01.10.2023
[Atos 19.23-41] 23Por essa época, houve enorme tumulto em Éfeso por causa do Caminho. 24Começou com Demétrio, ourives que fabricava modelos de prata do templo da deusa grega Ártemis e que empregava muitos artífices. 25Ele os reuniu a outros que trabalhavam em ofícios semelhantes e disse: “Senhores, vocês sabem que nossa prosperidade vem deste empreendimento. 26Mas, como vocês viram e ouviram, esse sujeito, Paulo, convenceu muita gente de que deuses feitos por mãos humanas não são deuses de verdade. Fez isso não apenas aqui em Éfeso, mas em toda a província. 27Claro que não me refiro apenas à perda do respeito público por nossa atividade. Também me preocupa que o templo da grande deusa Ártemis perca sua influência e que esta deusa magnífica, adorada em toda a província da Ásia e ao redor do mundo, seja destituída de seu grande prestígio!”. 28Ao ouvir isso, ficaram furiosos e começaram a gritar: “Grande é Ártemis dos efésios!”. 29Em pouco tempo, a cidade toda estava uma confusão. O povo correu para o anfiteatro, arrastando os macedônios Gaio e Aristarco, companheiros de viagem de Paulo. 30Ele também quis entrar, mas os discípulos não permitiram. 31Alguns amigos de Paulo, oficiais da província, também lhe enviaram um recado no qual suplicaram que não arriscasse a vida entrando no anfiteatro. 32Lá dentro, em polvorosa, o povo todo gritava, e cada um dizia uma coisa. Na verdade, a maioria nem sabia por que estava ali. 33Entre a multidão, os judeus empurraram Alexandre para a frente e ordenaram que explicasse a situação. Ele fez sinal pedindo silêncio e tentou falar. 34No entanto, quando a multidão percebeu que ele era judeu, começou a gritar novamente e continuou por cerca de duas horas: “Grande é Ártemis dos efésios!”. 35Por fim, o escrivão da cidade conseguiu acalmar a multidão e disse: “Cidadãos de Éfeso, todos sabem que Éfeso é a guardiã do templo da grande Ártemis, cuja imagem caiu do céu para nós. 36Portanto, sendo este um fato inegável, acalmem-se e não façam nada precipitadamente. 37Vocês trouxeram estes homens aqui, mas eles não roubaram nada do templo nem disseram coisa alguma contra nossa deusa. 38“Se Demétrio e seus artífices têm alguma queixa contra eles, os tribunais estão abertos e há oficiais disponíveis para ouvir o caso. Que façam acusações formais. 39E, se há outras queixas que desejam apresentar, elas podem ser resolvidas em assembleia, conforme a lei. 40Corremos o perigo de ser acusados de provocar desordem, pois não há motivo para este tumulto. E, se exigirem de nós uma explicação, não teremos o que dizer”. 41Então os despediu, e a multidão se dispersou.
Uma lição que a história ensina é a verdade paradoxal de que a igreja prospera sob perseguição. É claro que nós não vivemos buscando perseguição. De fato, Paulo nos instruiu a pedir, orar, interceder e oferecer “ações de graça em favor de todos, em favor dos reis e de todos que exercem autoridade, para que tenhamos uma vida pacífica e tranquila, caracterizada por devoção e dignidade.” (1Tm 2.1-2). O mesmo apóstolo, escrevendo também a Timóteo, exortou seu filho na fé a não se envolver em discussões que só servem para gerar brigas; não viver brigando, mas ser amável com todos, ensinado com paciência e instruindo com mansidão aos que se opõem à verdade, esperando que Deus mesmo converta corações (2Tm 2.23-26). O problema é que o chamado do crente, o chamado da igreja, inevitavelmente provocará algum tipo de perseguição. Foi o próprio Cristo que chamou seu povo para ser sal da terra e luz do mundo (Mt 5.13-16); e nós sabemos: o sal arde quando esfregado nas feridas, e a luz revela as más ações cometidas na escuridão. Ambos (sal e luz), portanto, podem (e irão) provocar uma reação hostil.
Quando João Batista estava preso, e seus discípulos foram indagar Jesus a respeito da identidade messiânica do Senhor, Cristo aproveitou a oportunidade para dizer: Mateus 11.12 “Desde os dias em que João pregava, o reino dos céus sofre violência, e pessoas violentas o atacam.” Outra tradução possível é esta: “Desde os dias em que João pregava, o reino dos céus avança à força, e quem se esforça se apossa dele.” A ARA traduziu assim: “Desde os dias de João Batista até agora, o reino dos céus é tomado por esforço, e os que se esforçam se apoderam dele.” A mensagem é cristalina: o reino dos céus triunfará (as portas do inferno não prevalecerão contra o avanço da igreja; Mt 16.18), mas será por muito esforço, muita perseverança em meio à violência e ao sofrimento imposto contra a mensagem e os agentes do evangelho.
