23.08.2017
A COISA MAIS IMPORTANTE
Qual é a coisa mais importante da vida cristã? Parece que servir é o que logo vem à mente de todo mundo. Sim, servir é realmente muito, muito importante. Afinal, assim como foi com Jesus, quando ele andou por aqui, nós não existimos para sermos servidos, mas para servirmos e darmos as nossas vidas em resgate por muitos (Mc 10.45).
Servimos para salvar vidas. Agora, quem serve, quem vive na linha de frente do serviço, sofre com grandes tentações. A principal delas é a de se esquecer da coisa mais importante. Qual é? Isso nos leva ao texto que desejo repartir com vocês hoje à noite.
Lucas 10.38-42
38Jesus e seus discípulos seguiram viagem e chegaram a um povoado onde uma mulher chamada Marta os recebeu em sua casa. 39Sua irmã, Maria, sentou-se aos pés de Jesus e ouvia o que ele ensinava. 40Marta, porém, estava ocupada com seus muitos afazeres. Foi a Jesus e disse: “Senhor, não o incomoda que minha irmã fique aí sentada enquanto eu faço todo o trabalho? Diga-lhe que venha me ajudar!”. 41Mas o Senhor respondeu: “Marta, Marta, você se preocupa e se inquieta com todos esses detalhes. 42Apenas uma coisa é necessária. Quanto a Maria, ela fez a escolha certa, e ninguém tomará isso dela”.
Imprevistos acontecem
Penso que se Marta soubesse que a sua ansiedade fosse ser exposta de forma tão detalhada nos evangelhos, ela, provavelmente, teria procurado melhor se controlar. Mas, bem-aventurados somos nós, pois, graças ao seu espírito agitado, podemos encontrar nesta passagem grande fonte de lucro espiritual.
A história começa com Jesus e seus discípulos entrando em Betânia, vilarejo próximo à Jerusalém. Ali, “uma mulher chamada Marta os recebeu em sua casa” (Lc 10.38).
A narrativa não nos dá muitos detalhes, mas podemos supor que Marta, por ser a irmã mais velha, recebeu e hospedou Jesus e os 12 apóstolos em sua casa. Donas de casa, naturalmente, ficam logo antenadas, fazendo as contas: “Gente, no mínimo 13 pessoas para comer e pernoitar! Que trabalheira! Quanta comida para fazer!”
Sabe o que é pior do que receber tanta gente assim em sua casa? Recebê-las sem estar preparado, sem saber que elas viriam para comer e, talvez, pernoitar. Lógico que, se Marta soubesse da visita, ela já teria se preparado. O problema é que o itinerário de Jesus era quase sempre imprevisível. Então, você consegue imaginar a situação de Marta?
Ela não era gerente de lanchonete nem dona de restaurante. Ela era uma dona de casa. Outra coisa, se em Betânia existisse panificadora, supermercado, lanchonete ou restaurante, Marta poderia ter se virado melhor. Porém, é certo que não havia nada daquilo; e apesar da melhor das intenções, que com certeza ela tinha, é inevitável que algum tipo de estresse estivesse perturbando a mente e o coração daquela mulher. Liderar e servir sempre nos colocam em situações assim estressantes. Imprevistos acontecem.
Correndo contra o tempo
Sendo prendada como era, Marta mal disse oi para Jesus e correu para a cozinha e começou a preparar o melhor que ela conseguia para aquele nobre momento. Na cabeça dela, claro que Maria, sua irmã caçula, tão logo terminasse os cumprimentos, também correria para a cozinha, com a intenção de ajudá-la no que fosse preciso. Só que não!
Como Maria estava demorando e a coisa estava apertada lá dentro, Marta correu para dar uma espiadinha na sala. Que surpresa a dela, pois “Sua irmã, Maria, sentou-se aos pés de Jesus e ouvia o que ele ensinava” (Lc 10.39). Marta deve ter pensado:
“Que coisa! Aqui estou eu, toda suada, fazendo um esforço danado para oferecer a melhor hospitalidade possível, preparando o mais rápido possível a comida, enquanto Maria fica lá, sentadinha, relaxando, batendo papo, sem nem se preocupar em fazer alguma coisa. Que menina mimada! Assim não dá! Eu vou lá… ela vai ver!”
