17.02.2017
A HISTÓRIA DE DEUS SOBRE O TRABALHO [1]
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Por que você trabalha? Qual é o significado do seu trabalho? A resposta dependerá da história que você atribui ao trabalho. Se a história do trabalho é a história da realização pessoal, então o trabalho é sobre construir uma reputação para você: é o caminho da obscuridade para a glória. Se a história do trabalho é a história do enriquecimento, então o trabalho é um meio de conquista: é a estrada da pobreza para a riqueza. Se a história do trabalho é a história da sobrevivência, então o trabalho é um meio de subsistência: é o caminho da necessidade para a aquisição. Se a história do trabalho é a história de fazer do mundo um lugar melhor, então o trabalho é um meio de salvação: é a jornada da ruína para a restauração.
Que história o seu trabalho está contando? Quem está no centro? A história que seu trabalho está contando é uma história verdadeira? Essas são as questões que estudaremos hoje e nas próximas aulas. Para tanto, começaremos não com a nossa história, mas com a história de Deus. Afinal, na Bíblia, Deus conta a verdadeira história do trabalho.
Geralmente, nós consideramos que a história do trabalho tem começo a partir da queda e termina quando Jesus voltar. Mas esse enredo pinta de forma negativa o trabalho. De fato, essa história começa no Jardim do Éden, muito antes da queda, e continua no novo céu e na nova terra. E como todas as boas histórias, esta história tem no meio do enredo uma crise trágica, seguida de um resgate glorioso.
A história de Deus sobre o trabalho possui quatro atos: Criação, Queda, Redenção e Restauração. Ela é a chave para a compreensão do nosso próprio trabalho e, ainda mais importante, de nossas vidas. Então, vamos começar.
Ato 1: Criação
É fundamental que se compreenda que a história do trabalho não começa conosco. Ela começa com Deus. Deus é um trabalhador. A Bíblia começa narrando o trabalho do Criador: “No princípio, Deus criou os céus e a terra” (Gênesis 1.1). Nos primeiros dois capítulos do Gênesis, somos informados sete vezes que Deus criou algo e doze vezes que ele fez alguma coisa. Os atos de criar e de fazer são resumidos como seu trabalho: “No sétimo dia, Deus havia terminado sua obra de criação e descansou de todo o seu trabalho” (Gênesis 2.2).
Essa verdade fundamental (a história do trabalho começa com Deus) nos ajuda a entender a próxima parte desse ato de abertura do trabalho na criação. Porque o momento supremo do trabalho criativo de Deus não foi a criação de galáxias distantes ou das complexidades do DNA; foi a criação de seres humanos. Assim como o resto da criação, somos o produto do trabalho de Deus. No entanto, de forma singular e distinta de todos os outros seres criados, somos feitos à imagem de Deus. De todas as implicações desse fato, isso significa, principalmente, que fomos criados para ser um reflexo de Deus para o mundo, uma reapresentação dele na terra. Vemos isso, primeiro, em Gênesis 1.28, que diz: “Sejam férteis e multipliquem-se. Encham e governem a terra. Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que rastejam pelo chão”. Até esse ponto da narrativa, tudo o que Deus disse aos pássaros, aos peixes e aos outros animais foi dito também a Adão. Como todas as outras criaturas, estamos destinados a reproduzir. Mas Deus continua e afirma que nós não fomos criados apenas para encher a terra, como os demais animais. Nós devemos “governá-la” e “dominá-la”, sobre tudo e sobre todos. Temos trabalho a fazer. Não é qualquer trabalho. Trata-se de refletirmos, através do trabalho, a própria natureza de Deus. Deus é claramente Rei sobre a criação. Ele diz aos seres humanos: governem o mundo como meus representantes, os portadores da minha imagem. E foi só nesse ponto da narrativa que Deus declarou ser sua obra muito boa e depois descansou (confira Gênesis 1.27 a 2.3).
No capítulo 2 de Gênesis, a natureza da obra que Deus nos deu para fazer vem em foco mais nítido. Ato 1, Cena 1 fecha com Deus descansando, mas o Ato 1, Cena 2 abre com Deus trabalhando novamente. Só que agora, não o trabalho de criar, mas o trabalho de governar e de ordenar tudo o que ele fez. Deus planta um jardim. Literalmente, um paraíso. Você pode imaginar como se fosse uma propriedade rural bem ordenada. E lá ele coloca o primeiro homem. Surge, então, uma pergunta: como você criaria um paraíso dentro de um mundo já perfeito? Resposta: Deus criou um lugar perfeitamente adaptado para o florescimento humano. Lá, ele colocou Adão. Observe: “O SENHOR Deus colocou o homem no jardim do Éden para cultivá-lo e tomar conta dele” (Gênesis 2.15).
