13.12.2020
[Gálatas 1.6-9] 6Admiro-me que vocês estejam se afastando tão depressa daquele que os chamou para si por meio da graça de Cristo. Vocês estão seguindo um caminho diferente que se faz passar pelas boas-novas, 7mas que não são boas-novas de maneira nenhuma. Estão sendo perturbados por aqueles que distorcem deliberadamente as boas-novas de Cristo. 8Que seja amaldiçoado qualquer um, incluindo nós, ou mesmo um anjo do céu, que anunciar boas-novas diferentes das que nós lhes anunciamos. 9Repito o que disse antes: se alguém anunciar boas-novas diferentes das que vocês receberam, que seja amaldiçoado.
Iniciamos, domingo passado pela manhã, o estudo de sola Scriptura – somente a Bíblia. Afirmamos que vivemos em um mundo pós-verdade, em que fatos objetivos têm menos influência que os apelos às emoções e às crenças pessoais. Entretanto, nossa é uma época cheia de reivindicações de verdades concorrentes – i.e., cada um com a sua própria verdade.
Para não sucumbirmos ao caos pessoal, social e de perdição eterna, precisaremos de uma autoridade máxima sobre nós – e não poderá ser a razão pura, a experiência pessoal ou alguma outra autoridade possível, interna ou externa, que se sirva a produzir o contexto adequado para a leitura, a compreensão e o apelo das Escrituras. A autoridade decisiva de que precisamos é a Bíblia, somente a Bíblia.
Hoje é o Dia da Bíblia. Nesta ocasião, amarraremos algumas conclusões desse estudo todo. Na primeira parte do estudo, basicamente o que vimos foi o entendimento sobre a Bíblia antes da Reforma Protestante e as semelhanças com o nosso tempo (somente a Bíblia e a crise de autoridade). Na segunda parte, olhamos para o entendimento da Reforma sobre a Bíblia e suas implicações para os crentes e a igreja (somente a Bíblia como fonte da autoridade). Nesta terceira parte, concluiremos apresentando alguns significados práticos da doutrina como um todo, destacando a crença na suficiência da Bíblia (seguida da prática) como a maior necessidade da igreja contemporânea que afirma o sola Scriptura (somente a Bíblia e a suficiência da Bíblia).
Nosso estudo, as duas primeiras partes de Somente a Bíblia, permite-nos fazer algumas afirmações importantes. Trata-se de como um cristão protestante, reformado e evangélico entende (ou deve entender) o sola Scriptura. Em outras palavras, o que se deve dizer ao afirmar “Sim, eu creio, somente a Bíblia, sola Scriptura”?
A autoridade ou mesmo a inerrância da Bíblia, conquanto sejam assuntos críticos, não são os únicos assuntos de crítica importância que defrontam a igreja contemporânea.
James Montgomery Boice (O Evangelho da Graça, p. 70) falou como um profeta quando escreveu a respeito do problema mais comum dos evangélicos contemporâneos:
É possível acreditar que a Bíblia é a inerrante Palavra de Deus, a única regra infalível de fé e prática, e ainda negá-la e efetivamente repudiá-la apenas porque pensamos que ela não é suficiente para as tarefas de hoje e que outras coisas precisam ser utilizadas para realizar o que é necessário. Isto é exatamente o que muitos evangélicos e igrejas evangélicas estão fazendo.
A suficiência da Bíblia é o ponto em comum nas três mais importantes passagens acerca de si mesma: o Salmo 19; Mateus 4 e 2Timóteo 3. A primeira contrasta a Palavra escrita com a revelação geral de Deus na criação. A segunda mostra como Jesus usou a Bíblia para vencer a tentação. A terceira é o conselho de Paulo a Timóteo em vista dos terríveis tempos que via chegando. Cada um desses textos enfatiza que apenas a palavra de Deus é suficiente para esses desafios.
Salmo 19
A primeira parte do Salmo 19 é sobre a revelação de Deus na natureza (vs. 1-6); a segunda parte é sobre a Bíblia (vs. 7-11). A revelação de Deus na natureza é maravilhosa e, com efeito, aponta para a existência do glorioso Criador (vs. 1-6), mas ela é limitada. Por contraste, a revelação de Deus na Bíblia é completa, vs. 7-11:
7A lei do SENHOR é perfeita e revigora a alma. Os decretos do SENHOR são dignos de confiança [fiel] e dão sabedoria aos ingênuos. 8Os preceitos do SENHOR são justos [retos] e alegram o coração. Os mandamentos do SENHOR são límpidos [puros] e iluminam a vida. 9O temor do SENHOR é puro [límpido] e dura para sempre. As instruções do SENHOR são verdadeiras e todas elas são corretas. 10São mais desejáveis que o ouro, mesmo o ouro puro. São mais doces que o mel, mesmo o mel que goteja do favo. 11São uma advertência [admoestam] para teu servo, grande recompensa para quem os cumpre.
