10.01.2016
Maturação da fé
Como o Senhor prova e amadurece a fé do seu povo
Mateus 15.21-28
21 Saindo daquele lugar, Jesus retirou-se para a região de Tiro e de Sidom. 22 Uma mulher cananéia, natural dali, veio a ele, gritando: “Senhor, Filho de Davi, tem misericórdia de mim! Minha filha está endemoninhada e está sofrendo muito”. 23 Mas Jesus não lhe respondeu palavra. Então seus discípulos se aproximaram dele e pediram: “Manda-a embora, pois vem gritando atrás de nós”. 24 Ele respondeu: “Eu fui enviado apenas às ovelhas perdidas de Israel”. 25 A mulher veio, adorou-o de joelhos e disse: “Senhor, ajuda-me!” 26 Ele respondeu: “Não é certo tirar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos”. 27 Disse ela, porém: “Sim, Senhor, mas até os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus donos”.28 Jesus respondeu: “Mulher, grande é a sua fé! Seja conforme você deseja”. E naquele mesmo instante a sua filha foi curada.
Fé de qualidade amadurece
Que tipo de fé agrada a Deus? Fé de qualidade!
Hoje pela manhã nós estudamos esse texto e aprendemos que fé de qualidade é a que está acompanhada de arrependimento, de conteúdo, de perseverança, de humildade e de transformação. Mas, uma fé assim não nasce da noite para o dia, não acontece num passe de mágica. Fé de qualidade amadurece. Deus, pela graça, a planta em nós e, também pela graça, a amadurece. Como?
Maturação da fé
A história dessa mulher cananeia nos ensina como Deus amadurece a fé do seu povo amado, ensinando-os a andar pelo que não se vê (2Co 4.18), tornando-a nobre e de qualidade.
O que, a princípio, parece com imobilidade, indiferença, insensibilidade e até insulto preconceituoso, no fundo é amor da melhor qualidade.
Hb 12.4-6, 11 | 4 Na luta contra o pecado, vocês ainda não resistiram até o ponto de derramar o próprio sangue. 5 Vocês se esqueceram da palavra de ânimo que ele lhes dirige como a filhos: “Meu filho, não despreze a disciplina do Senhor, nem se magoe com a sua repreensão, 6 pois o Senhor disciplina a quem ama, e castiga todo aquele a quem aceita como filho”. (…) 11 Nenhuma disciplina parece ser motivo de alegria no momento, mas sim de tristeza. Mais tarde, porém, produz fruto de justiça e paz para aqueles que por ela foram exercitados.
Portanto, convido-os para olharmos para o texto de Mateus e vermos como o Senhor, amorosamente, prova e amadurece a fé do seu povo.
Três são os fatores mais relevantes do processo de maturação da fé:
– O silêncio cortante
– A palavra penetrante
– A confrontação humilhante
1. A maturação da fé se dá pelo silêncio cortante de Deus
Mt 15.21-23a | 21 Saindo daquele lugar, Jesus retirou-se para a região de Tiro e de Sidom. 22 Uma mulher cananéia, natural dali, veio a ele, gritando: “Senhor, Filho de Davi, tem misericórdia de mim! Minha filha está endemoninhada e está sofrendo muito”. 23 Mas Jesus não lhe respondeu palavra.
O silêncio é um instrumento cortante. Assim como um bisturi, ele pode matar ou pode curar. Depende da forma como ele é usado. Deus, com precisão cirúrgica, sabe, como ninguém, usar o silêncio para cortar onde precisa ser cortado, fazendo sangrar o que precisa ser expurgado.
Porém, nas mãos de pecadores como nós, o silêncio corta e faz sangrar até a morte o coração dos amantes. Veja, por exemplo, a situação de muitos lares: cônjuges que não se falam, pais e filhos que não conversam, irmãos que se afastam, parentes que não trocam palavras. O mesmo acontece em igrejas, entre amigos, no trabalho, em toda parte.
Homens e mulheres silenciam-se por crueldade. Muitas vezes é pelo temor de se exporem. Ferem com silêncio para não serem feridos ao se relacionarem. Por maldade, não falam. Fazem greve de palavras por pirraça, por vingança, por crueldade. Em nossas mãos, o silêncio é capaz de matar lentamente, causando hemorragias fatais na alma das pessoas.
