01.04.2020
Joel 2.1-17
1Toquem a trombeta em Sião! Soem o alarme em meu santo monte! Que todos tremam de medo, pois está chegando o dia do SENHOR. 2É um dia de escuridão e trevas, um dia de densas nuvens e sombras profundas. Como o amanhecer se estende pelos montes, assim surge um grande e poderoso exército. Nunca se viu algo parecido, e nunca mais se verá. 3À frente deles o fogo arde, atrás deles vêm chamas. Diante deles a terra se estende, bela como o jardim do Éden. Atrás deles só há desolação; nada escapa. 4Parecem cavalos, atacam como cavalos de guerra. 5Olhem para eles, saltando sobre o topo dos montes; ouçam o barulho que fazem, como o estrondo de carros de guerra, como o fogo crepitante que devora um campo cheio de palha, como um exército poderoso que avança para a batalha. 6O medo toma conta do povo; todo rosto fica pálido de terror. 7Os agressores marcham como guerreiros e, como soldados, escalam os muros da cidade. Marcham sempre em frente, sem deixar suas fileiras. 8Não empurram uns aos outros; cada um se move na posição correta. Rompem as linhas de defesa, sem desfazer a formação. 9Atacam a cidade e correm ao longo de seus muros. Entram em todas as casas e sobem pelas janelas, como ladrões. 10A terra treme com seu avanço, e os céus estremecem. O sol e a lua escurecem, e as estrelas deixam de brilhar. 11O SENHOR está à frente de seu exército; com um grito, ele o comanda. É seu exército poderoso e segue suas ordens. O dia do SENHOR é espantoso e terrível; quem poderá sobreviver? 12Por isso, o SENHOR diz: “Voltem para mim de todo o coração, venham a mim com jejum, choro e lamento! 13Não rasguem as roupas em sinal de tristeza; rasguem o coração!”. Voltem para o SENHOR, seu Deus, pois ele é misericordioso e compassivo, lento para se irar e cheio de amor; está sempre pronto a voltar atrás e não castigar. 14Quem sabe ele mude de ideia e lhes envie bênção em lugar desse castigo. Talvez possam apresentar ofertas de cereal e vinho ao SENHOR, seu Deus, como faziam antes. 15Toquem a trombeta em Sião! Convoquem um tempo de jejum, juntem o povo para uma reunião solene. 16Reúnam e consagrem todo o povo, os anciãos, as crianças e até os bebês. Chamem o noivo de seu aposento e a noiva, de seu quarto. 17Que os sacerdotes, que servem na presença do SENHOR, chorem entre o pórtico do templo e o altar. Que façam esta oração: “Poupa teu povo, SENHOR! Não permitas que a nação que pertence a ti se torne objeto de zombaria. Não deixes que seja motivo de piada para as nações que dizem: ‘Onde está o seu Deus?’”.
AMAR É SEMPRE SER VULNERÁVEL
O aclamado poeta escocês Robert Burns (1759-1796) colocou em versos o dilema dos amantes que choram a dor do coração rasgado (tradução livre de trecho do poema Ae Fond Kiss, And Then We Sever):
Se nunca tivéssemos tão gentilmente amado,
Se nunca tivéssemos tão cegamente amado,
Nunca nos conhecido ou nunca nos separado,
Nós nunca teríamos estado com o coração rasgado.
É inevitável: quem ama sempre sofre a dor de um coração rasgado pela perda, frustração ou mesmo decepção. Garth Brooks — cantor country norte-americano (a propósito, declara-se cristão), cantando sobre A Dança (The Dance) na noite em que conheceu um grande amor, declarou contentamento por não ter sabido de antemão como o final do relacionamento seria doloroso após o abandono. A seguir, um trechinho com tradução livre e alguma adaptação para manter a rima da poesia:
E agora,
Estou feliz por não ter sabido
A maneira como tudo acabou
A forma como tudo terminou
Nossa vida,
É melhor ser vivida com esperança [É melhor ser deixada ao acaso]
Eu poderia ter me guardado da dor,
Mas eu teria perdido a dança.
Se soubesse como tudo terminaria, como doeria o coração rasgado pela separação, é provável que ele teria evitado o contato e o relacionamento, mas teria perdido o prazer da dança, do momento e do sentimento.
Quem nunca sofreu com o coração rasgado?
