06.02.2022
[Lamentações 1.13] Do céu enviou fogo que me queima os ossos; pôs uma armadilha em meu caminho e me fez voltar atrás. […]
Você pode ter vindo aqui esta manhã buscando a felicidade. Aliás, um de seus propósitos para 2022 talvez tenha sido o de buscar ser mais feliz. Em certo sentido, como você não desejaria ser feliz? Quem não desejaria ser feliz? Desejo de ser feliz é tão natural para nós seres humanos quanto nosso apetite por comida, a sede de água… aspirar a felicidade é tão natural para nós quanto respirar… isso é parte de ser um ser vivo… é o que fazemos enquanto pessoas… queremos ser felizes.
A busca pela felicidade é um dos aspectos que mais torna popular as religiões. Ser feliz é o que a religião proporcionará – é assim que pensa a maioria das pessoas religiosas ou as que recorrem a alguma religião. De fato, é assim que pensa a grande massa de cristãos, sobretudo aqueles das igrejas evangélicas que mais crescem em nosso país: a fé me fará mais feliz – feliz comigo mesmo, feliz com minha família, feliz com minha saúde, feliz com minhas conquistas, feliz com minhas realizações… feliz, feliz, feliz!
Prova é que, não sei se você já notou, mas o símbolo estampado em igrejas ou nos veículos de comunicação das igrejas há muito que deixou de ser a cruz vazia de Cristo ou a Bíblia Sagrada. Tomaram seu lugar a pomba, a chama de fogo, a foto do grande homem de Deus, o ramo de videira e o cacho de uva, o portal de uma casa, o prédio da igreja, o candelabro ou outro símbolo judaico, o coração e a pomba, o globo terrestre e a pomba, e por aí vai. Tem de tudo, menos a cruz de Cristo ou a Bíblia. — Sim, os crentes não idolatram – não devem idolatrar – a imagem da cruz ou da Bíblia, longe disso, mas certamente que a troca de símbolos revela o estado do cristianismo evangélico atual no Brasil: a fé é o meio de se ser feliz – pelo poder do fogo, do Espírito, da minha devoção sincera, da minha pegada ou do meu propósito com Deus.
Outra coisa: a figura do pastor há muito tempo que deixou de ser a do homem que ora, estuda, prega, ensina e aconselha a palavra de Deus ao rebanho de Cristo, cuida e pastoreia a ovelha de Jesus – para a se tornar a de um gestor competente, empreendedor de sucesso, profeta poderoso ou algo do tipo (tipo esquisito). Não é mesmo, meu amigo? Não é assim, povo de Deus? Esse tipo de “pastor” ou de “ministério” é o que garante a felicidade tão almejada, acreditam as multidões que afluem para lá.
Como você terminaria esta frase? Felicidade é… Bem, felicidade é quando você é abençoado e sabe que é; é quando você sente que está bem e suas perspectivas parecem ser as melhores… A felicidade é para muitos a combinação de algo como um corpo saudável (e sarado), negócios bem sucedidos e relacionamentos calorosos com outras pessoas com as quais se importa. Muita gente hoje, muita gente mesmo (até em nossos arraiais denominacionais), defende o cristianismo como forma, um meio de se obter a tão cobiçada felicidade: autoestima, casa própria, dignidade…
Agora, por favor, não me interpretem mal. Creio que há algo absolutamente correto sobre se achar a felicidade através da fé cristã. O cristão verdadeiro (para usarmos a linguagem do Evangelho de João) crê que Deus nos deu sua Palavra. E na Bíblia nós aprendemos que Deus enviou seu Filho para que pudéssemos ser libertados de nosso próprio eu, derrotando o egocentrismo para nos relacionarmos corretamente com Deus. Em Cristo, pela fé, nós somos justificados (para termos acesso ao Deus justo); somos redimido (para obtermos um coração que ame a Deus de verdade); somos santificados (para termos condições morais de nos apresentarmos a Deus); e seremos glorificados (para termos condições físicas de desfrutarmos de Deus eternamente no novo céu e na nova terra). É nisso que está a felicidade, a verdadeira felicidade. Disse Jesus:
Mateus 5.3-10 3“Felizes os pobres de espírito, pois o reino dos céus lhes pertence. 4Felizes os que choram, pois serão consolados. 5Felizes os humildes, pois herdarão a terra. 6Felizes os que têm fome e sede de justiça, pois serão saciados. 7Felizes os misericordiosos, pois serão tratados com misericórdia. 8Felizes os que têm coração puro, pois verão a Deus. 9Felizes os que promovem a paz, pois serão chamados filhos de Deus. 10Felizes os perseguidos por causa da justiça, pois o reino dos céus lhes pertence.
