19.07.2020
[Filemom 1-3] 1Eu, Paulo, prisioneiro de Cristo Jesus, escrevo esta carta, junto com nosso irmão Timóteo, a Filemom, nosso amado colaborador, 2à irmã Áfia, a Arquipo, nosso companheiro na luta, e à igreja que se reúne em sua casa. 3Que Deus, nosso Pai, e o Senhor Jesus Cristo lhes deem graça e paz.
Continuação…
A necessidade do perdão
O mundo em convulsão como está o nosso, as pessoas com nervos à flor da pele, cada qual impondo seu ponto de vista – seja na força do braço ou das palavras… fica-se com a impressão de que nunca foi tão necessário perdão. Mas como perdoar? Onde encontrar forças para perdoar? Tantas vezes as pessoas não sabem como nem encontram forças para perdoar. É por isso que estamos estudando a carta de Paulo a Filemom.
Esse documento é um tratado sobre o perdão. Paulo ensina que todas as vidas importam, tanto a do escravo Onésimo que roubou e fugiu, como a do senhor Filemom que deveria acatar o pedido de perdão, perdoar e promover a paz. Portanto, o que temos neste texto do Novo Testamento é um exemplo concreto do poder do amor que flui do evangelho e que é capaz de curar relacionamentos e restaurar famílias e sociedades.
Estamos ainda estudando os três primeiros versículos da carta, os quais nos permitem enxergar a comunidade do amor e o que se precisa para perdoar. Esta é a terceira vez que nos debruçamos sobre esses versículos.
Anteriormente: a presença do irmão e o papel da igreja. Agora: o poder do evangelho.
3 – O poder do evangelho
A comunidade do amor tem a presença do irmão e sabe da importância da igreja local na vida uns dos outros. Mas tem mais uma coisa que Paulo explicita aqui na carta a Filemom. Ele destaca o poder do evangelho no versículo 3.
Antes de lermos mais uma vez o nosso versículo, lembre-se de que Paulo está apenas preparando o terreno para tratar da necessidade que Filemom tinha de perdoar e acolher Onésimo. Assim ele o fez, como já vimos, exortando e encorajando o irmão com palavras e presença (ou pelo menos com a intenção de ir pessoalmente estar com ele, caso fosse possível, v. 22); depois Paulo falou do papel da igreja; e agora o apóstolo irá encorajá-lo com um resumo do poderoso evangelho de Jesus Cristo.
O versículo 3 traz o fundamento do evangelho:
Que Deus, nosso Pai, e o Senhor Jesus Cristo lhes deem graça e paz.
O Deus trino
“Graça e paz”, Paulo escreveu, nos são dadas por “Deus, nosso Pai, e o Senhor Jesus Cristo”. Note que o apóstolo atribui a Jesus Cristo o título de “Senhor” e o exibe no mesmo patamar de Deus. Essa forma de colocar Jesus Cristo par a par com Deus ou igual a Deus era totalmente estranha para os judeus, para não dizer blasfema. Tal afirmação, no entanto, escorria da revelação bíblica de que há um só Deus em três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Por mais difícil que seja absorver e compreender esse conceito, Deus é assim mesmo, um em três – nas palavras de Wayne Grudem: “Deus existe eternamente como três pessoas, Pai, Filho e Espírito Santo, e cada pessoa é totalmente Deus, e existe um Deus.” [*Fonte: Wayne Grudem, Systematic Theology: An Introduction to Biblical Doctrine (Grand Rapids: Inter-Varsity Press; Zondervan Pub. House, 2004), 226.]
Assim é Deus, verdadeiramente: um ser em três pessoa. Quaisquer outras descrições de Deus falarão de ídolos ou falsos deuses. Não há outra maneira de se conhecer Deus, senão pela forma como ele mesmo se revelou a nós nas páginas das Escrituras: Deus único, eterno, em três pessoas, Pai, Filho e Espírito Santo. É desse Deus que “graça e paz” escorrem a todos os que creem. Ah, você que me ouve, conheça esse Deus. Rendam-se a ele com arrependimento e fé. Celebrem-no e o compartilhem na face de Jesus Cristo, pelo poder do Espírito Santo.