Coração rasgado pela dor de perder a quem se ama; pela dor de se ter sonhos e planos rasgados em pedaços, dor de esperanças frustradas… Quem nunca sofreu com o coração rasgado? Terão ficado ilesos apenas aqueles que nunca amaram de verdade, esperaram com sinceridade ou sonharam e planejaram com vontade. A dor do desapontamento, de tão profunda, é capaz de nos fazer engolir o fôlego.
Quando alguém é arrancado de nós, pela vida ou pela morte; quando vemos escorrer por entre os dedos aquele sonho ou plano tão estimado; quando temos roubada de nós aquela esperança tão preciosa; quando perdemos aquilo tão valioso e que foi conquistado com tanto esforço e coração… sofremos muito se vivemos de verdade.
Muitas vezes, especialmente nós os adultos, não expressamos de verdade a dor que estamos sentido pelo coração rasgado. Ficamos mais ou menos como se expressou Abraham Lincoln em 1858, quando perdeu para Stephen A. Douglas a vaga para o Senado Americano, representando o Estado de Illinois. Perguntaram a Lincoln como ele se sentia com a derrota, e ele respondeu: “Como o garoto que tropeça e arranca o tampão do dedão do pé, eu estou bem crescidinho para chorar e muito machucado para sorrir.” Quem nunca se sentiu assim? Crescidinho de mais para chorar e machucado o bastante para conseguir sorrir! Ah! A dor do amor! A dor do coração rasgado!
Quando o coração rasga, dói muito. Não é sem motivo, portanto, que nós, naturalmente, trabalhamos para evitar qualquer tipo de pesar ou de frustração em nossa vida. Blindamos como podemos o nosso coração: colocamos barreiras para que outras pessoas não cheguem muito perto, evitamos aquelas questões que nos são muito caras, não conversamos sobre assuntos que nos expõem, trancamo-nos e nos isolamos como podemos, evitando expor o coração para não sofrermos a dor de um coração rasgado por pesar, frustração ou decepção.
Claro que há partes da nossa vida que nós não conseguimos controlar com a segurança devida para não termos que sofrer. Pense, por exemplo, na paternidade ou na maternidade. Certamente que ser pai ou mãe traz consigo alegrias e realizações muito especiais, mas há muito mais do que apenas delícias e prazeres. Todo pai e toda mãe sabem que de mãos dadas com as melhores lembranças caminham também pesares, frustrações e decepções ao longo da vida. Há sim realizações inigualáveis na maternidade ou na paternidade, mas na mesma proporção de dores e pesares. Cada manhã traz consigo tanto esperanças como medos: E se isso. E se aquilo. E se aquilo outro.
Quanto mais se ama, sonha, planeja e espera, maior a probabilidade de se sofrer com o coração rasgado por perda, frustração, decepção ou demora. Nas palavras de Provérbios 13.12, por exemplo: “A esperança adiada faz o coração ficar doente, mas o sonho realizado é árvore de vida.” Quem nunca se sentiu assim? Quem nunca teve o coração rasgado? Apenas quem não ama ou nunca amou jamais sentiu a dor do coração rasgado. Mas tal atitude é muito perigosa. Ouça o que escreveu C. S. Lewis, no grande livro Os Quatro Amores:
Amar é sempre ser vulnerável. Ame qualquer coisa e certamente seu coração vai doer e talvez se partir. Se quiser ter a certeza de mantê-lo intacto, você não deve entregá-lo a ninguém, nem mesmo a um animal. Envolva-o cuidadosamente em seus hobbies e pequenos luxos, evite qualquer envolvimento, guarde-o na segurança do esquife de seu egoísmo. Mas nesse esquife — seguro, sem movimento, sem ar — ele vai mudar. Ele não vai se partir — vai torna-se indestrutível, impenetrável, irredimível. A alternativa a uma tragédia ou pelo menos ao risco de uma tragédia [de rasgar o coração] é a condenação. O único lugar além do céu onde se pode estar perfeitamente a salvo de todos os riscos e perturbações do amor é o inferno.
RASGUE O CORAÇÃO
Se é inevitável, se “amar é sempre ser vulnerável”, se quem ama sempre sofrerá com o coração rasgado, que bem há em um coração rasgado? A resposta a esta pergunta está no trecho que lemos do profeta Joel (2.1-17). Versículos 12-13:
12Por isso, o SENHOR diz: “Voltem para mim de todo o coração, venham a mim com jejum, choro e lamento! 13Não rasguem as roupas em sinal de tristeza; rasguem o coração!”.
