07.03.2021
[João 13.21-38] 21Então Jesus sentiu profunda angústia e exclamou: “Eu lhes digo a verdade: um de vocês vai me trair!”. 22Os discípulos olharam uns para os outros, sem saber a quem ele se referia. 23O discípulo a quem Jesus amava ocupava o lugar ao lado dele à mesa. 24Simão Pedro lhe fez um sinal para que perguntasse a quem Jesus se referia. 25Então o discípulo se inclinou para Jesus e perguntou: “Senhor, quem é?”. 26Jesus respondeu: “É aquele a quem eu der o pedaço de pão que molhei na tigela”. E, depois de molhar o pedaço de pão, deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes. 27Quando Judas comeu o pão, Satanás entrou nele. Então Jesus lhe disse: “O que você vai fazer, faça logo”. 28Nenhum dos outros à mesa entendeu o que Jesus quis dizer. 29Como Judas era o tesoureiro, alguns imaginaram que Jesus tinha mandado que ele comprasse o necessário para a festa ou desse algum dinheiro aos pobres. 30Judas saiu depressa, e era noite. 31Assim que Judas saiu, Jesus disse: “Chegou a hora de o Filho do Homem ser glorificado e, por causa dele, Deus será glorificado. 32Uma vez que Deus recebe glória por causa do Filho, ele dará ao Filho sua glória, de uma vez por todas. 33Meus filhos, estarei com vocês apenas mais um pouco. E, como eu disse aos líderes judeus, vocês me procurarão, mas não poderão ir para onde eu vou. 34Por isso, agora eu lhes dou um novo mandamento: Amem uns aos outros. Assim como eu os amei, vocês devem amar uns aos outros. 35Seu amor uns pelos outros provará ao mundo que são meus discípulos”. 36Simão Pedro perguntou: “Para onde o Senhor vai?”. Jesus respondeu: “Para onde vou vocês não podem ir agora, mas me seguirão mais tarde”. 37“Senhor, por que não posso ir agora?”, perguntou ele. “Estou disposto a morrer pelo senhor.” 38“Morrer por mim?”, disse Jesus. “Eu lhe digo a verdade, Pedro: antes que o galo cante, você me negará três vezes.”
Em 1495, enquanto vivia um período de insegurança profissional e dificuldade financeira, Leonardo Da Vinci, artista de múltiplos talentos, preparava-se para dar início à pintura que viria a se tornar uma das obras de arte mais influentes de toda a história. A Última Ceia é uma pintura-mural complexa, de quatro metros e meio de altura por seis metros de largura. Levou três anos para ser concluído. Da Vinci não só nunca tinha pintado uma área tão extensa como também não possuía nenhuma experiência com afresco (método de pintura mural) – um trabalho exaustivo pelo tamanho. Diz-se que em meio à guerra e às turbulências políticas e religiosas que o rodeavam, e atormentado por suas próprias incertezas e frustrações, Leonardo criou a obra-prima (na Igreja de Santa Maria delle Grazie em Milão, Itália), que o definiria como um gênio também da pintura.
A Última Ceia de Da Vinci se baseia no texto de João que nós acabamos de ler, sobretudo os versículos 21-22 — “Então Jesus sentiu profunda angústia e exclamou: ‘Eu lhes digo a verdade: um de vocês vai me trair!’. Os discípulos olharam uns para os outros, sem saber a quem ele se referia.” — O afresco captura esse momento dramático como poucos artistas conseguiram pintar ou mesmo descrever em textos ou palavras.
Observa-se na pintura que a turbulência perturbava a mesa da última Páscoa dos discípulos com Jesus. Leonardo, em um de seus livros, escreveu que queria retratar a intenção da alma humana através dos semblantes, gestos e movimentos dos braços e das mãos. De fato, Da Vinci conseguiu sondar e captar uma profundidade psicológica até então desconhecida em pinturas anteriores d’A Última Ceia.
