aclamado por pensar assim. O fato de ele perdoar Onésimo seria visto como uma demonstração de fraqueza. Ele poderia trazer vergonha sobre si mesmo diante de seus conhecidos por tratar dessa maneira um empregado, ou servo contratado, que o roubou e fugiu. Talvez ele se preocupasse com o fato de que seu perdão estimulasse Onésimo a achar que seu crime tivesse sido pouca coisa. Talvez isso também encorajasse outros a seguir o exemplo de Onésimo e os fizesse pensar que também escapariam com facilidade. Perdoar não seria fácil. Contudo, Filemom é requisitado a perdoar.
A obrigação de Filemom de perdoar. Depois de considerar tudo, Filemom não é obrigado a perdoar Onésimo? Quando você pensa nas súplicas de Paulo, no papel público de Filemom na igreja e no fato de que ele conheceu o perdão de Deus em sua vida, Filemom poderia fazer outra coisa além de perdoar Onésimo, por mais doloroso que isso fosse? No versículo 6, Paulo diz: “Oro para que você ponha em prática a comunhão que vem da fé, à medida que entender e experimentar todas as coisas boas que temos em Cristo.” Paulo está falando sobre expressar o perdão cristão a um irmão – “praticar a comunhão que vem da fé”. Quando Filemom acolhesse Onésimo de volta e o restaurasse, ele teria uma compreensão mais plena do que Deus fez por ele em Cristo. Teria um conhecimento mais pleno dos tesouros de sua fé cristã. Experimentaria o bem do evangelho.
Fica claro que Filemom é o retrato de alguém que tem a oportunidade de perdoar. Fosse você nesta foto, você perdoaria?
O privilégio de encorajar o perdão: Paulo
Há mais um retrato nessa história, o retrato da pessoa que encoraja o perdão – Paulo. Paulo é a pessoa que, de alguma maneira, interceptou Onésimo. Paulo é a pessoa que compartilhou o evangelho com ele. E Paulo é a pessoa que, agora, envia-o de volta e escreve essa carta para acompanhá-lo. O orquestrador de tudo isso é Paulo.
O apelo de Paulo
Paulo apela a Filemom em termos vagos. Ele diz: “receba-o” (v. 17). Então, ele acrescenta uma frase importante: “como receberia a mim”. Essa é a única coisa que Paulo pede diretamente em favor de Onésimo. No restante da carta, ele expressa todos os seus pedidos como se fossem para ele mesmo, Paulo. Ele faz isso de três maneiras.
PRIMEIRO, Paulo pede que Filemom cobre dele mesmo quaisquer débitos que precisem ser ressarcidos (v. 18). Ele está disposto a assumir a conta para que ocorra o perdão e o relacionamento seja restaurado. Hoje, é muito comum, aqueles que trabalham para restaurar relacionamentos nos cobrarem pela ajuda que nos dão. Mas Paulo é diferente. Ele afirma: “Cobre de mim! Estou disposto a dedicar tempo, a reverter o problema, fazer qualquer esforço ou investimento para ver o relacionamento de vocês restaurado.”
SEGUNDO, conforme já observamos, Paulo faz-se o objeto do apelo ao pedir a Filemom: “Reanime meu coração em Cristo” (v. 20). Paulo identifica-se tão sinceramente com Onésimo que diz a Filemom: “Se fizer isso pela pessoa que amo é como se fizesse para mim. Importo-me com ele esse tanto, e isso é o quão importante é para mim que esse relacionamento seja restaurado.” Paulo investe totalmente a si mesmo nesse caso.
TERCEIRO, ele está disposto a gastar até mesmo o seu capital pastoral para ver esse perdão e essa restauração ocorrerem, pedindo a Filemom que prepare um quarto para ele (v. 22). Agora, você acha que Paulo decidiu parar naquela cidade que nunca havia visitado antes só porque fazia parte de seu itinerário? Não, Paulo estava disposto a investir tempo naquele relacionamento que precisava ser restaurado. Então, ele viajaria e checaria de perto como a carta havia sido recebida por Filemom.
O método de Paulo
Também devemos perceber o método de Paulo. Ele é insistente! Não é difícil imaginar como Filemom deve ter se sentido pressionado ou constrangido para perdoar, acolher e libertar o servo outrora inútil que o havia roubado e fugido para bem longe. Mas Filemom deveria se pautar pelo evangelho e Paulo estava escrevendo para fazê-lo se lembrar dessa verdade – a vida se pauta pelo evangelho de Jesus Cristo.
