15.08.2021
[Jó 2.11–31.40] 2.11Quando três amigos de Jó souberam das tragédias que o haviam atingido, cada um saiu de onde vivia e os três foram juntos consolá-lo e animá-lo. Seus nomes eram Elifaz, de Temã, Bildade, de Suá, e Zofar, de Naamá. 12Quando viram Jó de longe, mal o reconheceram. Choraram alto, rasgaram seus mantos e jogaram terra ao ar, sobre a cabeça. 13Depois, sentaram-se no chão com ele durante sete dias e sete noites. Não disseram nada, pois viram que o sofrimento de Jó era grande demais. 3.1Por fim, Jó falou e amaldiçoou o dia de seu nascimento. […]
Você sabe diferenciar a dor crônica da dor aguda? As principais diferenças entre uma e outra estão na origem/causa e no tempo de duração. Enquanto [1] a dor aguda pode ser causada por uma pancada, um corte, uma picada ou um alerta do organismo, desaparecendo quando o corpo se recupera, [2] a dor crônica é provocada por doença mais grave (doença de base ou crônica), podendo perdurar por anos e até mesmo não ser curada.
A pancada na perna no campo de futebol, a picada de abelha na fazenda, a fisgada na coluna ao levantar o neto do chão ou o corte na testa provocado pelo choque na quina da porta do armário na cozinha fazem doer muito, é uma dor aguda, mas passa, tem data e hora para terminar. E nós resistimos bravamente! Já o câncer, a artrite reumatoide, o bruxismo ou a hérnia de disco, por exemplo, são doenças duradouras e podem não ter resolução, e muitas vezes causam dores crônicas constantes, roubando o sono e o sossego. É osso duro de roer! Não tem a menor graça! Assim, se tivesse que escolher, eu diria: dor aguda, por favor! Mas, cuidado, dor aguda pode virar dor crônica!
Uma coisa é sentir dor aguda. Outra coisa é padecer com dor crônica. Uma coisa é vivenciar uma tragédia repentina – como a perda de um filho ou a descoberta de alguma doença terrível em no corpo – essa é a dor aguda. Outra coisa é experimentar a tristeza implacável dessa perda por meses, anos depois ou até ao fim da vida – essa é a dor crônica. Geralmente, na hora da pancada, a gente aguenta a dor e a supera. Por exemplo: você ouve bravamente a notícia do óbito da pessoa que ama ou recebe corajosamente o diagnóstico da doença, mas depois chega em casa e a realidade desmorona em cima de você. Na dor aguda do momento da tragédia, geralmente o crente recebe a graça de suportar o fardo com uma palavra de fé genuína: “O SENHOR o deu e o SENHOR o tomou; bendito seja o nome do SENHOR!” (Jó 1.21, ARA). Mas a vida segue e mais tarde você chega em casa e tem que lidar com o quarto vazio do filho que não vai voltar, você começa a processar o diagnóstico recebido do médico e ponderar sobre o amanhã e o depois de amanhã e o futuro e não consegue agarrar alguma solução. São nessas horas que a dor fica crônica e o crente desaba em desespero, banhado de lágrimas de angústia que parecem nunca mais ir embora.
Pergunte a Jó e ele te dirá: dor a longo prazo é difícil de suportar!
Em um único dia, JÓ PERDEU SEUS DEZ FILHOS E TODAS AS SUAS RIQUEZAS. Pouco depois, ele foi atacado por uma terrível doença de pele. Em ambas as tragédias, ele manteve a fé e se rendeu com doçura sob a mão soberana de Deus. Em Jó 1.21 ele disse: “O SENHOR me deu o que eu tinha, e o SENHOR o tomou. Louvado seja o nome do SENHOR!”. Depois, em Jó 2.10, ele disse à esposa que já sentia dor crônica: “Você fala como uma mulher insensata. Aceitaremos da mão de Deus apenas as coisas boas e nunca o mal?”. Nas duas pancadas que recebeu no mesmo dia, Jó afirmou a soberania absoluta de Deus sobre todas as coisas e se curvou em submissão a esses golpes.
Ocorreu que a fé e a submissão de Jó não foram recompensadas com uma cura rápida de sua doença. O agudo se tornou crônico e a dor de Jó se arrastou por meses:
Jó 7.1-5 1“Acaso a vida na terra não é uma luta? Nossos dias são como os de um trabalhador braçal, 2como o servo que anseia pela sombra, como o empregado à espera do pagamento. 3Recebi de herança meses de puro vazio, fui condenado a passar noites longas em aflição. 4Deitado na cama, penso: ‘Quando chegará a manhã?’, mas a noite se arrasta e reviro-me até o amanhecer. 5Meu corpo está coberto de vermes e crostas de feridas; minha pele se racha e vaza pus.”