Na pintura, os discípulos estão postos em grupos de três. Em cada um dos quatro grupos, todos os participantes estão horrorizados, em estado de choque, expressando com olhares e gestos o espanto um ao outro – nas palavras de João: Os discípulos olharam uns para os outros, sem saber a quem ele se referia.” (v. 22). Todos estavam perplexos, isto é, exceto Judas Iscariotes. Na pintura, o traidor está paralisado, talvez recuado pelas palavras do SENHOR. Além de olhar fixamente para Jesus (como quem aguarda instruções!), Judas está segurando bem junto ao peito uma bolsa de couro – a bolsa que continha suas 30 moedas de prata pela traição. Da Vinci ironicamente o retrata derrubando o saleiro sobre a mesa – i.e., um dos homens escolhidos para ser o sal do mundo é precisamente o que está prestes a esfregar sal nas feridas do Salvador!
À sombra de sua própria culpa, vergonha, medo ou remorso, Judas agarra-se com força às peças de prata – era tudo o que ele tinha, uma vez que escolhera servir a Mamom. E guarda à sete-chaves em seu coração um segredo que só ele e Jesus compartilhavam naquele momento: ele é o traidor.
O nosso texto do Evangelho de João registra a debandada de Judas da companhia daquele que é a luz do mundo, rumo às trevas eternas. NOTE: o texto começa com o anúncio da traição: “Eu lhes digo a verdade: um de vocês vai me trair!” (v. 21), e lá pelas tantas somos informados de que “Judas saiu depressa, e era noite” (v. 30). NOTE: “E era noite”! A narrativa continua e na conclusão do texto nós aprendemos que nem mesmo Pedro, tão autoafirmativo como de costume, seria capaz de muita coisa na jornada noite adentro que todos ali embarcariam — versículo 38: “Morrer por mim?”, disse Jesus. “Eu lhe digo a verdade, Pedro: antes que o galo cante, você me negará três vezes.”
Há outro detalhe muito importante nesta obra de arte de João: na última mensagem aqui neste Evangelho – semana passada – vimos Jesus lavando os pés dos discípulos. A maior pessoa do universo – o Deus Criador de todas as coisas, na forma de homem – acabara de desempenhar o papel de servo. E então ele disse: “Eu lhes dei um exemplo a ser seguido. Façam como eu fiz a vocês” (Jo 13.15). Em outras palavras: “Sigam-me. Falem como eu falo e façam como eu faço. O servo não é maior do que seu mestre (Jo 13.16)”.
Mas aqui no texto em tela, Jesus toca uma nota diferente. O tom não é mais: “vocês devem me seguir e fazer o que eu faço”; o tom agora é outro: “vocês não podem me seguir agora”! Versículo 36: “Para onde vou vocês não podem ir agora, mas me seguirão mais tarde [só que agora vocês não podem]”. — A jornada noite adentro não é para vocês; ela é para Judas Iscariotes, e para mim! Ela é para Judas que, em busca da glória pessoal, escolheu o caminho das trevas eternas; e essa jornada também é para mim que, em busca da glória do Pai, serei engolido pela noite, pelas trevas, mas quebrarei os grilhões e as correntes da morte, e dissiparei para sempre as trevas.
Minha intenção nesta noite é olhar para este texto maravilhoso, seguindo essa jornada noite adentro. Neste caminho através da noite, examinaremos:
[1] A perturbação de Jesus (vs. 21-22);
[2] A ponderação de João (vs. 23-25);
[3] A perdição de Judas (vs. 26-30);
[4] A proclamação da glória de Deus (vs. 31-32); e
[5] A precipitação de Pedro (vs. 33-38).
No final nós traçaremos algumas notas de aplicação.
Nosso texto começa com o que estava no coração de Jesus logo após a lição do lava-pés, o estado de alma do nosso SENHOR:
João 13.21-22 21Então Jesus sentiu profunda angústia e exclamou: “Eu lhes digo a verdade: um de vocês vai me trair!” 22Os discípulos olharam uns para os outros, sem saber a quem ele se referia.
O Senhor Jesus estava sentindo “profunda angústia” (v. 21)! Já os outros, estavam todos “sem saber a quem ele se referia” (v. 22), estavam alienados – claro, excerto Judas, e por razões óbvias, pois ele sabia que ele próprio era o traidor!
