25.10.2020
[Hebreus 10.24-25] 24Pensemos em como motivar uns aos outros na prática do amor e das boas obras. 25E não deixemos de nos reunir, como fazem alguns, mas encorajemo-nos mutuamente, sobretudo agora que o dia está próximo.
Janeiro e fevereiro deste ano foram os únicos meses em que celebramos a ceia do Senhor. A chegada da pandemia de COVID-19, requerendo medidas de isolamento como proteção de saúde, impediu-nos de realizar algo do que há de mais sagrado para a igreja de Cristo: reunir-se para a pregação do evangelho e a celebração das ordenanças de Cristo: batismo e ceia. Hoje, após oito meses sem nos reunirmos para celebrar a ceia – e a ceia do SENHOR é para a igreja reunida (cf. 1Co 10.16-17; 11.17-18, 20, 33) –, voltamos à prática mensal da comunhão dos crentes com Cristo e uns com os outros ao redor da mesa do Senhor. Retomamos também nosso estudo (em dias de Ceia) da tradição batista.
Esta é a terceira mensagem da série. Na primeira delas, estudamos sobre “A tradição que recebemos”. No segundo estudo, fizemos um panorâmico histórico (algo bem panorâmico), o qual intitulamos “A Igreja Primitiva”. No estudo de hoje, investigaremos como se desenvolveu entre os cristãos a ideia do culto, da reunião da igreja.
Além da questão da sobrevivência à perseguição, o que nós estudamos na segunda mensagem desta série, lá em fevereiro, quando tratamos da Igreja Primitiva, os primeiros cristãos enfrentaram dois outros conjuntos de desafios:
Em primeiro lugar, eles precisavam extrair das Escrituras Sagradas, mais especificamente do ensino dos apóstolos, o modelo para seus próprios encontros, suas reuniões de cultos, de maneira que glorificassem a Deus, mantivessem a unidade do corpo e separassem claramente o cristianismo das outras religiões da época.
Em segundo lugar, eles precisavam defender a fé contra os muitos desafios teológicos e filosóficos que se levantavam contra ela, tanto dentro como fora da igreja.
Nesta mensagem, exploraremos a natureza das primeiras reuniões de adoração cristã: como a pregação e as ordenanças do batismo e da ceia eram praticadas. Na próxima mensagem da série, Deus permitindo, veremos como o cânon das Escrituras foi formado e como a liderança da igreja se desenvolveu (em face dos desafios teológicos e filosóficos dentro e fora da Igreja Primitiva).
Aqueles eram tempos difíceis: verdade e erro se misturavam de forma quase imperceptível, perseguição e crescimento andavam de mãos dadas, divisão e unidade (polarizações) era a bola da vez. Se há um tema que define aquele momento histórico, no entanto, é a fidelidade de Deus. Em meio a essas confusões e desafios, o Senhor cuidou de garantir a fiel proclamação de sua santa palavra e a preservação das raízes de seu povo santo.
Escrevendo ao imperador romano Trajano (de 98 a 117 d.C.), um governador da província da Bitínia e do Ponto (atualmente Turquia) chamado Plínio, o Jovem (61–114 d.C.), descreveu, por volta de 112 d.C. (início do século II), a prática dos primeiros cristãos:
[Os cristãos] Foram unânimes em reconhecer que a culpa deles se reduzia apenas a isto: em determinados dias, costumavam comer antes do dia clarear [ceia do Senhor] e recitar responsivamente hinos a Cristo, como a um deus; obrigavam-se por juramento a não cometer algum crime, abster-se de roubos, furtos, falsos testemunhos e sonegação de bens reclamados pelos donos. Concluído este rito, costumavam distribuir e comer seu alimento. Este, aliás, era um alimento comum e inofensivo.
O que lemos é o relato de um documento histórico importante, posto que nos permite ver um recorte dos cultos dos primeiros cristãos. Agora, você já se perguntou de onde veio a ordem do nosso culto de adoração? Batismo, ceia do Senhor, dízimos e ofertas, canto e pregação são todos prescritos nas Escrituras – e todos eram praticados pelos primeiros cristãos. Tudo isso está estampado nas cartas do Novo Testamento.
