25.08.2024
Êxodo 3.10 (NVT)
“Agora vá, pois eu o envio ao faraó. Você deve tirar meu povo, Israel, do Egito”.
HERÓI. Você tem algum? Quem é o seu herói? É um herói da mitologia? Lembrando que mitologia, conforme aqui se está empregando o termo, é um conjunto de mitos. E mitos, aqui, não é o mesmo que mentiras; a palavra não está sendo utilizada de forma depreciativa. Estamos utilizando o substantivo “mito” para falar do conjunto de relatos simbólicos, passados de geração em geração dentro de um grupo ou sociedade, que narram e explicam a origem de determinados fenômenos, pessoas, instituições e costumes sociais. Então, quais são os seus heróis? São eles da mitologia ou da literatura? São do cinema? É um herói nacional? Ou são os heróis da fé que estão estampados nas páginas da Bíblia?
Heróis ocupam papéis centrais nas narrativas, servindo como figuras simbólicas que refletem as aspirações, os medos, as crenças e os valores de uma sociedade ou de um indivíduo. A importância do herói vai além de ser ele o mero protagonista de uma história. Heróis são veículos de comunicação, por assim dizer. Servem como símbolos ou arquétipos, representando qualidades universais como coragem, sacrifício, resiliência e moralidade. Inspiram e guiam aspirações, reflexões e autoconhecimento, transmitem valores culturais ou representam a luta contra o mal; servem inclusive como modelos de superação, transformação ou crescimento; são figuras que ajudam na coesão social e na identidade coletiva; e, segundo os literatos, podem promover catarse ou libertação emocional – uma vez que a jornada do herói permite ao indivíduo que o contempla experimentar emoções intensas como medo, tristeza e alegria de forma segura, através da narrativa. Essa catarse pode ajudar a purgar emoções negativas e a reforçar a resiliência emocional.
EM RESUMO, o herói é uma figura central que cumpre diversas funções importantes. O herói não é apenas um personagem em uma história, mas um símbolo poderoso que ressoa profundamente com as necessidades internas e externas das pessoas, individualmente e, como um todo, das sociedades.
MAS CUIDADO! Pode-se fazer leituras erradas sobre as pessoas que tomamos como heróis. Pode-se, por exemplo, atribuir a elas valores que elas mesmas jamais tiveram ou cultivaram; pode-se apenas fazer um recorte em suas ideias e tomar as suas obras sem qualquer conexão com a realidade (seja a realidade delas mesmas ou a da vida em geral) e, a partir dessas teorias, buscar construir uma vida ou um mundo de ilusão, uma utopia a um custo trágico. Leia, por exemplo (é leitura indispensável para quem deseja realmente conhecer os heróis e os fundamentos da modernidade), Os Intelectuais, de Paul Johnson. Entretanto, prepare-se para ficar cara a cara com os maiores horrores: insensibilidade, egoísmo, crueldade, misoginia, promiscuidade, mentiras e muito mais por parte daqueles que gerações inteiras tomaram e ainda hoje tomam como heróis e, portanto, os abraçam como salvadores pessoais e sociais. Dentre os biografados por Paul Johnson estão Rousseau, Shelley (e Byron), Marx, Sartre e, quem diria!, até Tolstói. Veja, não é que você jamais deva ler as obras desses homens, mas, no mínimo, você aprenderá – com a leitura de Os Intelectuais, de Paul Johnson – a lê-las com a devida cautela e saberá (espero!) reavaliar posicionamentos pessoais em relação às ideias correntes que deles se propagaram.
A mesma coisa acontece com os personagens da Bíblia. A gente facilmente olha para os homens e as mulheres da palavra de Deus como se eles não tivessem pés de barro, como se eles e elas fossem os verdadeiros heróis da narrativa bíblica. O que, de fato, está longe de ser verdade. Sim, é verdade que muitos deles, ao longo da jornada, apresentaram algum crescimento e passaram por transformação. Contudo, jamais se tornaram modelos irretocáveis de, por exemplo, temperamento, atitude e até de moralidade. A Bíblia, então, ensina-nos a ler a história desses homens e mulheres, os heróis bíblicos, com suas rugas e verrugas. Como?