O coração do povo não pertencia mais a Deus. Eles tinham encontrado outros amores e voltado as costas para Deus. Era-lhes, pois, necessário arrepender e voltar “de todo o coração” para Deus. Precisavam rasgar o coração em arrependimento e buscar a Deus com fé. Mas, ah! O pecado! Pecado está fora de moda já faz muito tempo.
Tiras cômicas ou tirinhas de quadrinhos de jornais já foram mais famosas, hoje nem tanto. Esses desenhos ou cartoons produzem muito mais do que boas risadas. Ocasionalmente, eles cutucam em nossas costelas, provocando-nos em algum ponto fraco. Nem mesmo fé ou religião escapam das alfinetadas dos cartunistas. Lloyd J. Ogilvie, pastor presbiteriano, contou de uma tirinha dessas que lhe chamou a atenção. Havia no desenho de uma edição da revista New Yorker uma bela catedral, de onde saía uma multidão de fieis carregando o padre nos ombros. As vestes litúrgicas lilás esvoaçavam no vento. Dois homens estavam em pé na calçada, assistindo aquela cena incrível.
— “O que aconteceu?”, um deles perguntou.
O outro respondeu: — “Ah, o padre acabou de dizer que o pecado não importa mais!”
Realmente, para muita gente o pecado não importa mais. Pecado se tornou, quando muito, um mero desvio de conduta, patologia psicológica, convenção social, questão cultural ou coisa do tipo. Há até quem se diga pastor evangélico afirmando com grau de superioridade, em entrevista de televisão recente, que
[disse ele] a minha mentalidade não cataloga pecado dessa maneira [i.e., dizer-se que tal ou qual comportamento é pecaminoso]. A gente pode pensar pecado de outras maneiras… tem coisas que para você é pecado e para mim não é… pecado é o que desumaniza. É o que me destrói e que destrói a nossa relação.
Não, senhor pastor, de forma alguma! Pecado não é simplesmente algo “que desumaniza” ou “que me destrói” e “que destrói a nossa relação”. Pecado resulta sim nestas coisas: desumanização e destruição, mas pecado é algo muito mais sério e profundo do que isto. Pecado, de fato, não é apenas o que fazemos, mas também o que deixamos de fazer. Pecado não diz respeito apenas ao comportamento. Pecado é o que nós carregamos em nossa natureza. Somos pecadores. Porque somos pecadores, nós pecamos.
A essência do pecado é o coração que não tem mais prazer em Deus. John Piper define pecado da seguinte maneira:
Pecar é qualquer sentimento, pensamento, fala ou comportamento que provém de um coração que não valoriza Deus sobre todas as outras coisas. E o fundo do poço do pecado, a raiz de todo pecado, é o coração — o coração que prefere qualquer coisa acima de Deus, o coração que não valoriza Deus sobre todas as outras pessoas e todas as outras coisas. […] O que é pecado? Pecado é:
A glória de Deus não ser honrada.
A santidade de Deus não ser reverenciada.
A grandeza de Deus não ser admirada.
O poder de Deus não ser louvado.
A verdade de Deus não ser buscada.
A sabedoria de Deus não ser valorizada.
A beleza de Deus não ser estimada.
A bondade de Deus não ser saboreada.
A fidelidade de Deus não ser confiada.
As promessas de Deus serem cridas.
Os mandamentos de Deus não serem obedecidos.
A justiça de Deus não ser respeitada.
A ira de Deus não ser temida.
A graça de Deus não ser desejada.
A presença de Deus não ser apreciada.
A pessoa de Deus não ser amada.
O problema do pecado, portanto, diz respeito ao coração — o coração que precisa ser regenerado. Piper continua:
Portanto, você pode colocar para descansar para sempre a noção de que seu pecado é principalmente o que você faz ou não faz. Não é principalmente o que você faz. É principalmente quem você é — até que você seja uma nova criatura em Cristo. E mesmo assim, para nós que nascemos de Deus, o pecado é um inimigo sempre-presente, um inimigo que vive dentro de nós a ser morto todos os dias pelo Espírito (Romanos 8.13).
Sem Cristo, o pecado não é um poder alienígena. O pecado é a nossa preferência por qualquer coisa em vez de Deus. O pecado é a nossa desaprovação de Deus. O pecado é a troca de sua glória por substitutos. O pecado é a nossa supressão da verdade de Deus. O pecado é a hostilidade do nosso coração a Deus. É quem somos no fundo do coração.