A essa altura, as panelas não eram as únicas coisas que ferviam naquela casa. O que começou com um ato genuíno de bondade, tomou um caminho inesperado de ira e de acusações. Marta estava fervendo de raiva e procurou de todas as maneiras possíveis projetar sua culpa em Maria. Por isso ela disse o que lemos (Lc 10.40):
“Senhor, não o incomoda que minha irmã fique aí sentada enquanto eu faço todo o trabalho? Diga-lhe que venha me ajudar!”
A mudança de Marta
Por conta dessa atitude pecaminosa, a reputação de Marta ficou maculada ao longo das épocas. Então, em sua defesa, deixemos pelo menos duas coisas bem claras:
Em primeiro lugar, é visível, quando observamos em relatos bíblicos futuros, que Marta sofreu algumas transformações em seu caráter, decorrentes desse incidente; ela foi se amadurecendo (Jo 11.17-27). Em segundo lugar, é visível que Marta era uma mulher que estava sempre pronta para servir (Lc 10.38-42; Jo 11.17-27 e 12.1-2).
O serviço é uma virtude elogiada no decorrer de toda a Bíblia. Em Lucas 10.38-42, Marta não foi repreendida por estar servindo. Marta foi repreendida por estar irada (afinal, tudo tinha fugido de seu controle) e, principalmente, por fazer do serviço um palco para desfilar orgulho e vaidade; no mínimo, o lugar supremo onde ela encontrava realização.
Sebastian Trager e Greg Gilbert, no livro O Evangelho no Trabalho, definem idolatria do trabalho ou do servir da seguinte maneira:
O problema começa quando a nossa busca por satisfação, influência ou prestígio no trabalho [ou no servir] começa a fazer dele a fonte suprema de satisfação ou de significado para nós. Quando isso acontece, o nosso trabalho se torna o nosso Deus.
Cristo repreende Marta não por ela servir, mas por fazer do servir um ídolo.
Os erros de Marta
Ao transformar o serviço num ídolo, em detrimento de se aquietar para nutrir comunhão íntima com o seu verdadeiro Senhor, Marta errou em pelo menos cinco maneiras.
1. Marta interrompeu o Senhor
Marta, de repente, se aproxima de Jesus, para na frente dele e, com todo atrevimento, interrompe o que ele estava fazendo. Diz-nos o texto (Lc 10.40): “Marta, porém, estava ocupada com seus muitos afazeres [com seu ídolo!]. Foi a Jesus e disse: ‘Senhor, […]”.
Quando não se leva em conta a coisa mais importante, quando se coloca a si mesmo no centro, quando se distrai em muitos serviços (“detalhes”), corre-se o risco de interromper as ações de Deus — em nossas vidas e também na vida de outros. Quando se preocupa em servi-lo sem que se busque a face dele, pode-se estar bloqueando o que ele realmente intenciona fazer em nossas vidas, famílias, igrejas e no mundo.
Portanto: servir sem saber qual é a coisa mais importante é muito perigoso: ocupado demais com o ídolo, pode-se interromper a ação do Senhor em nós e no próximo.
2. Marta acusou o Senhor e a irmã
Marta acusou o Senhor e a irmã: chamou Jesus de insensível e Maria de folgada – “Senhor, não o incomoda que minha irmã fique aí sentada enquanto eu faço todo o trabalho?” (Lc 10.40).
Serviço sem devoção sempre produz acusação. Corremos o risco de nos amargarmos com Deus (“Ele não se importa com o que eu estou fazendo!”) e com o próximo (“Eles não fazem nada! Sempre me deixam só. Só eu carrego o piano por aqui!”).
Se não investirmos, prioritariamente, nossas vidas no que é mais importante; se não pararmos de nos distrair com nossos afazeres, que são tantos e, muitas vezes nobres, começaremos a duvidar do amor de Deus, interpretaremos erroneamente as circunstâncias, ficaremos à mercê das emoções e sempre acusaremos os outros.
Quando não ouvimos a voz de Deus, dizendo-nos o quanto ele nos ama, buscamos esse amor no reconhecimento dos homens. Daí (e por isso), deixamos de servir e passamos a usar os outros. Servir de forma sadia é fruto do amor transbordante de Deus em nossos corações (Mc 12.30-31):
30Ame o Senhor, seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma, de toda a sua mente e de todas as suas forças’. 31O segundo é igualmente importante: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’. Nenhum outro mandamento é maior que esses.
O amor transbordante de Deus em nossos corações é fruto de nossa devoção:
Sl 27.8 | Meu coração ouviu tua voz dizer: “Venha e entre na minha presença”, e meu coração respondeu: “SENHOR, eu irei!”.