Quem corta com o silêncio também morre, assim como a abelha morre ao deixar em nós o seu ferrão. Quem corta com silêncio vai perdendo pedaços do coração.
Mas, Deus, não. Ele sabe usar o silêncio. O silêncio de Deus nunca é por vingança, não é sinal de crueldade, não é fruto de pirraça. Sim, o silêncio de Deus é cortante e faz sangrar, mas não mata. Antes, ele tem como objetivo remover da alma o pecado, a incredulidade, toda e qualquer transgressão ou iniquidade. O silêncio de Deus é cirúrgico. Isso é muito claro nesse texto.
1.1 – Deus, soberanamente, arquiteta o encontro
Ao dizer que Jesus se retira das proximidades de Jerusalém “para a região de Tiro e de Sidom” (Mt 15.21), Mateus está nos dizendo algo de extrema importância. Essa é a única vez que o Senhor, durante o seu ministério terreno, sai da região dos judeus para as terras dos gentios. O Evangelho quer nos mostrar que Deus veio para buscar e salvar os perdidos de todos os lugares.
Outro fato que revela a soberania de Deus arquitetando esse encontro entre Jesus e a mulher cananeia é a expressão que Mateus usa para iniciar o verso 22. Observe:
Mt 15.21-22 | 21 Saindo daquele lugar, Jesus retirou-se para a região de Tiro e de Sidom. 22 [E eis que] Uma mulher cananéia, natural dali, veio a ele, …
Deus prepara os encontros para atrair a si e salvar o seu povo. A iniciativa dele, somada à sua graça irresistível, nos faz ir a ele pela fé.
1.2 – Deus, graciosamente, amadurece a fé
Essa mulher é uma filha do sofrimento. Nada nem ninguém conseguia libertar a sua filha que sofria horrores nas garras do demônio (v. 22). Aquela era uma região de grande envolvimento com sistemas religiosos demoníacos e, consequentemente, a possessão demoníaca era algo comum.
Desesperada, depois de ter abusado do pecado, depois de colher sofridas consequências, depois de tentar tudo e todos (da superstição à ciência, da religião ao ceticismo), a mãe corre e clama com gritos a Jesus por misericórdia sobre ela e filha (v. 22). Tal atitude é um ato de fé. Por quê?
Naqueles dias, na região de Canaã, cada grupo tinha a sua divindade específica. A mulher, portanto, desde criança havia sido ensinada que o deus de outro povo jamais ouviria a súplica do povo dela. Jesus era o salvador judeu, não gentio. Astarote era a deusa dela. Portanto, todos deveriam tê-la desencorajado, dizendo-lhe que ele não a ouviria, ele não a atenderia. A cananeia, no entanto, contra a cultura de seu povo, contra a conversa dos seus pares e contra a controvérsia toda na sua cabeça, deu um passo de fé na direção de Jesus.
Com fé, ela vai à pessoa certa (Jesus – 22), no lugar certo (aos seus pés – v. 25), com a postura certa (pela fé – v. 28), na hora certa (correndo – v. 22) e com a motivação certa (em busca de misericórdia – v. 22).
Note, porém, a reação chocante por parte do Senhor:
Mt 15.23 | Mas Jesus não lhe respondeu palavra.
Como assim? Que contraste! Como Deus é capaz de responder com silêncio absoluto a uma reação de fé como a dessa mulher? Mas, Deus age assim. Sobre o silêncio de Deus, o pastor presbiteriano escocês do século XVII, Samuel Rutherford, escreveu:
O silêncio de Deus é o ingrediente mais amargo que o cristão tem que beber no cálice do seu sofrimento. Ele é para o cristão o que há de mais próximo do inferno na terra.
Escrevendo à esposa, certa vez Lutero expressou com muita sinceridade a sua angústia diante do silêncio de Deus:
Estou com medo diante de tamanho silêncio de Deus. Parece que ele está morto.
O silêncio de Deus é cortante, mas apenas para o filho de Deus! Isso já nos diz alguma coisa sobre a razão do silêncio de Deus.
O descrente não se importa com o silêncio de Deus. Ele tem autoconfiança suficiente para seguir com a sua própria vida. Se tudo lhe for bem, se todos os seus sonhos forem sendo conquistados conforme o planejado, o ímpio nem ao menos nota a falta de Deus. Nem fala com ele.
