15.05.2016
A CARA DA ESPIRITUALIDADE CRISTÃ
Mateus 17.1-9
1 Seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago, e os levou, em particular, a um alto monte. 2 Ali ele foi transfigurado diante deles. Sua face brilhou como o sol, e suas roupas se tornaram brancas como a luz. 3 Naquele mesmo momento apareceram diante deles Moisés e Elias, conversando com Jesus. 4 Então Pedro disse a Jesus: “Senhor, é bom estarmos aqui. Se quiseres, farei três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias”. 5 Enquanto ele ainda estava falando, uma nuvem resplandecente os envolveu, e dela saiu uma voz, que dizia: “Este é o meu Filho amado em quem me agrado. Ouçam-no!” 6 Ouvindo isso, os discípulos prostraram-se com o rosto em terra e ficaram aterrorizados. 7 Mas Jesus se aproximou, tocou neles e disse: “Levantem-se! Não tenham medo!” 8 E erguendo eles os olhos, não viram mais ninguém a não ser Jesus. 9 Enquanto desciam do monte, Jesus lhes ordenou: “Não contem a ninguém o que vocês viram, até que o Filho do homem tenha sido ressuscitado dos mortos”.
“Ordem e progresso”
De onde é a frase “ordem e progresso”? Acertou que disse: “É da bandeira do Brasil.”
A nossa bandeira foi idealizada pelo matemático Raimundo Teixeira Mendes. Não é dele, porém, o lema “ordem e progresso”. Foi retirado de uma divisa de Auguste Comte: “O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim”.
Auguste Conte era francês. Viveu entre 1798 e 1857. Foi o criador da filosofia positivista, que deu desdobramento às Revoluções Francesa e Industrial. Bem ou mau, os ideais positivistas foram, desde o início, admirados e defendidos pelos republicanos brasileiros. O que pregava o positivismo? Resumindo…
Comte acreditava que era possível planejar o desenvolvimento da sociedade e do indivíduo com critérios das ciências exatas e biológicas. Dessa forma, ele colocava o pensamento científico e lógico acima de preceitos religiosos e indagações metafísicas (transcendência, causas primeiras do ser). Posteriormente, agregou uma cartilha ética e social para criar uma espécie de antirreligião: a religião do humanismo.
– André Valentim (Revista Veja, ed. 2447 – ano 49 – n. 19, 11/05/16, p. 96-97)
Esse racionalismo científico e positivo caracterizou o mundo moderno por vários anos. Cria-se, então, na bondade natural do ser humano e que tudo evoluiria para algo melhor. Era um tempo de certezas e de sólidas convicções.
Tudo foi por terra com a devastação causada pelas duas guerras mundiais e as suas heranças malditas; i.e.: os conflitos étnicos, políticos e econômicos. A era da razão, do positivismo humano e das certezas científicas absolutas deu lugar a um espírito cínico, desiludido e desesperado. Nascia a pós-modernidade.
A espiritualidade da pós-modernidade
A civilização ocidental, na pós-modernidade, buscou refúgio na espiritualidade. Por quê? Por pelo menos dois motivos.
Pois bem, esse, a grosso modo, foi o caminho do positivismo ao negativismo; do racionalismo ao espiritualismo.
Espiritualidade vazia
Hoje, o que se vê no Brasil são dois extremos: de um lado, temos os racionalistas radicais desesperados (esquerda brasileira? ateísmo acadêmico?) e, de outro, os espiritualistas irracionais desorientados (neopentecostais? ocultistas?).
Todos buscam uma espiritualidade. Não há um que não a persiga. Ouça com atenção e paciência a descrição bem ponderada do pastor presbiteriano Ricardo Barbosa (da I.P. do Planalto, em Brasília). Ele narra o seguinte:
Espiritualidade é o tema da agenda religiosa do século XXI. Está presente em todos os encontros, debates e discussões. Não apenas no universo evangélico, mas também nos âmbitos cultural, empresarial, econômico, político, etc. Todos conversam sobre o assunto, falam de suas experiências, descrevem seu momento espiritual. Empresas preocupam-se com o estado espiritual de seus executivos, oferecendo cursos e palestras para elevar o espírito e melhorar o rendimento profissional. Livros e revistas especializados no assunto surgem a cada dia. Entretanto, como afirma Eugene Peterson, quando todos os amigos começam a conversar sobre colesterol, comparando taxas, trocando conselhos, sugerindo remédios e chás, você logo percebe que este é um mau sinal. Alguma coisa não vai bem. Da mesma forma, quando vemos e ouvimos muita gente conversando e lendo sobre espiritualidade, isto nos leva a pensar que a alma de nosso povo não anda bem; está enferma.