NESTE PONTO DA SAGA DE JÓ SURGE A PERGUNTA: POR QUÊ? Não havia Jó demonstrado que Deus era seu tesouro mais precioso, ainda mais precioso do que bens, família e saúde? A glória de Deus foi magnificada na vida de Jó, ou não foi? Então por que Deus não restaurou de uma vez a sorte de Jó? Por que não pulou de Jó 2.10 para Jó 42, onde está registrado o desfecho com final feliz? — A resposta é que certamente Jó (e nós) ainda tinha muito que aprender sobre o sofrimento e sobre Deus. E aqueles entre nós que tiveram ou que têm que suportar meses e anos de dor crônica, no corpo e na alma, ficariam com a sensação de que a história de Jó é ingênua e inautêntica se terminasse no capítulo 2. A vida não é assim tão simples.
Portanto, convido você a me acompanhar na investigação dos meses de sofrimento de Jó. Nosso ponto de partida é a visita dos amigos de Jó, sobre a qual, lá no início desta mensagem, nós já lemos em Jó 2.11-13.
Os amigos de Jó
Os chamados “amigos”, “conselheiros” ou “consoladores” de Jó são vistos com muitas reservas pelos leitores do livro (e com razão, como veremos), mas não se esqueçam de que eles se saíram bem por sete dias. Eles não disseram uma palavra a Jó. O que é uma lição para nós ao lidarmos com pessoas que sofrem.
Normalmente são palavras demais que dizemos, quando procuramos uma pessoa que está sofrendo. Falamos muito, especialmente aqueles de nós que têm respostas para tudo. Lembre-se da história de Jó: as pessoas que estão sofrendo nem sempre querem suas respostas no momento de dor. Sim, respostas são necessárias, mas o momento e a maneira das respostas para a dor são cruciais. Se não entendermos isso – que o momento e a maneira de falarmos importa tanto quanto a nossa mensagem – nós nos tornaremos como os amigos de Jó.
Meu povo, por favor, não se esqueçam: na hora da dor, a atitude inicial dos amigos de Jó é tudo o que as pessoas precisam de nós; e isso todos nós conseguimos fazer (não precisa ser pastor, teólogo ou psicólogo). Recorde comigo:
Jó 2.11-13 11Quando três amigos de Jó souberam das tragédias que o haviam atingido, cada um saiu de onde vivia e os três foram juntos consolá-lo e animá-lo. […] 12Quando viram Jó de longe, mal o reconheceram. Choraram alto, rasgaram seus mantos e jogaram terra ao ar, sobre a cabeça. 13Depois, sentaram-se no chão com ele durante sete dias e sete noites. Não disseram nada, pois viram que o sofrimento de Jó era grande demais.
Seja assim com as pessoas que estão sofrendo perto de você. Sente-se com elas enquanto o sofrimento delas é grande demais – e não pregue para eles – , dê tempo a elas. Faça-se presente. Sirva-as sem palavras. “Chorem com os que choram” (Rm 12.15). Orem com os que estão sofrendo.
A estrutura dos debates de Jó
O silêncio dos amigos é quebrado pelo desabafo de Jó: “Por fim, Jó falou e amaldiçoou o dia de seu nascimento. […]” (Jó 3.1). Voltaremos aqui, mas antes veja a estrutura dos 29 capítulos que se seguem; é a maior parte do livro, recheada de muita falação!
Na introdução ao livro nós já mostramos a estrutura de Jó. Portanto, o que pretendo neste momento é demonstrar que a ordem desses capítulos tem um significado.
Há TRÊS CICLOS de debates:
Há uma razão pela qual o terceiro ciclo é interrompido no final. Há, de fato, uma quebra nos argumentos dos amigos de Jó. O último discurso de Bildade tem apenas seis versículos (cap. 25) e Zofar não tem mais nada a dizer (ele não fala no terceiro ciclo). Jó é que dá a última palavra no terceiro ciclo – ele responde Bildade e faz seu discurso final, no qual ele fala de sabedoria e entendimento, das bençãos do passado, expõe sua angústia e defende sua inocência pela última vez (capítulos 26–31).