Ora, a Bíblia nos remete, constantemente, não para os homens, mas para o Deus deles – que é, de fato e de verdade, o grande herói. Tome Moisés como exemplo. Se você tentar ler a história de Moisés e tomá-lo como exemplo de um herói irretocável, um homem digno de irreparável conduta, ficará em crise quando chegar ao final da história e descobrir que – vejam só! Tadinho! – Deus não permitiu que Moisés entrasse na terra prometida. Leia:
Deuteronômio 32.48-52 (NVT)
48Naquele mesmo dia, o Senhor disse a Moisés: 49“Vá a Moabe, às montanhas a leste do rio [montanhas de Abarim], e suba o monte Nebo, do lado oposto de Jericó. Veja a terra de Canaã, a terra que dou aos israelitas como sua propriedade. 50Você morrerá ali no monte e será reunido a seus antepassados, como Arão morreu no monte Hor e foi reunido a seus antepassados. 51Será assim porque vocês dois quebraram minha confiança diante dos israelitas nas águas de Meribá, em Cades,* no deserto de Zim. Não honraram minha santidade para os israelitas. 52Por isso você verá a terra de longe, mas não entrará na terra que dou ao povo de Israel”.
Deuteronômio 34.1-8 (NVT)
1Então Moisés subiu das campinas de Moabe ao monte Nebo, até o topo do Pisga, do lado oposto de Jericó. Ali o Senhor lhe mostrou toda a terra, de Gileade a Dã; 2toda a terra de Naftali; a terra de Efraim e Manassés; a terra de Judá, que se estende até o mar Mediterrâneo; 3o Neguebe; o vale do Jordão, com Jericó, a cidade das palmeiras, até Zoar. 4O Senhor disse a Moisés: “Esta é a terra que prometi sob juramento a Abraão, Isaque e Jacó, quando disse: ‘Eu a darei a seus descendentes’. Sim, permiti que você a visse com seus próprios olhos, mas você não atravessará o rio para entrar nela”.
5Assim, Moisés, servo do Senhor, morreu ali na terra de Moabe, conforme o Senhor tinha dito. 6Ele o sepultou num vale junto a Bete-Peor, em Moabe, mas até hoje ninguém sabe o lugar exato. 7Moisés tinha 120 anos quando morreu e, no entanto, ainda enxergava bem e tinha todas as suas forças. 8Os israelitas prantearam a morte de Moisés por trinta dias nas campinas de Moabe, até se cumprir o período do ritual de luto.
“Mas como!?”, você poderá dizer com espanto. “Meu Deus, Moisés, que fez tanto!” Pois é! É que a história não é sobre Moisés. A história é sobre Deus. Em última instância, homens e mulheres não são os heróis da Bíblia. Deus é o Herói.
A JORNADA DO HERÓI na Bíblia é a jornada de Deus. Eis o resumo desta saga heróica de Deus: Ele próprio, do nada, cria todas as coisas em estado perfeito – para a sua própria glória. O homem cai no pecado. Deus inicia a história da salvação. Faz aliança com Abraão. Envia seu povo para o Egito e lá o multiplica exponencialmente. Quatrocentos anos mais tarde, liberta seu povo da escravidão. Sedimenta a aliança com o povo na lei de Moisés, que foi entregue no deserto do Sinai. Em seguida, preserva e conduz o povo através do deserto. Coloca-os na terra prometida. Levanta líderes. Entra rei e sai rei, e Deus continua seguindo o seu propósito de salvar o seu povo por meio do descendente de Abraão, não obstante à dureza do coração de seu próprio povo.
Nesse ínterim, esse povo busca a sabedoria de Deus, faz seus lamentos diante de Deus e escreve seus salmos para Deus, afinal, ainda estão vivendo em um mundo quebrado pelo pecado – e sua única esperança é o próprio Deus. Deus, por sua vez, envia os seus profetas para manter o seu povo na aliança do Sinai, a lei de Moisés. O povo, de coração duro, cai reiteradamente e vai para o cativeiro na Babilônia, mais uma vez escravizado por causa do pecado. Setenta anos mais tarde, Deus os retira de lá e os devolve à terra de Judá. Agora, porém, sem rei, mas sob o jugo de nações perversas, sob impérios governados por reis nada menos que perversos: Pérsia, Macedônia, Grécia e Roma.