Adão deveria trabalhar e cuidar do jardim. Eva, então, é criada como sua ajudante e companheira (Gn 2.18). Assim, Adão e Eva deveriam, literalmente, cultivar o jardim, fazê-lo crescer e florescer; eles também foram lá colocados para guardá-lo e para protegê-lo de qualquer coisa que pudesse danificá-lo ou prejudicá-lo.
Tudo isso é muito importante porque o trabalho que Deus deu a Adão e Eva é o paradigma para todo trabalho humano. Para entendermos melhor, pense por um momento sobre o Jardim do Éden. Aquele é o lugar que Deus projetou para o florescimento humano. Não há mais nada na terra para eles fora de lá. O Éden é a casa, onde eles vivem o casamento e criam a sua família. O Éden é o templo, onde eles se encontram com Deus. O Éden é o local de trabalho, onde se empregam produtivamente naquilo que Deus lhes deu para fazer. Você e eu nunca experimentamos o que eles experimentaram: um mundo no qual as divisões e os conflitos de interesse entre igreja, local de trabalho e família não existiam.
Naquele mundo incrível, o trabalho deles era tomar aquele jardim-casa-templo-local-de-trabalho e protegê-lo, cultivá-lo, fazê-lo florescer e crescer, até que o mundo inteiro, e não apenas aquele pequeno cantinho, tornasse um paraíso. Por que eles deveriam fazer aquilo? Porque eles foram criados à imagem de Deus. Assim como Deus criou, eles deveriam criar. Assim como Deus governou e tomou conta, eles deveriam governar e cuidar. Assim como Deus criou um mundo frutífero e florescente, eles deveriam proteger e promover esse florescimento e fecundidade. O trabalho do primeiro casal, como representantes de Deus, era pegar o que Deus tinha começado e levar adiante – para revelar a glória do Criador. O propósito do trabalho não era revelar quem eles eram ou poderiam se tornar através do que faziam. O objetivo era revelar, através do trabalho deles, quem Deus realmente é: criador, governador, protetor e provedor de todas as coisas. Tendo sido criados à imagem do Criador, o trabalho de Adão e Eva testificaria dele.
* Lição no 1: Aqui, então, destaca-se a primeira lição de nossa história. O propósito original do trabalho humano era o avanço do florescimento humano para a glória de Deus. Nosso trabalho, em qualquer esfera que operemos – em casa, na igreja, no local de trabalho – é mostrar a bondade e a magnificência do caráter divino como portadores que somos da imagem de Deus. Fazemos isso enquanto cultivamos o jardim que nos foi confiado, para o florescimento dos seres humanos ao nosso redor, para o louvor da glória de Deus. Em outras palavras, o trabalho é, em primeiro lugar, adoração.
Ato 2: Queda
Mas, claro, essa não é uma história real até que algo aconteça para trazer o caos. E isso nos leva ao Ato 2: A Queda.
Não sabemos quanto tempo decorreu entre o dia em que Adão conseguiu seu primeiro emprego e o dia em que tudo deu errado. O que está claro, porém, é que uma maneira de entender o que os teólogos chamam de Queda é entender que Adão e Eva caíram no trabalho. Lembre-se: eles foram confiados com o Jardim. Deveriam cuidar dele e guardá-lo. Contudo, em ambos os casos, eles falharam. Satanás, o inimigo de Deus e dos homens, apareceu no Éden. O primeiro casal, em vez de protegê-lo, tocando de lá o Adversário, estenderam-se com o maldito numa trágica conversa (Gn 3.1-5). Depois, no final do papo, em vez de administrarem o Jardim, eles tentam usá-lo para si mesmos (Gn 3.6), abusando de sua própria autoridade e arruinando-a para toda a posteridade. Imediatamente eles percebem que puseram tudo a perder (Gn 3.7). O chefe, Deus, aparece para inspecionar o trabalho, mas eles estão escondidos em um canto qualquer de algum escritório (Gn 3.8-9). Todos sabemos como é obter uma avaliação negativa de desempenho no trabalho. Alguns de nós sabem inclusive o que é ser demitido, mas o que Adão e Eva experimentam é pior do que qualquer uma das anteriores. Eles são expulsos do Jardim, mas eles não são aliviados de suas responsabilidades. Eles ainda são responsáveis por representar a Deus; eles ainda devem trabalhar. Mas as condições de seu trabalho mudaram radicalmente: o mundo onde agora trabalhariam está agora amaldiçoado por causa de seus pecados. Em Gênesis 3.17-19, nós lemos o seguinte:
17 E ao homem ele disse: “Uma vez que você deu ouvidos à sua mulher e comeu da árvore cujo fruto ordenei que não comesse, maldita é a terra por sua causa; por toda a vida, terá muito trabalho para tirar da terra seu sustento. 18 Ela produzirá espinhos e ervas daninhas, mas você comerá de seus frutos e grãos. 19 Com o suor do rosto você obterá alimento, até que volte à terra da qual foi formado. Pois você foi feito do pó, e ao pó voltará”.
