21.02.2016
A PEDRA BRUTA
João 1.35-42
35 No dia seguinte João [Batista] estava ali novamente com dois dos seus discípulos (João e André). 36 Quando viu Jesus passando, disse: “Vejam! É o Cordeiro de Deus!” 37 Ouvindo-o dizer isso, os dois discípulos seguiram Jesus. 38 Voltando-se e vendo Jesus que os dois o seguiam, perguntou-lhes: “O que vocês querem?” Eles disseram: “Rabi” (que significa “Mestre”), “onde estás hospedado?” 39 Respondeu ele: “Venham e verão”. Então foram, por volta das quatro horas da tarde, viram onde ele estava hospedado e passaram com ele aquele dia. 40 André, irmão de Simão Pedro, era um dos dois que tinham ouvido o que João dissera e que haviam seguido Jesus. 41 O primeiro que ele encontrou foi Simão, seu irmão, e lhe disse: “Achamos o Messias” (isto é, o Cristo). 42 E o levou a Jesus. Jesus olhou para ele e disse: “Você é Simão, filho de João. Será chamado Cefas” (que traduzido é “Pedro”.
A estrada para o caráter
Em 1988, Martin Scorsese, produtor de cinema bastante premiado, dirigiu um filme que foi um escândalo para a cristandade. Quem não se lembra de “A última tentação de Cristo”? Baseado no romance homônimo do autor e filósofo grego Níkos Kazantzákis (de 1951) e estrelado por Willem Defoe como Jesus Cristo, o filme retrata, de forma ficcional, a vida de Jesus Cristo e a sua luta contra várias formas de tentação, incluindo medo, dúvida, depressão, relutância e luxúria. Isso é retratado no livro e no filme com Cristo imaginando-se envolvido em atividades sexuais, uma ideia que, com razão, provocou a indignação de milhares de cristãos ao redor do mundo.
Na ocasião, Pierre Sauvage, publicou um artigo (Film Gives Wrong Image Of Jesus) muito inteligente que, a certa altura, criticando o filme, dizia que havíamos encontrado “um retrato modernista e metafórico de um Salvador da geração do ‘eu’ com quem se identificar… Jesus como o grande neurótico”. A conclusão dele foi brilhante. Ele disse:
Em última análise, ‘A última tentação de Cristo’ parece dizer que justiça se encontra tão-somente na experiência de luta interior, e não no alegre cumprimento da vontade de Deus.
Muito, muito perspicaz!
Timothy J. Keller, na mesma linha de pensamento de Pierre Sauvage, argumenta que, até 50 ou 60 anos atrás, todo mundo que lutava para ser um ser humano melhor lidava com a seguinte pergunta:
Eu vou ter o que for necessário para fazer o que é certo? Segurança, felicidade, realização… Abrirei mão de tudo para fazer algo que seja correto e mais elevado?
Lidar com questões desse tipo era o que caracterizava o ser humano há meio século atrás. Hoje as coisas mudaram. As questões da humanidade são outras, os desafios da existência são totalmente diferentes. Keller diz assim:
O desafio de se ser humano consiste em se encontrar quais são os seus reais sentimentos e discernir quais são os seus desejos, para poder ir realizá-los. Ser corajoso de verdade significa ter a coragem de ser você mesmo; saber quem você é e enterrar, abandonar, qualquer reivindicação ou expectativa da igreja, da sociedade, da família, de quem quer que seja para se realizar. Isso é coragem! É isso o que significa ser humano e ser feliz.
Gente, não é à toa que a “última tentação de Cristo”, no filme de Scorsese, tenha sido um desejo sexual por Maria. Tal distorção revela o que está no coração do ser humano, o que é prioritário na definição de humanidade e de felicidade que hoje nós temos – isto é: ser humano e ser feliz é sondar os sentimentos para discernir os desejos latentes e saciá-los.
As consequências dessa guinada de valores são terríveis e têm sido experimentadas por todos em todas as esferas – por exemplo: os prazeres não satisfazem, as pessoas se destroem e a perspectiva é de desespero. Estamos todos escravizados à compulsão dos nossos desejos.
Essa estrada nos levou para longe, muito longe do caráter de Cristo. Precisamos retornar. Precisamos da estrada de volta para o caráter.