Até que, na plenitude dos tempos, chega o rei prometido de Israel, Jesus Cristo, descendente de Davi e de Abraão. Ele vive a vida perfeita, cumprindo na própria carne a lei de Deus. Morre como substituto, fazendo propiciação pelo pecado do povo de Deus. A morte e ressurreição de Cristo, seguidas pelo envio do Espírito Santo, cria o povo da nova aliança: nasce a igreja, que é regida pelo Antigo e Novo Testamentos, no poder do Espírito Santo. Esse novo povo de Deus – tal como sempre deveria ter sido – vive pela fé, na esperança da vida eterna, quando haverá a restauração final de todas as coisas.
Essa, portanto, é a jornada do Herói. Um panorama rápido de toda a história bíblica, a qual estamos buscando desembrulhar, livro a livro. E, para você degustar esse panorama de forma mais detalhada, recomendo a leitura de O que Deus requer de nós? Um rápido panorama de toda a Bíblia, livro de Mark Dever, pela editora Vida Nova.
Pois bem, à luz do exposto até aqui, não perca isto de vista: o herói de Êxodo não é Moisés. Deus é o Herói. A jornada do Herói é a jornada de Deus. É a revelação que Deus fez de si mesmo e de seus planos e ações para criar um povo para redimir a humanidade, a qual ele criou para viver com ele em doce e deleitosa comunhão, para a glória dele e o bem de seu povo e de toda a criação.
Moisés e os demais personagens bíblicos, entretanto, não deixam de ser, de algum modo, heróis. Veja bem, heróis com “h” minúsculo, pois só são heróis na medida em que, pela graça, por meio da fé, buscam viver e agir segundo o caráter de Deus revelado nas Escrituras Sagradas – tudo isso na força que o próprio Deus dá, pela operação do Espírito Santo. Afinal, como bem atestou outro grande personagem bíblico, um herói da envergadura de Moisés, estamos falando do apóstolo Paulo, este escreveu que Deus mesmo é quem age em todos os seus filhos, “dando-lhes o desejo e o poder de realizarem aquilo que é do agrado dele.” (Fl 2.13, NVT).
De fato, Deus é o Herói – Cristo é o Herói – em nós, agindo em nós e por nosso intermédio. Gálatas 2.20 (NVT): “Fui crucificado com Cristo; assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. Portanto, vivo neste corpo terreno pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim.” E Paulo, adiante, aos coríntios, deixou bem claro quem é mesmo o Herói: o Deus trino. Paulo é herói apenas na medida em que ele é tão somente um emblema, símbolo – usando suas próprias palavras, um embaixador – do verdadeiro Herói. Leia:
1Coríntios 15.10-11 (NVT)
10O que agora sou, porém, deve-se inteiramente à graça que Deus derramou sobre mim, e que não foi inútil. Trabalhei com mais dedicação que qualquer outro apóstolo e, no entanto, não fui eu, mas Deus que, em sua graça, operou por meu intermédio. 11Logo, não faz diferença se eu prego ou se eles pregam, pois todos nós anunciamos a mesma mensagem na qual vocês já creram.
Paulo jamais fez questão de omitir o segredo de seu heroísmo. As proezas e a grandeza de alma de Paulo se deveram ao verdadeiro Herói: Cristo, o qual, com graça, derramou-se na vida dele e operou por seu intermédio. Quanto a Paulo, enquanto pessoa natural, ele próprio fez questão de se revelar, sem qualquer demagogia: “eu sou o pior de todos os pecadores” (1Tm 1.15). De fato, ele foi – palavras dele próprio – blasfemo, perseguidor, violento, e agia pela ignorância da verdade e na incredulidade (1Tm 1.13). Foi também cobiçoso (Rm 7.7) e intransigente (para se constatar, basta que se leia o relato que Lucas fez do grande racha que houve entre Paulo e Barnabé, em Atos 15.36-41). Enfim, nada de bom para alguém que mais tarde viria se apresentar como exemplo de santidade a ser seguido.