Que lindo! Pense: com qual linguagem seria possível ao salmista enfatizar mais contundentemente a completa e absoluta suficiência da Bíblia, a palavra de Deus?
Mateus 4
Em Mateus 4 descobrimos a suficiência da palavra de Deus na tentação, pois foi com citações de Deuteronômio 8.3, 6.16, e 6.13 que Jesus opôs-se a cada investida de Satanás. O Senhor não argumentou com Satanás, apesar de seus poderes de argumentação certamente ultrapassarem os do tentador. Ele não recorreu a poderes sobrenaturais para escapar desta provação ou de alguma forma se ver livre de Satanás, apesar de ter este poder também. Não pediu a Deus por alguns sinais especiais ou intervenção angelical para dizer-lhe o que ele deveria dizer a Satanás.
Primeiro round:
3O tentador veio e lhe disse: “Se você é o Filho de Deus, ordene que estas pedras se transformem em pães”. 4Jesus, porém, respondeu: “As Escrituras dizem: ‘Uma pessoa não vive só de pão, mas de toda palavra que vem da boca de Deus’”.
Segundo round:
5Então o diabo o levou à cidade santa, até o ponto mais alto do templo, 6e disse: “Se você é o Filho de Deus, salte daqui. Pois as Escrituras dizem: ‘Ele ordenará a seus anjos que o protejam. Eles o sustentarão com as mãos, para que não machuque o pé em alguma pedra’”. 7Jesus respondeu: “As Escrituras também dizem: ‘Não ponha à prova o Senhor, seu Deus’”.
Terceiro round:
8Em seguida, o diabo o levou até um monte muito alto e lhe mostrou todos os reinos do mundo e sua glória. 9“Eu lhe darei tudo isto”, declarou. “Basta ajoelhar-se e adorar-me.” 10“Saia daqui, Satanás!”, disse Jesus. “Pois as Escrituras dizem: ‘Adore o Senhor, seu Deus, e sirva somente a ele’.” 11Então o diabo foi embora, e anjos vieram e serviram Jesus.
A estratégia de Cristo foi muito mais simples. Jesus conhecia a Bíblia, firmava-se nela e a usava poderosamente para superar os seus problemas, mesmo os diabólicos.
2Timóteo 3
Paulo fazia o mesmo. Por exemplo: advertindo seu jovem discípulo contra os tempos terríveis do fim, o apóstolo escreveu a Timóteo (vs. 1-4):
1Saiba que nos últimos dias haverá tempos muito difíceis. 2Porque as pessoas só amarão a si mesmas e ao dinheiro. Serão arrogantes e orgulhosas, zombarão de Deus, desobedecerão a seus pais e serão ingratas e profanas. 3Não terão afeição nem perdoarão; caluniarão outros e não terão autocontrole. Serão cruéis e odiarão o que é bom, 4trairão os amigos, serão imprudentes e cheias de si e amarão os prazeres em vez de amar a Deus.
O mais chocante é que, tendo descrito esta cultura maligna e mundana, atolada em sua ruína, Paulo continuou no versículo 5: “Serão religiosas apenas na aparência, mas rejeitarão o poder capaz de lhes dar a verdadeira devoção”.
Quando o apóstolo diz que “serão religiosos apenas na aparência” ou, como diz a ARA, “tendo forma de piedade”, ele não poderia estar se referindo a pagãos. Paulo nunca teria descrito os pagãos de sua época com tendo “uma forma de piedade” ou “religiosos apenas na aparência. Pagãos não têm forma de piedade, tampouco são religiosos na aparência. Paulo, com efeito, estava descrevendo a igreja, melhor: gente de dentro da igreja. Em outras palavras: o problema principal que o apóstolo está pontuando não é que o mundo será mal no final dos tempos, antes do retorno de Cristo, mas que a igreja será cópia do mundo. A igreja será indistinguível do mundo — tendo forma de piedade, mas negando o poder — e será igualmente corrupta, pelo menos quando se observar da superfície.
O que Timóteo deveria fazer em face deste cenário?
Paulo teria alguma arma secreta para apresentar?