Percebeu?
A Bíblia diz, do começo ao final, em seu todo, que a felicidade é encontrada quando você entra em um relacionamento correto com Deus, por meio da vida e da obra de Cristo, no poder do Espírito Santo. E todas as coisas boas se seguirão ou serão acrescentadas, incluindo muitas vezes a felicidade. Isso é verdade. Cremos nisso. MAS, lembre-se de que todas as coisas boas que se seguirão na vida cristã para você, virão para que você saiba ou tenha condições de desfrutar ainda mais de Deus, do Deus trino – Pai, Filho e Espírito Santo. A fonte e o destino da felicidade é Deus. Além da salvação, todas as coisas que de Deus nós recebemos – também pela graça – não são para gastarmos em nossos prazeres sem Deus (Tg 4.3), isso seria adultério espiritual (Tg 4.4).
Portanto, sim, cremos que ser cristão nos torna mais felizes – em Deus, em Cristo, com Deus, com Cristo. Vocês são prova disso ou provaram dessa felicidade. Alguns de vocês que vieram a Cristo nos últimos anos estão mais felizes agora do que eram antes de se tornarem crentes, não é verdade? Eu creio nisso. ENTRETANTO, seria muito simplista, para não dizer errado, afirmar que se tornar um cristão o fará feliz o tempo todo.
Nem todos os dias serão de céu azul e ensolarado. De fato, haverá longos períodos de deserto e de noites escuras. Lidaremos com momentos de profunda angústia, dor e temor. Sim, mesmo nessas horas, haverá alegria, alegria de verdade lá no fundo do coração do cristão – do contrário, Paulo não teria dito de si mesmo que “nosso coração se entristece, mas sempre temos alegria” (2Co 6.10). O problema é que em muitas ocasiões a alegria estará bem lá no fundo, e de tão fundo na gente, não seremos capazes de palpa-la ou de senti-la. Nessas horas, o cristão lamentará como o salmista e Cristo lamentaram – Salmo 22.1-2: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? Por que estás tão distante de meus gemidos por socorro? Todos os dias clamo a ti, meu Deus, mas não respondes; todas as noites levanto a voz, mas não encontro alívio.”
O amor do Filho eterno de Deus por suas ovelhas será sempre constante, em todos os momentos – como escreveu Michael Card: não tem como Cristo nos amar mais nem nos amará menos. Mas enquanto estivermos aqui nesta terra, as nuvens negras das provações poderão obscurecer para nós esse grande amor de Deus. Sempre foi assim com o povo de Deus. Esse problema da noite escura da alma, os longos períodos de juntar os cacos não é novidade, sempre foi assim para os crentes. Daí que se tem tantos textos e salmos de lamentações na Bíblia, inclusive o livro de Lamentações que estamos estudando. — Até quem não é crente lamenta, lamenta ao seu próprio jeito, e muitas vezes guarda relação com o que nós, crentes, sentimos. Eis o que está na letra da música de Vinícius de Moraes e Tom Jobim (composta em 1959) – A Felicidade:
Tristeza não tem fim,
Felicidade sim
A felicidade é como a gota
[gota] De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranquila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor
A felicidade do pobre parece a grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
Pra tudo se acabar na quarta-feira
Tristeza não tem fim
Felicidade sim
A felicidade é como a pluma que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar
[…]
Tristeza não tem fim
Felicidade sim
Assim é a vida, não é verdade?
