06.09.2020
[João 12.20-22] 20Alguns gregos que tinham vindo a Jerusalém para adorar durante a festa da Páscoa 21procuraram Filipe, que era de Betsaida, da Galileia, e lhe disseram: “Por favor, gostaríamos de ver Jesus”. 22Filipe falou a esse respeito com André, e os dois foram juntos falar com Jesus.
Em setembro de 2015, Nelson Chinalia, professor de Fotografia e Fotojornalismo da PUC-Campinas, e que também é pesquisador da UNICAMP, levantou a discussão sobre o papel da imprensa em um artigo para o jornal da PUC, intitulado O poder da imagem na era digital. O que o provocou foi que, no início daquele mesmo mês, uma foto publicada havia chocado o mundo e colocado em pauta a força perturbadora da imagem.
Você deve se lembrar: a foto era de um menino sírio de três anos, morto, estirado em uma praia da Turquia após naufrágio. A imagem do garoto deitado de bruços na areia, com os bracinhos para trás e a cabecinha virada para o mar, trajando uma camisetinha vermelha, shorts azuis e tênis nos pés virou símbolo da crise migratória que já matou milhares de pessoas do Oriente Médio e da África que tentam há muito chegar à Europa para escapar de guerras, de perseguições e da pobreza. A imagem, realmente, é de partir o coração.
Chinalia, talvez com crise ética ou de consciência por também ter postado uma imagem tão chocante como aquela, ponderou que “as fotografias desnudam a triste realidade que nos cerca, a imagem do garoto Aylan é a síntese de tudo”, e foi além:
Seja a imagem de Aylan [tirada em setembro de 2015], a foto-ícone da menina de nove anos fugindo nua, após bombardeio na guerra do Vietnã [tirada em 1972], ou a foto de Kevin Carter, que fotografou um menino desnutrido com um abutre postado às suas costas [tirada no Sudão em 1993], são imagens que nos perturbam e comovem porque individualizam a tragédia. Colocam sobre os ombros frágeis de um personagem a representação de todos que foram vítimas do mesmo infortúnio.
O artigo em tela documenta que a Europa mudou após a publicação da imagem de Aylan: governantes agiram rápido e países europeus começaram a discutir sobre aceitar cotas de refugiados. A morte do menino não foi em vão, escreveu o autor da matéria:
O garotinho de três anos, que só conheceu a fuga e a rejeição como modo de vida, já inspirou alemães e finlandeses a oferecer suas casas a refugiados. Aylan não foi salvo, mas seu sacrifício e o registro em imagens de seu fim podem salvar muitas vidas.
A matéria de Chinalia pretendeu chamar a atenção dos leitores para o fato de que a era digital se estabeleceu na mídia e o papel da imprensa de uma maneira geral deve ser mais uma vez discutido, dada a velocidade com que correm os fatos. Escreveu o articulista:
Antes, a informação precisava ter um suporte físico (papel, frequências eletromagnéticas, celuloide etc.), mas agora ela é imaterial (bits e bytes), o que a torna fluida, fácil de ser copiada e transmitida em fração de segundo para milhões de pessoas.
O que de fato chamou minha atenção nesse artigo escrito para o jornal da PUC-Campinas foi a conclusão a que chegou o fotojornalista:
Não temos mais simplesmente leitores, ou espectadores passivos, agora são usuários, com habilidades de comunicação e domínio das ferramentas e plataformas, interagindo com os veículos de comunicação, seja compartilhando conteúdo ou estabelecendo diálogo com o mesmo. Com a grande rede mundial [a internet], as pessoas reagem de pronto. Rápida como a imagem símbolo de Aylan, que agora vive na nossa memória como a imagem da imensa massa em fuga de mais uma guerra insana.
É uma realidade indiscutível: o ser humano reage de pronto e rapidamente àquilo com que seus olhos se encantam ou se espantam ou se entristecem. Para o bem ou para o mal, assim reage a humanidade: buscando ver mais de perto aquilo que de alguma forma fisgou seu coração ou agitou suas afeições; uma vez tendo provado do que viu, as pessoas de alguma maneira respondem com rapidez – dando um like ou um deslike –, elas repartem ou compartilham em suas redes sociais, elas formam suas opiniões. Daí o valor da ética para todos que de alguma forma compartilham conteúdo. Imagens têm imenso poder aos olhos e no coração das pessoas. Recentemente (maio de 2020), por exemplo, assistimos à mais uma onda de manifestações pelo mundo, após um recorte de imagem que mostrava um policial com o joelho no pescoço de um negro rendido no asfalto, e que, aparentemente sufocado, veio a óbito.