Pecado, portanto, é um problema não do comportamento, essencialmente, mas do coração. Logo, trata-se do pecado quando se trata do coração. Daí que Joel declarou em nome do SENHOR, versículos 12-13:
12Por isso, o SENHOR diz: “Voltem para mim de todo o coração, venham a mim com jejum, choro e lamento! 13Não rasguem as roupas em sinal de tristeza; rasguem o coração!”.
O pecado importa. Não simplesmente porque desumaniza e destrói pessoas e relacionamentos interpessoais, mas principalmente porque se trata de um desvio persistente e progressivo do coração para bem longe de Deus. Pense no adultério, por exemplo: De que maneira o adultério é um pecado contra Deus e não apenas destruição de relacionamento, desumanização ou desvio de comportamento?
O adultério (e qualquer outro pecado), em última instância, é a expressão de um coração que não honra a glória de Deus, não reverencia a santidade de Deus, não admira a grandeza de Deus, não louva o poder de Deus, não dá a mínima para a verdade de Deus, não valoriza a sabedoria de Deus, não estima a beleza de Deus, não saboreia a bondade de Deus, não confia na fidelidade de Deus, não crê nas promessas de Deus, não obedece os mandamentos de Deus, não respeita a justiça de Deus, não teme a ira de Deus, não deseja a graça de Deus, não aprecia a presença de Deus e não ama a pessoa de Deus.
A ADVERTÊNCIA PARA O DIA DO SENHOR
Esse é o tamanho da seriedade e a imensidão da profundidade do problema do pecado. Por isso disse o profeta (vs. 12-13): “Rasguem o coração. Voltem-se de coração rasgado para Deus.” Em outras palavras: ou se rasga o coração e se volta de coração rasgado para Deus ou se morre destruído pelo pecado e por todas as suas consequências despejadas sobre o pecador na forma de justos juízos de Deus.
Ainda mais sério que o problema do pecado é a paralisia do pecador. É ele achar que tudo está bem e que o pior de seus problemas é o dia do gafanhoto, isto é, pragas pestes, pandemias, desumanização e destruição. Não, o nosso maior problema não são os problemas que nós enfrentamos. O nosso maior problema é o justo juízo de Deus. Essa realidade — a do juízo de Deus — é o cerne da mensagem do capítulo 2 de Joel.
Recorde-se de como terminou o capítulo 1, versículos 19-20:
19Socorro, SENHOR! O fogo devorou os pastos do deserto, e as chamas queimaram as árvores do campo. 20Até os animais selvagens clamam a ti, pois os riachos secaram, e o fogo devorou os pastos do deserto.
Agora que ele tinha a atenção de toda a nação, Joel diz ao povo para parar de olhar para os gafanhotos, ouvir o som do alarme da trombeta e encarar o cumprimento do que a praga de gafanhotos realmente simbolizava — a chegada de um dia ainda muito mais feroz: o dia do SENHOR. Então, o profeta começa o capítulo dois com uma solene advertência, versículo 1:
Toquem a trombeta em Sião! Soem o alarme em meu santo monte! Que todos tremam de medo, pois está chegando o dia do SENHOR.
Joel estava dramatizando a aproximação do dia do SENHOR, soando a trombeta que anunciava a sua chegada. O alarme deveria fazer todos tremerem de medo, pois será terrível o dia do SENHOR. Como qualquer nação entrando em guerra, o toque da trombeta em Israel convocava o povo para a batalha (Nm 10.9).
Pior: A batalha seria no seu campo mais sagrado — Sião, o monte santo do SENHOR; local onde os judeus jamais imaginaram que seria destruído. Samaria, a capital nacional do reino do norte de Israel, tudo bem, ela poderia cair. Mas, Jerusalém? Jamais! Joel, no entanto, soa o alarme e adverte dizendo que o que parecia intocável e inviolável estava sim sob grande ameaça. Ainda pior: Deus mesmo, quem diria!, com todos os seus exércitos poderosos era quem marchava contra o monte Sião em Jerusalém. Sim, o guarda de Israel marcharia sobre Israel, seu povo. A cena é de tirar o fôlego!
A APARÊNCIA DO DIA DO SENHOR
Tendo soado o alarme, Joel tira os olhos de todos dos problemas imediatos causados pelos gafanhotos e demonstra com cores vivas como será o dia do SENHOR. O profeta parte da destruição que todos já conheciam pela praga, amplificando tudo de uma forma aterrorizante, colocada na perspectiva da grandeza do grande dia. Versículos 2-10:
A luz da justiça do dia do SENHOR
2É um dia de escuridão e trevas, um dia de densas nuvens e sombras profundas. Como o amanhecer se estende pelos montes, assim surge um grande e poderoso exército. Nunca se viu algo parecido, e nunca mais se verá.