Sl 90.14 | Satisfaze-nos a cada manhã com o teu amor, para que cantemos de alegria até o final da vida.
Não tente servir sem antes buscar a face de Deus, sem fazer do Senhor o seu Deus. Do contrário, será perigoso, pois você poderá acusar o Senhor e os irmãos.
3. Marta quis tomar o controle das mãos do Senhor
Marta, literalmente, mandou o Senhor Jesus fazer Maria sair de seus pés e correr para a cozinha. Impressionante (Lc 10.40)!
Marta, porém, estava ocupada com seus muitos afazeres. Foi a Jesus e disse: “Senhor, não o incomoda que minha irmã fique aí sentada enquanto eu faço todo o trabalho? Diga-lhe que venha me ajudar!”.
Servir sem antes gastar tempo em devoção, sem antes provar e se deliciar do amor de Deus, leva-nos aos jogos de poder, às manipulações, aos relacionamentos baseados em demandas, em trocas. Longe de ser amoroso, será sempre muito perigoso e destrutivo, pois: começaremos a pensar que Deus não sabe o que está fazendo na vida das pessoas; acharemos que temos que dizer a Deus o que fazer com os outros e por nós… É o mesmo que dizer a Deus que ele não sabe o que fazer. Que pecado!
4. Marta criou divisão
Ao dizer pra Jesus o que fazer com Maria (na frente dela!), Marta estava levantando uma barreira gigantesca entre ela e a irmã. Aqui reside a maioria dos problemas de divisão na igreja e na família. Falta de devoção pode arrebentar com os nossos relacionamentos.
Lc 10.40 | Marta, porém, estava ocupada com seus muitos afazeres. Foi a Jesus e disse: “Senhor, não o incomoda que minha irmã fique aí sentada enquanto eu faço todo o trabalho? Diga-lhe que venha me ajudar!”.
5. Marta perdeu o centro de gravidade da vida
Ao se afastar do Senhor para “servir” ao Senhor, Marta se distraiu, perdeu Deus de vista — focou no seu ídolo, no seu plano, nos resultados que ela queria produzir… saiu de órbita e começou a viver em choques e conflitos terríveis (Lc 10.41-42):
41Mas o Senhor respondeu: “Marta, Marta, você se preocupa e se inquieta com todos esses detalhes. 42Apenas uma coisa é necessária. Quanto a Maria, ela fez a escolha certa, e ninguém tomará isso dela”.
Longe da comunhão com o Senhor todos nós perdemos o senso de prioridades, invertemos os valores, usamos as pessoas, agitamos o coração, começamos a duvidar do amor de Deus e muito, muito mais… Sem o centro de gravidade da vida tudo entra em rota de colisão. O centro de gravidade da vida é o amor a Deus e o serviço em amor ao próximo, inclusive àqueles que servem conosco — o resultado que se espera de tudo é o resgate de muitos (Mc 10.45).
A devoção de Maria
Em contraste com a ansiedade e a fadiga de Marta, está a simples e doce devoção de Maria. Maria sentou-se quieta e atenta aos pés de Jesus e colocou-se a ouvir. Essa é a “coisa mais importante ou necessária na vida”. Essa é a “coisa mais importante” que Jesus usou como exemplo, na vida de Maria, para chamar a atenção de Marta. Portanto, o que fazer? O que aprendemos com Maria?
1. Discirna entre o que é eterno e o que é temporal
Lc 10.41-42 | 41Mas o Senhor respondeu: “Marta, Marta, você se preocupa e se inquieta com todos esses detalhes. 42Apenas uma coisa é necessária. Quanto a Maria, ela fez a escolha certa, e ninguém tomará isso dela”.
Coisas de casa e de cozinha passarão. Bens e propriedades ficarão para traz. Atividades de departamentos não perdurarão. Agora, vidas transformadas pelo evangelho viverão para todo sempre! Nosso tesouro no céu é eterno. O serviço não é pelo serviço, mas para o resgate de muitos (Mc 10.45). Discirna entre o que é eterno e o que é temporal.
2. Decida pela coisa mais importante na vida
Lc 10.41-42 | 41Mas o Senhor respondeu: “Marta, Marta, você se preocupa e se inquieta com todos esses detalhes. 42Apenas uma coisa é necessária. Quanto a Maria, ela fez a escolha certa, e ninguém tomará isso dela”.
