09.09.2018
A ESCASSEZ QUE ME ABRE OS OLHOS
João 6.22-29
22No dia seguinte, a multidão que tinha ficado do outro lado do mar viu que os discípulos haviam pegado o único barco dali e que Jesus não fora com eles. 23Alguns barcos de Tiberíades se aproximaram do lugar onde o povo tinha comido os pães depois que o Senhor os abençoou. 24Quando a multidão viu que nem Jesus nem os discípulos estavam ali, todos entraram nos barcos e atravessaram para Cafarnaum, a fim de procurá-lo. 25Encontraram-no do outro lado do mar e lhe perguntaram: “Rabi, quando o senhor chegou aqui?”. 26Jesus respondeu: “Eu lhes digo a verdade: vocês querem estar comigo não porque entenderam os sinais, mas porque lhes dei alimento. 27Não se preocupem tanto com coisas que se estragam, como a comida, mas usem suas energias buscando o alimento que permanece para a vida eterna, o qual o Filho do Homem pode lhes dar. Pois Deus, o Pai, colocou em mim seu selo de aprovação”. 28“Nós também queremos realizar as obras de Deus”, disseram eles. “O que devemos fazer?” 29Jesus lhes disse: “Esta é a única obra que Deus quer de vocês: creiam naquele que ele enviou”.
Quando a escassez faz sofrer
Escassez é uma daquelas palavras que vira e mexe está em alta. Atualmente, temos ouvido e falado de todo tipo de escassez: escassez de dinheiro, escassez na economia, escassez de água, escassez de alimentos, escassez de recursos naturais, escassez de segurança, escassez de gente honesta, de amor, de boa-vontade, escassez de sonhos etc.
A escassez surge quando as necessidades humanas se despontam e, por outro lado, os recursos disponíveis — sejam eles humanos, éticos, ideológicos ou materiais — se acham limitados ou escassos. Logo, a vontade de se ter ou de se resolver alguma coisa encontra-se sempre à frente, sempre além das possibilidades de produção ou de realização. Viver na escassez é sempre desconfortável, quando não é sofrido, muito sofrido. Em meu caso, infância e adolescência foram anos de desconforto, em virtude da escassez de recursos financeiros.
Cresci num lar de classe média baixa, muito baixa mesmo. Não chegava ao nível da pobreza, mas com renda baixa o bastante para fazer qualquer criança se sentir, de alguma forma, inferior em relação aos amiguinhos com maior poder de compra. A maior parte da minha infância foi vivida em barracões onde morávamos no Setor Coimbra (edículas, como se diz em São Paulo). Morávamos de aluguel, bancado pela mãe de minha mãe.
Quando, finalmente, saímos do aluguel, fomos morar noutro barracão, agora da vovó Frauzina, ali na Rua Rio Verde, n. 1.104, Setor Campinas. Vovó alugava para terceiros a casa da frente e nós lá de casa morávamos nos fundos. Foi um trauma, nem tanto por ser outro barracão, mas ter que deixar os amigos do Coimbra e fazer novas amizades em Campinas. Até hoje tenho pesadelos com o barracão e a casa da Rio Verde.
Uma das lembranças daqueles tempos de infância, adolescência e início da juventude que trago na memória é de meu pai chegando em casa mal-humorado e reclamando do trabalho e da falta de dinheiro. Minha mãe, todo final e começo de mês, sentada na beira da cama, com recibos de compras espalhados pelo colchão, um caderninho no colo e caneta na mão, fazendo contas, sempre reclamando que, mais uma vez, o dinheiro não daria para nada. E assim eu cresci, na escassez de recursos financeiros.