O rastro de destruição deixado pelo dia SENHOR
3À frente deles o fogo arde, atrás deles vêm chamas. Diante deles a terra se estende, bela como o jardim do Éden. Atrás deles só há desolação; nada escapa.
O terror causado pelo dia do SENHOR
4Parecem cavalos, atacam como cavalos de guerra. 5Olhem para eles, saltando sobre o topo dos montes; ouçam o barulho que fazem, como o estrondo de carros de guerra, como o fogo crepitante que devora um campo cheio de palha, como um exército poderoso que avança para a batalha. 6O medo toma conta do povo; todo rosto fica pálido de terror.
A invencibilidade do dia do SENHOR
7Os agressores marcham como guerreiros e, como soldados, escalam os muros da cidade. Marcham sempre em frente, sem deixar suas fileiras. 8Não empurram uns aos outros; cada um se move na posição correta. Rompem as linhas de defesa, sem desfazer a formação. 9Atacam a cidade e correm ao longo de seus muros. Entram em todas as casas e sobem pelas janelas, como ladrões. 10A terra treme com seu avanço, e os céus estremecem. O sol e a lua escurecem, e as estrelas deixam de brilhar.
Dia terrível será o dia do SENHOR: justiça, destruição, terror, força e poder serão despejados sobre a terra. Agora veja o outro lado desta moeda. Deus usou gafanhotos, usaria nações vindas do norte (2.20) e tantos outros instrumentos humanos malignos para advertir, disciplinar e julgar seu próprio povo e as nações. Não é mesmo? Se é então, é possível ver também neste texto a força do pecado em ação: o juízo que ele chama sobre a nossa vida, o rastro de destruição que ele deixa para trás, o terror que ele causa por onde passa e o quão poderoso ele é, fazendo-nos sentir importantes.
Tudo aquilo Deus estava usando como advertência.
A AUDIÊNCIA DO DIA DO SENHOR
Por que aquela advertência? Por que o anúncio de tão grande e temível dia, o dia do SENHOR? Por que Deus faria uma coisa dessas contra seu próprio povo? Que Deus é esse que age dessa maneira? Ele não ama seu povo? Ele não é amor?
Aprendemos aqui sobre a seriedade do pecado: Deus vem para julgá-lo. Aprendemos também sobre a sedação do pecado: segamo-nos tanto para a realidade e a raiz do pecado que não conseguimos mais reagir. Inertes, vamos tocando a vida como bem entendemos. Temos a vida como garantia e Deus como credor.
O SENHOR, no entanto, com graça e amor, utiliza-se dos nossos piores momentos e de todos os sofrimentos possíveis, que ele mesmo envia sobre nós como seu exército, para nos advertir com ternos afetos de misericórdia. Ele diz: um dia pior se aproxima, o dia do SENHOR. Versículo 11:
O SENHOR está à frente de seu exército [nuvem de gafanhotos; todos os nossos problemas, sejam quais forem]; com um grito, ele o comanda. É seu exército poderoso e segue suas ordens. O dia do SENHOR é espantoso e terrível; quem poderá sobreviver?
Por que Deus age assim? É que muitas vezes simplesmente apelar para a nossa razão, já totalmente depravada e cauterizada pelo pecado, não será o bastante. Assim, teremos que ser e seremos movidos apenas pelo medo, pelo temor. É o que se tem em tela neste trecho do profeta Joel. “Quem poderá sobreviver?” (v. 11).
A audiência do SENHOR era o seu próprio povo. Deus o queria de volta. Antes, porém, de nos aprofundarmos nesse desejo de Deus pelo seu povo e como Deus o queria de volta, faremos bem, já que o nome de Deus poderá ser colocado em xeque, em observar como o SENHOR aqui se revela ao seu povo (e a nós).
O caráter de Deus
Pode-se encontrar em Joel 2 alguns aspectos do caráter de Deus que devem servir de encorajamento para que nos voltemos para o SENHOR com arrependimento e fé.
Deus é justo e ele fará justiça tanto ao pecado como ao pecador, mesmo que tenha que começar pelo seu próprio povo. Essa é a mensagem central do livro de Joel: Deus é justo e julgara com imparcialidade o pecado e o pecador. “Quem poderá sobreviver?” (v. 11).