Cada um de nós sente “profunda angústia” de vez em quando. O verbo “angustiar” – grego: ταράσσω – é de sentido incerto, podendo significar: angústia, agitação, inquietação, comoção e perda da paz. É muito importante notar esta reação do Senhor.
A razão pela qual a angústia ou a perturbação do SENHOR se destaca é que João, no parágrafo seguinte, já no início do próximo capítulo, fala desse mesmo sentimento em nós – e que não poderia ser em nós alimentado:
João 14.1 Não deixem que seu coração fique aflito [grego: ταράσσω – “profundamente angustiado”, a mesma palavra de João 13.21]. Creiam em Deus; creiam também em mim.
Ou seja: em João 13.21, Jesus está com o espírito perturbado (aflito), mas em João 14.1 ele nos diz que não devemos ficar perturbados (aflitos), mas crer.
Como assim? [Veja como João é o Da Vinci das palavras!]
Ora, a julgar pelas próprias palavras de João (13.21 e 14.1), há um tipo de alma perturbada que é pecaminosa e um tipo de alma perturbada que é santa. Não é verdade? Afinal, Jesus nunca pecou, mas sua alma estava “profundamente angustiada”. Hebreus 4.15 corrobora com o que estamos dizendo: “Nosso Sumo Sacerdote entende nossas fraquezas, pois enfrentou as mesmas tentações [testes] que nós, mas nunca pecou.”
Portanto, sim, há um tipo de angústia profunda que é sem pecado. Há uma perturbação de alma que não é pecaminosa. Há uma espécie de turbulência na alma que não é devida ao pecado. Mas há a do tipo que é pecaminosa!
Qual é a diferença?
A ALMA ATRIBULADA PECAMINOSA se deve à incredulidade. É isto o que João 14.1 parece dizer: “Não deixem que seu coração fique aflito. Creiam em Deus; creiam também em mim.”
Por outro lado, a ALMA ATRIBULADA SANTIFICADA se deve ao amor. Veja: Jesus não está angustiado ou perturbado por causa da perspectiva de sua própria agonia. Esse tipo de agonia acontecerá, com certeza, lá no Getsêmani, depois que ele atravessar o vale do Cedrom e entrar no bosque de oliveiras (Jo 18.1); e lá sim, “sua angústia [grego: αγωνια, agonia, luta] [será] tanta que seu suor [cairá] na terra como gotas de sangue” (Lc 22.44). Mas aqui em João 13.21, não. Sua perturbação ou angústia neste momento é pelo seu amigo Judas – Mateus 26.50: “Jesus disse [a Judas Iscariotes]: “Amigo, faça de uma vez o que veio fazer”.
Portanto, a perturbação de Jesus no Cenáculo é por causa de Judas, pelo que ele fará em instantes, e João nos testifica isto, dizendo (Jo 13.21): “Então Jesus sentiu profunda angústia [POR QUÊ?] e exclamou: “Eu lhes digo a verdade: um de vocês vai me trair!” Essa é a dor de Jesus “Um de vocês vai me trair!” Alguém entre aqueles que estão comigo há três anos vai me trair. Depois de tudo que passamos juntos… depois de tudo que fiz por vocês… depois de todas as maravilhas que vocês experimentaram… depois de todos os sinais que vocês testemunharam… depois de tudo que vocês ouviram… “Um de vocês vai me trair!” E por isso “Jesus sentiu profunda angústia!”
A jornada noite adentro é uma jornada que angustia profundamente a alma da gente. Por quê? Ocorre que a parte da vida cristã que é semelhante à vida de Cristo causará um turbilhão de perturbações na alma da gente. Não digo uma perturbação pecaminosa que vem da falta de fé nas promessas de Deus, mas uma perturbação santificada que vem do amor por alguém que está prestes a destruir a si mesmo no pecado e difamar a glória de Deus no proceder. Paulo se sentia assim o tempo todo, Romanos 9.1-3:
1Digo-lhes a verdade, tendo Cristo como testemunha, e minha consciência e o Espírito Santo a confirmam. 2Meu coração está cheio de amarga tristeza e angústia sem fim 3por meu povo, meus irmãos judeus. Eu estaria disposto a ser amaldiçoado para sempre, separado de Cristo, se isso pudesse salvá-los.