Assim é a vida… até mesmo para o crente. Nem sempre estamos felizes – ora porque a felicidade foi achada na coisa errada e não se sustenta, ora porque estamos pagando o preço de ter vivido errado ou porque estamos no erro do pecado, ora porque alguém pecou contra nós e estamos pagando pelo erro dos outros, ora nem sabemos porque estamos tão infelizes. A verdade é que vira e meche a gente chora uma lágrima de amor, chega a segunda-feira (ou a quarta-feira de cinzas) ou não tem vento para manter no ar a pluma da felicidade. Nem sempre estamos felizes.
Perceber isso e entender isso terá o poder de remover a culpa que talvez você sinta por não viver de acordo com o que acha que deveríamos sempre ser: felizes o tempo todo. E para nos ajudar a lidar melhor com as circunstâncias que nos afligem semana após semana, entra ano e sai ano, sobretudo nesta pandemia que não acaba; para nos ajudar a lidar com a tristeza das perdas, das dores e do estado deste mundo, sobretudo de nosso Brasil que, além de tudo o que já enfrentamos diariamente, e agora com COVID, dengue, H1N1, H3N2, chicungunha… ainda por cima teremos eleições gerais.
Para nos ajudar a lidar com tudo o que estamos enfrentando e ainda enfrentaremos, começamos a estudar o livro de Lamentações de Jeremias no Antigo Testamento. Jeremias, em suas Lamentações, está sendo o nosso pastor, pregando a nós, aconselhando-nos, ensinando-nos que nem sempre estamos felizes, mas também como lidar com a tristeza – como lamentar corretamente, ousando ter esperança.
Um dos pontos turísticos de Jerusalém é o Muro das Lamentações. Sabe que muro é esse? Trata-se do único vestígio do templo que foi construído após o cativeiro babilônico, e que no século I a.C. foi remodelado por Herodes, o Grande no lugar do Templo de Jerusalém que fora construído por Esdras, Neemias e Zorobabel após a destruição dos babilônios em 586 a.C. Sabe por que se chama Muro das Lamentações? Porque lá é o local onde se lamenta a grande destruição de Jerusalém pelos babilônios (586 a.C), e em seguida pelos romanos em 70 d.C. Lá no Muro das Lamentações também é onde se lê as Lamentações de Jeremias.
Essa destruição de Jerusalém pelos babilônios foi absolutamente devastadora para o povo judeu, ainda mais devastadora do que a promovida pelos romanos em 70 d.C., liderada pelo general Tito. Quando a cidade finalmente caiu para os babilônios após o cerco de três massacrantes anos (588–586 a.C.), os israelitas perderam não apenas uma cidade, mas sua cidade principal, e não apenas sua cidade principal, mas sua capital. Jerusalém era o ponto militarmente mais bem guardado e defendido em Judá. Perder Jerusalém significava perder tudo o que representava externamente a nação de Israel: a linhagem de Davi, os sacerdotes, os sacrifícios e o templo, e até a própria terra prometida. Perder Jerusalém significava perder tudo. Portanto, não podemos nem começar a imaginar quão devastadora foi essa perda final em 586 a.C., porque perder a terra significava perder a promessa de Deus, e perder a promessa de Deus significava perder seu relacionamento especial com Deus.
Lamentações não é a história daquele dia catastrófico (Jeremias 52, sim). Lamentações é a história do dia seguinte, dos dias que se seguiram. Lamentações é o rescaldo, a cinza com a brasa fumegante, o resto da fogueira que queimou a noite inteira. Lamentações de Jeremias é a história de um profeta e de uma cidade juntado os cacos do que restou de um grande sonho. —Iremos ao texto de Lamentações, agora o capítulo 1. E o que veremos serão aqueles que restaram em Jerusalém, juntamente com Jeremias, juntando os cacos, no fundo do poço da mais absoluta infelicidade – provando que nem sempre o povo de Deus está feliz. Exatamente como pode estar você neste momento: juntando os cacos do que sobrou, terrivelmente infeliz, alimentando-se de lágrimas, gemendo de dor.
S.D.G. L.B.Peixoto
Mais Sermões
23 de agosto, 2020
5 de maio, 2024
19 de outubro, 2016
4 de fevereiro, 2018
Mais Séries
Juntando os Cacos
Pr. Leandro B. Peixoto