Mãezinha (como eu, carinhosamente, sempre a chamei) vivia mal-humorada, brigando e gritando comigo e com meus irmãos, além de viver enchendo a cabeça do papai por falta de dinheiro. Papai, por sua vez, diariamente chegava bêbado em casa, reclamando do trabalho, da falta de dinheiro e da encheção da mãezinha. Hoje eu sei que a raiz do problema não era o dinheiro escasso, mas o coração pecaminoso. No entanto, é fato que a escassez financeira alimentava a chama ardente do pecado no coração de meus pais, respingando em mim, nos meus irmãos e nos cachorros: Benji, Kissy e Ully.
A escassez pode nos fazer sofrer e sofrer muito, mas ela pode também abrir nossos olhos para aquilo que de fato é a vida e como realmente devemos vivê-la. É disso que tratará o nosso texto para hoje: João 6.22-29.
A escassez de sentido
João 6 começa falando de escassez de dinheiro, de recursos e de comida para alimentar uma multidão de pessoas famintas de tanto andar atrás de Jesus (vv. 5-9). Então, compadecido de todos, o Senhor fez um milagre e alimentou, de uma só vez, mais de cinco mil pessoas (vv. 10-13). Ele queria ensinar que sua presença é que nos sustenta.
A seguir, encontramos os discípulos atravessando o mar, rumo a Cafarnaum. E de novo o que temos é uma situação de escassez. Os discípulos ficaram escassos de bom-tempo para a navegação e, consequentemente, escassos de segurança e de paz, posto que se encontravam à deriva no mar revolto pelos ventos da tormenta iminente. Jesus, então, anda sobre as águas, vai ao encontro deles, entra no barco e os conduz sãos e salvos à Cafarnaum (vv. 16-21). Ele queria ensinar que sua presença é salvação.
Do outro lado do mar, após atravessarem o temporal, Jesus e seus discípulos estavam estudando as Escrituras na sinagoga de Cafarnaum (v. 59), quando a multidão que comeu dos pães e peixes até se fartarem, finalmente, o reencontrou e começou a indagá-lo sobre como ele havia conseguido chegar a Cafarnaum. Observe (Jo 6.22-25):
22No dia seguinte, a multidão que tinha ficado do outro lado do mar viu que os discípulos haviam pegado o único barco dali e que Jesus não fora com eles. 23Alguns barcos de Tiberíades se aproximaram do lugar onde o povo tinha comido os pães depois que o Senhor os abençoou. 24Quando a multidão viu que nem Jesus nem os discípulos estavam ali, todos entraram nos barcos e atravessaram para Cafarnaum, a fim de procurá-lo. 25Encontraram-no do outro lado do mar e lhe perguntaram: “Rabi, quando o senhor chegou aqui?”.
A escassez que agora se vê é a de significadopara viver. Escassos de sentido para a vida, essa multidão se agarra aos detalhezinhos, especulando o Senhor da glória em busca de alguma novidade que os pudesse entreter. Observe:
Mestre Jesus, não temos nada com isso, mas como o senhor conseguiu chegar? Os Doze pegaram o único barco disponível ao entardecer de ontem e sabemos que o senhor não embarcou com eles naquela embarcação. Depois, nos barcos que chegaram de Tiberíades, nós mesmos embarcamos para cá e, de novo, o senhor também não embarcou. Estranho! Quem trouxe o Senhor? Como o Senhor chegou até Cafarnaum? Quando o senhor chegou aqui?
Gente escassa de sentido para viver encontra prazer em conversas desnecessárias, em palavras ao vento, bisbilhotando a vida dos outros, buscando respostas que não somam nada à vida de ninguém, sofismando (i.e., argumentando com o objetivo de produzir uma ilusão da verdade), falando sem pensar para não ter que ouvir, verbalizando irrefletidamente para não ter que refletir. Não é por acaso que telenovelas, reality shows, sites ou aplicativos de relacionamentos e redes sociais façam tanto sucesso na atualidade. É entretenimento indispensável para gente escassa de sentido para viver.
