03.02.2016
ABRINDO OS SALMOS
Salmo 45.1
Com o coração vibrando de boas palavras recito os meus versos em honra ao rei; seja a minha língua como a pena de um hábil escritor.
As boas palavras dos Salmos
É provável que os Salmos sejam o livro mais amado da Bíblia. Por gerações, eles têm sido um dos grandes tesouros do povo de Deus. Charles H. Spurgeon intitulou o seu comentário nos Salmos de “Os tesouros de Davi”. Realmente um ótimo título, pois as palavras desse livro, nas palavras de Davi, “são mais desejáveis do que o ouro, do que muito ouro puro” (Sl 19.10).
A maioria dos Salmos foi composta para a adoração de Israel no templo de Jerusalém. Sabemos que foi assim por causa de 50 deles que são dedicados ao diretor de música, diversos outros foram compostos para partes específicas do culto de adoração no templo e 24 mais estão conectados com os músicos do templo, tais como os filhos de Corá. Os Salmos, portanto, refletem a oração e a adoração do Israel de Deus.
No Novo Testamento, nós descobrimos que o livro dos Salmos é o mais citado pelos apóstolos. Por exemplo, nos Evangelhos nós encontramos Jesus cantando o Salmo 118, no final de sua última Ceia com os apóstolos (Mt 26.30), antes de partir para o Monte das Oliveiras e ter que enfrentar o seu calvário.
Em sua última semana na terra, o Senhor usou os Salmos 8.2; 118.22-23 e 110.1 para silenciar os sacerdotes e os escribas do templo (Mt 21.16, 42; 22.44).
A Igreja Primitiva, quando precisou decidir sobre alguém para substituir Judas Iscariotes, voltou-se para os Salmos 69.25 e 109.8 em busca de orientação (At 1.20).
Em sua pregação no dia de Pentecostes, Pedro usou os Salmos 16 e 110 para falar da ressurreição de Jesus (At 2.25-36). Quando Pedro e João foram presos, a Igreja Primitiva orou as palavras do Salmo 2.1-2 (At 4.23-31).
Sabemos também que Paulo valeu-se grandemente dos Salmos na composição de grandes doutrinas expostas em Romanos. Por exemplo, em Romanos 4.6-8 ele ensina a salvação pela fé a partir do Salmo 32.
Pedro, quando ensinou os cristãos a retribuírem o mal com o bem, baseou-se no Salmo 34 (1Pe 3.9-12).
Na história da igreja, especialmente na Reforma Protestante ocorrida no século XVI, os Salmos ocuparam papel proeminente. Sabe-se que pouco antes de Martinho Lutero pregar as suas 95 teses para a igreja, na porta da capela de Wittenberg (Alemanha), ele havia lecionado no livro dos Salmos por dois anos consecutivos. A sua visão cristocêntrica na interpretação dos Salmos contribuiu para forjar nele as grandes doutrinas da Reforma.
Para se afastar da prática da missa em latim, os reformadores introduziram na igreja o cântico congregacional baseado em grande escala nos Salmos em forma rítmica. O livro dos Salmos era tão importante para a adoração dos protestantes que o primeiro livro impresso em solo americano foi o “Bay Psalms Book” (O livro dos Salmos da Bahia) em 1644 na colônia inglesa em Massachusetts.
Nós, portanto, em matéria de fé, de espiritualidade e de história, devemos às “boas palavras” dos Salmos muito além do que conseguimos estimar. Por isso que um estudo detalhado neste livro merece cada segundo de nossa atenção.
Abrindo Os Salmos
Pois bem, preparando a mesa para nos alimentarmos dessas “boas palavras” dos salmistas inspirados por Deus, faremos bem em abrir de forma geral os Salmos, analisando três aspectos importantes do livro: [1] o livro dos Salmos contém teologia; [2] ele é um livro de poemas; [3] os Salmos precisam ser lidos como um livro que tem começo, meio e fim; introdução, desenvolvimento e conclusão.
Os Salmos contêm teologia
Não precisamos dizer que tomamos os Salmos como um livro divino, inspirado por Deus. Agora, o que geralmente nós ignoramos é que os Salmos são uma fonte riquíssima de teologia e de doutrina. Já no primeiro dos Salmos nós encontramos uma declaração fundamental. Introduzindo o livro como um todo, o salmista diz assim:
Sl 1.1-2 | 1 Como é feliz aquele que não segue o conselho dos ímpios, não imita a conduta dos pecadores, nem se assenta na roda dos zombadores! 2 Ao contrário, sua satisfação está na lei do Senhor, e nessa lei medita dia e noite.
O substantivo “lei” é a tradução da palavra hebraica “torá”, que significa “instrução”, “instrução que vem de Deus”. O ponto é que Israel deveria ler, receber e meditar nos Salmos com a mesma reverência que eles davam à lei de Deus, ao Pentateuco.
Estudar os Salmos requer de nós a mesma diligência que qualquer outro livro da Bíblia. Isto é: devemos ler buscando compreender o seu sentido original, extraindo as doutrinas e os princípios para nós hoje e colocando-os em prática.