A gente chega ao livro de Atos e descobre que a igreja primitiva, de fato, enfrentou PERSEGUIÇÃO DESDE O SEU INÍCIO E AO LONGO DO CAMINHO. Em Jerusalém, a perseguição veio da religião organizada dos judeus (At 4.1-31; 5.17-42; 6.9-15; 8.1-4). Em Antioquia, resultou de preconceito e de inveja das mesmas lideranças religiosas organizadas de Jerusalém (At 13.44-52). Em Listra, foi o resultado do paganismo ignorante, insuflado pelos judeus (At 14.8-18). Em Filipos, foi a reação à libertação espiritual de uma jovem endemoninhada que adivinhava e fazia os seus donos lucrarem bastante dinheiro (At 16.16-40). Em Tessalônica, a perseguição veio de uma multidão composta de homens maus da malandragem, instigada por líderes religiosos invejosos dentre os judeus (At 17.1-9). Em Atenas, o evangelho enfrentou a oposição da filosofia secular (At 17.16-34). Em Corinto, como em Jerusalém, veio do judaísmo, desta vez numa corte romana da região: Acaia (At 18.5-17). — Percebeu, gente? — INVARIAVELMENTE, ESTE É O PADRÃO: onde quer que a igreja proclame o evangelho com ousadia e fidelidade, ela enfrenta oposição ou perseguição satânica. Não surpreende, portanto, que a perseguição também tenha pipocado em Éfeso. Desta vez, a soma de corações endurecidos, hipocrisia, cobiça, idolatria e ódio energizaram a oposição ao evangelho, conforme nós lemos no início desta mensagem. Mas o evangelho triunfará em Éfeso e chegará aos confins da terra.
De fato, o evangelho já havia triunfado nessa importantíssima cidade da Ásia Menor (hoje, uma das cidades turísticas mais famosas da Turquia). Nós já estudamos, mas é importante ressaltar: nada impediu o avanço do evangelho lá e no restante da Ásia, muito pelo contrário: todas as coisas contribuíram para o bem da causa de Cristo:
Atos 19.18-19 18Muitos dos que creram confessaram suas obras pecaminosas. 19Vários deles, que haviam praticado feitiçaria, trouxeram seus livros de encantamentos e os queimaram publicamente. O valor dos livros totalizou cinquenta mil moedas de prata.
Foi por tudo isso que Lucas relatou — em Atos 19.20 — “Assim, a mensagem a respeito do Senhor se espalhou amplamente e teve efeito poderoso.”
Então, nos versos 21-22, Lucas nos conta dos planos de Paulo de ir a Jerusalém; e a leitura das cartas de Paulo esclarece que o apóstolo desejava arrecadar dinheiro entre as igrejas dos gentios para abençoar a igreja dos judeus em Jerusalém, que passava carestia (cf. Rm 15.25-27; 1Co 16.1-4; 2Co 8–9). De Jerusalém, tendo o apóstolo fortalecido a fé das igrejas por onde passaria, Paulo planejava chegar a Roma.
IMPORTANTE DESTACAR: a breve expressão do desejo de Paulo de chegar à capital do império romano (19.21-22) marca um ponto de virada em Atos. Deste ponto em diante, até ao final do livro, o alvo será Roma. De fato, Lucas se ocupará em nos revelar que a mensagem do evangelho de Cristo será fortemente resistida em tentativas tanto de gentios como de judeus de eliminar Paulo; e até mesmo “as forças da natureza” conspirarão contra o avanço do apóstolo: ele – além de todas as oposições malignas dos homens – sofrerá naufrágio no mar da costa maltesa e até será picado na mão por uma víbora peçonhenta (At 27–28); mesmo assim, pela providência soberana de Deus, o apóstolo chegará são e salvo a Roma, avançando com o evangelho “até aos confins da terra” (At 1.8, ARA). Lá em Roma, Lucas contará nas últimas palavras do livro, em Atos 28.31, até ser posto em liberdade, Paulo ficará “proclamando corajosamente o reino de Deus e ensinando a respeito do Senhor Jesus Cristo sem restrição alguma” – “de tornozeleira eletrônica”, dentro de sua própria casa, alugada com seu próprio dinheiro (At 28.30).