COMO PAULO ARGUMENTA? Paulo começa tirando todas as travas dos olhos de Filemom para ver como ele reagiria. No versículo 8, o apóstolo chega perto de abusar de sua autoridade sobre Filemom, quando diz: “por isso, ainda que pudesse exigir em Cristo que você faça o que é certo”. Paulo, no entanto, não precisava chegar a esse ponto, pois sabia do amor de Filemom pelos crentes (v. 5). Por isso, ele apela a Filemom “com base no amor” (v. 9) e na “boa vontade” (v. 14), como se dissesse: “Demonstre amor por Onésimo (v. 9), com boa vontade e não por obrigação (v. 14), da mesma forma que você demonstra amor por todos os crentes (v. 5, 7); assim você estará demonstrando amor por mim (v. 17)”.
No versículo11, ele argumenta que receber Onésimo seria benéfico para Filemom, pois agora ele era cristão e agiria diferente de como foi no passado.
No versículo 12, quando Paulo refere-se a Onésimo como sendo “meu próprio coração”, o apóstolo não deixa dúvida de como esse assunto era importante para ele.
No versículo 13, Paulo enfatiza o sacrifício que ele mesmo faria (privando-se da presença dele) ao mandar o servo de volta a Filemom – dando a entender que Filemom também poderia se sacrificar, perdoando e recebendo Onésimo.
No versículo 14, Paulo demonstra que respeita os direitos de Filemom ao declarar: “Mas eu nada quis fazer sem seu consentimento” e, a seguir, procura demonstrar que a perda momentânea de Onésimo redundou em grande bem no final (v. 15): “Ao que parece, você perdeu Onésimo por algum tempo para ganhá-lo de volta para sempre.”
No versículo 16, o apelo é feito com base no afeto cristão. Paulo manda-o de volta, não mais como um escravo de Filemom, mas como “um irmão amado”, alguém “muito importante, como pessoa e como irmão no Senhor.”
Enquanto, no versículo 17, Paulo age com base em algum tipo de obrigação pessoal, ao dizer: “Portanto, se me considera seu companheiro na fé, receba-o como receberia a mim”, no versículo 18, Paulo se oferece para assumir os débitos de Onésimo.
No versículo 19, Paulo escreve de próprio punho, deixando-nos a impressão de que aquele ato estava sendo de alguma forma difícil para ele, mas ele fazia questão que fosse assim. Portanto, quando Paulo escreve de próprio punho, suas letras grandes (Gl 6.11) enfatizam a ideia: “VEJA BEM, ESSE CASO É REALMENTE IMPORTANTE PARA MIM”.
Nos versículos 20 e 21, ele faz um apelo direto: “Sim, meu irmão, faça-me essa gentileza no Senhor. Reanime meu coração em Cristo! Escrevo esta carta certo de que você fará o que lhe peço, e até mais.” Ou seja, Paulo chega a esse ponto para promover perdão e cura para esse relacionamento.
Não considere que Paulo esteja sendo abusivo ou desonroso em seu método. Se você e eu apenas nos empenhássemos dessa maneira com o propósito de conseguir perdão e reconciliação, talvez fôssemos mais bem-sucedidos em nossas tentativas e a sociedade seria melhor. Então eu te pergunto: o ponto a que Paulo chega faz com que você se lembre de alguém em particular? Talvez o próprio grande pacificador, Jesus Cristo, não é mesmo? Paulo está seguindo o exemplo de seu Mestre, que ia até mais longe para promover a paz.
Paulo é o retrato de alguém que encoraja o perdão – até mesmo apela para consegui-lo. Você agiria assim? Você é um pacificador?
O Amor faz Justiça
O pano de fundo da carta de Paulo a Filemom é a injustiça e a necessidade de pedir e de conceder perdão. Certamente Onésimo, em diversos momentos, sentiu-se e, de fato, deve ter sido injustiçado pelo seu senhor. Arrisco dizer que, calçado desse sentimento de indignação, talvez de ódio, sentindo-se minoria e massacrado, agiu para roubar e fugir. Deve ter achado que assim estaria fazendo justiça.