Deus é forte e poderoso, e usará toda a sua força e poder para julgar com justiça. Ouça, mais uma vez o versículo 11: “O SENHOR está à frente de seu exército; com um grito, ele o comanda. É seu exército poderoso e segue suas ordens. O dia do SENHOR é espantoso e terrível; quem poderá sobreviver?
Mas há outros aspectos do caráter de Deus que são absolutamente cruciais para o nosso entendimento, especialmente na hora do sofrimento. Leia os versículos 12-14:
12Por isso [por ser justo, forte e poderoso], o SENHOR diz: “Voltem para mim de todo o coração, venham a mim com jejum, choro e lamento! 13Não rasguem as roupas em sinal de tristeza; rasguem o coração!”. Voltem para o SENHOR, seu Deus, pois ele é misericordioso e compassivo, lento para se irar e cheio de amor; está sempre pronto a voltar atrás e não castigar. 14Quem sabe ele mude de ideia e lhes envie bênção em lugar desse castigo. […]
Ao mesmo tempo que ele é justo, forte e poderoso, Deus é também misericordioso e compassivo. Paulo, que conhecia como poucos a justiça de Deus (veja, por exemplo, seu tratado em Romanos), aos coríntios escreveu sobre o SENHOR (2Co 1.3-4): “Pai misericordioso e Deus de todo encorajamento. Ele nos encoraja em todas as nossas aflições”. William Cowper (1731-1800), poeta e compositor cristão inglês, que soube como poucos o que é sofrer com depressão, escreveu que “o homem pode descartar a compaixão de seu coração, mas Deus nunca o fará.”
A Moisés, Deus revelou a si mesmo, revelou o seu próprio nome, conectando em um só justiça, amor e compaixão, da mesma forma que Joel (2.13) o revelou. Êxodo 34.5-7:
5Então o SENHOR desceu em uma nuvem, ficou ali com Moisés e anunciou seu nome, Javé. 6O SENHOR passou diante de Moisés, proclamando: “Javé! O SENHOR! O Deus de compaixão e misericórdia! Sou lento para me irar e cheio de amor e fidelidade. 7Cubro de amor mil gerações e perdoo o mal, a rebeldia e o pecado. Contudo, não absolvo o culpado;
Compaixão e misericórdia se revelam a nós da parte de Deus de diversas maneiras: dando-nos o que não merecemos, concedendo-nos além do que precisamos e assim por diante. Mas ele também demonstra graça, compaixão e misericórdia impedindo-nos de fazer o que nos destruiria, acordando-nos, corrigindo-nos, chamando-nos de volta para si mesmo, dizendo-nos não, por esse caminho não… usando o dia do gafanhoto como sombra do dia do SENHOR, alertando-nos (Joel 2.12-14):
12Por isso [por ser justo, forte e poderoso], o SENHOR diz: “Voltem para mim de todo o coração, venham a mim com jejum, choro e lamento! 13Não rasguem as roupas em sinal de tristeza; rasguem o coração!”. Voltem para o SENHOR, seu Deus, pois ele é misericordioso e compassivo, lento para se irar e cheio de amor; está sempre pronto a voltar atrás e não castigar. 14Quem sabe ele mude de ideia e lhes envie bênção em lugar desse castigo. […]
“Espere um pouco!”, alguém poderá dizer, “Deus está sempre pronto para voltar atrás (v. 13)? Quem sabe ele mude de ideia (v. 14)? Deus muda de ideia?” Não, Deus não muda de ideia no sentido em que nós mudamos. Deus é imutável. Números 23.19:
Deus não é homem para mentir, nem ser humano para mudar de ideia. Alguma vez ele falou e não agiu? Alguma vez prometeu e não cumpriu?
E ainda, 1Samuel 15.29:
E aquele que é a Glória de Israel não mente nem se arrepende, pois não é ser humano para se arrepender!”.
Deus é imutável, mas Deus não é imóvel. Como assim?
Louis Berkhof, renomado teólogo reformado, escreveu em sua Teologia Sistemática que “a imutabilidade divina não deve ser entendida como implicação para a imobilidade, como se não houvesse movimento em Deus. É até costumeiro em teologia falar de Deus como actus purus, um Deus que está sempre em ação.” Pois bem, o que vemos em Joel é um Deus, cujo propósito de buscar e salvar os seus que se perderam no pecado é imutável, cujo propósito em salvar os seus que se arrependem e se voltam para ele com fé está sempre em pé. Sendo assim, fazia parte do plano imutável de Deus que aqueles que ouvissem a mensagem de Joel, humilhassem-se, orassem e se convertessem de seus maus caminhos, então o SENHOR os ouviria dos céus, perdoaria seus pecados e restauraria sua terra (2Cr 7.14).