Os Salmos contêm teologia.
Os Salmos colecionam poemas
Cada Salmo é um poema. A poesia hebraica, porém, não é composta de rima, ritmo e métrica, como é o caso da maioria das poesias do mundo ocidental.
A poesia hebraica é escrita em paralelismo. A pegada, portanto, não está na rima, mas na forma diferente de se dizer a mesma coisa na linha seguinte. Graças a Deus que é assim, pois se tal poesia estivesse calcada na rima nós perderíamos o seu valor nas traduções do original hebraico. A genialidade da poesia hebraica está justamente no paralelismo de ideias, fazendo com que a poesia permaneça poesia em cada língua para a qual ela é traduzida.
Observe o exemplo no Salmo 1 que já citamos. Veja o verso 2…
Ao contrário, sua satisfação está na lei do Senhor,
e nessa lei medita dia e noite.
Deus abençoa duplamente o homem que se dedica à lei do Senhor. Ele “satisfaz” o seu coração e “informa” a sua cabeça. Aliás, o salmista menciona primeiramente o coração para dizer que o que faz alguém “meditar” dia e noite na lei do Senhor é a “satisfação” que ele sente nessa lei.
Primeiramente nós amamos a lei do Senhor para só então nós conseguirmos nela meditar. Enquanto poesia, os Salmos foram designados por Deus para agarrar nosso coração e, consequentemente, engajar a nossa mente.
Os salmos agarram o nosso coração de diversas maneiras.
Em primeiro lugar, os Salmos foram escritos para serem cantados. “Salmos” vem do grego, cuja tradução vem do hebraico “mizmor”. Ambas as palavras significam música acompanhada por instrumento musical, particularmente a harpa.
Em segundo lugar, os Salmos agarram o coração através das figuras de linguagem. Os autores são poetas. Eles são artesãos de palavras. Como tais, eles pintam imagens que nos atraem com imensa beleza. Por exemplo…
O Salmo não diz que “o povo está triste”. Ele diz assim: “Tu o alimentaste com pão de lágrimas e o fizeste beber copos de lágrimas” (Sl 80.5).
O Salmo não diz que “os fiéis estão alegres. Ele diz assim: “escolheu-te dentre os teus companheiros ungindo-te com óleo de alegria” (Sl 45.7).
O Salmo não diz simplesmente “protege-me”. Ele diz assim: “Protege-me como à menina dos teus olhos; esconde-me à sombra das tuas asas” (Sl 17.8).
Quando lemos os Salmos, nós precisamos usar a imaginação.
Precisamos visualizar e sentir o que nós estamos lendo, pois em suas poesias, os homens que escreveram os Salmos derramaram uma enxurrada de emoções. Por exemplo…
Solidão | “Volta-te para mim e tem compaixão, porque estou sozinho e aflito.” (Sl 25.16)
Amor | “Eu te amo, ó Senhor, força minha.” (Sl 18.1)
Tristeza | “Gasta-se a minha vida na tristeza, e os meus anos, em gemidos; debilita-se a minha força, por causa da minha iniquidade, e os meus ossos se consomem.” (Sl 31.10)
Desencorajamento | “Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu.” (Sl 42.5)
Vergonha | “A minha ignomínia está sempre diante de mim; cobre-se de vergonha o meu rosto,” (Sl 44.15)
Exultação | “Na tua força, Senhor, o rei se alegra! E como exulta com a tua salvação!” (Sl 21.1)
Temor | “Servi ao Senhor com temor e alegrai-vos nele com tremor.” (Sl 2.11)
Paz | “Em paz me deito e logo pego no sono, porque, Senhor, só tu me fazes repousar seguro.” (Sl 4.8)
Gratidão | “Dar-te-ei graças na grande congregação, louvar-te-ei no meio da multidão poderosa.” (Sl 35.18)
Confiança | Ainda que um exército se acampe contra mim, não se atemorizará o meu coração; e, se estourar contra mim a guerra, ainda assim terei confiança. (Sl 27.3)
Falando sobre a maneira como esta coleção de 150 poemas disseca o nosso interior, João Calvino declarou:
Fui acostumado a chamar este livro, e penso que não inadequadamente, de “uma anatomia de todas as partes da alma”, pois não há qualquer emoção, da qual qualquer um pode estar consciente, que não esteja aqui representada como num espelho. Ou melhor, o Espírito Santo tem aqui atraído para a vida todos os sofrimentos, tristezas, medos, dúvidas, esperanças, preocupações, perplexidades, enfim, todas as emoções dispersas e existentes, pelas quais a mente dos homens esta acostumada a ser agitada.