Ah, o poder da imagem na era digital! Ao mesmo tempo que nos estimulam, as imagens também nos escravizam. Quer ver uma coisa? Você sabia que, a partir das imagens ou dos conteúdos que você busca e visualiza na internet é possível, através de algoritmos por detrás desse aparato todo, decifrar e conhecer, de fato, manipular você?
Yuval Noah Harari, historiador israelense e professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, nome de enorme sucesso recentemente por causa de seus livros best-sellers, calcula que a soma do controle da biologia humana com o poder digital e da informação resultará no hackeamento da humanidade. Hacker é a pessoa “que se dedica, com intensidade incomum, a conhecer e modificar os aspectos mais internos de dispositivos, programas e redes de computadores.” Eles invadem máquinas, dispositivos e sistemas com o fim de colher alguma informação e ou modificar o conteúdo. Pois bem, para o estudioso israelense, o grande risco que hoje as pessoas correm não é o de terem seus dispositivos hackeados ou invadidos para se roubar ou modificar informação ou qualquer outra coisa, o que deve nos preocupar é o hackeamento do coração com o fim de se encontrar os desejos que nos movem a fazer as buscas que fazemos no mundo digital. Eis o que escreveu que Yuval Noah Harari:
Coca-Cola, Amazon, Baidu [motor de busca chinês, equivalente ao Google Chrome, Safari e Yahoo] e o governo estão todos correndo para hackear você. Não seu smartphone, nem seu computador, nem sua conta bancária – eles estão numa corrida para hackear você e seu sistema operacional orgânico [seu coração]. Você pode ter ouvido dizer que estamos vivendo numa era de hackeamento de computadores, mas isso não é nem metade da verdade. A verdade é que estamos vivendo na era do hackeamento de humanos.
Você deve estar se perguntando: como isto é possível? Através das buscas que fazemos na internet, os cliques que damos, os links ou as páginas que visitamos, os posts que curtimos ou sobre os quais passamos o dedo para ver as imagens seguintes, os canais nos quais nos inscrevemos, as coisas que postamos e compartilhamos, e até aquilo que dizemos perto do celular. Tudo isso é calculado de tal forma a traçar o nosso perfil, descobrindo as coisas que encantam nossos olhos e as quais buscamos de coração. Então, da próxima vez que estivermos on-line ou visitando as redes sociais, baseado nas buscas anteriores que fizemos, seremos oferecidos àquelas coisas que mais apetecem nossos desejos. Assim, estará rackeado o nosso coração. Harari profetizou:
Neste exato momento os algoritmos [registro das sequências de operações realizadas por você na internet] estão observando você. Estão observando aonde você vai [seu GPS no celular], o que compra [cartão de crédito], com quem se encontra [câmeras de monitoramento e até mesmo a do seu celular ou da sua smart tv]. Logo vão monitorar todos os seus passos, todas as suas respirações, todas as batidas de seu coração. Estão se baseando em Big Data [Grandes Dados] e no aprendizado de máquina para conhecer você cada vez melhor. E, assim que esses algoritmos o conhecerem melhor do que você se conhece, serão capazes de controlar e manipular você, e não haverá muito que fazer. Você estará vivendo na matrix, ou no Show de Truman. Afinal, é uma simples questão empírica: se os algoritmos realmente compreenderem melhor que você o que está acontecendo dentro de você, a autoridade passará para eles [e não você – Então você pensa mesmo que é livre? Repense!].
As pessoas por detrás desses processos sabem que todos buscamos algo, e as coisas que buscamos na internet revelam onde está o nosso coração; nossos olhos seguem o nosso coração, servem aos nossos desejos e afeições. De posse dessas informações, ficará fácil apresentar para nós apenas aquilo que nós mais amamos, fazendo-nos cobiçar, comprar e consumir. João, o apóstolo, parece que já previa tudo isso, quando escreveu (1Jo 2.16):
Porque o mundo oferece apenas o desejo intenso por prazer físico, o desejo intenso por tudo que vemos e o orgulho de nossas realizações e bens. Isso não provém do Pai, mas do mundo.