Realmente, gente, se você busca heroísmo na pessoa humana natural, jamais achará algum herói a ser seguido, nem na Bíblia. O segredo dos heróis bíblicos é um só: Deus, o grande Deus desses homens e mulheres de fé. Paulo atestou isto, falando em causa própria:
1Timóteo 1.12-17 (NVT)
12Agradeço àquele que me deu forças, Cristo Jesus, nosso Senhor, que me considerou digno de confiança e me designou para servi-lo, 13embora eu fosse blasfemo, perseguidor e violento. Contudo, recebi misericórdia, porque agia por ignorância e incredulidade. 14O Senhor fez sua graça transbordar e me encheu da fé e do amor que vêm de Cristo Jesus.
15Esta é uma afirmação digna de confiança, e todos devem aceitá-la: “Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores”, e eu sou o pior de todos. 16Mas foi por isso que eu, o pior dos pecadores, recebi misericórdia, para que assim Cristo Jesus mostrasse quanto é paciente. Desse modo, sirvo de exemplo a todos que vierem a crer nele para a vida eterna. 17Honra e glória a Deus para todo o sempre! Ele é o Rei eterno, invisível e imortal; ele é o único Deus. Amém.
A mesma coisa pode ser dita, sem tirar nem por, a respeito de Moisés.
Deus permitindo, mergulharemos em Êxodo e, ao longo do tempo, alternando com outras séries de mensagens, mergulharemos também nos demais livros do Pentateuco (ou seja, Levítico, Números e Deuteronômio) e descobriremos que Moisés tem, sim, pés de barro. Com efeito, ele estava longe, bem longe de ser perfeito. Assim como não eram perfeitos – e nós já estudamos em Gênesis que eles realmente não eram perfeitos – Abraão, Isaque, Jacó, Judá, nem José ou qualquer outro personagem de Gênesis. Perfeito e bom é só um: Deus. Palavras de Jesus (em Marcos 10.18, NVT): “Apenas Deus é verdadeiramente bom.”
Pense um pouco sobre Moisés. É verdade que houve qualidades, muitas qualidades em Moisés, dentre as quais podemos destacar esta que talvez seja a principal (uma nota de rodapé a respeito do caráter de Moisés), está em Números 12.3 (NVT): “Ora, Moisés era muito humilde [manso], mais que qualquer outra pessoa na terra.” Realmente, para humanamente suportar tanta murmuração do povo, tanta incredulidade por parte deles, suas rebeliões e todos os desafios do deserto, tais quais o calor e o frio extremos, além da falta de comida e água, somente uma pessoa mansa e humilde para suportar. E mesmo assim, Moisés perdeu a paciência com esse povo ao longo da jornada.
Certa vez, para extrair água, Moisés bateu na rocha duas vezes, desobedecendo a Deus (que tinha dito para ele apenas falar à rocha), conforme Números 20.10-11 (NVT) — “Ouçam, seus rebeldes!”, gritou Moisés. “Será que é desta rocha que teremos de tirar água para vocês?” Então Moisés levantou a mão e bateu na rocha duas vezes com a vara.” — Essa irritação era fruto de incredulidade, como o próprio Deus diagnosticou, e isso custou a Moisés o bilhete para entrar em Canaã, conforme Números 20.12 (NVT) —“O SENHOR, porém, disse a Moisés e a Arão: “Uma vez que vocês não confiaram em mim para mostrar minha santidade aos israelitas, não os conduzirão à terra que eu lhes dou!” — Noutra ocasião, com os Dez Mandamentos já nas mãos, Moisés ficou muito, mas muito irado pelo pecado que viu o povo cometendo. Então ele “[a]rremessou as tábuas de pedra das suas mãos e quebrou-as ao pé do monte” (Êx 32.19, NAA).
Manso, muito manso, mais manso que qualquer pessoa na terra, só que nem tanto! Paciência tem limites, né, gente? Até a de Moisés! Ora, e mesmo a mansidão que Moisés esbanjava, não se enganem!, até esse traço de mansidão e humildade era fruto de sua amizade íntima com Deus, uma vez que Moisés não lidava com o povo sem ter estado, primeiro, diante de Deus. Êxodo 33.11 (NVT): “o SENHOR falava com Moisés face a face, como quem fala com um amigo. Depois Moisés voltava ao acampamento.”