A voz de Deus não faz falta quando se está cheio de si, quando as vozes desse mundo lhe instruem e despistam, quando as migalhas dessa vida lhe satisfazem, quando as trivialidades dessa cultura lhe divertem, quando se é confiante demais de que se sabe bem onde e como chegar sozinho. Cheio de ídolos, o coração nem nota o silêncio de Deus.
Não é assim com o cristão.
Ele não só nota, mas também sofre, e sofre muito, com o silêncio de Deus. O silêncio de Deus corta a sua alma, pois ele precisa da voz de Deus para lhe instruir a mente, lhe dirigir os passos, lhe edificar a alma e lhe alegrar o coração. A voz de Deus é indispensável para o cristão.
Quando Deus faz silêncio, assim como essa mulher cananeia do nosso texto, o cristão não dá as costas para o Senhor. Ele não abandona as disciplinas espirituais, ele não deixa a fé nem a igreja. Ele sabe que sem a voz de Deus ele morre. Então, o que ele faz? Quanto mais silêncio, mais clamor. Quanto mais silêncio, mas perseverança. Quando mais silêncio, mais consciência de que sem Deus nós e aqueles que amamos morrem sofrendo.
A fé verdadeira, a fé de qualidade, nunca vira as costas para Deus.
Diante do silêncio do céu, a fé clama por mais e mais comunhão. O cristão verdadeiro prefere uma palavra de disciplina a um segundo do silêncio do Pai. Ele clama como o salmista:
Sl 143.7 | Apressa-te em responder-me, Senhor! O meu espírito se abate. Não escondas de mim o teu rosto, ou serei como os que descem à cova.
O silêncio de Deus amadurece a nossa fé. Você dirá: “Mas, como? O silêncio de Deus só serve para me esfriar, não me amadurecer!” Jamais. A fé de qualidade é amadurecida pelo silêncio de Deus. Funciona assim…
Tendo provado de tudo e visto que é vão e não satisfaz, tendo vivido pela própria força e desfalecido, e tendo experimentado da doce voz de Deus em Cristo e gostado, quando o Senhor se cala, o cristão se desespera diante da amarga realidade que é a vida sem Deus. Então, ele clama mais por Deus.
O silêncio de Deus nos corta e faz sangrar de nós toda autossuficiência, todo orgulho, toda vaidade, toda distração e carnalidade, toda esperança vã e passageira, toda ilusão mundana, até que sobre no coração da gente apenas a fome de Deus.
Quando Deus, pelo Espírito, revela a nós que à parte de Cristo estamos todos perdidos, que neste mundo sem Cristo todos padeceremos sofrendo, a nossa alma corre para os braços de Jesus e o silêncio de Deus evidencia ainda mais a nossa necessidade dele. João Calvino coloca assim:
“Pelo conhecimento de si mesmo [de sua própria ignorância, fraqueza, incapacidade, depravação, corrupção, etc.] cada um é não apenas incitado a buscar a Deus, mas até como que conduzido pela mão a achá-lo.”
O silêncio de Deus, para quem dele já provou, só acentua o desejo por mais de Deus. Use, portanto, o silêncio de Deus a seu favor.
O silêncio de Deus amadurece a fé.
2. A maturação da fé se dá pela palavra penetrante de Deus
Mt 15.23-24 | 23 Mas Jesus não lhe respondeu palavra. Então seus discípulos se aproximaram dele e pediram: “Manda-a embora, pois vem gritando atrás de nós”. 24 Ele respondeu: “Eu fui enviado apenas às ovelhas perdidas de Israel”.
Que crueldade! Depois do silêncio, uma palavra assim de rejeição? Por que Jesus agiu assim? Por que ele falou assim?
A palavra de Jesus tem como objetivo penetrar o peito da gente, transformando e encorajando o coração.
Lembre-se de que Jesus está fora dos limites da “terra do povo de Deus”, ele está distante de Jerusalém que, supostamente, é o lugar onde todos deveriam crer nele, já que ele era o Messias. Mas, todos lá o rejeitam.
Fora de lá, porém, há essa mulher gentia, uma cananeia, da região siro-fenícia. Ela, contrário das “ovelhas perdidas de Israel” (v. 24), não o rejeita e não o repele. Ela o aceita com fé e clama a ele por misericórdia, chamando-o pelo seu título messiânico: “filho de Davi” (v. 22).
Ao dizer que ele havia sido “enviado apenas às ovelhas perdidas de Israel” (v. 24), Jesus estava fazendo pelo menos duas coisas com sua palavra.