A Nova Versão Internacional traduziu assim:
Pois tudo o que há no mundo – a cobiça da carne, a cobiça dos olhos e a ostentação dos bens – não provém do Pai, mas do mundo.
O mundo oferece aquilo que apetece os desejos do nosso coração, escravizando-nos. Só há uma maneira de verdadeiramente sermos livres da “autoridade” dessa manipulação de consumo e de desejos que a cada dia se torna ainda mais tirana sobre a humanidade. Isso nos traz ao texto de João que nós lemos no início desta mensagem.
Fazendo coro aos desejos intensos por tudo o que vemos neste mundo estão os gregos do texto que lemos no início e que buscaram ver Jesus – eles “procuraram Filipe, que era de Betsaida, da Galileia, e lhe disseram: ‘Por favor, gostaríamos de ver Jesus’” (Jo 12.21).
Os gregos eram viajantes inveterados, movidos por uma necessidade básica de buscar conhecer coisas interessantes e pelo desejo de descobrir coisas novas. William Barclay cita um autor antigo que, sobre a insaciabilidade dos gregos, teria escrito: “Vocês atenienses, nunca irão descansar, nem deixarão ninguém descansar.” Outro escritor teria registrado: “são como crianças, sempre jovens na alma.” Heródoto, o historiador grego do século V a.C., conta de si mesmo que havia viajado o mundo apenas para descobrir coisas novas. Lucas, em seu relato no livro de Atos, narrando sobre o episódio de Paulo em Atenas, fez questão de deixar registrado na forma de parêntese (At 17.21):
(Convém explicar que os atenienses, bem como os estrangeiros que viviam em Atenas, pareciam não fazer outra coisa senão discutir as últimas novidades.)
Os gregos também viajavam em busca de comércio e, é claro, para comercializar; mas eles de fato foram as primeiras pessoas no mundo antigo a viajar pelo mero prazer de viajar para “discutir as últimas novidades”. Portanto, não há por que se surpreender ao se encontrar um grupo de turistas gregos até mesmo em Jerusalém, e mais, querendo ver Jesus, falar com Jesus, ter uma audiência com Jesus.
Além da subsistência e do prazer, os gregos também não mediam esforços para ir longe na busca pela verdade. Lembre-se de que foi entre os gregos que nasceu a filosofia tal como hoje nós a concebemos. Não era incomum, portanto, encontrar um grego que havia passado de filosofia em filosofia, de religião em religião e até de mestre em mestre em busca da verdade. Eles eram pessoas com mentes inquisitivas e corações ávidos.
Como esses gregos ouviram falar de Jesus e se interessaram por ele?
Bem, uma vez na cidade de Jerusalém, pelo simples encanto de descobrir e “discutir as últimas novidades” (At 17.21) a respeito da adoração dos judeus “durante a festa da Páscoa” (Jo 12.20), aqueles gregos, dentre tantos e tantos outros estrangeiros na cidade, ouviram o burburinho sobre a ressurreição de Lázaro. João 12.17-19:
17Muitos tinham visto quando Jesus mandou Lázaro sair do túmulo e o ressuscitou dos mortos, e contavam esse fato a outros. 18Destes, muitos saíram ao encontro de Jesus, porque tinham ouvido falar desse sinal. 19Então os fariseus disseram uns aos outros: “Não podemos fazer nada. Vejam, todo mundo [de Jerusalém e de fora de Jerusalém] o segue!”.
Não sabemos exatamente quando ocorreu o incidente que está registrado aqui, pois João não nos dá indicação de tempo. Após o que se lê no versículo 19, o que se verifica do versículo 20 em diante parece sugerir alguns dias de distância. Veja, mais uma vez:
20Alguns gregos que tinham vindo a Jerusalém para adorar durante a festa da Páscoa 21procuraram Filipe, que era de Betsaida, da Galileia, e lhe disseram: “Por favor, gostaríamos de ver Jesus”. 22Filipe falou a esse respeito com André, e os dois foram juntos falar com Jesus.
Juntando essa narrativa de João com a leitura pura e simples dos outros três Evangelhos, não dá para dizer que o episódio com os gregos (Jo 12.20-22) tenha sido no mesmo dia que Jesus fez sua entrada triunfal em Jerusalém (Jo 12.12-19), pois naquela ocasião ele parece ter retornado rapidamente a Betânia (Mc 11.11). Talvez tenha sido no dia seguinte ou no próximo. Não dá para saber. De acordo com os Evangelhos Sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), no dia seguinte à sua entrada triunfal em Jerusalém, Jesus purificou o pátio do templo, expulsando de lá os cambistas e os vendedores que sempre estavam lá explorando a boa fé do povo. Ora, uma vez que a cidade toda ouviu falar daquelas ações, não seria surpresa que alguns gregos fossem ver aquele grande rabino de Nazaré.