Caráter escultural
Pedro está sendo o nosso guia. O exemplo do que Jesus fez na vida dele está sendo usado por nós na tentativa de, nadando contra a maré, ver uma geração de homens e mulheres de Deus salvos, santificados e servindo com satisfação para a glória de Deus. Precisamos de gente assim em todos os lugares. Carecemos de pessoas com caráter escultural.
A pedra bruta
O texto que nós lemos no início nos mostra o momento em que o Senhor encontrou Simão, a pedra bruta, e começou a talhar nele o caráter de Cristo, arrancando tudo o que era Simão para deixar apenas Pedro, o caráter esculpido pela graça de Deus. Veja de novo:
Jo 1.40-42 | 40 André, irmão de Simão Pedro, era um dos dois que tinham ouvido o que João dissera e que haviam seguido Jesus. 41 O primeiro que ele encontrou foi Simão, seu irmão, e lhe disse: “Achamos o Messias” (isto é, o Cristo). 42 E o levou a Jesus. Jesus olhou para ele e disse: “Você é Simão, filho de João. Será chamado Cefas” (que traduzido é “Pedro”.
Simão é a pedra bruta. Quem olhava superficialmente enxergava nele qualidades louváveis; moralmente sadias. Observe que ele é trabalhador (pescador profissional), é homem de família (tem esposa, cuida da sogra, etc.), aberto a conselhos (segue André, seu irmão), religioso e temente a Deus (esperava pelo Messias, era discípulo de João Batista). Sim, havia em Simão alguns traços de personalidade que precisavam ser melhorados, mas, aparentemente, nada de tão preocupante e fundamental. Afinal, ele tinha família, emprego, religião e amigos. Tudo muito bem, certo? Errado!
Talvez alguns o achassem exemplar. Deus, no entanto, conhecia-o a fundo e sabia que o problema fundamental de Simão (e de toda a humanidade) não está fundamentalmente no comportamento, mas no coração – a natureza pecaminosa que nos inclina para o pecado.
Jesus deixou isso muito claro ao confrontar a atitude da multidão que, maravilhada, o seguia. Observe que apesar da religiosidade, do entusiasmo e da atitude aparente de fé, o Senhor não se deixava impressionar.
Jo 2.23-25 | 23 Enquanto estava em Jerusalém, na festa da Páscoa, muitos viram os sinais miraculosos que ele estava realizando e creram em seu nome. 24 Mas Jesus não se confiava a eles, pois conhecia a todos. 25 Não precisava que ninguém lhe desse testemunho a respeito do homem, pois ele bem sabia o que havia no homem.
Seguindo-se a essa declaração, veja o que aconteceu. Continue lendo a narrativa de João:
Jo 3.1-3 | 1 Havia um fariseu chamado Nicodemos, uma autoridade entre os judeus. 2 Ele veio a Jesus, à noite, e disse: “Mestre, sabemos que ensinas da parte de Deus, pois ninguém pode realizar os sinais miraculosos que estás fazendo, se Deus não estiver com ele”. 3 Em resposta, Jesus declarou: “Digo-lhe a verdade: Ninguém pode ver o Reino de Deus, se não nascer de novo”.
Percebeu?
Jesus não se deixava impressionar “a respeito do homem, pois ele bem sabia o que havia no homem” (Jo 2.25). Ele sabia que o problema essencial do homem é o pecado do seu coração (a sua inclinação para o mal), por mais que se tente ou se tenha um comportamento moral e socialmente aceitável. Ao homem, é necessário nascer de novo; é necessário que ele seja regenerado.
Pois bem, Jesus olha para Simão e diz: “Eu conheço você a fundo. Uma mudançazinha de comportamento não resolverá nem me agradará. Precisamos de uma transformação total. Mudança de identidade, de nome.”
Jo 1.40 | E [André] o levou a Jesus. Jesus olhou para ele e disse: “Você é Simão, filho de João. Será chamado Cefas” (que traduzido é “Pedro”.
Qualquer pedra não serve
Essa atitude de Jesus revela-nos que as pedras brutas nas quais Deus, pela graça soberana, talha o caráter de Jesus precisam, inicialmente, de conversão, de novo nascimento, de uma nova natureza expressa por um novo nome. A pedra bruta como está não serve. Ela precisa de um tratamento especial da graça de Deus. Ela precisa de regeneração. Por quê?