Agora, a vida de Jesus não foi arruinada ou se tornara miserável por esta “profunda angústia” santificada. A mesma fé em Deus que dissipa a “profunda angústia” pecaminosa mantém a “profunda angústia” santificada em seus próprios limites do equilíbrio. Não nos oprime. Ela vem temperada com épocas ou estações de profunda alegria. Mas quem de fato ama, quem se importa com o ser humano, com o próximo, de tempos em tempos terá o coração partido pela “profunda angústia” de ter alguém tão próximo virando as costas para Jesus (e para nós) ou maculando a glória de Deus no seu proceder. Sobretudo quando tal pessoa provou de tantas bênçãos, viu tantos milagres, ouviu tantas verdades… e ainda assim se recusa a receber Jesus com arrependimento e fé.
A cena da última ceia pelo pincel de Da Vince é primorosa, mas o que lemos da pena de João é algo infinitamente além do simples gênio talentoso, é – literalmente! – divino. Observe na sequência de nosso texto os detalhes que João incluiu nesta história:
João 13.23-25 23O discípulo a quem Jesus amava ocupava o lugar ao lado dele à mesa. 24Simão Pedro lhe fez um sinal para que perguntasse a quem Jesus se referia. 25Então o discípulo se inclinou para Jesus e perguntou: “Senhor, quem é?”.
Lemos aqui detalhes sobre o tal “discípulo a quem Jesus amava” (sabemos que era João) e o local onde ele se assentava naquela mesa. E mais: somos informados de que o tal discípulo “se inclinou para Jesus e perguntou: ‘Senhor, quem é?’”
Por que esta ponderação de João é importante?
Observe os detalhes, veja a disposição dos assentos para a última ceia.
É bom saber que naquele tempo os judeus não se sentavam à mesa, como hoje se faz; eles reclinavam. A mesa era uma espécie de bloco bem baixo e sólido, um tipo de mesa de centro de sala de estar com almofadas ao redor. Tinha o formato de U, e o lugar do anfitrião era o centro. Sentados em almofadas, reclinavam-se sobre o bloco para o lado esquerdo, apoiando-se no cotovelo esquerdo, deixando a mão direita livre para lidar com a comida e a bebida sobre o bloco que servia de mesa. Sentada dessa forma, a cabeça de uma pessoa ficava quase que no peito da pessoa reclinada à sua esquerda.
Pois bem, Jesus estaria sentado no lugar do anfitrião, no centro daquela espécie de semi-circunferência um pouco elevada do chão que os servia de mesa. O discípulo a quem Jesus amava, isto é: João, estava sentado à sua direita, pois com o cotovelo apoiado na mesa, sua cabeça ficava praticamente no peito de Jesus.
De onde quer que estivesse, Pedro sinaliza a João para que perguntasse a Jesus quem era o traidor. João, como diz o versículo 25, inclina a cabeça na direção de Jesus e pergunta a ele: “Senhor, quem é?”. Sutilmente, Jesus lhe responde: “É aquele a quem eu der o pedaço de pão que molhei na tigela” (v. 26). Estamos supondo que o Senhor disse isso bem baixinho porque os outros discípulos não ouviram o que ele disse a João, posto que quando Judas vai embora, eles não sabem por que ele está indo embora – afinal, “Como Judas era o tesoureiro, alguns imaginaram que Jesus tinha mandado que ele comprasse o necessário para a festa ou desse algum dinheiro aos pobres” (v. 29).
Por que esses detalhes? O que eles nos dizem?