Não, em Vez de algo novo, vemos Paulo recomendando o que Timóteo sempre possuiu – a palavra de Deus – porque a Bíblia é suficiente mesmo para tempos terríveis como os dos dias do fim. 2Timóteo 3.14-16:
14Você, porém, deve permanecer fiel àquilo que lhe foi ensinado. Sabe que é a verdade, pois conhece aqueles de quem aprendeu. 15Desde a infância lhe foram ensinadas as Sagradas Escrituras, que lhe deram sabedoria para receber a salvação que vem pela fé em Cristo Jesus. 16Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para nos ensinar o que é verdadeiro e para nos fazer perceber o que não está em ordem em nossa vida. Ela nos corrige quando erramos e nos ensina a fazer o que é certo. 17Deus a usa para preparar e capacitar seu povo para toda boa obra.
A Bíblia é suficiente para a evangelização e o discipulado
A Palavra de Deus é suficiente para todas as coisas, sobretudo para a evangelização. De fato, é a única coisa que realmente funciona em evangelização. Tudo o mais – música envolvente, testemunhos comoventes, apelos emocionantes e até mesmo ir à frente para fazer um compromisso pessoal com Jesus Cristo – será, no máximo, complementar. E se tais coisas forem usadas ou se dependermos delas à parte da pregação fiel e do ensino da palavra de Deus, as “conversões” que resultarem não serão genuínas, significando que quem responder ao tal apelo, terá se tornado um cristão apenas de nome. A única maneira pela qual o Espírito Santo trabalha para regenerar homens e mulheres perdidos é através da Bíblia. Pedro escreveu, 1Pedro 1.23:
Pois vocês nasceram de novo, não para uma vida que pode ser destruída, mas para uma vida que durará para sempre, porque vem da eterna e viva palavra de Deus.
Paulo, aos romanos, escreveu (Rm 10.17) que “a fé vem por ouvir, isto é, por ouvir as boas-novas a respeito de Cristo [por ouvir ser falada a palavra a respeito de Cristo].” João, o apóstolo, atestou que a Palavra é suficiente para a salvação e a sustentação do crente na fé (Jo 20.31): “Estes [sinais registrados no meu Evangelho], porém, estão registrados para que vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo nele, tenham vida pelo poder do seu nome.”
A Bíblia é suficiente para a salvação e a sustentação do crente, portanto, ela é suficiente para a evangelização do perdido e o discipulado cristão.
A Bíblia é suficiente para reforma e o progresso social
Talvez a área mais questionada sobre a suficiência da palavra de Deus seja a da renovação, do progresso e da reforma social. Vivemos em uma cultura decadente e, enquanto cristãos, queremos ver o senhorio de Jesus reconhecido, a justiça feita e a virtude aumentar. Já o descrente debocha das Escrituras e a descarta como solução para os males sociais. Entretanto, todos nós, cristãos e não cristãos, queremos ver o pobre assistido em suas necessidades e sofrimentos, por exemplo. Como isto poderá acontecer? Certamente não será através de mais programas governamentais, maior atuação do Estado ou da ênfase da igreja no trabalho social – apesar de tais coisas terem sim um lugar suplementar ou paliativo.
Reforma e progresso social resultarão do ensino e da prática da palavra de Deus. A história, desde a Reforma Protestante, está cheia de exemplos, mas passemos a um deles particularmente especial.
Em 1535 o Conselho dos Duzentos, que governava a cidade de Genebra, na Suíça, decidiu cortar os laços com o catolicismo romano e aliar a cidade à Reforma Protestante. Tinha-se uma idéia muito vaga do que aquilo significava. Até esse ponto a cidade era notória por sua desobediência ou insubmissão às autoridades civis, jogatinas, danças indecentes, bebedeiras, adultério e outros pecados. Os cidadãos de Genebra literalmente corriam nus nas ruas, cantando canções indecentes e blasfemando contra Deus. Eles esperavam que esse estilo de vida continuasse mesmo depois deles terem se tornado protestantes e o Conselho não sabia o que fazer.
Haviam passado regulamentos, e mais regulamentos, destinados a refrear os vícios e a remediar a situação. Eles pensaram que se simplesmente se tornassem-se protestantes o problema moral da cidade seria resolvido. Obviamente que isso também não fez qualquer bem. A genuína mudança moral nunca vem de cima para baixo, da lei, mas de baixo para cima, através de pessoas transformadas.
A moralidade de Genebra continuou a declinar.
O Conselho decidiu convidar João Calvino para se tornar o pastor e o pregador principal de Genebra. Ele Chegou em agosto de 1536, um ano após a mudança abrupta, imposta de cima para baixo. A princípio, foi ignorado, até pelo Conselho. No primeiro ano nem remunerado foi. Além disso, sua primeira pregação foi tão impopular que foi demitido no início de 1538 (um ano e meio após a contratação).