Depois que Jesus ascendeu ao céu, os cristãos começaram a se reunir para momentos de ensino e louvor. Durante as primeiras décadas da fé, muitos crentes ainda adoravam no templo judaico e guardavam o sábado (cf. At 5.12). Além disso, a Bíblia indica que os cristãos também começaram a se reunir em casas particulares, como a de Priscila e Áquila em Romanos 16.3-5. Muitas dessas reuniões ocorriam em sigilo, especialmente durante os tempos de intensa perseguição. Foi só no final do segundo e início do terceiro século que os edifícios foram erguidos para servir ao propósito de reuniões da igreja.
Os cristãos se reuniam no primeiro dia da semana, bem cedinho no domingo. Isso, é claro, por terem consciência de que foi no dia seguinte ao sábado judaico que Jesus ressuscitou dentre os mortos. Marcos 16.1-7:
1Ao entardecer do dia seguinte, terminado o sábado, Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé foram comprar especiarias para ungir o corpo de Jesus. 2No domingo de manhã, bem cedo, ao nascer do sol, elas foram ao túmulo. 3No caminho, perguntavam umas às outras: “Quem removerá para nós a pedra da entrada do túmulo?”. 4Mas, quando chegaram, foram verificar e viram que a pedra, que era muito grande, já havia sido removida. 5Ao entrarem no túmulo, viram um jovem vestido de branco sentado do lado direito. Ficaram assustadas, 6mas ele disse: “Não tenham medo. Vocês procuram Jesus de Nazaré, que foi crucificado. Ele não está aqui. Ressuscitou! Vejam, este é o lugar onde haviam colocado seu corpo. 7Agora vão e digam aos discípulos, incluindo Pedro, que Jesus vai adiante deles à Galileia. Vocês o verão lá, como ele lhes disse”.
Dentro de alguns anos, este primeiro dia da semana passou a ser conhecido como “o dia do Senhor”, como João o descreveu enquanto estava exilado na Ilha de Patmos (Ap 1.10). Assim sendo, a prática cristã de culto no dia do Senhor passou a se resumir, essencialmente, em três práticas: pregação, batismo e ceia do Senhor – a pregação da à luz e sustenta o povo do Senhor; enquanto as ordenanças identificam e destacam o povo do Senhor.
Oração, salmos, hinos e cânticos espirituais, além da leitura da Bíblia e recolhimento de ofertas eram partes constantes de uma reunião de culto dos primeiros cristãos.
Quando estavam disponíveis, as cartas apostólicas eram lidas – p.ex., Colossenses 4.16: “Depois que tiverem lido esta carta, enviem-na à igreja em Laodiceia, a fim de que eles também possam lê-la. E vocês, leiam a carta que eu escrevi para eles.” Além da leitura dos textos sagrados, havia também ensino e aplicação das Escrituras, p.ex., 1Timóteo 4.13: “Até minha chegada, dedique-se à leitura pública das Escrituras [Antigo Testamento], ao encorajamento e ao ensino.” Entretanto, até que o Novo Testamento começasse a tomar alguma forma em meados do século II, a maior parte da leitura e do ensino das Escrituras vinha das antigas Escrituras judaicas, nosso Antigo Testamento.
Justino Mártir, aproximadamente em 150 d.C., escreveu (em sua Primeira Apologia):
E no dia chamado domingo, todos os que vivem nas cidades ou no campo se reúnem em um lugar, e textos dos apóstolos ou os escritos dos profetas são lidos, enquanto o tempo permitir; então, quando o leitor cessa, o presidente [pastor] instrui verbalmente e exorta à imitação dessas coisas boas.
A qualidade da pregação era mista. A Segunda Carta de Clemente, provavelmente escrita no século II, nos dá uma boa ideia de como era a pregação cristã primitiva.