Esses detalhes nos revelam que o que nós estamos lendo aqui é a descrição de uma testemunha ocular. João, o discípulo a quem Jesus amava, escreveu, ele próprio, este Evangelho. Sabemos disso por causa do que ele diz mais tarde. Em João 21.24, referindo-se ao discípulo a quem Jesus amava (Jo 21.20), ele diz: “Este é o discípulo que dá testemunho destes [viu estes] acontecimentos e que os registrou aqui. E sabemos que seu relato é fiel” (Jo 21.24). E novamente, em João 19.35, “Essa informação provém de uma testemunha ocular. Ela diz a verdade para que vocês também creiam.”
Em outras palavras, a razão pela qual o autor se autodenomina “o discípulo a quem Jesus amava” não é porque Jesus não amou os outros ou os tenha amado menos (Jo 13.1; 15.9), mas para deixar claro o papel tão próximo, íntimo, pessoal que ele próprio teve naquilo tudo, demonstrando que seu testemunho ocular era fiel e verdadeiro. O que João quer que saibamos quando lemos esses detalhes é: Eu estava lá. Eu vi tudo. Eu sei do que estou falando. Essas coisas realmente aconteceram. É tudo verdade.
Que maravilha!
Não estamos lidando aqui com mito ou ficção. “Este é o discípulo que dá testemunho destes acontecimentos e que os registrou aqui. E sabemos que seu relato é fiel” (Jo 21.24). Deixe essa verdade penetrar fundo no seu coração enquanto você lê este Evangelho e ouve esta mensagem. Ela vem de alguém bem próximo a Jesus, alguém a quem o Senhor amava.
Nesses detalhes todos, além do lugar ocupado por João – a testemunha ocular que escreveu este Evangelho –, o assento ocupado por outro discípulo é de interesse especial nesta narrativa. Estamos falando de Judas Iscariotes. Veja, João 13.26:
26Jesus respondeu: “É aquele a quem eu der o pedaço de pão que molhei na tigela”. E, depois de molhar o pedaço de pão, deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes.
Está bastante claro que Jesus falou com ele em particular, sem que os outros ouvissem ou mesmo percebessem alguma coisa (inda mais que Pedro estava todo curioso). Desse modo, há apenas um lugar que Judas poderia estar ocupando. Se João estava à direita de Jesus, Judas, obviamente, estava à sua esquerda. Outro detalhe que você não pode deixar de notar: se a cabeça de João estava próxima ao peito de Jesus, a cabeça de Jesus estava colada ao peito de Judas! Ainda mais revelador: o lugar à esquerda do anfitrião era o lugar de maior honra, reservado ao amigo mais íntimo.
Quando aquela refeição começou, Jesus deve ter dito a Judas: “Judas, venha sentar-se ao meu lado esta noite; quero falar especialmente com você.” O convite de Jesus, ou a simples oportunidade de se assentar no lugar de honra naquela noite, fazia a Judas um apelo especial, todo amoroso.
Mas tem mais:
O fato de o anfitrião oferecer ao convidado um pedaço especial do prato era mais um indicativo de carinho especial. Por exemplo: quando Boaz desejou mostrar o quanto honrava Rute, ele a convidou para chegar perto e mergulhar o pedaço de pão dela no vinho dele (Rt 2.14). Desse modo, quando Jesus entregou o pedaço molhado a Judas, que ainda por cima estava à sua esquerda, mais uma vez lhe revelou amor. Judas, entretanto, parece que nem mudou de cor, seu coração estava na jornada noite adentro:
João 13.27-30 27Quando Judas comeu o pão, Satanás entrou nele. Então Jesus lhe disse: “O que você vai fazer, faça logo”. 28Nenhum dos outros à mesa entendeu o que Jesus quis dizer. 29Como Judas era o tesoureiro, alguns imaginaram que Jesus tinha mandado que ele comprasse o necessário para a festa ou desse algum dinheiro aos pobres. 30Judas saiu depressa, e era noite.
Que tragédia, meu Deus! Jesus o chamou para o lugar de honra, conversou com ele, demonstrou-lhe amor e carinho, mas o coração de Judas já estava na estrada da noite. Sabe o que é ainda pior? Ninguém ao redor desconfiou de nada (exceto João que ouviu o sussurro de Jesus dizendo: “É aquele a quem eu der o pedaço de pão que molhei na tigela”. E, depois de molhar o pedaço de pão, deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes.” (v. 26).