A conclusão do livro de Moisés, o Pentateuco, revela que a grandeza de Moisés se deveu não ao que Moisés foi em si mesmo ou fez por si mesmo, não estava na envergadura de seu caráter ou nas conquistas que obteve, mas na envergadura de seu Deus – e no que Deus mesmo fez em Moisés, para Moisés e por intermédio de Moisés. Foi Deus quem fez Moisés ser quem ele se tornou e realizar o que realizou. Ouça (as últimas palavras do livro da Lei!):
Deuteronômio 34.10-12 (NVT)
10Nunca houve em Israel outro profeta como Moisés, a quem o SENHOR conhecia face a face. 11O SENHOR o enviou ao Egito para realizar todos os sinais e maravilhas contra o faraó, contra todos os seus servos e contra toda a sua terra. 12Com grande poder, Moisés realizou atos temíveis diante dos olhos de todo o Israel.
Se você pesar na balança o Moisés que Deus “pegou” para libertar o povo de Israel do Egito, ficará surpreso. Nada nele próprio inspirava heroísmo. Menino criado no palácio, com todas as regalias de um príncipe. Quando cresceu e viu a opressão que os hebreus sofriam no Egito, tentou agir pela própria força do braço, bancando o herói, mas se deu mal. Ocorreu que Moisés matou um egípcio que espancava um hebreu e enterrou o corpo na areia. Depois, foi apartar dois hebreus que brigavam entre si e não só ouviu desaforos, como também saiu fugido do Egito. Leia:
Êxodo 2.13-15 (NVT)
13No dia seguinte, quando Moisés saiu novamente para visitar seu povo, viu dois hebreus brigando. “Por que você está espancando seu amigo?”, perguntou Moisés ao que havia começado a briga.
14O homem respondeu: “Quem o nomeou nosso príncipe e juiz? Vai me matar como matou o egípcio?”.
Moisés teve medo e pensou: “Com certeza todos já sabem o que aconteceu!”. 15E, de fato, o faraó tomou conhecimento do que havia acontecido e tentou matar Moisés, mas ele fugiu e foi morar na terra de Midiã.
Que desastre de homem, minha gente! De que modo uma pessoa assim poderia servir como libertador de uma nação? Nem rei ou governante ele era, oras! E agindo assim, impulsivamente, solitária e revolucionariamente, jamais daria certo. De fato, ele precisou sair fugido do Egito aos quarenta anos de idade. Foi parar em Midiã, onde ficou morando, tocando sua vida por mais quarenta anos, pastoreando ovelhas, no anonimato total. E jamais formou para si um bando de mercenários, revolucionários ou mesmo um exército que, porventura, algum dia pudesse fazer frente ao faraó.
Quando Deus o traz de volta ao Egito, ao lado de seu irmão Arão, para libertar Israel, Moisés já contava 80 anos e Arão 83. Ora, pense bem. Idoso. Sem uma rede de amigos no Egito. Sem qualquer poder de algum modo constituído ao seu redor (sem um exército, oras!). Totalmente sem influência, pois havia perdido qualquer uma que poderia ter tido algum dia. De fato, já fazia quarenta anos que Moisés havia fechado todas as portas para si mesmo naquele país, quando de lá saiu fugido como um cão que é tocado da porta do bar. Principalmente, a essa altura da vida, Moisés não tinha qualquer experiência como libertador, menos ainda como alguém que soluciona conflitos. Era só puxar sua ficha corrida e checar.
Então, faça os cálculos: idoso, inexperiente, indefeso e ignóbil (para os egípcios e para os próprios hebreus, até aquele ponto). Temos aqui a fórmula para o fracasso total e absoluto. Ah! e no topo de tudo isto está a incapacidade e a indisposição pessoais que o próprio Moisés apresenta a Deus quando este o chama para a missão de resgatar Israel do Egito. Detalhe: Moisés estava sendo sincero em Êxodo 3 e 4. Moisés estava sendo profundamente verdadeiro. Essas não eram desculpas esfarrapadas.