Todos precisam de espiritualidade, mas não da espiritualidade vazia que hoje se vê largamente em todas as esferas. Precisa-se da espiritualidade cristã.
Definições
O que é espiritualidade? Mais ainda: o que é espiritualidade cristã? Deixemos Alister E. McGrath, professor de teologia da Universidade de Oxford, responder. Ele é catedrático no assunto.
Espiritualidade | Diz respeito à busca de uma vida religiosa realizada, envolvendo a união das ideias distintas daquela religião e toda a experiência de se viver com base e no âmbito daquela religião.
Espiritualidade cristã | Diz respeito à busca de uma experiência cristã realizada e autêntica, envolvendo a união das ideias fundamentais do cristianismo e toda a experiência de se viver com base e no âmbito da fé cristã.
Poderíamos colocar assim: espiritualidade cristã é uma forma de viver fundamentada nos critérios da Palavra revelada de Deus e que, consequentemente, produz frutos que glorificam a Deus e abençoam as pessoas.
Pois bem, vamos ao texto que nós lemos no início – Mateus 17.1-9
A Transfiguração de Jesus
Em nossa caminhada pela vida de Pedro, nós chegamos com ele ao Monte da Transfiguração. Pedro, Tiago e João estão sozinhos com Jesus no alto de um monte. Dos três que estavam com o Senhor, só Pedro fala. Tiago e João não pronunciam qualquer palavra. Portanto, é mais um daqueles encontros especiais de Jesus com Pedro, oportunidade para o Santo Escultor talhar no Pedro mais um pouquinho do caráter de Cristo.
A espiritualidade cristã
A lição de hoje é sobre espiritualidade. Espiritualidade cristã. Tema este que, como já vimos, é importantíssimo para os dias em que vivemos.
Sobre a espiritualidade cristã, a meu ver há três componentes expressos nesse episódio que nós não podemos deixar de observar, sob pena de cultivarmos uma espiritualidade vazia e doentia. Estamos falando da cara (contornos), dos critérios e das consequências da espiritualidade cristã (caminhos).
A cara diz respeito à forma de se manifestar a espiritualidade cristã. Os critérios são os fundamentos sobre os quais ela se fundamenta. As consequências são os frutos que ela produz na vida do cristão.
Hoje, veremos a cara da espiritualidade cristã, os seus contornos.
A cara da espiritualidade cristã
Com o que se parece a espiritualidade cristã? Qual é a cara dela?
A cara da espiritualidade cristã é Cristo. Ela surge com o crer e a aceitação de Cristo como salvador e senhor pessoal e a partir disso se desenvolve.
Seis dias antes do episódio no Monte da Transfiguração (cf. Mt 17.1), Pedro fez uma confissão de fé que é essencial para a espiritualidade. Recordemos o que já vimos algumas semanas atrás.
Mt 16.15-16 | 15 “E vocês?”, perguntou ele. “Quem vocês dizem que eu sou?” 16 Simão Pedro respondeu: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”.
Depois da confissão de fé, Pedro aprendeu como é a vida do cristão.
Mt 16.24 | Então Jesus disse aos seus discípulos: “Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga.
Ou seja, o * cristão é aquele que, tendo confessado a Cristo como salvador, 1 nega a si mesmo: mortifica as inclinações do coração; 2 toma a sua cruz: assume publicamente o cristianismo, apesar da vergonha e do sofrimento; 3 segue a Jesus: persevera nos ensinos do seu Mestre e Senhor.
Esse cristão, portanto, terá a cara de Cristo. A sua espiritualidade refletirá a glória de cristo. Nada nele parecerá com ocultismo, animismo, paganismo, esoterismo, materialismo, ateísmo, espiritismo, catolicismo, crentismo, etc.