A obra atribuída a Clemente parece ser a transcrição de uma homilia ou de um sermão dado durante um culto. No capítulo XIX, por exemplo, o autor anuncia que lerá alto a partir das Escrituras – algo que se esperaria ler apenas na transcrição de um discurso. De maneira similar, enquanto uma epístola tipicamente se inicia com a identificação do remetente e do destinatário na forma de saudação, a Segunda Epístola de Clemente começa com um vocativo (“Irmãos!”), seguindo-se imediatamente um sermão. Se este for mesmo o caso, II Clemente é o mais antigo sermão cristão sobrevivente fora do Novo Testamento.
Não se trata de um texto para a conversão dos pagãos ao cristianismo, mas de um discurso dirigido a uma audiência de cristãos que ainda mantém certas práticas pagãs, havendo clara alusão à idolatria, p.ex.: “[Antes] nós estávamos mutilados em nossa compreensão – nós estávamos venerando pedras e pedaços de madeira e ouro e prata e cobre – todos eles feitos por humanos.”
A despeito de seu pano de fundo pagão, o autor de II Clemente, assim como sua audiência, parece reconhecer os textos judaicos (o Antigo Testamento) como Escritura: o autor cita repetidamente o livro do profeta Isaías e interpreta o texto. O autor também considera as palavras de Jesus como Escritura, quando cita Jesus – “E outra escritura disse, Eu não vim para chamar os puros, mas os pecadores”, frase muito similar a Marcos 2.17 e Mateus 9.13.
Além da literatura canônica, Antigo e Novo Testamento, o autor de II Clemente parece ter tido acesso a outras obras cristãs (ou à tradição oral cristã). Algumas citações atribuídas a Jesus só se encontram na carta mesma (4.5, por exemplo). Em II Clemente 5.2-4, o autor cita uma frase de Jesus numa forma substancialmente mais longa do que aquela registrada no Novo Testamento. No século XX, foi descoberto um fragmento de manuscrito que sugere que tal frase é uma citação do Evangelho de Pedro (apócrifo) – em grande parte perdida. De maneira similar, em II Clemente 12, o autor cita o Evangelho de Tomé (também apócrifo), que estava perdido até a metade do século XX (quando foi encontrado na Biblioteca de Nag Hammadi).
Veja que a pregação da Igreja Primitiva, conquanto buscasse ser fiel à Palavra de Deus, já não era tão refinada, expositivamente falando, como fora no seu passado recente, no período dos apóstolos – e que voltaria a acontecer durante a Reforma Protestante e posteriormente.
Além da pregação, os primeiros cristãos praticavam a ordenança do batismo. Aliás, a Igreja levava o batismo muito a sério, frequentemente exigindo estudo intensivo e aprofundada preparação antes que um crente pudesse ser batizado. Geralmente se exigia que o batismo fosse supervisionado, se não administrado por um presbítero ou bispo. Às vezes, o tempo entre professar a fé e ser batizado era de até dois anos. Isso parece ter ocorrido, em parte, porque a igreja era muito distinta da cultura. Cercados por um mundo hostil às suas crenças, os primeiros cristãos precisavam manter sua fé e sua comunidade pura e se certificar de que todos os novos membros entendiam claramente o evangelho e se comprometiam com a igreja.
O Didaquê (145-150 d.C.) – uma referência a Atos 2.42: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos” – é um manual de catequese (material para discipulado oral) anônimo, que contém práticas da igreja do início do segundo século. Embora não seja inspirado da mesma forma que o são as Escrituras, ele oferece um registro útil das práticas da Igreja Primitiva. No batismo, por exemplo, ele registra as seguintes instruções:
É assim que se deve batizar. Dê instruções públicas sobre todos esses pontos e, em seguida, “batize” em água corrente, “em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. Se você não tem água corrente, batize em outra. Se não puder no frio, faça então no quente. Se você não tiver qualquer um dos dois, então derrame água sobre a cabeça três vezes “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.” Ademais, antes do batismo, aquele que batiza e aquele que está sendo batizado deve jejuar, e quaisquer outros que puderem façam também o mesmo.