A escassez que me abre os olhos
Vimos, em mensagens anteriores, que a escassez serve como oportunidade para o crescimento: na falta de pão(Jo 6.1-15), Jesus revelou que a sua presença é sustento; na falta de segurança e de paz(Jo 6.16-21), Jesus mostrou que a sua presença é salvação. Agora, na falta de saber pelo que viver, Jesus ensinará pelo que de fato nós devemos trabalhar; ele esclarecerá que a sua presença traz sentidopara tudo (Jo 6.22-29). Por isso é que ele alerta a multidão, dizendo (Jo 6.27, Nova Almeida Atualizada — NAA):
Trabalhem, não pela comida que se estraga, mas [trabalhe] pela que permanece para a vida eterna, a qual o Filho do Homem dará a vocês; […]
Jesus está, nessa passagem do Evangelho, abrindo os olhos da multidão cansada de tanto correr atrás de algum sentido, revelando-a pelo que de fato ela deveria viver. Dessa forma, ele escancara três verdades: 1 – o jugoda escassez de sentido (vv. 22-26); 2 – o jogoda escassez de sentido (v. 27a); e 3 – a joiada escassez de sentido (vv. 27-29).
1. O jugo da escassez de sentido (vv. 22-26)
As palavras de João, contando-nos os fatos e a fala de Jesus, são profundas; revelam-nos o que estava muito bem escondido lá no fundo do coração daquela gente, escravizando-a, subjugando-a, levando-a à exaustão atrás de satisfazer seus desejos:
22No dia seguinte, a multidão que tinha ficado do outro lado do mar viu que os discípulos haviam pegado o único barco dali e que Jesus não fora com eles. 23Alguns barcos de Tiberíades se aproximaram do lugar onde o povo tinha comido os pães depois que o Senhor os abençoou. 24Quando a multidão viu que nem Jesus nem os discípulos estavam ali, todos entraram nos barcos e atravessaram para Cafarnaum, a fim de procurá-lo. 25Encontraram-no do outro lado do mar [na sinagoga de Cafarnaum v. 59] e lhe perguntaram: “Rabi, quando o senhor chegou aqui?”.
No dia anterior, haviam comido até se fartar (vv. 11-12). Dormiram e, no dia seguinte, acordaram com fome de novo! Procuraram por Jesus e, não o encontrando por perto (ali no mesmo lugar do milagre do dia anterior, vv. 22-23), entraram nalguns barcos que vieram de Tiberíades e cruzaram o mar até chegarem a Cafarnaum (v. 24). Aportaram, correram até a sinagoga (v. 59) e questionam o Senhor (v. 25).
Por quê? O que as movia? Seria fé? Seria devoção ou piedade? Parece que não! Aliás, longe disso, bem longe disso! A resposta do Senhor é penetrante. Ouça (Jo 6.26):
26Jesus respondeu: “Eu lhes digo a verdade: vocês querem estar comigo [estão me procurando] não porque entenderam os sinais, mas porque lhes dei alimento.
Note que Jesus nem se dá ao luxo de respondê-los, conforme a ele foi perguntado no verso 25: “Rabi, quando o senhor chegou aqui?”. Jesus não lhes conta o que aconteceu, i.e.:
Ora, eu estava orando, sozinho no monte, com meus olhos fixos nos Doze, atento a cada movimento deles, e quando vi que eles estavam em apuros, remando e remando com força sem conseguir chegar a lugar nenhum por causa da tempestade, eu vim andando sobre as águas ao socorro deles, entrei no barco, acalmei a tempestade e todos chegamos sãos e salvos a Cafarnaum. Por quê? O que mais vocês querem saber?
Jesus não conta o ocorrido. Antes, confronta-os com a verdade. A razão era que ele se importava o bastante com eles para mantê-los sob o jugo da vida sem sentido que viviam — escravos de seus desejos mais profundos (e reais), buscando um operador de milagrespara fazer mais pães e peixes que pudessem matar a fome deles de comida que perece ou estraga; caçando um realizador de maravilhas que os entretece com novidades poderosas a cada momento (v. 27).