Depois dessa longa conversa, dividida em três ciclos, vem UM LONGO DISCURSO DE UM JOVEM CHAMADO ELIÚ (capítulos 32–37), o qual estudaremos, Deus permitindo, na próxima semana. Em seguida, O PRÓPRIO SENHOR FALA COM JÓ (capítulos 39–41) – nós estudaremos domingo que vem, à noite, se Deus o permitir. E, finalmente, JÓ 42 DESCREVE A REVERSÃO E A RESTAURAÇÃO DE JÓ, a qual estudaremos na semana seguinte à próxima.
MAS HOJE A PERGUNTA É: o que o autor deste livro quer que aprendamos com os debates de Jó? O que precisamos aprender com os discursos dos três amigos de Jó e com as respostas de Jó a eles, enquanto Jó padecia seus meses de miseráveis sofrimentos causados pela dor crônica? Vamos lá…
O desabafo de Jó
O primeiro ciclo de debates foi estimulado pelo desabafo de Jó. Ocorreu que depois de sete dias de silêncio com seus amigos (e provavelmente semanas de sofrimento antes de eles chegarem), Jó não aguentou mais:
Jó 3.1-4 1Por fim, Jó falou e amaldiçoou o dia de seu nascimento. 2Disse ele: 3“Apagado seja o dia em que nasci e a noite em que fui concebido. 4Transforme-se esse dia em escuridão; Deus, lá do alto, o ignore, e luz nenhuma brilhe sobre ele.
As semanas de dores implacáveis afetaram a serenidade de Jó. Este capítulo termina nos dando uma pequena dica dessa dor crônica:
Jó 3.24-26 24De tanto gemer, não consigo comer; meus gritos de dor se derramam como água. 25O que sempre temi veio sobre mim, o que tanto receava me aconteceu. 26Não tenho paz, nem sossego; não tenho descanso, só aflição”.
A dor crônica, para Jó, era totalmente sem sentido. Tanto que o fez questionar Deus. Jó 3.11: “Por que eu não nasci morto? Por que não morri ao sair do ventre?” Jó 3.20:“Por que conceder luz aos miseráveis e vida aos amargurados?”
Perceberam o que está acontecendo? Jó – por não conseguir ver qualquer razão para nascer ou continuar vivendo para ter que padecer tamanha dor e sofrimento – estava protestando que ele tivesse nascido. Ora, em última instância, é claro que esse era um protesto contra o próprio Deus; afinal, como Jó mesmo disse, “O SENHOR dá e o SENHOR tira” (1.21) a vida.
O argumento insensível e superficial de Elifaz
Quando os três amigos de Jó ouvem esse protesto, eles não conseguem mais ficar em silêncio. Então, Elifaz toma a dianteira e fala nos capítulos 4–5, definindo para Bildade e Zofar o tom para as sustentações orais no debate. De fato, Elifaz enuncia um princípio que permeará todas as falas dos três amigos:
Jó 4.7-8 7“Pense bem! Acaso os inocentes morrem? Quando os justos foram destruídos? 8Pelo que tenho observado, os que cultivam a maldade e semeiam a opressão, isso também é o que colhem.
Elifaz está dizendo, em outras palavras, que problemas vêm para aqueles que pecam, mas que os inocentes não perecem no sofrimento – ou seja: a dor e os danos são o resultado do pecado, e a prosperidade é o resultado da piedade. Soa familiar? Qualquer semelhança com o que se ouve por aí NÃO É MERA COINCIDÊNCIA.
NOTE, NO ENTANTO, que Elifaz toma todo o cuidado de dizer que todo ser humano é pecador. Jó 4.17: “Pode algum mortal ser inocente perante Deus? Pode o homem ser puro diante do Criador?”. E ele também afirma que certos sofrimentos compõem a correção amorosa de Deus. Jó 5.17-18: 17“Mas como são felizes os que Deus corrige! Não despreze, portanto, a disciplina do Todo-poderoso. 18Pois ele fere, mas enfaixa a ferida; bate, mas suas mãos curam.” ISSO É VERDADE!
O PROBLEMA COM A TEOLOGIA DE ELIFAZ está na aplicação que ele faz dessa teologia – que é absolutamente insensível e superficial. Ouça com que insensibilidade ele trata o desabafo impaciente e desanimado de Jó:
Jó 4.2-6 2“Você terá paciência e me permitirá dizer algo? Afinal, quem poderia permanecer calado? 3Você já deu ânimo a muita gente e deu força aos fracos. 4Suas palavras sustentaram os que tropeçavam, e você deu apoio aos vacilantes. 5Mas agora, quando vem a aflição, você desanima; quando é atingido por ela, entra em pânico. 6Seu temor a Deus não lhe dá confiança? Sua vida íntegra não lhe traz esperança?