A espiritualidade do cristão parecerá com Cristo e ponto final. Como assim?
A experiência de Jesus no Monte da Transfiguração nos dá uma dica de como é na prática a espiritualidade cristã; qual é a cara dela dentro e fora da igreja.
1. O cotidiano é espiritual
Mt 17.1-2 | 1 Seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago, e os levou, em particular, a um alto monte. 2 Ali ele foi transfigurado diante deles.
Lc 9.37 | No dia seguinte, quando desceram do monte, uma grande multidão veio ao encontro dele.
Houve um antes, um durante e um depois. O que é isso? É história. O antes, o durante e o depois é história. O único espaço que temos para expressar a nossa espiritualidade é na história; é no ontem que tivemos, no hoje que estamos tendo e no amanhã que Deus poderá nos dar.
A espiritualidade cristã é para os dias e horas da semana. É para ser vivida no curso dos meses e dos anos. Não é para ser vivida ou expressa nos transes carismáticos nem nos arrebatamentos lunáticos. Não é apenas domingueira.
A espiritualidade é para o antes, o durante e o depois; para o ontem, para o hoje e para o amanhã; é para as horas, os dias, os meses e os anos que Deus nos dá; é para ser vivida na história e não na a-história nem na trans-história.
Outro fato para se observar é o local. A Transfiguração aconteceu em “um alto monte”. Que monte era esse? Mateus 16.13 nos informa que eles estavam em “Cesaréia de Filipe”, extremo norte de Israel. O único “alto monte” existente naquelas regiões do país e o mais alto de todos os montes de Israel é o Hermom, com 2.840 metros de altitude. Porém…
Aquela seria a pior geografia possível para se praticar a espiritualidade cristã. Era um lugar pagão, politicamente hostil e covil de inimigos da fé de Israel. No entanto, é ali mesmo que o Senhor Jesus se transfigura.
Aprendemos que a espiritualidade cristã é para ser vivida na história e apesar de toda e qualquer geografia. O cotidiano da espiritualidade é o aqui e o agora, independentemente de onde estivermos. Não é apenas para a igreja (o local sagrado) e dias santos ou especiais. É para todas as horas, todos os dias e todos os locais. Em Cristo, todos os dias e todos os lugares são santificados.
O cotidiano é espiritual.
2. O corpo é espiritual
Mt 17.2 | Ali ele foi transfigurado diante deles. Sua face brilhou como o sol, e suas roupas se tornaram brancas como a luz.
Em Cristo tudo resplandecia: rosto, vestes e corpo. Em Cristo, a glória de Deus tem cara e tem corpo. A glória de Deus não se manifesta mais em montes, nuvens ou templos, mas através dos corpos daqueles que vivem em santidade, em novidade de vida, em espírito e em verdade. O corpo é templo. É sagrado.
A preocupação agora se transfere para a santidade pessoal. O valor agora é depositado em vidas e não em lugares. Para o cristão a espiritualidade se dá no corpo, no corpo da gente e nos corpos dos outros. Por isso que cuidamos do nosso e amamos o do próximo. Não defraudamos o corpo de ninguém.
O corpo é espiritual.
3. A criação é espiritual
Mt 17.5 | Enquanto ele ainda estava falando, uma nuvem resplandecente os envolveu, […]
Você observou que a criação apareceu como adereço da espiritualidade? Sim, pois “uma nuvem resplandecente os envolveu”! Deus usou uma das densas nuvens do Hermom para ornamentar aquele momento especial.
O cristão vive a sua espiritualidade em meio à criação. Ela adorna a vida espiritual do cristão. O crente entende que a criação é para ser cuidada e desfrutada, pois declara e proclama a glória de Deus. Ele sabe também que a criação é para ser preservada e estudada, pois ensina sobre a providência de Deus.
O cristão sabe que divino é Deus, o criador. A criação não é divina. A natureza não é mãe. A criação é expressão da glória de Deus.
A criação é espiritual.
4. A cultura é espiritual
Mt 17.5 | […] suas roupas se tornaram brancas como a luz.
Mc 9.3 | Suas roupas se tornaram brancas, de um branco resplandecente, como nenhum lavandeiro no mundo seria capaz de branqueá-las.