Assim caminha o ser humano. Sem um sentido maior pelo qual viver, ele se guia pelos impulsos do corpo, pelos desejos corrompidos do coração, à deriva no mar revolto do pecado; recorrem a Deus, mas a ele vão para pedirem mal e esbanjarem em seus prazeres (Tg 4.3). Assim é que se gasta o que se tem e o que não se tem em busca de prazeres que não sustentam nem satisfazem (Is 55.2); prazeres que no dia seguinte nos deixam com ainda mais fome, fazendo-nos voltar aos mesmos lugares em busca do prazer de pão e peixe em doses ainda maiores. Olhe de novo para o texto de João e note como a multidão atrás de Jesus se parece com um bando de adictos (Jo 6.22-26):
22No dia seguinte, a multidão que tinha ficado do outro lado do mar viu que os discípulos haviam pegado o único barco dali e que Jesus não fora com eles. 23Alguns barcos de Tiberíades se aproximaram do lugar onde o povo tinha comido os pães depois que o Senhor os abençoou. 24Quando a multidão viu que nem Jesus nem os discípulos estavam ali, todos entraram nos barcos e atravessaram para Cafarnaum, a fim de procurá-lo. 25Encontraram-no do outro lado do mar e lhe perguntaram: “Rabi, quando o senhor chegou aqui?”. 26Jesus respondeu: “Eu lhes digo a verdade: vocês querem estar comigo [estão me procurando] não porque entenderam os sinais, mas porque lhes dei alimento [ficaram satisfeitos com o que lhes dei].
É o jugo da escassez de sentido. Gastam e fazem o que for preciso, o que têm e o que não têm para se satisfazerem mais uma vez, sem se darem conta de quão escravos são de seus próprios prazeres. Vivem sempre por um gole a mais, um trago a mais, uma cheirada a mais, uma picada a mais, uma noite a mais, uma compra a mais, um prato a mais, uma relação mais… sempre querendo mais e mais e ainda mais para preencher a falta de sentido ou de um prazer superior que possa bancar a vida insuportavelmente escassa de sentido e de prazer.
2. O jogo da escassez de sentido (vv. 27a)
Além do jugo da escassez de sentido, Jesus atacou o jogo da escassez de sentido (v. 27a):
(NVT) Não se preocupem tanto com coisas que se estragam, como a comida, […]
(Nova Almeida Atualizada)Trabalhem, não pela comida que se estraga, […]
Obviamente que Jesus não está aqui condenando o trabalho. Afinal, ele mesmo declarou que “quem trabalha merece seu salário”(Lc 10.7). Paulo foi além e ensinou que “quem não quiser trabalhar não deve comer”(2Ts 3.10). E aos Efésios, o apóstolo deixou bem claro a nobreza e um dos principais propósitos do nosso trabalho (Ef 4.28):
Quem é ladrão, pare de roubar. Em vez disso, use as mãos para trabalhar com empenho e honestidade e, assim, ajudar generosamente os necessitados.
Se Jesus não está condenando o trabalho, o que ele quer, de fato, dizer com “trabalhem, não pela comida que se estraga (perece)”(Jo 6.27)? O Senhor está dizendo o seguinte: vivam, trabalhem, mas não pelo que é perecível ou passageiro como pão, roupa, casa, carro, sustento familiar, educação de filhos, férias, lazer, status, final de semana, aposentadoria ou qualquer outra coisa em geral que não remeta à uma dimensão eterna.
Em outras palavras, qualquer coisa que pereça, desgaste ou estrague, qualquer coisa sem valor eterno — tudo isso está implícito em “comida que perece”ou “comida que se estraga”— não é digno do nosso labor ou trabalho, não é digno de nossa preocupação principal. Noutro texto, Jesus disse assim (Mt 6.32-33):
32Essas coisas [o amanhã, comida, bebida e vestimenta, v. 27 e 31] ocupam o pensamento dos pagãos, mas seu Pai celestial já sabe do que vocês precisam. 33Busquem, em primeiro lugar, o reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas lhes serão dadas.