Primeiro, arrancando dessa mulher uma confissão de fé ainda mais profunda. Note que depois de usar o título messiânico (“filho de Davi – v. 22), ela agora o chama de uma forma mais pessoal: “Senhor” (v. 25). Ou seja, o Filho de Davi é o Senhor dela. O Messias é o seu salvador pessoal.
Segundo, a palavra penetrante de Jesus está usando o exemplo de fé dessa mulher para confrontar os incrédulos fariseus. Enquanto as ovelhas perdidas de Israel, para quem ele havia sido enviado, o rejeitavam, essa mulher cananeia o honrava com fé. Mais tarde, toda vez que essa mulher se lembrasse do dia da sua conversão, ela seria encorajada pela forma como Jesus confrontou os incrédulos honrado a sua fé.
A Palavra penetrante do Senhor, portanto, estimula e encoraja a fé. A princípio, porém, ela é repugnante, soa radical, parece excludente, mas depois se torna doce como o mel. Sem a Palavra não nasce a fé, e sem a Palavra não se tem como nutrir a fé que nasceu.
A maturação da fé se dá pela palavra penetrante de Deus.
3. A maturação da fé se dá pela confrontação humilhante de Deus
Mt 15.25-27 | 25 A mulher veio, adorou-o de joelhos e disse: “Senhor, ajuda-me!” 26 Ele respondeu: “Não é certo tirar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos”. 27 Disse ela, porém: “Sim, Senhor, mas até os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus donos”.
E essa agora, meu Deus! Quanto mais ele fala, pior vai ficando.
Primeiro o silêncio, mas ele mostrou o quanto faz falta a voz de Deus.
Depois a palavra penetrante, mas ela estimulou e encorajou a fé.
Por fim, essa humilhação. Afinal, ninguém merece ser chamado de cão! Como essa confrontação humilhante, hoje, diríamos até preconceituosa, poderia contribuir para a maturação da fé?
Judeus consideravam gentios como cães selvagens pelo estado da alma dos pecadores. O problema é que eles se achavam superiores.
Jesus, porém, chama essa mulher de “cachorrinho”, de cãozinho domesticado. Em vez de se ofender, ela aceita o termo e vai além, dizendo que, como tal, como um cãozinho do Senhor, ela merecia alguma migalha do Evangelho que as ovelhas de Israel estavam desperdiçando.
Essa mulher cananeia reconhece a profundidade da impureza do seu coração, por isso ela aceita ser chamada de “cãozinho”. Ela sabe que seu coração é sujo, por isso não merece estar à mesa do Deus puro e santo. Mas, quando ela admite ser suja e pecadora, o Senhor a purifica e a coloca à mesa. Veja como é lindo esse quadro:
Mt 15.25-28 | 25 A mulher veio, adorou-o de joelhos e disse: “Senhor, ajuda-me!” 26 Ele respondeu: “Não é certo tirar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos”. 27 Disse ela, porém: “Sim, Senhor, mas até os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus donos”. 28 Jesus respondeu: “Mulher, grande é a sua fé! Seja conforme você deseja”. E naquele mesmo instante a sua filha foi curada.
A lição é que para ser exaltado pela graça de Deus é preciso que primeiro se humilhe debaixo de sua mão poderosa (1Pe 5.6). Para ser salvo e restaurado é preciso que primeiro se confesse o pecado e se clame pelo perdão.
Maravilhosa graça
A graça de Deus é maravilhosa.
O que levou a mãe a Jesus foi o problema da filha. No entanto, perceba: o problema da filha só foi tratado depois. O coração da mãe tinha que ser tratado primeiro.
O Senhor primeiro transformou essa mulher e depois tratou da filha dela.
Lições:
* Os problemas que nós levamos a Deus nem sempre são as prioridades de Deus, por mais que eles sejam legítimos e caros para nós. Primeiro o Senhor sempre trata do nosso coração. Não se esqueça, porém, que os problemas nos levam a Deus.
** Nossos filhos, cônjuge, parentes, amigos e igreja só serão tratados na medida em que nós formos pessoalmente sendo transformados.
*** Sendo um dom de Deus, ele mesmo faz nascer e ele mesmo amadurece a nossa fé.
Tenha fé.
Viva pela fé.
Deixe Deus amadurecer a sua fé.
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Pr. Leandro B. Peixoto