Dois aspectos do batismo parecem ter dividido a Igreja Primitiva – se as crianças deveriam ser batizadas e se o batismo é regenerativo. A primeira menção registrada do batismo infantil só aparece por volta de 200 d.C., na pena de Tertuliano, e ele condena a prática do batismo infantil. Por volta de 250 e posteriormente, outros líderes da igreja escreveram em defesa da prática do batismo infantil e da regeneração batismal, e ambas se tornaram cada vez mais prevalente nos séculos IV e V.
Quanto ao que o batismo realmente efetua, alguns líderes da Igreja Primitiva acreditavam que o batismo tinha qualidades salvíficas ou regenerativas – isto é, ele realmente remove o pecado e traz a salvação. Outros defendiam uma visão mais bíblica (e nesta linha, os batistas durante e após a Reforma): que o batismo serve como um sinal externo e selo de uma realidade interna – i.e., o novo nascimento e nossa fé em Cristo para a salvação.
No batismo, a pessoa se compromete publicamente com Cristo e com seu povo. É no batismo que a fé do cristão se torna pública. É pelo batismo que um novo crente aparece no mundo e no radar da igreja como um crente. Em outras palavras, o batismo separa um crente do mundo. No batismo, a igreja diz ao mundo: “Este pertence a Jesus! É um dos nossos!” No batismo, o crente se une aos muitos no corpo de Cristo.
Além da pregação das Escrituras e do batismo, a Igreja Primitiva também praticava a ceia do Senhor, ou comunhão. Justino Mártir também escreveu (lembre-se, por volta de 150 d.C.) que a ceia do Senhor era um “memorial da paixão” de Cristo. Preste atenção:
No final de nossas orações, nos cumprimentamos com um ósculo santo. Então ao presidente [pastor] dos irmãos é trazido um pão e um cálice de vinho misturado com água; e ele os pega e oferece louvor e glória ao Pai do universo, por meio do nome do Filho e do Espírito Santo, e dá extensivas graças por nós termos sido considerados dignos de receber esses elementos de suas mãos. Quando ele conclui as orações e ações de graças, todas as pessoas presentes expressam alegremente o consentimento, dizendo “Amém!” […] Então, aqueles a quem chamamos diáconos dão a cada um dos presentes o pão e o vinho misturado com a água, sobre os quais foi proferida a ação de graças, […] Chamamos essa ceia de “Eucaristia” [ato de dar graças].
Na maioria dos casos, a primeira parte do culto era aberta a qualquer pessoa, incluindo os momentos de leitura das Escrituras, oração, canto e exortação. A segunda parte do culto, no entanto, que incluia a ordenança da ceia do Senhor, era reservada apenas para os crentes que foram batizados em profissão pública de fé.
Esse ponto merece nossa reflexão. As ordenanças fortalecem não apenas nossa fé em Cristo e nossa unidade com outros crentes aqui na nossa congregação ou assembleia ou igreja, mas também com a Igreja universal através dos tempos. Quando recebemos o batismo ou participamos da mesa do Senhor, unimo-nos pela fé aos milhões de cristãos que nos precederam, confessando juntos “um só Senhor, uma só fé, um só batismo.”
Na ceia do Senhor, a igreja local reunida renova, cada participante renova, o compromisso com Cristo e uns com os outros. Entretanto, diferentemente do batismo (que é individual – o um se unindo aos muitos), a ceia do Senhor é algo que todos fazemos juntos (é comunitária – os muitos se tornam um).
A ceia do Senhor marca um grupo inteiro de cristãos como um só corpo, traçando uma linha divisória entre eles e o mundo ao seu redor. E ao traçar essa linha entre a igreja e o mundo, o batismo e a ceia do Senhor traçam uma linha ao redor da igreja (destacando-a do mundo). As ordenanças tornam possível apontar para o povo e dizer “igreja” em vez de apenas apontar para muitos e dizer “cristãos”. Igreja, aliás, a reunião da igreja – pela pregação e a prática das ordenanças – foi o que, pela primeira vez, permitiu aos discípulos (deve ainda permitir) serem identificados e chamados de cristãos. Atos 11.25-26:
25Então Barnabé foi a Tarso procurar Saulo. 26Quando o encontrou, levou-o para Antioquia. Ali permaneceram com a igreja um ano inteiro, ensinando a muitas pessoas. Foi em Antioquia que os discípulos foram chamados de cristãos pela primeira vez.