Judas era o ator perfeito, o hipócrita exemplar. Uma coisa é certa: se os outros discípulos soubessem do que Judas era capaz e estava arquitetando, ele nunca teria saído daquela sala com vida. O tempo todo, Judas deve ter praticado atos de amor e de lealdade que enganaram todo mundo, exceto Jesus. Ele não era apenas um vilão descarado; ele era um hipócrita meticuloso. Há uma advertência a todos nós aqui: nossas ações externas podem até enganar outras pessoas (e quantas vezes elas enganam!), mas não há como esconder a escuridão de nosso coração dos olhos de Cristo.
Tendo relatado que “Judas saiu depressa, e era noite” (Jo 13.30), João nos conta que na maior escuridão da noite seria a hora em que Jesus brilharia com a glória mais cintilante:
João 13.31-32 31Assim que Judas saiu, Jesus disse: “Chegou a hora de o Filho do Homem ser glorificado e, por causa dele, Deus será glorificado. 32Uma vez que Deus recebe glória por causa do Filho, ele dará ao Filho sua glória, de uma vez por todas.
Não pense que a informação de que “era noite” (v. 30) seja apenas para nos informar a hora do dia em que os fatos se desenrolaram. Nada neste texto (em qualquer texto bíblico) é por acaso. De fato, este Evangelho começou com as palavras de triunfo da luz sobre a escuridão. Você se lembra?
João 1.5 “A luz brilha na escuridão, e a escuridão nunca conseguiu apagá-la.”
Mais adiante, Jesus declarou:
João 9.4 Devemos cumprir logo [enquanto é dia] as tarefas que nos foram dadas por aquele que me enviou. A noite se aproxima, quando ninguém pode trabalhar.
Ou seja: havia uma tarefa que Jesus e os discípulos deveriam fazer juntos, enquanto era dia. E eles a realizaram juntos por aproximadamente três anos. Jesus e os discípulos haviam completado essa tarefa. Agora a noite havia chegado (Jo 13.30), e ninguém, ninguém além de Jesus, poderia trabalhar, pois “era noite” (Jo 13.30).
O trabalho realizado por Jesus não foi desempenhado apesar das trevas, mas com a ajuda involuntária das trevas designadas pelo próprio Deus. Só Jesus poderia destruir as trevas, sendo engolido pelas trevas. Só Jesus poderia abolir a morte, sendo tragado pela morte, como Jonas na barriga do grande peixe. Só Jesus poderia desarmar Satanás, rendendo-se aos seus servos.
Recorde comigo as palavras do Senhor, algumas horas mais tarde, lá no jardim do Getsêmani, quando a turba encabeçada por Judas Iscariotes foi prendê-lo:
Lucas 22.53 Por que não me prenderam no templo? Todos os dias eu estava ali, ensinando. Mas esta é a hora de vocês, o tempo em que reina o poder das trevas”.
Observe as limitações impostas às trevas: “esta é a hora de vocês”. Jesus não diz que é a semana, o mês, o ano, a década ou o século. Deus mesmo estabeleceu os limites da hora das trevas. Duraria apenas daquele momento até a manhã de domingo. E então o SENHOR, ao terceiro dia, ressuscitaria dos mortos, quebraria as correntes da morte, escaparia para a vida, dissiparia a escuridão, anularia o poder de Satanás… e sua obra redentora estaria concluída. Todos os pecados do seu povo estariam pagos. Toda a ira do Pai contra seus eleitos teria sido satisfeita. O julgamento e a condenação de sua igreja terminaria, e sua noiva receberia um vestido do linho mais fino, puro e branco (Ap 19.5).
Lembre-se de que mostrar a glória de Jesus neste Evangelho é a principal forma que João escolheu para despertar e fortalecer nossa fé. João 1.14: “E vimos sua glória, a glória do Filho único do Pai.” E a mais brilhante demonstração dessa glória – a glória dessa graça – foi na hora mais negra do Evangelho, quando Jesus morreu no Calvário.