Seja como for, este é um dos grandes momentos da história, pois aqui está o primeiro indício, dentro das narrativas dos Evangelhos – e antes mesmo da Grande Comissão ser proferida –, de que o evangelho de Jesus Cristo deve ser difundido por todos os lugares, entre todos o povos e todas as nações e até aos confins da terra (Mt 28.19; At 1.8).
Por que esses gregos procuraram Filipe, primeiro? Por que Filipe procurou André? Se o objetivo era ver Jesus, por que não foram todos direto a ele? Por que os intermediários?
Afinidade. Pode ser porque Filipe tinha um nome grego: Philipos. Significava “amante de cavalos” – a propósito, “o que teria feito um amante de cavalos seguir Jesus?”, poderiam ter pensado aqueles gregos. O nome também pode tê-los lembrado do grande rei grego, Filipe da Macedônia, pai de Alexandre, o Grande. De qualquer forma, eles procuraram Filipe; e Filipe, que não tinha certeza se Jesus falaria com gentios ou não, foi até André. A propósito, André também tinha um nome grego – Andreas, significava “varonil” (vigoroso, corajoso, forte) – e os dois homens eram de Betsaida, da Galileia (Jo 12.21), uma cidade que ficava perto de uma área grega do antigo Oriente conhecida como Sirofenícia. Juntos, Filipe e André transmitiram o pedido dos gregos a Jesus.
Se perguntarmos por que Filipe teria hesitado em imediatamente levar os gregos a Jesus, devemos nos lembrar de que, do ponto de vista dos discípulos, ainda havia alguma ambiguidade nas ações de Cristo para com os gentios. Primeiro, porque quando os enviou em sua primeira missão de pregar, o Senhor os instruiu: “Não vão aos gentios nem aos samaritanos; vão, antes, às ovelhas perdidas do povo de Israel.” (Mt 10.5-6). Segundo, à mulher siro-fenícia, ele argumentou: “Primeiro devem-se alimentar os filhos [judeus]. Não é certo tirar comida das crianças e jogá-la aos cachorros” (Mc 7.27). Terceiro, ele falou à mulher de Samaria que “a salvação vem por meio dos judeus” (Jo 4.22). Por outro lado, Jesus curou a filha da mulher siro-fenícia a pedido dela e, aparentemente, ele se esforçou não apenas para alcançar a mulher samaritana, mas também para pregar a toda a cidade.
Jesus não era preconceituoso em suas declarações e ações, mesmo aquelas mais restritivas; pelo contrário, longe dele qualquer sentimento sectário. Ele simplesmente sentia sobre seus ombros a responsabilidade de proclamar a vinda de seu reino primeiro a Israel, em cumprimento às profecias do Antigo Testamento (Rm 1.16). Além disso, ele sabia que as profecias prediziam uma virada aos gentios depois que Israel rejeitasse seu Messias – “Eu lhes digo que o reino de Deus lhes será tirado e entregue a um povo que produzirá os devidos frutos.” (Mt 21.43). O Senhor também tinha consciência que após sua morte de cruz atrairia para ele gente do mundo todo – João 12.32-33: “E, quando eu for levantado da terra, atrairei todos a mim”. Ele disse isso para indicar como morreria.” No entanto, Filipe e André ainda não entendiam tudo o que estava acontecendo e devem ter debatido o assunto antes de ir falar com Jesus sobre os gregos.
Da busca dos gregos, nós nos voltamos para a reação de Cristo.
Não sei o que André e Filipe esperavam como reação quando contaram a Jesus que alguns gregos tinham ido vê-lo. Certamente eles ficaram surpresos com a resposta. A julgar pelas reações anteriores, eles poderiam ter esperado que Jesus dissesse: “Não estou aberto para os gregos! Meu alvo são os judeus.” Talvez até esperassem uma atitude mais positiva por parte do Senhor: “Que bom! Ficarei feliz em vê-los agora e conversar com eles sobre o reino de Deus! Deixai-os vir a mim.” No entanto, ouça o que disse Jesus, João 12.22-23:
22Filipe falou a esse respeito com André [sobre os gregos que queriam uma audiência com o Senhor], e os dois foram juntos falar com Jesus. 23Jesus respondeu: “Chegou a hora de o Filho do Homem ser glorificado.”