Enquanto a nossa natureza não for transformada de dentro para fora pelo milagre da regeneração, enquanto os nossos corações não forem regenerados pelo Espírito Santo, nós jamais conseguiremos agradar a Deus nem seremos capazes de experimentar mudanças significativas de comportamento.
Mc 7.20-23 | 20 E continuou: “O que sai do homem é que o torna ‘impuro’. 21 Pois do interior do coração dos homens vêm os maus pensamentos, as imoralidades sexuais, os roubos, os homicídios, os adultérios, 22 as cobiças, as maldades, o engano, a devassidão, a inveja, a calúnia, a arrogância e a insensatez. 23 Todos esses males vêm de dentro e tornam o homem ‘impuro’”.
Enquanto a hemorragia do pecado não for estancada no coração o corpo todo continuará sangrando no pecado.
Sêneca, ilustre pensador grego, homem que viveu no centro do poder do Império Romano durante os reinados de Calígula, Cláudio e Nero, era cônscio de sua incapacidade de obter transformação pessoal. Certa vez, cansado de tentar e não conseguir ver mudanças em sua vida, ele exclamou:
Ó, que uma mão descesse do céu e me libertasse de meus pecados habituais!
A primeira coisa que Deus precisa fazer na pedra bruta que será talhado o caráter de Cristo é regenerá-la, é tomá-la em suas mãos para moldá-la segundo o caráter de Jesus. Jogada no chão, por mais bela que pareça aos homens, a pedra bruta não terá valor algum.
A pedra bruta na mão do soberano Escultor
Quando o soberano Escultor toma Simão, a pedra bruta, em suas mãos, ele diz três coisas importantes: [1] Tu és Simão; [2] filho de João; e [3] Será chamado Cefas (aramaico do nome grego Pedro). Em outras palavras…
Podemos imaginar como Simão, a pedra bruta, se sentiu naquele momento, quando a mão do soberano Escultor o toma do chão e penetra-o com o seu olhar. É o mesmo que sentimos quando somos “olhados” por Jesus:
Conhecedor que era do Antigo Testamento, Pedro sabia que ao receber de Jesus um novo nome, na verdade ele estava recebendo uma nova identidade, um novo coração. Afinal, a exemplo de Jacó, Deus não muda o nome de alguém sem antes mudar o seu caráter. Ao final daquele dia, Pedro deveria estar cheio de fé e de esperança.
Como é bom estar nas mãos de Jesus! Quando ele nos pega do chão, quando ele nos regenera, nós nos tornamos livres da escravidão do pecado, da escravidão do passado e da escravidão das pessoas; somos libertos da inclinação para o mal, do incômodo do passado e da inquisição das pessoas.
Por que pedra?
A imagem da pedra é muito forte no imaginário do judeu.
Is 55.1-2 | 1 “Escutem-me, vocês que buscam a retidão e procuram o Senhor: Olhem para a rocha da qual foram cortados e para a pedreira de onde foram cavados; 2 olhem para Abraão, seu pai, e para Sara, que lhes deu à luz. Quando eu o chamei, ele era apenas um, e eu o abençoei e o tornei muitos.
Um comentário judeu chamado Midrash, sobre Isaías 55.1-2, diz:
Quando Deus olhou para Abraão, que estava para aparecer, disse-lhe: ‘Olhai para a rocha sobre a qual eu edificarei e apoiarei o mundo’. Portanto, chamou Abraão de ‘rocha’”.
Deus nos transforma em pedra ou rocha, assim como transformou Abraão e Pedro, para sobre nós, sobre a nossa fé, sobre o nosso trabalho, edificar a vida de outros. Somos transformados para transformar, abençoados para abençoar, salvos para salvar.
Pegando a pedra do chão
Para terminar, nós precisamos ver como foi que Jesus pegou a pedra bruta do chão; como Jesus achou Simão, que viria a ser Pedro. É importante que você perceba como o Senhor encontra as suas pedras brutas. Há pelo menos três lições importantíssimas para a igreja e para aqueles que o Senhor quer encontrar. Nós não podemos ignorar.
Quando nós lemos João 1.35-42, prestando atenção nas atitudes de João Batista, de André e de Simão, descobrimos como Deus pega pedra do chão para nelas moldar o caráter de Jesus.