As bênçãos do Deus trino
“Graça e paz” era uma maneira comum de Paulo começar cada uma de suas 13 cartas (Rm 1.7; 1Co 1.3; 2Co 1.2; Gl 1.3; Ef 1.2; Fl 1.2; Cl 1.2; 1Ts 1.1; 2Ts 1.2; 1Tm 1.2; 2Tm 1.2; Tt 1.4 e Fm 3). Encontramos esse mesmo tipo de saudação na pena de outros dois apóstolos: João (em Apocalipse 1.4) e Pedro (em 1Pedro 1.2 e 2Pedro 1.2). No caso de Paulo, notamos esse estilo em todas as suas epístolas, com exceção das pastorais – em Tito é muito parecido; em 1 e 2 Timóteo a única diferença é que ele insere “misericórdia” entre “graça” e “paz” (ficando: “graça, misericórdia e paz”). Por traduzirem o evangelho, nós precisamos entender bem o significado individual de cada uma dessas palavras.
A norma para a introdução de uma carta no mundo greco-romano consistia de três elemento essenciais: o nome do remetente, o nome do destinatário e uma mensagem de saudação. Paulo segue esse padrão (vs. 1-3): “Eu, Paulo, […] a Filemom […] Que Deus, nosso Pai, e o Senhor Jesus Cristo lhes deem graça e paz”. A saudação dos judeus era “Paz!” (Heb. Shalom, cf. Jz 19.20) ou, como se lê no apócrifo 2Baruque 78.2, “Misericórdia e Paz!”. A saudação dos gregos era “Graça!” (Gr. Charis; cf. At 15.23, onde se lê “Saudações”, derivado de Chairein).* Mas essa seria apenas a explicação do pano de fundo do costume social. Teologicamente, existe algo muito mais profundo sendo comunicado.
*F. F. Bruce, The Epistles to the Colossians, to Philemon, and to the Ephesians em The New International Commentary on the New Testament (Grand Rapids: Wm. Eerdmans, 1984), p. 39.
Como já dissemos, “graça e paz” é uma forma caracteristicamente paulina. Os termos estão carregados de significado cristão. “Graça” é como nós conseguimos ter “paz”. Todos querem paz. Afinal, como cantou Almir Sater, “é preciso paz pra poder sorrir”. Mas como obtê-la? Paulo ensina que paz se deriva da graça de Deus a nós revelada e disponível em Jesus Cristo. Portanto, você que me ouve, seja você cristão ou não cristão, quero ter a certeza de que você entenda isso, porque esta é a coisa mais importante que você deverá compreender do sermão; é a chave para a sua vida e para a compreensão do restante desta carta.
A Bíblia diz que Deus criou todos nós à sua imagem e semelhança, e que todos fomos criados para conhecê-lo e desfrutá-lo como nosso maior bem, tesouro e prazer. Parte disso é reconhecer sua autoridade em nossa vida – mas, sendo honestos, sabemos que não o aceitamos totalmente. Fazemos o que queremos, e não o que Deus quer – para usar a linguagem bíblica, pecamos. Por causa disso, e porque Deus é bom, correto e justo, ele julgará a humanidade por nossos pecados e muitos serão condenados. Por mais estranho que pareça, Deus condenará porque ele é bom, correto e justo.
Pense por um instante. O que é ser bom? O que é viver em um mundo bom?
Bom é aquele que exerce seu papel com correção e justiça. Bondade é qualidade de quem tem alma generosa e se inclina a fazer o bem. Fazer o bem inclui fazer o que é correto e justo, inclui aplicar justiça. Assim, um bom juiz é um juiz justo. Não é verdade?
Alguém neste ponto poderia perguntar: “Mas se Deus sabia que a humanidade pecaria e que muitos seriam condenados, sendo ele bom, por que nos criou? Não seria melhor se nós não tivéssemos sido criados? Pelo menos assim nós seríamos poupados da pena do pecado.” A questão, no entanto, é que todo conceito de bondade e de mundo bom e de vida boa que todos nós tanto almejamos inclui a necessidade de justiça. Em outras palavras: é impossível viver bem em um mundo onde não há padrões de certo e de errado, podes e não podes, limites, governança, leis e, consequentemente, aplicação da justiça.
Sendo Deus bom, ele criou um mundo perfeito. Nós pecamos, quando desobedecemos a lei de Deus. Porque Deus é correto e justo, nós merecemos o seu castigo. Isso é o que o cristianismo diz ser o problema de todos no mundo, independentemente de qual seja sua formação, nacionalidade ou posição social. Esse é o problema: estamos condenados por causa do nosso pecado.
Mas Deus, em sua grande misericórdia, porque ele é bom, não nos deixou sem alternativa. O Filho eterno de Deus, Jesus Cristo, veio em carne, habitou entre nós e viveu como homem – uma vida perfeita, perfeitamente em comunhão com Deus como seu Pai celestial, cumprindo no próprio corpo, na própria vida a lei de Deus. Ele morreu na cruz no lugar de pecadores que merecem o castigo de Deus, e lá tomou sobre si o castigo de Deus – não pelos pecados que cometera, porque não cometera pecados, mas pelos pecados de todos os que já haviam se desviado em seus próprios pecados e viessem a crer em Cristo Jesus. Esse é o coração do evangelho. Isso é graça.