O nosso texto para hoje – Atos 19.23-41 – revelará a oposição econômico-cultural-religiosa ao Caminho; essa achará expressão no tumulto em Éfeso, demonstrando a extensão e a profundidade da influência do evangelho em Éfeso e na Ásia inteira.
Pois bem, nesta passagem nós faremos três observações e terminaremos com algumas aplicações para a nossa vida. Eis o esboço que seguiremos: [1.] a revolução do evangelho (vs. 23-27); [2.] a revolta das massas confundidas (vs. 28-34); e [3.] a repercussão do testemunho cristão (vs. 35-41)… Revolução, revolta e repercussão.
1. A revolução do evangelho (At 19.23-27)
23Por essa época, houve enorme tumulto em Éfeso por causa do Caminho. 24Começou com Demétrio, ourives que fabricava modelos de prata do templo da deusa grega Ártemis [Diana] e que empregava muitos artífices. 25Ele os reuniu a outros que trabalhavam em ofícios semelhantes e disse: “Senhores, vocês sabem que nossa prosperidade vem deste empreendimento. 26Mas, como vocês viram e ouviram, esse sujeito, Paulo, convenceu muita gente de que deuses feitos por mãos humanas não são deuses de verdade. Fez isso não apenas aqui em Éfeso, mas em toda a província. 27Claro que não me refiro apenas à perda do respeito público por nossa atividade [o negócio caia em descrédito]. Também me preocupa que o templo da grande deusa Ártemis perca sua influência e que esta deusa magnífica, adorada em toda a província da Ásia e ao redor do mundo, seja destituída de seu grande prestígio!”.
O que desencadeou esse tumulto em Éfeso? O “discurso sindical enviesado” de Demétrio? Sim. Mas o que o fez contra-atacar? A resposta mais curta é esta: o tumulto em Éfeso foi causado pela revolução silenciosa do evangelho de Cristo. Aliás, lendo o relato, não tem como não se recordar da parábola do fermento contada por Jesus:
Mateus 13.33 “O reino dos céus é como o fermento usado por uma mulher para fazer pão. Embora ela coloque apenas uma pequena quantidade de fermento em três medidas de farinha, toda a massa fica fermentada”.
Uma pequena quantidade de evangelho aqui, outra ali e por quase três anos ensinando a Bíblia, todo dia, persistentemente, primeiro na sinagoga, depois na escola de Tirano e de casa em casa… então a revolução silenciosa do evangelho começou a acontecer – o fermento da palavra de Deus levedou a cidade e a Ásia. — Veja: Atos 19.20: “Assim, a mensagem a respeito do Senhor se espalhou amplamente e teve efeito poderoso.” — O evangelho de Cristo colocou as pessoas no “Caminho” (At 19.23). De fato, o gatilho foi “por causa do Caminho” (At 19.23); ou seja: o efeito cumulativo de uma comunidade de crentes cuja vida foi transformada pelo evangelho foi o estopim para o tumulto.
Em face da pregação do evangelho, pessoas queimaram livros de feitiços e de artes mágicas estimados em milhões de reais em moeda atual – e pararam de comprar imagens de ídolos em escultura. — Percebeu? O que tinha acontecido?— O evangelho mudou não apenas eles próprios, os moradores de Éfeso, mas a vida inteira da própria cidade. Comércio, educação, arte e lazer – tudo mudou. Era a revolução evangélica. Lentamente e quase imperceptivelmente (como fermento que de pouco e em pouquinho vai levedando toda a massa), o evangelho foi percebido pelo povo de Éfeso como profundamente transformador, e nesse sentido, revolucionário – até ameaçador: nas palavra de Demétrio, versículo 27:
Claro que não me refiro apenas à perda do respeito público por nossa atividade [o negócio caia em descrédito]. Também me preocupa que o templo da grande deusa Ártemis perca sua influência e que esta deusa magnífica, adorada em toda a província da Ásia e ao redor do mundo, seja destituída de seu grande prestígio!”.
Professar Jesus Cristo trouxe mudanças sociais perceptíveis, e os efésios reagiram ao que Lucas registrou como “o Caminho” (At 19.23; expressão, aliás, primeiramente cunhada em Éfeso por alguns judeus revoltados com Paulo, na sinagoga: At 19.9). Não somente “o Caminho” (a igreja, o corpo de crentes, a mensagem), Paulo também foi alvo, é claro, já que foi ele próprio quem trouxe esta mensagem a Éfeso. Mas o que mesmo Paulo pregava – e que os enfureceu? Ora, o registro de Lucas chega a ser irônico:
Atos 19.26 Mas, como vocês viram e ouviram, esse sujeito, Paulo, convenceu [persuadiu] muita gente de que deuses feitos por mãos humanas não são deuses de verdade. Fez isso não apenas aqui em Éfeso, mas em toda a província.