Observe que, por causa da Queda, três coisas acontecem com o trabalho de Adão e Eva e também com o nosso:
Primeiro, o trabalho tornou-se penoso: “Com o suor do rosto você obterá alimento, até que volte à terra da qual foi formado” (Gn 3.19). Isso é tão básico para a nossa experiência com o trabalho que é difícil imaginar como o trabalho deve ter sido antes da Queda. Afinal, até mesmo um trabalho que amamos tem pelo menos algum aspecto que é cansativo, tedioso e mesmo doloroso. Sabemos o que precisa ser feito, mas não temos a capacidade ou os recursos para fazê-lo, como se houvesse alguma conspiração para tornar penoso o nosso trabalho. De fato, há uma conspiração. No mundo caído, o trabalho é penoso.
Segundo, o trabalho tornou-se insignificante. Mesmo que Adão trabalhe penosamente no solo, durante toda a sua vida, o solo amaldiçoado sob seus pés “produzirá espinhos e ervas daninhas, mas você comerá de seus frutos e grãos” (Gn 3.18). Percebeu? Por mais que se trabalhe duro, por vezes, o que se experimenta é futilidade; inutilidade; insignificância. Por causa da Queda, aspirações vão constantemente ser vencidas pela realidade, e por mais duro que se tente, a realidade nunca vai mudar. Dentro do Jardim, o resultado do trabalho foi a expansão da utopia. Fora do Jardim, nosso trabalho nunca produz utopia; nem mesmo chega perto. A terra foi amaldiçoada.
O que descobrimos são esses dois aspectos do trabalho em um mundo caído – penoso e insignificante – colidindo frontalmente com as aspirações do mundo moderno. Como Timothy Keller observou, “nossa geração insiste que o trabalho seja satisfatório e frutífero, que se encaixe perfeitamente com nossos talentos e nossos sonhos, e que ‘faça algo incrível para o mundo’, como um executivo do Google descreveu a missão da empresa”. Parece bom. O problema é que esse não é o mundo em que vivemos.
Então, somos todos tentados a desistir inteiramente do trabalho, ou ficamos cínicos ou nos excluímos. Só que essa não é realmente uma opção. Afinal, há uma terceira consequência da Queda sobre o trabalho. O que era um ato livre de adoração agora é um ato compulsório de sobrevivência. Gênesis 3.19: “Com o suor do rosto você obterá alimento, até que volte à terra da qual foi formado. Pois você foi feito do pó, e ao pó voltará”. No Jardim, Adão não tinha de trabalhar para comer. Deus tinha plantado um pomar, e tudo o que Adão precisava estava lá para se pegar e se comer. Mas agora há uma urgência, uma compulsão, uma ordem para trabalhar. Como Paulo disse: “Quem não quiser trabalhar não deve comer”. Não é que o trabalho tenha, agora, se tornado ruim. Não é que o trabalho seja punição pelo pecado. É que, num mundo caído, o trabalho penoso e insignificante é também implacável. Gostemos ou não, devemos trabalhar. Nós não podemos escapar dele, exceto na morte.
Gênesis 3 é Ato 2, Cena 1 da Queda. Mas a crise na história não é apenas sobre a mudança em nossas condições de trabalho. É também uma mudança em nós, os trabalhadores. Em um mundo caído, os trabalhadores caídos não usam mais seu trabalho para adorar a Deus. Eles adoram ídolos.