Como assim! “Chegou a hora”? Hora de quê? Hora de o Filho do Homem ser glorificado, o que significam essas palavras? Não era essa a pergunta, Senhor! A pergunta foi: O Senhor receberia alguns gregos que vieram desejosos de vê-lo?
Pregando sobre este texto, em um sermão intitulado The Right Approach (A Abordagem Certa), Martyn Lloyd-Jones argumentou que Jesus não recebeu os gregos – de fato, não os recebeu, pois o texto relata que apenas “os dois”, Filipe e André, “foram juntos falar com Jesus” (v. 22), e depois não se fala mais desses homens na sequência da narrativa joanina. Por que o Senhor não os teria recebido?
Lloyd-Jones demonstrou, pela forma como eles abordaram Filipe, que aqueles gregos estavam apenas curiosos para conversar com Jesus, queriam apenas colocar para ele algumas perguntas, ouvir dele alguma palavra de sabedoria, repartir com ele alguns momentos agradáveis e um bom bate-papo sobre as últimas novidades. Duas evidências apontam para essa direção interpretativa (Jo 12.21): [1] a forma tão protocolar com a qual eles abordaram Filipe – ARA e NVI: “Senhor [kurios]”, enquanto a NVT: “Por favor”; [2] e o que eles de fato pediram a Filipe – “queremos ver [ter uma entrevista com] Jesus”. Isto posto, Lloyd-Jones completou:
Eram homens que se consideravam grandes, buscando uma audiência com um grande homem [de grande para grande!]. Dessa forma Jesus não os receberia mesmo! Jesus não é apenas um grande homem. Ele é o Filho do Homem. Ele não é apenas um grande homem sábio. Ele é o Grande Deus.
Realmente, a abordagem desses homens ilustra muitos daqueles que, em todos os tempos, inclusive hoje, buscam Jesus em seus próprios termos. Martyn Lloyd-Jones proclamou:
Eles querem algum exemplo de vida, algum ensinamento, alguma ética ou princípio, quando muito; querem matar alguma curiosidade, checar as ideias deles com as de Jesus, alguma autoafirmação, alguma novidade ou apenas matar a curiosidade. Eles não querem perdão de pecado, eles querem uma vida mais serena no pecado. Eles vão a Jesus pelas razões erradas e com motivos errados e quando Jesus não os arranca das águas da enchente de uma vida quebrada pelo pecado, eles não enxergam nada nele e vão embora, correnteza abaixo.
Qual seria a abordagem certa? Lloyd-Jones argumenta que a abordagem certa de quem vai a Jesus é a da humildade, do arrependimento e da fé na obra salvadora de sua vida, morte, sepultamento e ressurreição. A única maneira de alguém de fato ver Jesus e dele se beneficiar para a salvação é olhando para a cruz com arrependimento e fé (Jo 12.32-33). Naquele ponto da história os gregos não puderam vê-lo. Talvez mais tarde o tivessem visto da forma salvadora: com arrependimento e fé no Cristo crucificado e ressurreto.
A rigor, Jesus não respondeu ao pedido direto dos gregos, mas ele respondeu à situação que o pedido deles representava. No exato momento em que as autoridades judaicas estavam se voltando com mais ímpeto contra ele, alguns gregos ou gentios começavam a solicitar sua atenção. Em outras palavras, Israel como um todo estava rejeitando seu Messias, ao passo que o mundo todo, gregos inclusive, estavam indo atrás de Jesus. Jesus olhou para aquilo tudo e concluiu que a hora da cruz e da ressurreição estava chegando, quando ele atrairia os seus para si mesmo, inclusive dentre os gregos (Jo 12.32).
Até o momento da abordagem dos gregos, Jesus sempre dizia que sua hora ainda não havia chegado. A primeira vez foi João 2. Lá, Jesus foi abordado por sua mãe com o pedido implícito de que fizesse algo a respeito da falta de vinho no casamento em Caná da Galileia. O Senhor respondeu (2.4): “Mulher, isso não me diz respeito”, “Minha hora ainda não chegou.” Em outras palavras, embora Jesus mais tarde fornecesse para a festa aproximadamente entre 80 e 120 litros do melhor vinho, ele estava dizendo que a hora de sua crucificação ainda não havia chegado e que, portanto, ele não queria chamar atenção para si mesmo por meio de um milagre público. Ele não veio para ser reconhecido como um milagreiro, mas como o Cordeiro de Deus que morreu e ressuscitou para tirar o pecado do mundo.