Deus não muda seus propósitos eternos, mas na medida em que muda a nossa situação, através de nossa resposta positiva à graça, misericórdia e compaixão do SENHOR, então o que Deus faz no curso da ação que ele toma em nossa direção parece sim mudar em nosso favor. Isto é, na medida em que abandonamos a rebeldia e nos voltamos a ele com humildade, arrependimento e fé, Deus não muda seu propósito de salvar, mas nós mudamos sim o rumo de nossa vida. Isto se chama conversão.
Era propósito de Deus, ao enviar a nuvem de gafanhotos, colher o bem do seu povo. A praga era apenas o soar da trombeta de advertência divina. Agora, note bem o que Joel de fato disse aqui no texto (2.14): “Quem sabe ele [o SENHOR] mude de ideia”. Joel não disse que Deus mudará de ideia, mas que ele poderá mudar de ideia — “Quem sabe ele mude de ideia”. Percebeu? O profeta apenas disse que Deus poderá mudar. Não há sequer uma promessa de que se eles mudarem de ideia Deus também mudará de ideia. Deus não está obrigado a nada que fazemos ou deixamos de fazer. Joel estava tão somente destacando a possibilidade de Deus aplicar graça, misericórdia e compaixão.
Graça é o favor imerecido de Deus despejado sobre nós, não apenas no sentido de perdoar nossos erros, demonstrando-nos misericórdia, mas também no sentido de estender sobre nós seu favor sem que tenhamos qualquer mérito para requerer qualquer favor de Deus. De fato, o que temos são deméritos que o desencorajariam a dispensar qualquer favor sobre a nossa vida. J. I. Packer usa a ilustração de um ladrão entrando na nossa casa para roubar, mas nós o pegamos e o rendemos. Nós podemos perdoá-lo, bem como demonstrar a ele misericórdia. Digamos que nos voltemos ao ladrão já perdoado e perguntamos a ele se está com fome ou com sede, sentamos o sujeito à nossa mesa de jantar e o servimos com generosidade. Isto, diz Packer, é graça.
Sem os méritos necessários e até mesmo com todos os deméritos comprovados pelo modo como nós sentimos e vivemos, Deus graciosamente demonstra misericórdia e compaixão por nós, pois “quando ainda éramos inimigos de Deus nosso relacionamento com ele foi restaurado pela morte de seu Filho” (Rm 5.10). Em Cristo, portanto, Deus a nós se revelou justo (pregando Jesus na cruz no nosso lugar) e ao mesmo tempo justificador (oferecendo-nos o sacrifício de Cristo).
Joel nos apresenta Deus como sendo justo, forte e poderoso, ao mesmo tempo que ele o apresenta a nós “misericordioso e compassivo, lento para se irar e cheio de amor; […] sempre pronto a voltar atrás e não castigar. Quem sabe ele mude de ideia e lhes envie bênção em lugar desse castigo.” (Joel 2.13-14).
Agora, para aqueles que ainda acham difícil engolir o amor de Deus, tendo em vista a praga de gafanhotos, pense por um instante: Que inimigo de verdade faria qualquer advertência, qualquer anúncio prévio antes de chegar? Tal pessoa chegaria destruindo, sem nenhum tipo de sinal ou alarme. Deus, no entanto, graciosamente adverte: tire os olhos do dia do gafanhoto, coloque seus olhos no dia do SENHOR que se aproxima.
O retorno do povo de Deus
Joel desejava que o povo enxergasse a oportunidade que Deus os estava dando para arrependimento. Verso 12:
Por isso [por causa da justiça, força e poder do SENHOR demonstrados na praga de gafanhotos], o SENHOR diz: “Voltem para mim de todo o coração, venham a mim com jejum, choro e lamento!”
Joel desejou que o povo, como já vimos, também enxergasse a possibilidade que Deus estava dando de arrependimento. Versos 13-14:
13Não rasguem as roupas em sinal de tristeza; rasguem o coração!”. Voltem para o SENHOR, seu Deus, pois ele é misericordioso e compassivo, lento para se irar e cheio de amor; está sempre pronto a voltar atrás e não castigar. 14Quem sabe ele mude de ideia e lhes envie bênção em lugar desse castigo. Talvez possam apresentar ofertas de cereal e vinho ao SENHOR, seu Deus, como faziam antes.