O culto ou a reunião dos cristãos os definem como igreja. Pregação, batismo e ceia do Senhor dão à luz a igreja e nos torna uma igreja. Se dá assim: a pregação do evangelho cria pessoas do evangelho que praticam as ordenanças do evangelho. A igreja é a forma na qual o evangelho e suas ordenanças formam o povo de Deus. O batismo une um a muitos, e a Ceia do Senhor une muitos em um. 1Coríntios 10.16-17:
16Quando abençoamos o cálice à mesa, não participamos do sangue de Cristo? E, quando partimos o pão, não participamos do corpo de Cristo? 17E, embora sejamos muitos, todos comemos do mesmo pão, mostrando que somos um só corpo.
A ceia do Senhor é como os cristãos: se reúnem, comprometem-se uns com os outros e cruzam a linha do “muitos” para o “um”. Na ceia do Senhor, nossa comunhão com Cristo cria a nossa comunhão uns com os outros. A ceia do Senhor torna muitos em um, um grupo de cristãos em igreja.
Deus cria uma igreja local em duas etapas. Na primeira etapa, ele cria cristãos. Como? Ele envia pregadores que proclamam a Cristo (Rom. 10.14-17):
14Mas como poderão invocá-lo se não crerem nele? E como crerão nele se jamais tiverem ouvido a seu respeito? E como ouvirão a seu respeito se ninguém lhes falar? 15E como alguém falará se não for enviado? Por isso as Escrituras dizem: “Como são belos os pés dos mensageiros que trazem boas-novas!”. 16Nem todos, porém, aceitam as boas-novas, pois o profeta Isaías disse: “Senhor, quem creu em nossa mensagem?”. 17Portanto, a fé vem por ouvir, isto é, por ouvir as boas-novas a respeito de Cristo.
Além de pregadores, Deus envia seu Espírito para capacitar alguns que ouvem a receber e a confessar a Cristo (1Co 12.3): “ninguém pode dizer que Jesus é Senhor a não ser pelo Espírito Santo.” Em outras palavras, Deus faz com que sua Palavra se torne eficaz para a salvação, concedendo, pelo Espírito, uma nova vida em Cristo (Tg 1.18): “Por sua própria vontade, ele nos gerou por meio de sua palavra verdadeira.”
Portanto, este é o primeiro passo: Deus cria sua igreja enviando sua Palavra e enviando seu Espírito para tornar sua Palavra eficaz para a salvação. Deus cria pessoas do evangelho, pessoas que foram salvas por meio da fé em Cristo. Essa é a primeira etapa.
Quando as pessoas vêm a Cristo, elas se tornam membros de seu corpo universal, a igreja invisível. Elas são espiritualmente um com ele. Mas para criar uma igreja, as pessoas precisam vir não apenas a Cristo, mas também umas às outras. Elas têm que estar juntas, e isso exige compromisso – pacto. Uma igreja local não surge automaticamente sempre que dois ou mais cristãos estão na mesma cidade ou no mesmo lugar. Se assim fosse, sempre que você topasse com um cristão no supermercado, por exemplo, uma nova igreja surgiria e se dissolveria assim que você passasse para o outro corredor. Uma igreja é mais do que simplesmente “cristãos” no plural. É mais do que a soma de suas partes. Tem a ver com algo que une as pessoas: o pacto, a aliança.
Para criar uma igreja, as pessoas do evangelho devem formar um governo evangélico. Uma igreja nasce quando os cristãos se comprometem a ser uma igreja juntos. Essa é a etapa dois. Pense no exemplo do casamento. Um casamento nasce quando um homem e uma mulher se comprometem (em pacto, em aliança) a ser marido e mulher. O voto cria o casamento. Da mesma forma, uma igreja nasce quando um grupo de cristãos se compromete uns com os outros, para fazer juntos tudo o que Jesus ordenou que suas igrejas fizessem: reunir-se para adorar, edificar uns aos outros em amor, carregar os fardos uns dos outros, pregar e ouvir o evangelho, e celebrar o batismo e a ceia do Senhor juntos.