Fomos criados perfeitos. Pecamos. Recebemos a justa sentença de condenação da parte de Deus. Cristo veio e, graciosamente, tomou o nosso lugar. Todo aquele que se arrepende e crê na vida e na obra de Cristo recebe perdão e salvação – desfruta de paz com Deus. Pedro, o apóstolo, colocou nos seguintes termos (1Pe 3.18):
Pois Cristo também sofreu por nossos pecados, de uma vez por todas. Embora nunca tenha pecado, morreu pelos pecadores a fim de conduzi-los a Deus. Sofreu morte física, mas foi ressuscitado pelo Espírito,
“Graça”, portanto, “é a boa vontade incondicional de Deus para com homens e mulheres, e que está decisivamente expressada na obra salvadora de Cristo.” [Bruce, p. 39]. Veja, Colossenses 1.6, note como Paulo coloca a obra de Cristo como sinônimo de graça:
Agora, as mesmas boas-novas [evangelho] que chegaram até vocês estão se propagando pelo mundo todo. Elas têm crescido e dado frutos em toda parte, como ocorre entre vocês desde o dia em que ouviram e compreenderam a verdade sobre a graça de Deus.
Quem recebe dessa graça, desfruta de paz. Nas palavras de F. F. Bruce (p. 39): “Paz é o estado de vida… desfrutado por aqueles que efetivamente experimentaram a divina graça.” Estado de vida em que – através de Cristo ou por causa dele – se tem paz com Deus e paz uns com os outros. Veja, Colossenses 1.20:
Por meio do sangue do Filho na cruz, o Pai fez as pazes com todas as coisas, tanto nos céus como na terra.
Efésios 2.14-18:
14Porque Cristo é nossa paz. Ele uniu judeus e gentios em um só povo ao derrubar o muro de inimizade que nos separava. 15Ele acabou com o sistema da lei, com seus mandamentos e ordenanças [que serviam para separar Israel como propriedade exclusiva das outras nações], promovendo a paz ao criar para si, desses dois grupos, uma nova humanidade. 16Assim, ele os reconciliou com Deus em um só corpo por meio de sua morte na cruz, eliminando a inimizade que havia entre eles. 17Ele trouxe essas boas-novas de paz tanto a vocês que estavam distantes dele como aos que estavam perto. 18Agora, por causa do que Cristo fez, todos temos acesso ao Pai pelo mesmo Espírito.
Estado de vida em que também se desfruta da paz de Deus. Filipenses 4.6-7:
6Não vivam preocupados com coisa alguma; em vez disso, orem a Deus pedindo aquilo de que precisam e agradecendo-lhe por tudo que ele já fez [pela sua vida e obra na cruz]. 7Então vocês experimentarão a paz de Deus, que excede todo entendimento e que guardará seu coração e sua mente em Cristo Jesus.
A Bíblia de Estudo NAA traz um belo comentário sobre esses versículos:
Paulo reproduz o ensino de Jesus no Sermão do Monte (veja Mt 6.25-34) de que os crentes não devem ficar preocupados, mas devem colocar a sua confiança nas mãos do seu Pai amado, cuja paz os guardará… em Cristo Jesus. O uso de Paulo de “guardará” pode ser um reflexo da sua própria prisão ou da situação de Filipos como uma colônia romana com uma guarnição militar. Em qualquer caso, não são os soldados romanos que guardam os crentes: é a paz de Deus Todo-Poderoso. Uma vez que Deus é soberano e está no controle, os cristãos podem confiar a ele todas as suas dificuldades, pois ele governa sobre toda a Criação, é sábio e amoroso de todas as formas (Rm 8.31-39). A prática de ações de graças contribui diretamente para a paz interior.
*Bíblia de Estudo NAA. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2018, p. 2175.
O evangelho de Jesus Cristo é poderoso para nos salvar, levando-nos de volta para Deus. Mas esse mesmo evangelho também é poderoso para nos santificar, tornando-nos graciosos e pacificadores. A mesma graça que nós recebemos da Trindade santa – Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo – para desfrutamos de paz com Deus, da paz de Deus e de paz com o povo de Deus, nós somos capazes de repartir com os Onésimos que nos ferirem, agindo para perdoar (ou pedir perdão) e pacificar o relacionamento. Por isso que Jesus nos ensinou a orar, dizendo (Mt 6.12): “perdoa nossas dívidas, assim como perdoamos os nossos devedores.” Imagine como o mundo seria melhor!