Honestamente, essa foi uma repreensão desnecessária para um homem justo em estado de dor crônica. Essa é a parte insensível da aplicação da teologia de Elifaz.
Em seguida, Elifaz revela a superficialidade de sua aplicação teológica ao insinuar que Jó não tinha realmente buscado a Deus como deveria, citando a si mesmo como padrão a ser imitado. Jó 5.8: “Se eu fosse você, buscaria a Deus e lhe apresentaria minha causa.” – como se Jó precisasse aprender com Elifaz para buscar a Deus! Depois, Elifaz deixa implícito que Jó seria libertado se apenas se entregasse a Deus com mais fé. Jó 5.19: “Ele o livrará de seis desgraças, e até mesmo na sétima o guardará do mal.” Finalmente, Elifaz sentencia, Jó 5.27: “Observamos a vida e vimos que tudo isso é verdade; ouça meu conselho e aplique-o à sua vida”. Simples assim! “Você não tem fé? Tenha mais fé e tudo lhe irá bem! Faça o que eu digo.” Absolutamente insensível e superficial!
JÓ SE QUEIXA DA INSENSIBILIDADE DE ELIFAZ. Jó 6.26: Consideram suas palavras convincentes, enquanto ignoram meu clamor de desespero [palavras de um desesperado ditas ao vento, ARA]?”. JÓ TAMBÉM SABE QUE ELIFAZ ESTÁ SENDO SIMPLISTA, pois seus argumentos não respondem às perguntas difíceis. Não respondem, por exemplo: [1] por que alguns sofrem tanto, embora não tenham pecado tanto, e que na verdade são pessoas que buscam viver piedosamente? [2] por que alguns prosperam tanto, embora sejam pecadores confessos? Com base nessa incoerência é que Jó protesta sua inocência. Jó 6.10: “Ao menos tenho este consolo e alegria: apesar da dor, não neguei as palavras do Santo.” E desafia Elifaz, Jó 6.24: “Ensinem-me, e eu me calarei; mostrem-me onde errei.” OU SEJA, Jó não consegue ver como o argumento tão insensível e simplista de justiça de Elifaz responde ao seu sofrimento.
A admoestação áspera de Bildade
Bildade começa a falar no capítulo 8, com muito menos gentileza que Elifaz. Ele insiste vigorosamente no princípio de justiça de Elifaz, batendo ainda mais forte no pobre coitado Jó. Ouça a que ponto chega Bildade em sua admoestação – ele diz, sem ao menos corar o rosto: “Seus filhos eram culpados de algum pecado oculto, só pode!” Preste atenção, Jó 8.3-4: “Acaso Deus perverte o que é justo? O Todo-poderoso distorce o que é certo? 4Certamente seus filhos pecaram contra ele e, por isso, receberam o castigo devido.” — Em outras palavras: Jó, seus filhos não foram castigados por Deus à toa! Eles tinham culpa no cartório celestial! Deus é justo, Jó!
Segundo Bildade, o mesmo vale para o próprio Jó. Jó 8.13: “O mesmo acontece com todos que se esquecem de Deus; as esperanças do ímpio se evaporam.” — Seu problema, Jó, deve ser que você não é tão puro assim e não invocou a Deus como deveria. Portanto, sentencia Bildade,
Jó 8.5-7 5[…] se você buscar a Deus e clamar ao Todo-poderoso, 6e, se for puro e íntegro, ele sem demora agirá em seu favor e devolverá o que por direito lhe pertence. 7E, embora tenha começado com pouco, no final você terá muito.
Jó não se rende a essa admoestação tão áspera, até desumana de Bildade. Ele argumenta que essa linha de pensamento está totalmente fora de sincronia com a maneira como as coisas realmente são:
Jó 9.22-24 22Íntegro ou perverso, é tudo a mesma coisa; por isso digo: ‘Ele destrói tanto o íntegro como o perverso’. 23Quando uma praga vem repentinamente, ele ri da morte dos inocentes. 24A terra está nas mãos dos perversos, e ele cega os olhos dos juízes; se não é Deus quem faz isso, então quem é?
Meu povo, não deixe de ver que Jó nunca desiste de sua crença na soberania absoluta de Deus, mas ele sabe que é muito simples apenas dizer que as coisas vão melhor nesta terra para todos os que são justos. Não é verdade.