Calvino se mudou para Estrasburgo (no leste da França), onde passou a viver muito feliz. Ele não tinha o menor desejo de voltar para a Suíça. Ainda assim, quando a situação em Genebra continuou a deteriorar, a opinião pública voltou-se a ele favoravelmente e, tomado por um sentimento de dever, retornou. Era dia 13 de setembro de 1541.
O reformador de Genebra (como ficou conhecido) não tinha outra arma a não ser a Bíblia. Desde o princípio, sua ênfase tinha sido no ensino da Bíblia, e retornava a ela agora, continuando suas pregações expositivas precisamente onde havia parado na Bíblia três anos e meio antes, quando foi expulso da cidade. Calvino pregava todos os dias, e sob o poder daquela pregação a cidade começou a ser transformada.
Na medida em que os moradores de Genebra adquiriam conhecimento da palavra de Deus e eram por ela transformados, a cidade se se tornava, como John Knox mais tarde descreveu, uma Nova Jerusalém de onde o evangelho se difundiu para o resto da Europa, Inglaterra e o Novo Mundo. Essa mudança de vida pessoal tornou possíveis outras mudanças sociais e estruturais.
O historiador Jacob Marcellus Kik escreveu sobre a milagrosa transformação que ocorreu em Genebra como resultado da suficiência das Escrituras:
Asseio era praticamente desconhecido em cidades de sua geração e epidemias eram comuns e numerosas. Ele acionou o Conselho para fazer regulamentos permanentes para estabelecer condições sanitárias e supervisão dos mercados. Os mendigos foram proibidos nas ruas, mas um hospital e um albergue foram providenciados e bem administrados. Calvino trabalhou zelosamente pela educação de todas as classes e estabeleceu a famosa Academia, cuja influência alcançou todas as partes da Europa e até mesmo as Ilhas Britânicas. Ele apressou o Conselho a introduzir a indústria de tecidos e seda, lançando assim a base para a riqueza temporal de Genebra. Esta indústria… mostrou ser próspera em Genebra especialmente porque Calvino, através do evangelho, criou dentro dos indivíduos o amor pelo trabalho, honestidade, economia e cooperação. Ensinou que o capital não era uma coisa maligna, mas o abençoado resultado de trabalho honesto e que podia ser usado para o bem-estar da humanidade. Os países sob a influência do calvinismo foram invariavelmente conectados com o crescimento industrial e a riqueza… Não é mera coincidência que liberdade religiosa e política surgiram naqueles países onde o calvinismo havia penetrado mais profundamente.
Provavelmente nunca existiu um exemplo mais claro de reforma moral e social extensivas do que a transformação de Genebra sob o ministério de João Calvino, e isso foi realizado quase completamente pelos frutos da pregação da palavra de Deus.
Pense novamente sobre 2Timóteo 3. Paulo encorajou Timóteo a continuar no caminho do ministério no qual ele estava andando porque “desde a infância, sabes as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus” (v. 15).
Por que a Bíblia é capaz de fazer isso?
É capaz de fazer isso porque é “inspirada por Deus” (v. 16). Isto é, é a própria palavra de Deus e, portanto, carrega em si mesma a autoridade e o próprio poder de Deus. Sim, é útil também. É útil “para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (vs. 16-17).
É exatamente isto. É disto que necessitamos, individual e socialmente falando. A Bíblia é suficiente para a evangelização do perdido e o discipulado cristão, ao passo que é igualmente suficiente para a reforma e o progresso social. Somente a Bíblia é suficiente para transformar, verdadeiramente, o indivíduo e, coletivamente, a sociedade.
A igreja no evangelho é o “apartamento decorado” o “showroom” da nova vida em sociedade que foi redimida pelo evangelho de Cristo, Atos 2.41-47:
41Os que acreditaram nas palavras de Pedro foram batizados, e naquele dia houve um acréscimo de cerca de três mil pessoas. 42Todos se dedicavam de coração ao ensino dos apóstolos, à comunhão, ao partir do pão e à oração. 43Havia em todos eles um profundo temor, e os apóstolos realizavam muitos sinais e maravilhas. 44Os que criam se reuniam num só lugar e compartilhavam tudo que possuíam. 45Vendiam propriedades e bens e repartiam o dinheiro com os necessitados, 46adoravam juntos no templo diariamente, reuniam-se nos lares para comer e partiam o pão com grande alegria e generosidade, 47sempre louvando a Deus e desfrutando a simpatia de todo o povo. E, a cada dia, o Senhor lhes acrescentava aqueles que iam sendo salvos.
S.D.G. L.B.Peixoto
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