Ouvi em um sermão pregado por Mark Dever [*Fonte: https://www.capitolhillbaptist.org/sermon/grace-and-prayer/. Acessado em 5 de julho de 2020] a história narrada por Robert A. Seiple, ex-presidente da Visão Mundial, sobre uma reunião com uma cristã libanesa chamada Maria.
Maria estava morando em uma vila cristã no Líbano na década de 1980, quando as coisas por lá estavam desmoronando: israelenses e sulistas sírios estavam por toda parte lutando entre si, outras milícias locais também. Milicianos muçulmanas entraram na aldeia de Maria. Ela correu, tropeçou e caiu, mas levantou-se na carreira. Um jovem de 20 anos apontou uma arma para a cabeça dela e gritou: “Renuncie à cruz ou morra”. Maria respondeu: “Nasci cristã; morrerei cristã”. Ele atirou nela. Em seguida, esculpiu com sua baioneta (uma espécie de punhal) uma cruz no corpo da moça. Depois foi embora.
No dia seguinte, a milícia voltou para recolher os mortos e limpar a cidade. Descobriram que Maria ainda estava viva e, por algum motivo sem explicação, improvisaram uma maca e a levaram para o hospital. Seiple relembra sua conversa com Maria, então em uma cadeira de rodas. A bala havia atingido a espinha dorsal da moça e ela ficou paralisada.
Depois que ela narrou a história toda, ele perguntou: “Isso absolutamente não faz sentido a respeito daquelas pessoas que tentaram matá-la – por que diabos eles a levariam ao hospital no dia seguinte?”
Maria respondeu: “Sabe, às vezes pessoas más também fazem coisas boas”.
Seiple acrescentou: “Como você se sente sobre a pessoa que puxou o gatilho, a pessoa que fez você ficar presa a uma cadeira de rodas pelo resto da vida, sob os cuidados do estado? Como você se sente sobre o cara que puxou o gatilho?”
Ela respondeu: “Eu o perdoei”.
— “Maria, como você foi capaz de perdoá-lo?”, ele perguntou.
— “Bem, eu o perdoei”, disse ela, “porque meu Deus me perdoou. É simples assim.”
Mateus 6.12: “[Pai,] perdoa nossas dívidas, assim como perdoamos os nossos devedores.” Esse é o poder do evangelho. Pelo evangelho nós somos perdoados e com o evangelho nós aprendemos a perdoar. Você vai perdoar? Sua atitude terá muito a ver com o fato de você ter sido ou não perdoado. O evangelho nos ensina que todas as vidas importam porque até a minha e a sua importou para Deus que nos enviou seu único Filho para morrer em nosso lugar, comprando-nos perdão.
A comunidade do amor
Perdoar nem sempre é fácil, mesmo se já fomos perdoados por Deus e pelas pessoas. Sempre que nos ferem de alguma maneira, centrados em nós mesmos que somos por causa do pecado, nossa inclinação é querer justiça a qualquer custo ou fazer justiça com as próprias mãos. Perdoar, jamais! Posto que perdoar seria absolver aqueles que nos devem. E eles merecem justiça.
É verdade! Eles e nós merecemos justiça. Primeiro, porque pecamos contra Deus. Segundo, porque pecamos contra o próximo, criado a imagem e semelhança de Deus. E justiça já foi feita. Feita na cruz. Isaías 53:
5Mas ele foi ferido por causa de nossa rebeldia e esmagado por causa de nossos pecados. Sofreu o castigo para que fôssemos restaurados e recebeu açoites para que fôssemos curados. 6Todos nós nos desviamos como ovelhas; deixamos os caminhos de Deus para seguir os nossos caminhos. E, no entanto, o SENHOR fez cair sobre ele os pecados de todos nós.
Tudo aquilo que às vezes as pessoas sentem vontade de fazer contra alguém que tenha cometido uma injustiça, Deus fez contra seu próprio Filho. Justiça foi feita na cruz.
A comunidade do amor é composta de pessoas que foram salvas e reconciliadas com Deus na igreja pela vida e obra de Jesus Cristo. Em paz com Deus, aprendemos a ter paz com todos (mesmo se somos a minoria perseguida ou abusada). E quando não conseguimos, nós temos a presença do irmão, podemos contar com o papel da igreja na vida da gente e somos lembrados do poder do evangelho para salvar e santificar o pecador.
Você faz parte da comunidade do amor? Então perdoe. Peça perdão. Promova o perdão.
Ainda não faz parte da comunidade do amor? Arrependa-se e creia em Cristo. Professe sua fé pelo batismo e insira-se em alguma igreja local.
S.D.G. L.B.Peixoto
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