Nossa vida é construída com escolhas. Escolhas que fazemos hoje afetarão o nosso amanhã. Inclusive, e principalmente, em questões espirituais. Decida pelo relacionamento com Deus e com o próximo. Sirva, mas esteja cheio do amor de Deus pelo próximo.
3. Dedique corpo e cabeça ao que é mais importante na vida
Lc 10.38-39 | 38Jesus e seus discípulos seguiram viagem e chegaram a um povoado onde uma mulher chamada Marta os recebeu em sua casa. 39Sua irmã, Maria, sentou-se aos pés de Jesus e ouvia o que ele ensinava.
Já deu para perceber que a coisa mais importante na vida é comunhão íntima com Deus. Como, então, manter essa comunhão íntima com Deus? Simples: entrando em forma na vida cristã! Mudando a forma de nos relacionarmos com Deus. Ou melhor, priorizando o nosso relacionamento íntimo com Deus, pois precisamos ouvir a voz de Deus.
Se não estamos ouvindo a voz de Deus regularmente, precisaremos ser honestos e perguntar a nós mesmos: “Estou separando tempo regular para me relacionar com Deus?”. Se a nossa agenda revelar que nós não estamos fazendo dessa comunhão uma prioridade em nossas vidas, não poderemos ficar surpresos quando descobrirmos que todas as coisas em nossas vidas, como na vida de Marta, estão fora de órbita e, portanto, entrando em choque ou colisão.
Nossa relação com Deus sofrerá com essa negligência. Nossa relação com os outros sofrerá com essa negligência. Nosso coração sofrerá com essa negligência. Enfim, negligenciar a nossa comunhão íntima com Deus, mesmo que por conta de atividades nobres e honestas, poderá custar-nos um preço impagável.
Na comunhão, nós também ouvimos. Não apenas falamos. Ouvir requer que invistamos tempo sem pressa, sem interrupção, sem distrações, sem pré-concepção. É por isso que, dentre outros, Jesus nos instruiu a entrar no quarto, em secreto, para orar.
Orar é também ouvir, apesar de que muitos cristãos pensam que orar é só falar. Se oração é tempo de comunhão com Deus, como cremos que é, essa atitude não pode ser apenas de uma via. Ou seja, só nós falamos. Isso seria um monólogo e não comunhão. Deus tem muito a nos dizer e, portanto, precisamos ouvir também, não apenas falar.
Por outro lado, nós podemos cair no erro de tentar fazer Deus falar. Espere com paciência pelo Senhor, ele haverá de falar. Ele é um Deus que se comunica e que deseja se revelar. Lembre-se, nós não descobrimos Deus; foi ele quem se revelou a nós! Não há, da parte de Deus, qualquer relutância em se comunicar, como se nós tivéssemos que, por nossa própria força, fazê-lo falar. Absolutamente!
Deus se comunica conosco, principalmente, pela sua Palavra. O Espírito Santo de Deus deseja aplicar diariamente passagens específicas da Escritura ao coração dos filhos de Deus. Através da Bíblia, da obra da criação, do ministério da igreja e pelo seu Espírito, Deus enche toda a terra com o som de sua voz. A única questão, portanto, é: “Nós estamos ouvindo? Nós estamos separando tempo para ouvir?”. Precisamos cultivar tempo para desfrutarmos de íntima comunhão com Deus.
Tempo com Deus em oração e na palavra terá que gerar em nós amor: amor por Deus e pelo próximo. Observe as palavras de Paulo aos Gálatas (5.13-16):
13Porque vocês, irmãos, foram chamados para viver em liberdade. Não a usem, porém, para satisfazer sua natureza humana. Ao contrário, usem-na para servir uns aos outros em amor. 14Pois toda a lei pode ser resumida neste único mandamento: “Ame o seu próximo como a si mesmo”. 15Mas, se vocês estão sempre mordendo e devorando uns aos outros, tenham cuidado, pois correm o risco de se destruírem. 16Por isso digo: deixem que o Espírito guie sua vida. Assim, não satisfarão os anseios de sua natureza humana.
A coisa mais importante é “Ame o seu próximo como a si mesmo”. Só consegue amar assim quem esteve nos pés de Jesus e para lá retorna todo dia e toda hora.
Aos pés de Jesus, assim com esteve Maria, o ser humano reconcilia-se com Deus, com o próximo (quando Marta para lá se dirigir!) e consigo mesmo. Vá para os pés de Jesus.
Que Deus nos abençoe.
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