Da mesma forma, lemos em João 7 que os irmãos de Cristo queriam que ele subisse a Jerusalém na hora mais movimentada da festa para fazer milagres diante dos homens. Eles não criam nele, João nos conta, mas eles notaram que seus seguidores pareciam estar escapulindo naquele momento específico e pensaram que alguns milagres estrategicamente executados poderiam recuperar o ímpeto perdido. Jesus respondeu que os irmãos podiam subir a Jerusalém a qualquer hora que quisessem, pois o tempo deles estava sempre à disposição deles. Por outro lado, ele disse: “Não é o tempo certo para mim; a minha hora ainda não chegou” (7.6, 8). A hora da morte e ressurreição ainda não havia chegado. Era tanto que em duas outras ocasiões, neste mesmo Evangelho, quando os líderes do povo procuravam prendê-lo, João concluiu: “mas ninguém pôs as mãos nele, porque ainda não havia chegado sua hora.” (7.30; 8.20).
Ao longo dos três anos de seu ministério público, essa foi a tônica do discurso de Jesus: “a hora ainda não chegou”, mas agora ele muda, de repente, sua fala. Antes, “Minha hora ainda não chegou”. Agora, “Chegou a minha hora”. Tudo isso, assim sugere João, por causa da vinda dos gregos a Jesus em Jerusalém.
Qual era o significado dos gregos?
Como já vimos, eles eram um sinal de que o ponto de virada havia chegado, como resultado do qual a salvação agora seria oferecida também aos gregos, bem como aos judeus. Na verdade, seria o início da proclamação do evangelho a todo o mundo. João 1.11-12:
11Veio a seu próprio povo, e eles o rejeitaram. 12Mas, a todos que creram nele e o aceitaram, ele deu o direito de se tornarem filhos de Deus.
Os judeus estavam rejeitando o seu Messias (Jo 11.57), enquanto assistiam o mundo todo começando a ir até ele (Jo 12.19) e, de fato, até os gregos estavam indo atrás dele (Jo 12.20-22); sua hora havia chegado (Jo 12.23). Mas que hora era essa que havia chegado?
João 12.23: “a hora de o Filho do Homem ser glorificado.” O texto em seu contexto nos demonstra duas maneiras pelas quais Cristo, o Filho do Homem, é glorificado. Primeiro, abrindo as portas da salvação para pessoas de todo o mundo entrar, não apenas aos judeus. Segundo, anunciando o poder da cruz de Cristo para salvar.
Veja que tão logo Jesus ouviu a respeito da visita dos gregos, independentemente do que os levava até ele, os seus lábios pronunciaram tão belas palavras (Jo 12.20-23):
20Alguns gregos que tinham vindo a Jerusalém para adorar durante a festa da Páscoa 21procuraram Filipe, que era de Betsaida, da Galileia, e lhe disseram: “Por favor, gostaríamos de ver Jesus”. 22Filipe falou a esse respeito com André, e os dois foram juntos falar com Jesus. 23Jesus respondeu: “Chegou a hora de o Filho do Homem ser glorificado.”
Cristo é glorificado quando abrimos caminho para as pessoas chegarem até ele, note: alguns gregos (v. 20) – procuraram Filipe (v. 21) – leve-nos a Jesus (v. 21) – chegou a hora de o Filho do Homem ser glorificado (v. 23).
Pergunto a você, cristão: você quer glorificar Jesus em sua vida? Leve pessoas a Jesus. Faça discípulos de Jesus. A glória de Cristo consiste em se abrir cada vez mais a porta do evangelho (que é a chave do reino de Deus), de forma tal que, no final, homens e mulheres de todos os lugares sejam membros de sua família espiritual. O mesmo João que nos deu este Evangelho também registrou no livro do Apocalipse aquele novo cântico em que os que foram redimidos por Cristo o entoavam, dizendo (Ap 5.9-10):
“Tu és digno de receber o livro, abrir os selos e lê-lo. Pois foste sacrificado e com teu sangue compraste para Deus pessoas de toda tribo, língua, povo e nação. Tu fizeste delas um reino de sacerdotes para nosso Deus, e elas reinarão sobre a terra”.