O que nós lemos aqui é que a produção cultural foi vazada pela espiritualidade de Jesus Cristo. Roupa é cultura; cultura da época.
Jesus não estava descontextualizado, mas as suas vestes foram transfiguradas, foram vazadas pela espiritualidade. Aprendemos que a cultura precisa ser santificada por aquele que com ela se veste. O que vestimos e o que produzimos precisam tornar-se espiritual. Temos que produzir expressões culturais que refletem a glória de Cristo. O cristão não teme a cultura, ele a transforma.
A cultura é espiritual.
5. O comportamento é espiritual
Mt 17.3-9 | 3 Naquele mesmo momento apareceram diante deles Moisés e Elias, conversando com Jesus. 4 Então Pedro disse a Jesus: “Senhor, é bom estarmos aqui. Se quiseres, farei três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias”. 5 Enquanto ele ainda estava falando, uma nuvem resplandecente os envolveu, e dela saiu uma voz, que dizia: “Este é o meu Filho amado em quem me agrado. Ouçam-no!” 6 Ouvindo isso, os discípulos prostraram-se com o rosto em terra e ficaram aterrorizados. 7 Mas Jesus se aproximou, tocou neles e disse: “Levantem-se! Não tenham medo!” 8 E erguendo eles os olhos, não viram mais ninguém a não ser Jesus. 9 Enquanto desciam do monte, Jesus lhes ordenou: “Não contem a ninguém o que vocês viram, até que o Filho do homem tenha sido ressuscitado dos mortos”.
O cristão não é destemperado (v. 3-6) | “Ouçam-no!” – Pedro interrompeu Jesus e Deus interrompeu Pedro. Pobre Pedro! O apóstolo precisava aprender a hora de falar, a hora de calar, a hora de ouvir, a hora de esperar. O que aprendemos aqui é que o nosso comportamento precisa ser espiritual.
O cristão não vive amedrontado (v. 7) | “Não tenham medo!” – O discípulo de Cristo não tem fobia do divino nem do diabólico. Ele não se acovarda diante de Deus nem vive com medo ou vendo demônios em toda parte.
O cristão não se autoglorifica (v. 9) | “Não contem a ninguém!” – O discípulo de Cristo não faz marketing da espiritualidade nem da santidade. Não sente necessidade de a todos contar que experiência ele teve com Deus. Não há histeria.
O comportamento torna-se espiritual: há domínio próprio, sobriedade, fé, coragem, discrição e altruísmo.
A cara da espiritualidade cristã
Hoje nós vimos os contornos ou a cara da espiritualidade cristã. Deus permitindo, na semana que vem nós falaremos dos caminhos dela, abordando os critérios e as consequências da espiritualidade cristã.
Hoje, nós paramos por aqui. Ficamos com a cara da espiritualidade cristã.
Tendo confessado fé em Cristo e se colocado no caminho do discipulado, o crente assume a cara da espiritualidade cristã. Pelo poder do Espírito Santo, ele torna espiritual o cotidiano, o corpo, a criação, a cultura e o comportamento.
Em Cristo, o crente vai se tornando a cara de Cristo. Cristo vive nele. Paulo resumiu a cara da espiritualidade em um versículo apenas.
Gl 2.20 | Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim.
Você está cansado de não conseguir respostas para as coisas da existência no racionalismo, no cinismo, no cientificismo?
Encontra-se desiludido ou desesperado diante da falta de ordem no mundo? Desencantou-se com o ser humano?
Está em busca de desenvolver a espiritualidade?
Qual é a cara da sua espiritualidade?
A cara da espiritualidade é Cristo. Ele vivendo na gente. Nós vivendo pela fé.
Morra para si mesmo e viva pela fé no filho de Deus, que te amou e se entregou por você. Arrependa-se, creia e viva pela fé.
Mais episódios da série
Caráter Escultural: A Vida de Pedro
Mais episódios da série Caráter Escultural: A Vida de Pedro
Mais Sermões
22 de setembro, 2024
25 de junho, 2023
22 de maio, 2016
18 de janeiro, 2017
Mais Séries
A Cara da Espiritualidade Cristã
Pr. Leandro B. Peixoto