Martinho Lutero, também nessa linha de pensamento, narrando como os Salmos são capazes de revelar o céu ou o inferno do coração dos servos de Deus, escreveu:
Ali podes contemplar o coração de todos os santos, como belo e delicioso jardim, ou antes como o céu, e ver como nele brotam delicadas, encantadoras e deliciosas flores de toda sorte de belos e felizes pensamentos sobre Deus e sua bondade. Onde encontrarás palavras mais profundas, mais sofridas, mais cheias de tristeza que as lamentações dos salmos? Aqui mais uma vez penetras no coração de todos os santos como na morte, ou antes como no inferno, e vês como tudo é tenebroso e escuro diante da visão da ira de Deus. Também quando falam de temor ou de esperança usam tais palavras como nenhum pintor que representa o temor e a esperança foi, é ou será capaz de fazer. E o melhor de tudo é que falam tais palavras sobre Deus e com Deus…
Os Salmos contêm teologia e os Salmos contêm poemas… Mas, há mais…
Os Salmos compõem um livro
Os Salmos compõem um livro, um livro formado por cinco pequenos livros, escrito por diversos autores: Davi, Salomão, Moisés, filhos de Corá, Asafe, etc.
Livro 1 (Salmos 1-41); livro 2 (Salmos 42-72); livro 3 (Salmos 73-89); livro 4 (Salmos 90-106); livro 5 (Salmos 107-150).
O livro composto pelos Salmos, assim como todos os demais do Antigo e do Novo Testamentos, aponta para Cristo, O próprio Senhor Jesus disse assim:
Lc 22.44 | E disse-lhes: “Foi isso que eu lhes falei enquanto ainda estava com vocês: Era necessário que se cumprisse tudo o que a meu respeito está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos”.
Os Salmos precisam ser lidos pela ótica cristã.
Que história os Salmos contam?
Trata-se da história do povo de Deus durante os reinados de Davi e Salomão, continuando durante o tempo de exílio na Babilônia, terminando com o retorno do povo para Israel.
Os livros 1 e 2 (Sl 1 a 72) contam do período de Davi e seu reino.
Os Livros 3 e 4 (Sl 73 a 106) narram o sofrimento pelo cativeiro babilônico.
O livro 5 (Sl 107 a 150) relata o período e as alegrias do pós-exílio na Babilônia. Isto é…
1. O povo vivia a alegria da presença do rei.
Livro 1 – Sl 41.11-12
11 Sei que me queres bem, pois o meu inimigo não triunfa sobre mim. 12 Por causa da minha integridade me susténs e me pões na tua presença para sempre. 13 Louvado seja o Senhor, o Deus de Israel, de eternidade a eternidade! Amém e amém!
Livro 2 – Sl 72.17-20
17 Permaneça para sempre o seu nome e dure a sua fama enquanto o sol brilhar. Sejam abençoadas todas as nações por meio dele, e que elas o chamem bendito. 18 Bendito seja o Senhor Deus, o Deus de Israel, o único que realiza feitos maravilhosos. 19 Bendito seja o seu glorioso nome para sempre; encha se toda a terra da sua glória. Amém e amém. 20 Encerram-se aqui as orações de Davi, filho de Jessé
2. O povo pecou e sofreu as consequências.
Livro 3 – Sl 89.38-39
38 Mas tu o rejeitaste, recusaste-o e te enfureceste com o teu ungido. 39 Revogaste a aliança com o teu servo e desonraste a sua coroa, lançando-a ao chão.
Livro 4 – Sl 106.47
Salva-nos, Senhor, nosso Deus! Ajunta-nos dentre as nações, para que demos graças ao teu santo nome e façamos do teu louvor a nossa glória.
3. O povo celebra a libertação.
Livro 5 – Sl 107.1-3
1 Dêem graças ao Senhor porque ele é bom; o seu amor dura para sempre. 2 Assim o digam os que o Senhor resgatou, os que livrou das mãos do adversário, 3 e reuniu de outras terras, do oriente e do ocidente, do norte e do sul.
Fim! Sl 150.6
Tudo o que tem vida louve o Senhor! Aleluia.
Os Salmos, portanto…
Contêm teologia
Colecionam poemas
Compõem um livro
Os Salmos formam um livro que provê para o povo de Deus liturgia, hinos e músicas de louvor, orações, poesias, musicais, tratamentos pastorais e uma teologia das emoções. Mas, acima de tudo, como bem expressou Walter Brueggemann:
Em tempo e fora de tempo, geração após geração, homens e mulheres fiéis se voltam para os Salmos como o melhor recurso para se conversar com Deus sobre as coisas que mais importam. Os Salmos são úteis pois eles formam uma literatura genuinamente dialógica que expressa os dois lados da conversa da fé [o lado de Deus e o lado do homem na comunhão].
Os Salmos, portanto, são importantes para nós, pois com eles aprendemos a cantar, adorar, agir, viver, orar e também ouvir a Deus, seja na alegria ou na tristeza, na saúde ou na doença, na riqueza ou na pobreza. Faremos, pois, sempre muito bem se lermos, compreendermos, meditarmos, cantarmos e orarmos os Salmos tendo Jesus e a história da redenção em vistas.
Salmo 45.1
Com o coração vibrando de boas palavras recito os meus versos em honra ao rei; seja a minha língua como a pena de um hábil escritor.
Deus nos abençoe com graça e paz.
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