Paulo pregou o evangelho, que inevitavelmente produziu conversão e mudança de vida – nos moldes do que aconteceu também com os tessalonicenses:
1Tessalonicenses 1.8-10 8Agora, partindo de vocês, a palavra do Senhor tem se espalhado por toda parte, até mesmo além da Macedônia e da Acaia [em Éfeso, foi de lá para a Ásia], pois sua fé em Deus se tornou conhecida em todo lugar. Não precisamos sequer mencioná-la, 9pois as pessoas têm comentado sobre como vocês nos acolheram e como deixaram os ídolos a fim de servir ao Deus vivo e verdadeiro. 10Também comentam como vocês esperam do céu a vinda de Jesus, o Filho de Deus, a quem ele ressuscitou dos mortos e que nos livrará da ira que está para vir.
É isto o que produz o evangelho: pessoas que acolhem com fé a mensagem da cruz de Cristo (o Cordeiro de Deus, perfeito, sem pecado; que morreu na cruz como substituto de quem crê); tendo acolhido com fé a Cristo, a nova criatura deixa os ídolos, passa a servir aos Deus vivo e verdadeiro na comunhão da igreja e vive da esperança da vinda de Cristo ressurreto e vitorioso, que virá livrar seus filhos da ira vindoura de Deus.
Pois bem, os incrédulos em Éfeso perceberam na comunidade cristã uma forma que era definível, que chamavam de “Caminho” – um jeito diferente de andar, de viver. Essa nova vida se destacou e chamou a atenção da cidade. Apontava para um modo de vida diferente e uma direção diametralmente oposta à da maioria. Era um caminho diferente do que a maioria percorria – o caminho apertado, difícil que conduz para a vida (Mt 7.14). Esse caminho revelava um padrão de autonegação e de carregar a cruz. Esse caminho desembocava totalmente em Jesus. Era modelado segundo uma ética estranha ao homem natural, e os mundanos desprezavam esse “Caminho”.
A obstinação de Paulo chegava a ser irritante. Todos os dias era a mesma coisa: estudo bíblico e mais estudo bíblico… [pregações expositivas dominicalmente, aulas, unboxings de livros da Bíblia]! Sempre se falava de Jesus. Chegou a um ponto que os cristãos não precisavam dizer absolutamente nada; a ausência deles em certos eventos, a recusa deles em participar dos mexericos habituais que os compromissos sociais normalmente geravam, o amor deles pela verdade e pela justiça – essa nova atitude deles lançava sombra sobre aqueles que ainda amavam um modo de vida para o qual os cristãos tinham virado as costas. Os incrédulos se sentiram ameaçados e julgados por essa nova postura. À medida que a palavra de Deus saturava a vida deles, dia após dia, esse “Caminho” ameaçava um modo de vida muito querido, uma cultura que se tinha como definidora da natureza de Éfeso. Um profundo ressentimento – ódio mesmo – vinha fermentando há muitos meses, mais de ano a cidade.
E a coisa ficou feia quando Demétrio percebeu a queda nas vendas do comércio! Mas sua jogada foi “denunciar” o que ele chamava de “cultura de Éfeso”:
23Por essa época, houve enorme tumulto em Éfeso por causa do Caminho. 24Começou com Demétrio, ourives que fabricava modelos de prata do templo da deusa grega Ártemis e que empregava muitos artífices. 25Ele os reuniu a outros que trabalhavam em ofícios semelhantes e disse: “Senhores, vocês sabem que nossa prosperidade vem deste empreendimento. 26Mas, como vocês viram e ouviram, esse sujeito, Paulo, convenceu muita gente de que deuses feitos por mãos humanas não são deuses de verdade. Fez isso não apenas aqui em Éfeso, mas em toda a província. 27Claro que não me refiro apenas à perda do respeito público por nossa atividade. Também me preocupa que o templo da grande deusa Ártemis perca sua influência e que esta deusa magnífica, adorada em toda a província da Ásia e ao redor do mundo, seja destituída de seu grande prestígio!”.
Nada novo debaixo do sol! A revolução do evangelho enfureceu Demétrio, seus pares e boa parte da cidade, e continua ainda hoje enfurecendo as pessoas que se veem confrontadas pelo evangelho. Mas tem mais… semana que vem…
S.D.G. L.B.Peixoto
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