A lição é: não podemos buscar no trabalho, em última instância, salvação, sustento, sentido e significado para a vida, o que seria idolatria. Salvação, sustento, sentido e significado encontramos de fato e de verdade apenas no Senhor Jesus Cristo.
Realmente, a comida vem do suor do trabalho, mas, como Jesus mesmo nos ensinou a orar e pedir, o “pão nosso de cada dia”nos é dado pelo Senhor (Mt 6.11). Deus éo nosso sustento. O trabalho não passa de um meiopara o sustento. Trabalho nãoé fim, émeio. Deus é o fim e a fonte de tudo o que recebemos do suor do nosso trabalho:
Atos 14.17 (NVT) |Ele lhes concede chuvas e boas colheitas, e também alimento e um coração alegre.
Atos 17.25 (NVT) |Ele mesmo dá vida e fôlego a tudo, e supre cada necessidade.
Escassos de sentido, o ser humano transformou o trabalho em algo que somente Deus pode dar: salvação, sustento, satisfaçãoe significado plenos. Se é Deus quem dá “um coração alegre”(At 14.17), logo, não será o trabalho que nos irá satisfazer plenamente. Se é em Deus que nós “vivemos, nos movemos e existimos”(At 17.28), não será no trabalho que nós encontraremos salvação, significado, satisfação ou sentido. Salomão disse assim:
Eclesiastes 2.24-25 (NVT) |24Por isso, concluí que a melhor coisa a fazer é desfrutar a comida e a bebida e encontrar satisfação no trabalho. Percebi, então, que esses prazeres vêm da mão de Deus. 25Pois quem pode comer ou desfrutar algo sem ele?
O jogo da escassez de sentido faz o ser humano correr atrás de tudo aquilo que somente Deus, em Cristo, pode dar. Movidos pela cobiça e pela inveja (Ec 4.4), quantos não são os que trabalham duro (como quem corre atrás do vento), construindo naquilo que fazem a sua identidade, buscando no emprego o seu grande barato e prazer, cavando na carreira as suas realizações… para no fim de cada dia ou etapa da vida descobrir que tudo não passou de enfado e canseira! Salomão que nos diga:
Eclesiastes 5.16-17 (NVT) |16Isto também é um grande mal: as pessoas vão embora deste mundo como vieram. Todo o seu esforço é inútil, como trabalhar para o vento. 17Passam a vida sob uma nuvem escura de frustração, doença e indignação.
Saia desse jogo. Jogue as cartas na mesa e corra. Não trabalhe pela comida que se estraga ou que parece. Pare de correr atrás do vento. Mas, como?
3. A joia da escassez de sentido (vv. 27-29)
Além do jugo da escassez de sentido e do jogo da escassez de sentido, Jesus escancara a joia da escassez sem sentido, dizendo assim:
27Não se preocupem tanto com coisas que se estragam, como a comida, mas usem suas energias buscando o alimento que permanece para a vida eterna, o qual o Filho do Homem pode lhes dar. Pois Deus, o Pai, colocou em mim seu selo de aprovação”. 28“Nós também queremos realizar as obras de Deus”, disseram eles. “O que devemos fazer?” 29Jesus lhes disse: “Esta é a única obra que Deus quer de vocês: creiam naquele que ele enviou”.
A lição de Jesus não está na negação do trabalho, pois ele não condena o trabalho per si (Lc 10.7, o trabalhador é digno do seu salário); a lição está na afirmação daquilo pelo que de fato se deve trabalhar: a comida que permanece para a vida eterna (Jo 6.27).