Por fim, Jó insiste que não é culpado das acusações de Bildade. Ele é justo e Deus, soberano. Então ele ora em Jó 10.7 nestes termos: “Embora saibas que não sou culpado, não há quem possa livrar-me de tuas mãos.”
A admoestação ainda mais dura de Zofar
Zofar repete a linha de pensamento de Elifaz e de Bildade, só que de forma mais dura ainda (capítulo 11). Ele repreende Jó por se declarar inocente (11.4-6) e o aconselha a se livrar do pecado para que Deus o restaure:
Jó 11.14-16 14Livre-se de seus pecados e deixe toda a maldade para trás. 15Então seu rosto se iluminará com a inocência; você será forte e não terá medo. 16Você se esquecerá de seus sofrimentos; serão como águas passadas.
Portanto, de acordo com seus amigos, Jó está sofrendo porque se recusa a admitir e lançar fora o seu pecado. E Jó responde Zofar com ironia nos capítulos 12–14. VEJA: Jó 12.3:“Pois bem, eu também sei algumas coisas, e vocês não são melhores que eu; qualquer um sabe aquilo que me disseram.” Jó 13.4: “Vocês me difamam com mentiras; são médicos incapazes de curar.” Jó 13.12: “Suas frases feitas valem tanto quanto cinzas; sua defesa é fraca como um pote de barro.”
O que Jó desejava mesmo era levar seu caso a Deus porque sabia que Deus é justo e estava convencido de que era inocente. Jó 13.3: “Quero falar diretamente com o Todo-poderoso, quero defender minha causa diante de Deus.
Termina o primeiro ciclo de debates.
Os ciclos seguintes de debates
Os próximos dois ciclos não revelam novos argumentos, mas trazem Elifaz, Bildade e Zofar sendo ainda mais duros e menos críveis em face da integridade e do realismo de Jó. Repetidamente, os três amigos insistem que o sofrimento é castigo pelo pecado.
Observe que o mesmo refrão do primeiro ciclo se repetiu no segundo ciclo de debates. Esses “amigos” não trouxeram nada de novo para os seus argumentos.
E O TERCEIRO CICLO? Bem, o último discurso de Elifaz no capítulo 22 é brutal. Eles perderam toda a paciência com Jó. Eles perderam toda a sensibilidade, a humanidade mesmo. A teologia dura como concreto e tão simplista para lidar com as ambiguidades com as quais nos deparamos na vida é martelada com toda força na cabeça do pobre e coitado Jó. Deixe-me ler para vocês o que disse Elifaz em seu último discurso:
Jó 22.4-11 4É por causa de seu temor que ele o acusa e traz juízo contra você? 5Não! É por causa de sua perversidade; seus pecados não têm limites! 6“Por certo você emprestou dinheiro a seu amigo e exigiu roupas dele como garantia; sim, você o deixou sem ter o que vestir. 7Recusou-se a dar água ao sedento e comida ao faminto. 8Pensou que a terra pertencia aos poderosos e que somente os privilegiados tinham direito a ela. 9Mandou a viúva embora de mãos vazias e acabou com as esperanças dos órfãos. 10Por isso está cercado de armadilhas e estremece com temores repentinos. 11Por isso está em trevas e não consegue ver, e ondas de águas o cobrem.
Meu Deus! Não há um pingo de verdade nessas palavras a respeito de Jó. É tudo mentira. Afirmações fraudulentas. Elifaz simplesmente perdeu o contato com a realidade por causa de uma teologia que não se sustenta em face da realidade. Sua teologia não consegue lidar com Jó. E, portanto, ele distorce, simplesmente destrói Jó.
É ISSO O QUE ACONTECE QUANDO VOCÊ TEM UMA TEOLOGIA DISTORCIDA, você vai machucar as pessoas. Você vai distorcer e destruir as pessoas. Com uma teologia distorcida, a única maneira pela qual você poderá lidar com a realidade, para fazê-la se encaixar em sua teologia ruim, é distorcer a realidade para encaixá-la à sua teologia.
Veja o caso Elifaz: ele fez de Jó um homem mau. E sabemos pelo testemunho de Jó e pelo testemunho do próprio Deus que Jó não tinha esse tipo de culpa. Jó 22.5-9 é uma mentira sem tamanho. É tão absurdo o que Elifaz disse que, quando chegou a hora de Bildade falar, Bildade mal conseguiu dar uma contribuição na sequência dos argumentos aqui no terceiro ciclo de debates. Quando chegou a vez de falar, Bildade não tomou mais do que seis versículos no capítulo 25 para falar de generalidades. E Zofar? Chegou a hora de Zofar e ele não disse uma palavra! Disse nada. Ficou mudo.