Deus, na experiência que Moisés teve com ele na sarça ardente, lá no fundo do deserto de Midiã, disse-lhe o seguinte, em Êxodo 3.10 (NVT): “Agora vá [Moisés], pois eu o envio ao faraó. Você deve tirar meu povo, Israel, do Egito”. Parece brincadeira, mas é verdade! Realmente, para quem não conhece verdadeiramente a Deus, essas palavras não passam de brincadeira. Talvez por isso – por ignorância e incredulidade, citando aqui a experiência pregressa do apóstolo Paulo – talvez por conhecer a Deus só de ouvir falar (como foi primeiramente com Jó), talvez sem uma experiência real com Deus, Moisés tenha rebatido não uma, nem duas, mas quatro vezes o chamado do SENHOR. Ele insistiu que “não!”, nestes termos: “Eu não tenho credenciais!” “Eu não tenho conteúdo!” “Eu não tenho certeza de que serei ouvido!” “Eu não tenho boa comunicação!” “Eu não quero esse compromisso!”
“Eu não tenho credenciais!”
Êxodo 3.11 (NVT) Moisés, porém, disse a Deus: “Quem sou eu para me apresentar ao faraó? Quem sou eu para tirar o povo de Israel do Egito?”
“Eu não tenho conteúdo!”
Êxodo 3.13 (NVT) Moisés disse a Deus: “Se eu for aos israelitas e lhes disser: ‘O Deus de seus antepassados me enviou a vocês’, eles perguntarão: ‘Qual é o nome dele?’. O que devo dizer?”.
“Eu não tenho certeza de que serei ouvido!”
Êxodo 4.1 (NVT) Moisés respondeu: “E se não acreditarem em mim ou não quiserem me ouvir? E se disserem: ‘O SENHOR nunca lhe apareceu’?”.
“Eu não tenho boa comunicação!”
Êxodo 4.10 (NVT) Moisés, porém, disse ao SENHOR: “Ó Senhor, não tenho facilidade para falar, nem antes, nem agora que falaste com teu servo! Não consigo me expressar e me atrapalho com as palavras”.
“Eu não quero esse compromisso!”
Êxodo 4.13 (NVT) “Por favor, Senhor!”, suplicou Moisés. “Envia qualquer outra pessoa!”
Pense bem, gente. Humanamente falando, isso tinha tudo para dar errado. E teria dado errado se o herói fosse apenas Moisés. Não deu errado porque o verdadeiro Herói é Deus. A jornada do herói é, na verdade, a jornada de Deus – a jornada de como Deus escreveu a história da salvação através da vida de Moisés: Deus chamando Moisés; Deus capacitando Moisés; Deus revelando-se progressivamente a Moisés; Deus dando a Moisés habilidades para confirmar o seu chamado aos olhos dos hebreus; Deus conferindo a Moisés poderes para confrontar e derrotar faraó, os deuses e as forças do Egito; Deus falando através da boca de Moisés; e, em tudo, Deus operando em Moisés, pela graça, por meio da fé, o desejo e a capacidade de realizar a obra de libertação da escravidão no Egito e a formação de um povo no deserto do Sinai. Moisés só é herói na medida em que vive e age pela graça de Deus, por meio da fé nas promessas de Deus.
De fato, foi vivendo e agindo pela fé que o Novo Testamento retratou Moisés, sendo o autor de Hebreus quem mais destacou o aspecto da fé de Moisés. O que se aprende com Moisés? Aprende-se sobre a fé – o tipo de fé que faz nascer, crescer e desenvolver heróis para a glória de Deus e o bem das pessoas, tanto individualmente quanto para a humanidade como um todo. Veja: Hebreus 11.23-28. Que tipo de fé é essa?
A fé que coloca a palavra de Deus acima das utopias humanas
Hebreus 11.23 (NVT) 23Pela fé, os pais de Moisés o esconderam por três meses tão logo ele nasceu, pois viram que a criança era linda e não tiveram medo de desobedecer ao decreto do rei.