Filemom, por outro lado, certamente se sentiu defraudado. O sentimento, por certo, efervescia na sua alma na medida em que se lembrava de tudo que havia feito pelo servo, desencadeando em ressentimento e até desejo de vingança, travestido de justiça. Ele talvez precisasse de ajuda para perdoar. Ainda bem que Paulo o ajudou!
É nesse contexto que Paulo, como vimos, entra em cena e os fez lembrar, cristãos que eram Filemom e Onésimo, que nada está mais próximo do cerne da fé cristã que o reconhecimento da nossa necessidade de perdoar por causa da nossa necessidade de sermos perdoados em Cristo, ou perdoar pelo constrangimento de termos sido, imerecidamente, perdoados em Cristo.
Nessa breve carta, na qual ainda nos aprofundaremos, hoje nós observamos três retratos em miniatura de como a fé cristã se manifesta ou deve se manifestar em nós.
Como Paulo, somos pacificadores, somos chamados a pacificar. Jesus disse assim (Mt 5.9): “Felizes os que promovem a paz [os pacificadores], pois serão chamados filhos de Deus.” Há algo particularmente semelhante a Cristo em relação ao pacificador que Paulo personifica tão bem nessa carta. Pacificadores que saem do seu caminho, como Paulo faz nessa carta, empenhando-se com todo seu poder para trazer reconciliação, lembram Jesus. Se tivermos a verdadeira fé cristã, ser pacificador é uma característica da nossa vida.
Como Filemom, devemos perdoar, buscar a reconciliação. Se tivermos a verdadeira fé cristã, também aproveitaremos todas as oportunidades, como a que se apresentou diante de Filemom, para perdoar os outros. O perdão caracterizará nossa resposta às injustiças – grandes e pequenas, pessoais e coletivas, familiares e sociais. Lembre-se, Jesus ensinou seus discípulos a orar (Mt 6.12): “Perdoa nossas dívidas, assim como perdoamos os nossos devedores.” Você realmente quer fazer essa oração? Pense com muito cuidado nessa frase antes de orar o Pai Nosso de novo. Você realmente quer ser perdoado da mesma forma como perdoa os outros?
Como Onésimo, todos temos necessidade de perdão. Se temos a verdadeira fé cristã, reconhecemos nossa necessidade de perdão.
Precisamos do perdão dos outros: Sabemos, como Onésimo, que precisamos ser perdoados pelos outros. Não nos tornamos cristãos apenas para enrolar um véu de virtude em torno de nosso coração e de nossa vida e fingir que somos justos diante do mundo. Ao contrário, oramos para que Deus arranque o verniz – nossa pretensa justiça – e faça-nos confiar só na justiça de Cristo. Portanto, não podemos ficar ofendidos com a realidade de que nós também pecamos contra os outros. Se formos cristãos, como Onésimo, necessariamente reconhecemos que não somos paradigmas de virtude e buscamos o perdão das pessoas a nossa volta. Essa é uma parte inevitável de ser cristão.
Precisamos do perdão de Deus: Como podemos buscar o perdão dos outros? Fundamentalmente, reconhecendo nossa necessidade de sermos perdoados por Deus. Muitos, no entanto, vivem apenas pelo padrão de sua própria consciência, esquecendo-se de que, cauterizada pelo pecado, inflamada pela autopiedade e intoxicada pela justiça própria, a consciência humana se absolve. Já outros, perseguidos pela consciência culpada, sem saber como receber perdão e alívio, são capazes até mesmo de tirar a própria vida.
O que todos nós precisamos, pecadores que somos – que pecam contra Deus e contra o próximo –, é do amor condescendente de Deus, que desce a nós em nossa vida, oferecido a nós só porque Deus nos amou de tal maneira que enviou Jesus Cristo para satisfez as exigências da justiça para que todos os que se arrependem e creem tenham vida eterna.
Se temos a verdadeira fé cristã, precisamos ser perdoados e precisamos perdoar. Precisamos também agir como pacificadores. Ah! A nossa sociedade seria outra se vivêssemos para promover a justiça do amor, do amor de Deus revelado e disponível a todos nós em Cristo Jesus.
O amor faz justiça. Mas como? Lançando a injustiça na cruz – a nossa e a dos outros. Saindo para promover a paz, do homem com Deus e do homem com seu próximo.
O amor faz justiça. Prove e veja.
S.D.G. L.B.Peixoto
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