Quando Jesus estava fazendo o que ninguém mais podia fazer – dissipando as trevas, derrotando a morte, desarmando Satanás, pagando pelo pecado, cumprindo a justiça, absorvendo a ira, removendo a condenação – essa era sua conquista mais gloriosa. Em certo sentido, seu momento mais cintilante foi sua noite mais escura:
João 13.31-32 31Assim que Judas saiu [e era noite], Jesus disse: “Chegou a hora de o Filho do Homem ser glorificado e, por causa dele, Deus será glorificado. 32Uma vez que Deus recebe glória por causa do Filho, ele dará ao Filho sua glória, de uma vez por todas.
Portanto, quando Jesus diz que o Filho do Homem e Deus são glorificados um no outro, devemos entender que Deus Pai estava glorificando Deus Filho e Deus Filho estava glorificando Deus Pai. E a glória daquela noite foi o triunfo de uma salvação que eles tramaram juntos, com o Espírito Santo, desde antes da criação do mundo.
Nesta jornada noite adentro, vimos [1] a perturbação de Jesus, [2] a ponderação de João, [3] a perdição de Judas e [4] a proclamação da glória de Deus. Mas tem uma última cena pintada nesta ocasião pela pena de João: [5] a precipitação de Pedro.
Desde o início deste capítulo, Jesus está ensinando a mesma lição no preparo dos discípulos para as batalhas que eles teriam na proclamação do evangelho: eles precisavam amar do mesmo modo que ele, Jesus, os havia amado, do começo ao final (Jo 13.1); o amor deveria fazê-los servir (13.2-20); neste pacote todo, sua alma estava profundamente angustiada porque dentre aqueles que ele mais amou alguém o trairia do modo mais vil (13.21), e mesmo assim ele o amou (13.22-31); ainda por cima, havia chegado a hora de ele deixar os discípulos, e todo medo e ódio deveriam dar lugar ao amor, mas Pedro insistia em depender de si mesmo para seguir Jesus – e isso não daria certo:
João 13.33-38 33Meus filhos, estarei com vocês apenas mais um pouco. E, como eu disse aos líderes judeus, vocês me procurarão, mas não poderão ir para onde eu vou. 34Por isso, agora eu lhes dou um novo mandamento: Amem uns aos outros. Assim como eu os amei, vocês devem amar uns aos outros. 35Seu amor uns pelos outros provará ao mundo que são meus discípulos”. 36Simão Pedro perguntou: “Para onde o Senhor vai?”. Jesus respondeu: “Para onde vou vocês não podem ir agora, mas me seguirão mais tarde”. 37“Senhor, por que não posso ir agora?”, perguntou ele. “Estou disposto a morrer pelo senhor.” 38“Morrer por mim?”, disse Jesus. “Eu lhe digo a verdade, Pedro: antes que o galo cante, você me negará três vezes.”
A diferença entre Judas Iscariotes e Pedro é que Pedro, de fato, amava Jesus. E Jesus sabia disso. Entretanto, o amor de Pedro se alimentava de sua própria disposição, e desse modo ele não conseguiria bancar até o final seu amor pelo Senhor. Ele negaria Jesus, antes mesmo de o sol raiar no horizonte do novo dia.
Note que Jesus diz aqui que para onde ele ia eles não podiam ir naquela hora, mas o seguiriam mais tarde. Havia duas razões para eles não poderem ir naquela hora:
Primeiro, porque ELES ERAM MORALMENTE, ESPIRITUALMENTE INCAPAZES DE NEGAR A SI MESMOS E TOMAR SUA CRUZ E SEGUI-LO NAQUELE MOMENTO. — “Pedro, você acha mesmo que pode me seguir neste momento? Você nem vai conseguir passar a noite sem me negar!” — E não foi apenas Pedro que falhou. Todos falharam. João 16.32: “Mas se aproxima o tempo, e de fato já chegou, em que vocês serão espalhados; cada um seguirá seu caminho e me deixará sozinho. Mas não ficarei sozinho, porque o Pai está comigo.” Com efeito, Marcos 14.50 nos informa que “todos o abandonaram e fugiram.” Por quê? Eles não estavam prontos para fazer os sacrifícios necessários para seguir um Messias crucificado. Eles precisavam de um poder maior do Espírito Santo. Atos 1.8: “Vocês receberão poder quando o Espírito Santo descer sobre vocês, e serão minhas testemunhas em toda parte: em Jerusalém, em toda a Judeia, em Samaria e nos lugares mais distantes da terra.”