Tudo isso ainda é obra de Deus: obra salvadora e capacitadora que permite nossa resposta correta ao evangelho, incluindo a resposta correta de nos comprometermos uns com os outros na comunhão da igreja local.
A obra de Deus (salvação) e nossa obra (governo de igreja) não estão em competição. Só podemos nos unir como cristãos porque Deus primeiro nos fez cristãos. Deus cria uma igreja criando cristãos e permitindo que esses cristãos se comprometam uns com os outros na igreja local. E nada nos faz parecer tanto uma igreja como a ceia do Senhor, onde, “embora sejamos muitos, todos comemos do mesmo pão, mostrando que somos um só corpo” (1Co 10.17). Uma reunião de cristãos não é uma igreja local até que eles selem essa união através da ceia do Senhor. Daí é que se diz: “não deixemos de nos reunir, como fazem alguns” (Hb 10.25).
Nos últimos tempos, por causa da impossibilidade de nos reunirmos, em função da pandemia, muito se falou sobre celebração online da ceia do Senhor. O que, a julgar por tudo o que vimos até aqui, é uma impossibilidade.
Em 1Coríntios 11, Paulo se refere cinco vezes ao fato de que eles celebravam a ceia do Senhor quando todos se reuniam como uma igreja – uma assembleia reunida em um mesmo lugar, ao mesmo tempo, com o propósito de adorar (cf. 1Co 11.17-18, 20, 33, 34).
Reunir, no entanto, não era tudo o que eles faziam.
A presença física da igreja, os irmãos juntos e interagindo entre si era (e é) essencial para a ordenança. Por quê? Mais uma vez, 1Coríntios 10.17: “embora sejamos muitos, todos comemos do mesmo pão, mostrando que somos um só corpo.”
A ceia do Senhor representa a unidade da igreja. Consuma a unidade da igreja. Ela reúne muitos que participam dos mesmos elementos, no mesmo lugar, e os torna um. Como vimos: se o batismo une um a muitos, a ceia do Senhor torna um os muitos.
Então, celebrar a ceia do Senhor de um modo diferente de uma refeição de toda a igreja reunida, sentados juntos no mesmo local, ao redor da mesma mesa, é torná-la algo diferente da ceia do Senhor.
Portanto, não é o caso de uma ceia do Senhor virtualmente mediada e fisicamente dispersa (cada família na sua casa) ser menos do que ideal: simplesmente não é a ceia do Senhor!
Todo sofrimento envolve perda; toda perda é uma forma de sofrimento. Neste momento da história, em meio a muitas outras perdas e sofrimentos, os cristãos ao redor do mundo estão sofrendo a perda da comunhão interpessoal semanal na presença de Cristo. Realmente, a compaixão nos leva a abrandar essa perda das maneiras que pudermos. Mas não podemos apagá-la. Sim, devemos aprender o que Deus nos ensina por meio da perda temporária dessas ordenanças corporificadas, tangíveis, necessariamente face a face, especialmente a ceia do Senhor. A casa da festa – juntos, em Cristo, em sua ceia – ficou fechada por um tempo (e ainda está fechada para alguns). O que se aprenderá nesta visita providencialmente ordenada à casa do luto (Ec 7.2, 4)?
A própria ceia do Senhor tem por objetivo não apenas satisfazer nosso coração com a bondade de Cristo, mas também alimentar o desejo de chegar logo o momento quando veremos seu rosto: “Prestem atenção ao que eu lhes digo: não voltarei a beber vinho até aquele dia em que, com vocês, beberei vinho novo no reino de meu Pai.”(Mt 26.29).
Que a ausência desta refeição da igreja reunida faça você ficar ainda mais faminto por aquela refeição futura com o Senhor.
Para os que aqui estão, celebraremos a ceia do Senhor, com parte da igreja reunida, lamentando sim por aqueles que não podem ainda estar conosco, e aguardamos com grande expectativa aquele dia em que, com Cristo, beberemos vinho novo no reino do nosso Pai.
S.D.G. L.B.Peixoto
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