A minha conclusão é que Bildade e Zofar ouviram Elifaz dizer o que acabara de dizer sobre Jó (22.4-11) e concluíram: “O que mais eu posso dizer? O que Elifaz disse foi muito pesado!” Penso que até eles, naquele momento, devem ter sentido pena de Jó. Podem ter concluído no íntimo: “Agora você extrapolou, Elifaz!”. E se calaram.
A teologia quebrada de Elifaz, Bildade e Zofar
Estruturalmente, a maneira como o livro foi costurado é a seguinte: nós temos três discursos – e três respostas. Mais três discursos, mais curtos, mas mais brutais – e três respostas. Em seguida, o discurso mais brutal de todos de Elifaz, depois um discurso pequenino de seis versículos de Bildade e Zofar fica calado.
A estrutura dos ciclos de debates se quebra com o silêncio de Zofar. Penso que é uma forma poética ou estrutural de dizer que a teologia daqueles homens se quebrou. A teologia de Elifaz, Bildade e Zofar se despedaçou no final. Tudo começou simetricamente. Houve algum equilíbrio (até bondade) no primeiro discurso de Elifaz. Havia alguma simetria nas palavras. Havia alguma sensibilidade nas palavras, alguma gentileza, alguns questionamentos. Mas os debates prosseguem e as palavras vão ficando cada vez mais frágeis, cada vez mais duras como concreto, cada vez menos em contato com a realidade. Estruturalmente, os amigos de Jó não são capazes nem mesmo de completar o último ciclo, por assim dizer.
Portanto, O PONTO PRINCIPAL DESSES 29 CAPÍTULOS (Jó 3–31), eu entendo, é que o princípio do grande pecado correlacionado com a grande provação, e o princípio da grande piedade correlacionado com grande prosperidade, não prevalecerá na vida real. Não vai durar na vida real. Quebra-se em face da realidade.
A visão de Jó sobre a morte
Nesse debate todo, algo acontece com Jó. Ele começou essa longa e pesada conversa com seus três amigos lá no capítulo 3; e lembre-se: as palavras de Jó eram de total consternação, a ponto de ele clamar contra a sabedoria de Deus ao dar-lhe a luz. A dor crônica causada pelos sofrimentos quase despedaçou a fé que Jó demonstrou na fase aguda da dor, lá no início do livro (1.22; 2.10). Mas aos poucos você começa ver Jó recuperando sua força enquanto ele luta contra a teologia insensível e superficial de seus amigos. A fé de Jó finalmente chega à vitória no capítulo 19, como veremos.
Em todos os seus discursos até então, Jó expressou a convicção de que certamente morreria e iria para o Sheol ou a sepultura. De fato, ele ansiava por isso. Mas há uma mudança gradual na maneira como ele fala sobre morrer. A princípio, em Jó 7.9-10 (sua resposta a Elifaz), ele tem certeza de que a morte é o fim de todos:
Como uma nuvem que se dissipa e some, os que descem à sepultura não voltam mais. Deixam seu lar para sempre, e ninguém se lembrará deles novamente.
Depois, em Jó 10.20-22 (sua resposta a Bildade), Jó ainda está mergulhado no desespero da morte:
20Restam-me apenas alguns dias; por favor, deixa-me em paz, para que eu tenha um instante de alívio 21antes de partir para a terra de escuridão e densas sombras, para nunca mais voltar. 22É uma terra escura como a meia-noite, terra de profunda escuridão e desordem, onde até mesmo a luz é escura como a meia-noite’”.
Então, em Jó 14.7-14 (sua resposta a Zofar), Jó novamente enfrenta a certeza de sua morte em sofrimento e clama para ser liberado para morrer e descansar em paz:
7“Até mesmo uma árvore tem mais esperança, pois, se for cortada, voltará a brotar e dar novos ramos. 8Ainda que as raízes tenham envelhecido na terra e o tronco esteja podre, 9com o cheiro da água, voltará a brotar e dar ramos, como uma planta nova. 10“Mas, quando as pessoas morrem, perdem as forças; dão o último suspiro e, depois, onde estão? 11Como a água evapora do lago e o rio desaparece na seca, 12são colocadas no túmulo e não voltam a se levantar. Até que os céus deixem de existir, não acordarão; não serão despertadas de seu sono. 13“Quem dera tu me escondesses na sepultura e me esquecesses ali até tua ira passar! Quem dera me desses um tempo de descanso, para que só então te lembrasses de mim! 14Podem os mortos voltar a viver? Assim eu teria esperança durante todos os meus anos de luta e aguardaria a libertação que a morte traz.