1. Pessoas que morrem para viver com Jesus ajuntam pedras brutas
João Batista não chama a glória para si mesmo. Ele sabia que ela pertencia a Jesus.
Jo 1.35- 37 | 35 No dia seguinte João [Batista] estava ali novamente com dois dos seus discípulos (João e André). 36 Quando viu Jesus passando, disse: “Vejam! É o Cordeiro de Deus!” 37 Ouvindo-o dizer isso, os dois discípulos seguiram Jesus.
A atitude humilde de João Batista, ao morrer para si mesmo a fim de viver para Deus, deu espaço para as pedras brutas irem se ajuntando ao redor dele. Pessoas que morrem para viver com Deus ajuntam pedras brutas.
Jo 3.26-30 | 26 Eles se dirigiram a João e lhe disseram: “Mestre, aquele homem que estava contigo no outro lado do Jordão, do qual testemunhaste, está batizando, e todos estão se dirigindo a ele”. 27 A isso João respondeu: “Uma pessoa só pode receber o que lhe é dado dos céus. 28 Vocês mesmos são testemunhas de que eu disse: Eu não sou o Cristo, mas sou aquele que foi enviado adiante dele. 29 A noiva pertence ao noivo. O amigo que presta serviço ao noivo e que o atende e o ouve, enche-se de alegria quando ouve a voz do noivo. Esta é a minha alegria, que agora se completa. 30 É necessário que ele cresça e que eu diminua.
Quando Jesus cresce e nós diminuímos, pessoas se ajuntam para receber de Deus.
2. Pessoas que param para andar com Jesus levam pedras brutas
André, ao andar com Jesus, levou Pedro a Jesus.
Jo 1.38-41 | 38 Voltando-se e vendo Jesus que os dois o seguiam, perguntou-lhes: “O que vocês querem?” Eles disseram: “Rabi” (que significa “Mestre”), “onde estás hospedado?” 39 Respondeu ele: “Venham e verão”. Então foram, por volta das quatro horas da tarde, viram onde ele estava hospedado e passaram com ele aquele dia. 40 André, irmão de Simão Pedro, era um dos dois que tinham ouvido o que João dissera e que haviam seguido Jesus. 41 O primeiro que ele encontrou foi Simão, seu irmão, e lhe disse: “Achamos o Messias” (isto é, o Cristo).
Quem investe tempo com Jesus, leva outros para Jesus.
3. Pessoas que se entregam para receber de Jesus deixam de ser pedra bruta
Simão respondeu com fé; entregou-se a Jesus; foi até o Messias; ele não ficou o mesmo, mas foi transformado.
Jo 1.42 | E o levou a Jesus. Jesus olhou para ele e disse: “Você é Simão, filho de João. Será chamado Cefas” (que traduzido é “Pedro”).
A pedra bruta
Não seja você como a maioria – areia jogada pelo vento, duna que se move e que se forma conforme a pressão da conveniência, das circunstâncias ou do coração.
Deixe o Senhor pegar você pela mão e transformar você de pedra bruta em caráter escultural.
Entregue-se para receber a Jesus.
Prefira estar com pessoas que param para andar com Jesus.
Seja alguém que morre para viver com Jesus.
Não dá para viver na areia movediça que é a vida desse mundo. Esses valores líquidos (arenosos) não conseguirão sustentar a existência (nem aqui nem no porvir). Minha oração é para que hoje o Senhor pegue você do chão: que você se constranja, se arrependa e creia.
O que o Senhor disse a Pedro, ele hoje diz a você:
Jesus olhou para ele e disse: “Você é ____ , filho de ____ . Será chamado Cefas” (que traduzido é “Pedro”).
Deixe o Senhor lhe transformar. É melhor ser pedra bruta na mão do divino Escultor do que mármore descartado no chão da vida. John Newton, autor do hino Amazing Grace, disse algo que se encaixa perfeitamente com o que estamos dizendo até aqui.
Eu não sou o que eu devo ser;
Eu não sou o que eu quero ser;
Eu não sou o que eu espero ser;
Mas, graças a Deus, eu não sou o que eu costumava ser.
O primeiro passo é se submeter, como pedra bruta, na mão do divino Escultor. Que Deus talhe em você o caráter de Jesus Cristo.
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