Segundo, eles não poderiam ir naquela hora porque JESUS ESTAVA PRESTES A FAZER O QUE SÓ ELE PODERIA FAZER: MORRER, não principalmente como um exemplo para inspirá-los, mas como um substituto para salvá-los. Podemos ver a prova do que estamos dizendo se continuarmos lendo no capítulo 14, que nos informa para onde Jesus estava indo que eles não poderiam ir naquele momento:
João 14.1-6 1“Não deixem que seu coração fique aflito. Creiam em Deus; creiam também em mim. 2Na casa de meu Pai há muitas moradas.. Se não fosse assim, eu lhes teria dito. Vou preparar lugar para vocês 3e, quando tudo estiver pronto, virei buscá-los, para que estejam sempre comigo, onde eu estiver. 4Vocês conhecem o caminho para onde vou.” 5“Não sabemos para onde o Senhor vai”, disse Tomé. “Como podemos conhecer o caminho?” 6Jesus disse: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém pode vir ao Pai senão por mim.
Em outras palavras: os discípulos de Jesus não vão para o céu – para o Pai – ombro a ombro com Jesus, ajudando-o; ou atrás de Jesus, imitando-o; nós vamos para o céu – para o Pai – por meio de Jesus, dependendo de Jesus:
— Para onde eu vou esta noite que você não pode me seguir?! Eu vou morrer por você, e assim me tornar o caminho para Deus. Você não pode me seguir agora. Só eu posso ir fazer o que deve ser feito. Este é meu trabalho. Só meu! Mas você irá depois, porque eu abrirei o caminho. Eu pagarei por seus pecados – todas as suas falhas. Então você irá – através de mim. Crendo em mim. Esperando em mim. Confiando em mim. Ninguém vem ao Pai exceto por mim. Isto é o que farei esta noite: abrirei o caminho noite adentro para que os pecadores venham ao Pai. E só eu posso fazer isso. Você não pode me seguir agora.
A precipitação de Pedro nos revela, pelos lábios de Jesus, palavras com boas notícias: [1] o Senhor conhece a nossa estrutura e sabe que em nós mesmos nós não conseguimos jamais segui-lo, precisamos do Espírito Santo; [2] o Senhor comprou para nós o perdão, assegurou a nossa salvação e nos enviou o Espírito para vivermos em novidade de vida, seguindo seus passos. Pedro entendeu a lição, e mais tarde escreveu:
1Pedro 2.21-25 21Porque Deus os chamou para fazerem o bem, mesmo que isso resulte em sofrimento, pois Cristo sofreu por vocês. Ele é seu exemplo; sigam seus passos. 22Ele nunca pecou, nem enganou ninguém. 23Não revidou quando foi insultado, nem ameaçou se vingar quando sofreu, mas deixou seu caso nas mãos de Deus, que sempre julga com justiça.24Ele mesmo carregou nossos pecados em seu corpo na cruz, a fim de que morrêssemos para o pecado e vivêssemos para a justiça; por suas feridas somos curados. 25Vocês eram como ovelhas desgarradas, mas agora voltaram para o Pastor, o Guardião de sua alma.
Nesta cena memorável, a última ceia do Senhor com seus discípulos, após o quê Judas e Jesus seguem uma jornada noite adentro, há muito o que se pode aprender, para a nossa salvação eterna e satisfação plena em Jesus Cristo:
Quem é você nesta cena?
Se Da Vinci pintasse esta cena, incluindo você, como você apareceria no quadro?
S.D.G. L.B.Peixoto
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