Mas note que desta vez Jó faz uma pergunta curiosa no versículo 14: “Podem os mortos voltar a viver?” Viu? Algo vem acontecendo na percepção de Jó a respeito da morte.
Na segunda resposta que Jó dá a Elifaz, em Jó 17.13-16, a referência ao Sheol começa a se tornar uma questão de paz em vez de nada ou de desespero:
13E se eu descer à sepultura e arrumar minha cama na escuridão? 14E se eu chamar o túmulo de pai e o verme, de mãe ou irmã? 15Onde está, então, minha esperança? Há alguém que possa encontrá-la? 16Não, minha esperança descerá comigo à sepultura; descansaremos juntos no pó”.
O ápice da visão de Jó sobre a morte está em Jó 19.25-27, onde ele diz com fé:
25“Quanto a mim, sei que meu Redentor vive e que um dia, por fim, ele se levantará sobre a terra. 26E, depois que meu corpo tiver se decomposto, ainda assim, em meu corpo, verei a Deus! 27Eu o verei por mim mesmo, sim, o verei com meus próprios olhos; meu coração muito anseia por esse dia!
Jó, finalmente, obteve a certeza de que além do túmulo ele encontrará Deus como um Redentor gracioso e não um Juiz irado. Ele será redimido de toda a sua miséria – mesmo que seja apenas após a morte. Haverá vida e luz, não apenas morte e escuridão.
Essa confiança não responde a todas as perguntas de Jó nem resolve todos os seus problemas teológicos. Ele ainda está totalmente perplexo sobre por que deveria estar sofrendo tanto. Seu sofrimento continua. Deus ainda lhe parece totalmente arbitrário na maneira como distribui sofrimento e conforto nesta vida.
No entanto, a confiança de Jó em uma nova vida após a morte o capacita a se apegar a três de suas estimadas convicções, a saber: [1] a soberania absoluta de Deus, [2] a bondade e a justiça de Deus e [3] a fidelidade a Deus em seu próprio coração.
Com essas convicções, ele se opõe à teologia insensível e simplista da justiça de Deus na boca de seus três amigos. Ele finalmente os coloca em silêncio, e nós ficamos com a voz de Jó (capítulos 26–31):
1. magnificando o misterioso poder de Deus:
Jó 26.14 “Isso é apenas o começo de tudo que ele faz, um mero sussurro de sua força; quem pode compreender o trovão de seu poder?”.
2. magnificando a soberania absoluta de Deus:
Jó 27.2-4 2“Juro pelo Deus vivo, que tirou de mim meus direitos, pelo Todo-poderoso, que me encheu a alma de amargura: 3enquanto eu viver e tiver o fôlego de Deus nas narinas, 4meus lábios não pronunciarão maldades, e minha língua não falará mentiras.
3. magnificando a sabedoria insondável de Deus:
Jó 28.12-13, 23 12“Mas onde se pode encontrar sabedoria? Onde se pode achar entendimento? 13Ninguém sabe onde encontrá-la, pois ela não se acha entre os viventes. […] 23“Somente Deus conhece o caminho para a sabedoria; ele sabe onde encontrá-la.
4. e afirmando contundentemente sua própria integridade contra a luz da teologia de seus amigos insensíveis e simplistas:
Jó 27.6 Afirmarei minha inocência sem hesitar; por toda a vida, terei a consciência limpa.
E aqui se encerram os debates de Jó!
Agora, quais lições nós podemos tirar desta longa passagem das Escrituras? O que se aprende com os debates de Jó? Permitam-me cinco lições:
1. Afirmações teológicas verdadeiras podem se tornar falsas
Se você pegar a maioria das declarações dos amigos de Jó separadamente, se as desvincular de Jó, por exemplo, elas soarão como uma boa teologia. Mas a aplicação é superficial e insensível. Alexander Pope popularizou a seguinte verdade em seu poema “Um Ensaio Sobre a Crítica”:
O conhecimento pequeno é uma coisa perigosa;
Beba do fundo, ou sequer prove da fonte Pieriana;
Pois os goles rasos intoxicam o cérebro,
E o beber farto nos torna sóbrios outra vez.