Quando as pessoas foram procurar Jesus, no dia seguinte ao milagre, ele as acusou, no versículo 26, de não terem ido a ele porque viram sinais, mas porque comeram o suficiente para se fartarem. Em outras palavras, eles não tinham sensibilidade espiritual o bastante para perceberem que o milagre de Jesus apontava para além do fato em si mesmo, apontava para o alimento espiritual que as pessoas tanto precisam e que Jesus veio dar. Para usar a linguagem do apóstolo Paulo, aquelas pessoas fixaram a mente nas coisas da carne, não nas coisas do Espírito (Rm 8.5). Então, o que é, e como se trabalha pela comida que não perece?
Trabalhar pela comida que não perece é fixar os olhos com fénas coisas que o Senhor promete ser e nos dar em Cristo (v. 27 e 29), ou seja: 1 – a bênção da vida eterna(“o alimento que permanece para a vida eterna”, v. 27) e 2 – a beleza da glória de Cristo(“o qual o Filho do Homem pode lhes dar. Pois Deus, o Pai, colocou em mim seu selo de aprovação”, v. 27), tudo recebido pela fé(“Esta é a única obra que Deus quer de vocês: creiam naquele que ele enviou”, v. 29).
Adiante, neste mesmo capítulo de João, Jesus esclareceu melhor o que significa trabalhar dessa maneira, dizendo assim (Jo 6.35-36 e 51-53):
35Jesus respondeu: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim nunca mais terá fome. Quem crê em mim nunca mais terá sede. 36Mas vocês não creram em mim, embora me tenham visto. […] 51Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Quem comer deste pão viverá para sempre; e este pão, que eu oferecerei para que o mundo viva, é a minha carne”. 52Então os judeus começaram a discutir entre si a respeito do que ele queria dizer. “Como pode esse homem nos dar sua carne para comer?”, perguntavam. 53Então Jesus disse novamente: “Eu lhes digo a verdade: se vocês não comerem a carne do Filho do Homem e não beberem o seu sangue, não terão a vida em si mesmos.
Jesus deixa claro que trabalhar pelo pão ou comer o pão vivo que desceu do céu significa nutrir nossa alma com os benefícios da morte expiatória de Cristo. Nós não simplesmente nos achegamos e cremos em um homem amoroso. É mais do que isso. Colocamos todas as nossas esperanças no perdão que ele comprou para nós ao dar a vida por nós pecadores. O versículo 53 chega a dizer que devemos comer sua carne e beber seu sangue. Como? Parece difícil de entender, mas não é. Quer ver uma coisa?
Quando leem um bom livro, como as pessoas costumam falar? Elas dizem algo mais ou menos assim: “Eu estou comendo esse livro!”; ou ainda, “Eu devorei aquele livro!”. Quando teve uma aula muito boa ou uma palestra ou um sermão que encantou, como você costuma se expressar aos amigos? É mais ou menos assim: “Gente do céu, eu bebi daquele professor; bebi de balde!”; ou ainda, “Aquele pastor [aquele palestrante] deu de balde para beber. Foi muito bom!”Não é assim? E o que se está dizendo ao se falar assim?
É uma forma de dizer que você não apenas concordou e creu no que foi dito, mas que você também se nutriu com aquilo, deliciou-se com o conteúdo, alimentou-se do ensinamento, nutriu seu coração de uma forma que te satisfez com delícias e prazeres. Pois bem, quando Jesus diz que devemos comer da sua carne e beber de seu sangue, ele está dizendo algo parecido. Ou seja: Jesus está dizendo que a morte dele na cruz, o que lhe custou no Calvário para comprar a nossa salvação — seu corpo, seu sangue, sua vida — é alimento espiritual, isto é, informa a mente e encanta o coração. E de tudo isso nós nos apropriamos, nós comemos, nós bebemos pela fé.