A fé que fixa os olhos no valor intrínseco de Cristo em contraste com os valores do mundo
Hebreus 11.24-26 (NVT) 24Pela fé, Moisés, já adulto, recusou ser chamado filho da filha do faraó, 25preferindo ser maltratado junto com o povo de Deus a aproveitar os prazeres transitórios do pecado. 26Considerou melhor sofrer por causa do Cristo do que possuir os tesouros do Egito, pois tinha em vista sua grande recompensa.
A fé que eleva os olhos para o que realmente importa
Hebreus 11.27 (NVT) 27Pela fé, saiu do Egito sem medo da ira do rei e prosseguiu sem vacilar, como quem vê aquele que é invisível.
A fé que move as pessoas a viverem sob a proteção do sangue de Cristo na cruz
Hebreus 11.27 (NVT) 28Pela fé, ordenou que o povo de Israel celebrasse a Páscoa e aspergisse com sangue os batentes das portas, para que o anjo da morte não matasse seus filhos mais velhos.
Esse é o tipo de herói que a Bíblia nos exorta a imitar.
Hebreus 6.12 (NVT) [… imitem, sigam] o exemplo daqueles que, por causa de sua fé e perseverança, herdarão as promessas.
Hebreus 13.7 (NVT) Lembrem-se de seus líderes que lhes ensinaram a palavra de Deus. Pensem em todo o bem que resultou da vida deles e sigam seu exemplo de fé.
Os heróis que buscamos como exemplo são aqueles que vivem pela fé. A fé que coloca a palavra de Deus acima das utopias humanas. A fé que fixa os olhos no valor intrínseco de Cristo em contraste com o mundo. A fé que eleva os olhos para o que realmente importa: Deus. A fé que move as pessoas a viverem sob a proteção do sangue de Cristo na cruz. Não somos do tipo que descarta os heróis. Pelo contrário, nós os buscamos, reconhecemos, honramos e procuramos imitá-los, e fazemos isso muito mais pelo que eles são – pela graça de Deus e pela fé nas promessas de Deus – do que pelo bem que produziram e continuam produzindo através de suas vidas, e muito mais pelo fim ao qual suas vidas conduzem do que pelo que eles são ou prometem ser em si mesmos.
A história está cheia de heróis que escreveram uma coisa, mas praticaram outra; que produziram belíssimas obras, mas sacrificaram muitas pessoas no altar de uma intelectualidade sem Deus, centrada no homem, principalmente no orgulho e na vaidade pessoal. Esses não são os heróis que honramos, muito menos imitamos. Sim, até lemos e desfrutamos das belas obras que produziram, mas fazemos isso com a certeza de que a graça comum de Deus cai tanto sobre os justos quanto sobre os injustos – e assim é para a glória de Deus e o bem comum. Também conferimos tudo com a coerência ou incoerência entre a obra e a vida de quem a produziu; verificamos tudo pelo prisma da razoabilidade da verdade, sobretudo à luz da Bíblia Sagrada, que é a palavra final e cheia de autoridade de Deus.
Acreditamos profundamente no que escreveu Pascal (em seus Pensamentos, seção VII, parágrafo 508): “A graça é de fato necessária para transformar um homem em santo; e aquele que duvida disso não sabe o que é um santo nem o que é um homem.”
Pois bem, com tudo isso em mente, convido você a voltar na semana que vem para, juntos – Deus permitindo – mergulharmos na história do Êxodo e aprendermos como Deus transforma não apenas um homem em um santo, mas uma nação inteira em um povo santo.
Por ora, convido todos vocês que creem em Jesus Cristo – todos que já creram em Cristo para a salvação, já professaram a fé através do batismo e estão em comunhão com a igreja – a virem e celebrarem juntos a grande salvação que a vida, morte [partida, εξοδος, cf. Lc 9.31] e ressurreição de Jesus Cristo conquistou para nós, seu povo. Venham. Celebrem, oh, crentes! A Ceia do Senhor é a nossa celebração.
Se ainda não é o seu caso, venha a Cristo hoje à noite, venha a ele para a sua salvação, santificação e plena satisfação. Faça a sua vida valer a pena. Siga a jornada do Herói, negando a si mesmo, tomando diariamente a sua cruz e seguindo a Cristo Jesus.
S.D.G. L.B.Peixoto
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