Se você deseja ver Cristo glorificado, procure ajudar outros a encontrá-lo. Leve-os a Jesus. Tenho certeza de que, se você não fizer isso, Jesus ainda será honrado por meio dos louvores de seus lábios, expressão de sua gratidão a ele por salvá-lo. Pelo menos eu espero que você o esteja louvando pela sua salvação! Agora, e se você também levar outros a Jesus? Nesse caso, estou convencido de que até o seu louvor, seu cântico na congregação dos santos será melhor; e, além disso, haverá então duas ou mais vozes somadas à sua mesma para dar a Cristo a glória devida.
A segunda maneira pela qual o Filho do Homem é glorificado é, obviamente, pela cruz. Tão logo Jesus tenha declarado que “Chegou a hora de o Filho do Homem ser glorificado” (Jo 12.23), nos versos seguintes ele mesmo complementou (vs. 24-25):
24Eu lhes digo a verdade: se o grão de trigo não for plantado na terra e não morrer, ficará só. Sua morte, porém, produzirá muitos novos grãos. 25Quem ama sua vida neste mundo a perderá. Quem odeia sua vida neste mundo a conservará por toda a eternidade.
Eu me pergunto se você percebeu o que Jesus acabou de dizer – não tanto quanto ao significado dessas palavras para a vida dos cristãos, pois veremos isso com algum detalhe, Deus permitindo, na próxima mensagem – mas como essas palavras se aplicam a Jesus mesmo. Você percebeu Jesus dizer que só morrendo ele seria capaz de salvar os homens e assim atraí-los para si mesmo? De outro modo, o que significam os versículos que acabamos de ler? Eles contêm a imagem de um grão de trigo que cai no chão e morre. Claramente esse é o próprio Jesus. Portanto, o ensino é que a menos que ele morresse não haveria fruto, ou seja, não haveria salvação para nenhum pobre pecador, ao passo que, se ele morresse, muitos seriam atraídos a ele e seriam salvos (Jo 12.32-33).
Cristo é glorificado em sua morte substitutiva na cruz, no lugar do pecador – glorifica sua santidade (ele virou as costas para o pecado, abandonando Cristo na cruz); glorifica sua justiça (o salário do pecado é a morte; na cruz, Cristo morreu pelo pecador); glorifica sua graça (todo aquele que nele crer, não perece, mas tem a vida eterna) e glorifica sua sabedoria (Deus fazer-se carne em Cristo, ele nascer de uma virgem, viver sem pecado, morrer e ressuscitar, e no topo disso tudo: conciliar justiça e graça lá na cruz). Essa é a glória de Cristo, a glória da cruz.
Cristo crucificado, morrendo no lugar dos pecadores, é o que, com efeito, salva.
O exemplo de Cristo não salva. Jesus não está nos dizendo que, se apenas seguirmos seu exemplo e tentarmos viver como ele viveu, encontraremos felicidade nesta vida e salvação no mundo vindouro. Essa não é a sua mensagem, não é a mensagem do evangelho. Nenhum homem foi salvo por seguir a Cristo. Sim, segui-lo está envolvido, é claro! Depois de sermos salvos, devemos segui-lo; ele nos deixou um exemplo disso, mas não somos salvos por seu exemplo. Somos salvos pelo seu sacrifício na cruz – pela fé no que ele fez na cruz. Depois disso, podemos segui-lo, e deveremos segui-lo.
O ensino ou a ética de Cristo não salva. Jesus não disse que veio apontar o caminho para Deus e que se homens e mulheres seguissem por esse caminho, eles o encontrariam. Isso é o que os mestres de outras religiões fizeram – apontaram caminho ou caminhos, deixaram ensinos, mas não é o caso de Jesus. Ele não disse: “Vou mostrar-lhes o caminho”. Ele disse: “Eu sou o caminho”. Além disso, todo o ensino da palavra de Deus é no sentido de que ele abriu o caminho morrendo por nós. Ademais, a única forma de, com efeito, vivermos a ética do reino de Deus e cumprir todas as coisas que Cristo nos ensinou é pela fé na vida e na obra de Cristo na cruz. Gálatas 2.20-21:
20Fui crucificado com Cristo; assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. Portanto, vivo neste corpo terreno pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim. 21Não considero a graça de Deus algo sem sentido. Pois, se a obediência à lei nos tornasse justos diante de Deus, não haveria necessidade alguma de Cristo morrer.