Agora sim! Estamos em melhor condição para compreender a joia da escassez de sentidopara viver. Veja, de novo, o texto (Jo 6.27-29):
27Não se preocupem tanto com coisas que se estragam, como a comida [não se encante com isso, não busque nisso significado, salvação, satisfação ou sentido], mas usem suas energias buscando o alimento [a carne e o sangue de Cristo, a obra de Cristo no Calvário] que permanece para a vida eterna, o qual o Filho do Homem pode lhes dar. Pois Deus, o Pai, colocou em mim seu selo de aprovação [Jesus é que deve ser o nosso encanto, ele é Deus que se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade!]”. 28“Nós também queremos realizar as obras de Deus”, disseram eles. “O que devemos fazer?” 29Jesus lhes disse: “Esta é a única obra que Deus quer de vocês: creiam naquele que ele enviou [olhe com fé para a pessoa e obra de Jesus; encante-se com isso, trabalhe por isso, busque isso com todas as suas energias]”.
Mas, como? J. C. Ryle foi muito didático e preciso. Cito-o a seguir:
Como, então, devemos trabalhar [pela comida que permanece para a vida eterna]? Existe apenas uma resposta. Devemos nos esforçar a fim de utilizar todos os meios designados por ele. Precisamos ler nossas Bíblias como quem procura um tesouro escondido e lutar com sinceridade em oração, como alguém que luta pela vida contra um inimigo mortal. Temos de ir à casa do Senhor com um coração sincero, para adorá-lo e ouvir sua Palavra, como alguém que ouve a leitura de um testamento. Devemos lutar diariamente contra o pecado, o mundo e o diabo, como alguém que luta pela liberdade e precisa vencer, pois, do contrário, será escravizado. É assim que devemos viver, se queremos encontrar Cristo e ser achados por ele. É isso que significa “Trabalhem, não pela comida que se estraga, mas pela que permanece para a vida eterna”. Esse é o segredo de sermos vitoriosos quanto à nossa alma.
Ou seja: Palavra, oração, pregação, comunhão na igreja e luta diária contra o pecado. É assim que se trabalha pela comida que permanece para a vida eterna.
A escassez que me abre os olhos
Você sofre com a escassez? O que lhe falta? Sinceramente, o que lhe falta? De que você se considera escasso? Satisfação? Sentido? Significado? Salvação? Segurança? Socialização? De fato, é disso que realmente sentimos falta e por isso corremos, trabalhamos, damos duro para obter comida que perece; isto é, os prazeres insuficientes e passageiros desta vida.
A escassez revela que nada daquilo pelo que trabalhamos de fato nos saciará. Cristo é que é pão. Cristo é que é presença. Cristo é que é tudo de que precisamos.
Coma de Cristo, beba de Cristo pela fé. Olhe para a cruz. Veja o preço que ele pagou — o justo no lugar do injusto — para nos salvar. Ele morreu. Foi sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia. Subiu aos céus. Está agora à direita de Deus Pai, preparando morada eterna para todos quantos creem no seu nome; para todos quantos comem e bebem dele, saciam-se nele, socializam-se com ele e dele obtêm salvação, satisfação, sentido e significado. Ele virá para julgar os vivos e os mortos; voltará para buscar sua igreja. Creia em Cristo. Receba-o pela fé.
Quem se sacia em Cristo, com o que ele fez pelo pecador (salvação), com o que ele está fazendo no crente (santificação) e para o crente (glorificação), vive a vida e trabalha de segunda a segunda sabendo que ainda há outra página na sua história (vida eterna) e um novo prazer no seu coração (Cristo, o único que tem o selo de aprovação do Pai). Gente assim vive para servir e não para ser servida. Gente assim faz da escassez oportunidade para levar o pão da vida, que é Cristo, aos famintos e sedentos da graça.
Dois desafios: 1 – coma de Cristo, creia para a sua salvação; 2 – coma de Cristo todos os dias, alimente nele seu coração diariamente e vá trabalhar já saciado pelo pão da vida, Cristo, o pão que desceu do céu. Isso muda tudo. Prove e veja.
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