Joel, por fim, desejava que o povo enxergasse a urgência do arrependimento. Versículos 15-17. Note a seguir sete imperativos despejados sobre o povo, oferecendo direções específicas a todos, sendo que nenhum deles dizia respeito à praga de gafanhotos em si, mas a atitudes de um coração que precisava ser rasgado diante de Deus.
15Toquem a trombeta em Sião! Convoquem um tempo de jejum, juntem o povo para uma reunião solene. 16Reúnam e consagrem todo o povo, os anciãos, as crianças e até os bebês. Chamem o noivo de seu aposento e a noiva, de seu quarto. 17Que os sacerdotes, que servem na presença do SENHOR, chorem entre o pórtico do templo [santo dos santos] e o altar [local do sacrifício]. Que façam esta oração: “Poupa teu povo, SENHOR! Não permitas que a nação que pertence a ti se torne objeto de zombaria. Não deixes que seja motivo de piada para as nações que dizem: ‘Onde está o seu Deus?’”.
Observe: Todos deveriam lamentar e se voltar para o SENHOR, dos sacerdotes aos bebês (vs. 16-17). Nada poderia atrapalhar ou impedir a conversão do coração, nem mesmo a alegria do noivo e da noiva horas antes da cerimônia do casamento (v. 15). Mesmo com o sacrifício já tendo sido oferecido no altar, enquanto se caminhava do altar até a presença de Deus no lugar santíssimo, deveria haver arrependimento de coração (v. 17).
CORAÇÃO RASGADO: O DIA DO SENHOR
O dia do SENHOR tem sido antecipado ao longo da história humana de formas as mais variadas, em maior ou menor escala, tanto em nível global como individual: terremotos, secas, enchentes, tsunamis, deslizamentos de terras, pestes, pragas, pandemias, fome, carestia, tragédias, mortes, crimes, injustiças, tiranias, etc. Porém, a ocorrência real do dia do SENHOR será única e terrível para o pecador. Sim, Cristo virá para para julgar os vivos e os mortos. Quando ele voltar, o tempo e a terra nunca mais serão os mesmos.
Enquanto isso, o SENHOR chama a sua e a minha atenção com pragas e pestes, perdas e privações, perigos e pandemias… em todas essas coisas ele, graciosa e amorosamente, toca a trombeta e soa o alarme (2.1). O desejo do SENHOR é que todos temam, tremam e se voltem para ele com o coração rasgado: com arrependimento e lamento pelo pecado (2.12-13).
Arrependimento e lamento pelo pecado! Práticas, infelizmente, tragicamente, tão em desuso no mundo, inclusive entre o povo de Deus! Quem se atreveria em dizer que um dos objetivos principais do cristianismo é levar o povo de Deus às lágrimas de arrependimento e lamento pelo pecado? Quem diria que a fé em Cristo tem como propósito rasgar nosso coração? Pois é, de fato é, 2Coríntios 7.10-11:
10Porque a tristeza que é da vontade de Deus conduz ao arrependimento e resulta em salvação. Não é uma tristeza que causa remorso [perder a aprovação de Deus e, consequentemente, privilégios humanos ou terrenos]. Mas a tristeza do mundo [remorso por se ter perdido a aprovação das pessoas] resulta em morte [julgamento divino]. 11Vejam o que a tristeza que vem de Deus produziu em vocês! Trouxe dedicação, defesa de suas ações, indignação, temor, desejo de me ver, zelo e prontidão em punir a injustiça. Vocês mostraram que fizeram todo o necessário para corrigir a situação.
Sim, coração rasgado dói muito. Mas sem coração rasgado, sem choro de arrependimento de verdade, sem tristeza que resulta em salvação e transformação, ninguém será consolado pela vinda do SENHOR (Mt 5.4). Portanto, deixe a mão de Deus rasgar seu coração, levando-o com arrependimento e lamento para os pés de Cristo. Pode ser que você nunca tivesse chegado ou nunca chegará a Cristo para salvação sem que antes seu coração seja rasgado pelas perdas e danos desta vida.
O valor do coração rasgado está em se voltar de coração para nosso Deus e Salvador Jesus Cristo.
S.D.G. L.B.Peixoto
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