Aqui está a glória de Cristo, que ele morreu por nós; e é nisso, acima de tudo, que ele deve ser glorifica-lo. Você vai glorificá-lo? A melhor maneira é vir a ele com fé para recebê-lo como seu Senhor e Salvador que foi morto como propiciação pelos pecados e ressuscitou vitorioso. Ou ainda, se você já o conhece como seu Senhor e Salvador, você o glorificará vivendo como ele viveu e levando outros a ele – ambas as coisas pelo poder do Espírito de Deus que opera em nós tanto o querer como o realizar.
O que você está buscando? Todos buscamos algo. No decorrer das fases da vida nós passamos por vários ciclos de busca. Um dos primeiros instintos do bebê recém-nascido é tentar buscar o peito da mãe para se alimentar. Esse impulso de sobrevivência é chamado de reflexo de sucção e faz parte do conglomerado neurológico – colocado em nós pelo nosso Deus Criador –, e que ajuda a criança a se integrar normalmente ao mundo que a cerca. Nascemos buscando – saciar a fome; vivemos buscando – algum sentido, paz e alegria; e morremos buscando – alguma certeza para a vida após a morte e de que tudo ficará bem (conosco após a morte e com aqueles que amamos e ainda viverão).
O que você está buscando? Em quê você busca sentido? Aonde você recorre quando lhe falta esperança? Onde você busca paz ou alegria? Como você busca aliviar suas culpas? Todos buscamos algo.
Os gregos buscaram Jesus por curiosidade, mas naquela oportunidade o Senhor Jesus pintou o único cenário possível para a nossa salvação e plena satisfação: contemplar a glória do Filho do Homem, a glória de Jesus Cristo, o Filho eterno de Deus crucificado.
Olhe para Jesus e veja essa glória estampada, especialmente em sua morte na cruz. Receba Jesus e glorifique o nome dele: regozijando-se em tudo o que ele é; e levando outros ao mesmo tipo de conhecimento dele. A grande busca do ser humano se resume em Cristo.
Sua busca termina aqui, em Cristo. Volte seus olhos para ele. Encante-se com ele. Leve outros até ele. Ele será glorificado, ao passo que você estará se regozijando nele.
O poder da imagem nesta geração é uma força incontrolável se não tivermos uma força superior para combatê-la. E para que a profecia de Yuval Noah Harari não se cumpra na sua vida – ou seja, para que os algoritmos do mundo e as inclinações do coração (para não dizer das ciladas do diabo) não tenham autoridade sobre você, não hackeiem você, não controlem seu coração e você seja destruído, eternamente destruído, você precisará ir a Jesus, ir à cruz, encantar-se com Jesus e sua cruz e viver para Jesus.
Faça como os gregos do nosso texto: busque ver Jesus, mas assim o faça pelo motivo certo, tê-lo como o maior encanto, o tesouro de sua vida – seu Salvador e Senhor Maravilhoso, seu substituto pelo pecado.
Em um sermão que se tornou clássico – O poder expulsivo de uma nova paixão –, o pregador escocês Thomas Chalmers (1780-1847) proclamou o segredo para não se ter o coração hackeado (e não é o moralismo, mas uma paixão superior que nos controla: Cristo, e este crucificado). Ouça a introdução daquela mensagem:
Há duas maneiras pelas quais um moralista prático pode tentar deslocar do coração humano o amor do mundo: ou por uma demonstração da vaidade do mundo, de forma que o coração seja convencido a retirar sua estima por um objeto por julgá-lo não merecedor; ou apresentando outro objeto – até mesmo Deus – como mais merecedor do seu apreço, de modo que o coração fique convencido a não renunciar um antigo afeto, sem ter nada que o substitua, mas a trocar um antigo afeto [o prazer pelo pecado] por um novo [o prazer em Cristo].
Meu propósito é mostrar que a julgar pela constituição de nossa natureza, o primeiro método é completamente incompetente e ineficaz; e que o último método por si só bastará para o salvamento e a recuperação do coração daquele afeto errado que o domina.
A maneira mais eficaz de matar nosso próprio pecado é pelo poder de um prazer superior. A escravidão ao pecado é quebrada por uma atração mais forte – uma alegria mais irresistível: Jesus Cristo, e este crucificado. Venha para Jesus Cristo.
S.D.G. L.B.Peixoto
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