Ato 2, Cena 2 da Queda começa em Gênesis 4. Uma das primeiras imagens do trabalho que nos são dadas fora do Jardim revelam o contraste entre os descendentes de Caim e os descendentes de Sete, o filho de Adão que substituiu Abel, desde que Caim o matou. O que aprendemos é que o trabalho constrói a cultura. Os descendentes de Caim desenvolvem a agricultura, a pecuária, a música e a metalurgia. E tudo isso é muito bom. Mas o que a narrativa também nos mostra é que os descendentes de Caim são definidos pelo seu trabalho; a identidade deles vem do trabalho (confira Gênesis 4.17-24). Em contraste, os descendentes de Sete, a linhagem divina, não estão associados ao trabalho. Em vez disso, eles são definidos como aqueles que “começaram a invocar o nome do SENHOR” (confira Gênesis 4.25-26). O ponto não é que os adoradores de Deus não trabalham, mas que eles não são definidos pelo trabalho que eles realizam.
Essa idolatria do trabalho entra em foco nítido à medida que a história avança. Em Gênesis 11.1-4, lemos:
1 Houve um tempo em que todos os habitantes do mundo falavam a mesma língua e usavam as mesmas palavras. 2 Ao migrarem do leste, encontraram uma planície na terra da Babilônia, onde se estabeleceram. 3 Começaram a dizer uns aos outros: “Venham, vamos fazer tijolos e endurecê-los no fogo”. (Naquela região, era costume usar tijolos em vez de pedras, e betume em vez de argamassa.) 4 Depois, disseram: “Venham, vamos construir uma cidade com uma torre que chegue até o céu. Assim, ficaremos famosos e não seremos espalhados pelo mundo”.
Assim como em Gênesis 4 com os descendentes de Caim, o trabalho aqui é, em última análise, a construção da cultura. Eles desenvolvem tecnologia, eles constroem uma cidade. Eles estão perseguindo o florescimento humano. Está tudo bem. Mas eles querem algo mais também: identidade. Eles querem fazer um nome para si mesmos. E querem fazê-lo à parte de Deus, através do seu trabalho. Na verdade, eles querem fazê-lo em contradição com Deus. Deus disse para encher a terra; o desejo deles é que não sejam “espalhados pelo mundo”.
Quão longe do Jardim nós chegamos! O que começou como um meio de dizer “olhe para Deus” em adoração tornou-se um meio de dizer “olhe para mim”. Os portadores da imagem divina curvaram-se para si mesmos, como Agostinho colocou, procurando refletir sua própria glória para si mesmos, em vez de refleti-la de volta para Deus.
É preciso que se note que essa idolatria tem pelo menos duas expressões diferente e, às vezes, simultâneas. Por um lado, alguns de nós são tentados a se definir diretamente pelo trabalho, pelas realizações, pelo sucesso. Por outro lado, outros são tentados a se definir pela sua liberdade do trabalho, pelo lazer, pelos hobbies, pela recreação. Por exemplo: os jovens, de um lado, geralmente iniciam-se no mercado de trabalho com o desejo de mudar o mundo – é a idolatria do trabalho como identidade; os velhos, de outro lado, ao se aposentarem, geralmente evitam a todo custo o trabalho – é a idolatria da liberdade do trabalho como identidade. Mas os dois são realmente apenas os lados opostos da mesma moeda: uma idolatria que define nossa identidade pelo relacionamento com o trabalho, e não com Deus.
O fim da história de Babel é que Deus desce e julga aquela adoração idólatra do trabalho. Esse mesmo julgamento é o que todos nós merecemos. Mas, louvem a Deus, pois não é aí que termina a história do trabalho.
* Lição no 2: Deixe-me resumir tudo isso com nossa segunda lição. O problema com o nosso trabalho é que perdemos a conexão entre Deus, o trabalho e a adoração. Algumas vezes nós degradamos o trabalho – e não o vemos como adoração a Deus. Outras vezes nós idolatramos o trabalho – e o adoramos (e em última instância a nós mesmos) em vez de vê-lo como um ato de adoração, adoração ao Deus verdadeiro. Perdemos o trabalho como adoração a Deus.
Para recuperar o trabalho, nós precisamos aprender sobre os dois próximos atos de Deus na sua história sobre o trabalho: i.e.: Redenção e Restauração. Mas, será na próxima aula.
Reflexão e aplicação
[1] Material traduzido e adaptado pelo Pr. Leandro B. Peixoto do curso Christians in the workplace. Trata-se de parte do programa de Escola Bíblica Dominical da Capitol Hill Baptist Church em Washington D.C. (pastoreada por Mark Dever), denominado Core Seminars – Engaging the World. Fonte: http://www.capitolhillbaptist.org
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