Já o sábio de Provérbios escreveu o seguinte: “Um provérbio na boca do tolo é como um ramo cheio de espinhos na mão de um bêbado.” (Pv 26.9).
Valorizamos muito a boa teologia aqui na SIB em Goiânia. Mas sejamos avisados: a teologia poderá se tornar falsa pela maneira como for aplicada, e poderá até ser destrutiva na boca de tolos. Beba profundamente da fonte da verdade de Deus. E deixe o amor ser como o sal a temperar as palavras de sua boca.
2. O sofrimento e a prosperidade não são distribuídos no mundo na proporção do mal ou do bem que uma pessoa pratica
Jó estava certo ao responder Zofar: “Os perversos são poupados no dia da calamidade e socorridos no dia da fúria” (21.30). Enquanto o homem justo e irrepreensível é motivo de chacota na medida em que ele clama e espera em Deus (12.4).
Portanto, não vamos julgar uns aos outros antes do tempo. Aqueles que mais sofrem podem ser os melhores entre nós, e aqueles que mais prosperam podem ser os piores. Cuidado com a teologia dos amigos de Jó. O sofrimento e a prosperidade não são distribuídos no mundo na proporção do mal ou do bem que uma pessoa pratica.
3. Deus reina sobre todos os negócios dos homens, do maior ao menor
É incrível que o meio mais comum usado pelas pessoas hoje para resolver o mistério do sofrimento nunca tenha sequer passado pela cabeça de Jó ou a de seus três amigos – a saber: limitar a soberania ou o controle soberano de Deus sobre todas as coisas.
Hoje, limitam Deus em tudo: ele não poderia ter decretado aquela doença, ou aquela explosão, ou a morte daquela criança, ou aquele furacão… Ora, desse modo, Deus não está no controle de todas as coisas. Ele é um Deus limitado. Mas Jó e seus amigos tinham este grande terreno comum: Deus reina absolutamente soberano. E nenhuma solução para o problema do sofrimento que questiona isso jamais satisfará o coração de um santo. Ouça o Jó:
Jó 12.13-16 13“Em Deus, porém, estão a sabedoria e o poder; a ele pertencem o conselho e o entendimento. 14Ninguém pode reconstruir o que ele derruba, ninguém pode libertar quem ele aprisiona. 15Se ele retém a chuva, a terra se transforma em deserto; se ele libera as águas, há inundações em toda parte. 16Sim, a ele pertencem a força e a sabedoria; enganadores e enganados estão sob seu poder.
Deus reina soberano sobre todos os negócios dos homens, do maior ao menor.
4. Há sabedoria por trás da aparente arbitrariedade do mundo, mas ela está oculta dos homens
Jó 28.12-13, 23 12“Mas onde se pode encontrar sabedoria? Onde se pode achar entendimento? 13Ninguém sabe onde encontrá-la, pois ela não se acha entre os viventes. […] 23“Somente Deus conhece o caminho para a sabedoria; ele sabe onde encontrá-la.
Paulo, o apóstolo, escreveu que “Agora vemos de modo imperfeito, como um reflexo no espelho, mas então veremos tudo face a face.” (1Co 13.12). Mas a fé sempre afirma que não importa quão caóticas e absurdas as coisas possam parecer à nossa visão limitada, elas são na verdade as táticas da sabedoria infinita de Deus.
Deuteronômio 29.29 “O SENHOR, nosso Deus, tem segredos que ninguém conhece. Não seremos responsabilizados por eles, mas nós e nossos filhos somos responsáveis para sempre por tudo que ele nos revelou, para que obedeçamos a todos os termos desta lei.”
5. Agarre-se firmemente em Deus pela fé
A última coisa que eu diria é: agarre-se firmemente a Deus pela fé. Apegue-se a Deus. Afinal, como disse Paulo aos romanos “Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas?” (Rm 8.32, ARA). Apegue-se a Deus diante de seus acusadores. Apegue-se a Deus no meio de seu sofrimento. Apegue-se a Deus quando alguém te bater com uma teologia ruim, ou simplesmente te bater com uma boa teologia. Segure-se firmemente em Deus que te dará graciosamente com Cristo todas as coisas.
NA AGONIA DA DOR CRÔNICA, olhe para o seu Redentor, Cristo, ele vive – e, depois que seu corpo tiver se decomposto, ainda assim, em seu corpo, verás a Deus! Você o verá por si mesmo, sim, o verá com seus próprios olhos. Anseie por esse dia!
S.D.G. L.B.Peixoto
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