12.03.2023
[Gênesis 1.1-31] 1No princípio, Deus criou os céus e a terra. 2A terra era sem forma e vazia, a escuridão cobria as águas profundas, e o Espírito de Deus se movia sobre a superfície das águas. 3Então Deus disse: “Haja luz”, e houve luz. 4E Deus viu que a luz era boa, e separou a luz da escuridão. 5Deus chamou a luz de “dia” e a escuridão de “noite”. A noite passou e veio a manhã, encerrando o primeiro dia. 6Então Deus disse: “Haja um espaço entre as águas, para separar as águas dos céus das águas da terra”. 7E assim aconteceu. Deus criou [fez] um espaço para separar as águas da terra das águas dos céus. 8Deus chamou o espaço de “céu”. A noite passou e veio a manhã, encerrando o segundo dia. 9Então Deus disse: “Juntem-se as águas que estão debaixo do céu num só lugar, para que apareça uma parte seca”. E assim aconteceu. 10Deus chamou a parte seca de “terra” e as águas de “mares”. E Deus viu que isso era bom. 11Então Deus disse: “Produza a terra vegetação: toda espécie de plantas com sementes e árvores que dão frutos com sementes. As sementes produzirão plantas e árvores, cada uma conforme a sua espécie”. E assim aconteceu. 12A terra produziu vegetação: toda espécie de plantas com sementes e árvores que dão frutos com sementes. As sementes produziram plantas e árvores, cada uma conforme a sua espécie. E Deus viu que isso era bom. 13A noite passou e veio a manhã, encerrando o terceiro dia. 14Então Deus disse: “Haja luzes no céu para separar o dia da noite e marcar as estações, os dias e os anos. 15Que essas luzes brilhem no céu para iluminar a terra”. E assim aconteceu. 16Deus criou [fez] duas grandes luzes: a maior para governar o dia e a menor para governar a noite, e criou [fez] também as estrelas. 17Deus colocou essas luzes no céu para iluminar a terra, 18para governar o dia e a noite e para separar a luz da escuridão. E Deus viu que isso era bom. 19A noite passou e veio a manhã, encerrando o quarto dia. 20então Deus disse: “Encham-se as águas de seres vivos, e voem as aves no céu acima da terra”. 21Assim, Deus criou os grandes animais marinhos e todos os seres vivos que se movem em grande número pelas águas, bem como uma grande variedade de aves, cada um conforme a sua espécie. E Deus viu que isso era bom. 22Então Deus os abençoou: “Sejam férteis e multipliquem-se. Que os seres encham os mares e as aves se multipliquem na terra”. 23A noite passou e veio a manhã, encerrando o quinto dia. 24Então Deus disse: “Produza a terra grande variedade de animais, cada um conforme a sua espécie: animais domésticos, animais que rastejam pelo chão e animais selvagens”. E assim aconteceu. 25Deus criou [fez] grande variedade de animais selvagens, animais domésticos e animais que rastejam pelo chão, cada um conforme a sua espécie. E Deus viu que isso era bom. 26Então Deus disse: “Façamos o ser humano à nossa imagem; ele será semelhante a nós. Dominará sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos, sobre todos os animais selvagens da terra e sobre os animais que rastejam pelo chão”. 27Assim, Deus criou os seres humanos à sua própria imagem, à imagem de Deus os criou; homem e mulher os criou. 28Então Deus os abençoou e disse: “Sejam férteis e multipliquem-se. Encham e governem a terra. Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que rastejam pelo chão”. 29Então Deus disse: “Vejam! Eu lhes dou todas as plantas com sementes em toda a terra e todas as árvores frutíferas, para que lhes sirvam de alimento. 30E dou todas as plantas verdes como alimento a todos os seres vivos: aos animais selvagens, às aves do céu e aos animais que rastejam pelo chão”. E assim aconteceu. 31Então Deus olhou para tudo que havia feito e viu que era muito bom. A noite passou e veio a manhã, encerrando o sexto dia.
A apostila didática do 6º ano do Ensino Fundamental (utilizada pela minha sobrinha de dez anos) – no Módulo I de Geografia, o qual trata da “Astronomia: O Estudo do Universo” – abre o primeiro capítulo com a seguinte frase: “O Universo é tudo o que existe, que existiu e que existirá.” E prossegue dizendo que “Isso inclui tanto aquilo que está bem perto de nós e que não podemos ver a olho nu, – como átomos e partículas –, quanto aquilo que é gigantesco e está muito distante, – como estrelas, planetas e galáxias.”
ORA, QUER DIZER QUE – por ter a vida se originado da matéria pura e eterna, de uma espécie de ameba nalgum lugar no espaço escuro na eternidade – ENTÃO a vida se resume a átomos e partículas, estrelas, planetas e galáxias, e a todas as outras coisas entre eles, as quais são observáveis pelos olhos humanos; OU SEJA, a vida se resume mesmo apenas à matéria, matéria eterna (a matéria que era, que é e sempre há de ser)?
POIS É EXATAMENTE ISTO QUE – em nome de ciência – se ensinam já desde o nível fundamental da educação escolar de nossas crianças: “O Universo é tudo o que existe, que existiu e que existirá.” Ora, gente, contrário do que se dizem nos círculos escolares e acadêmicos, essa visão materialista e naturalista da vida não é uma alternativa irreligiosa ou areligiosa para se explicar a vida ou as origens, não é uma alternativa “científica e racional” (excluindo-se assim a religião); é ela mesma – essa teoria – uma proposta sim religiosa, uma nova religião: a religião materialista, naturalista e humanista adotada pela humanidade moderna; é o cientificismo. — Mas no que consistem essas visões de mundo (essa religião sem Deus)? — Sim, dizem-se ser essas visões de mundo formas de religião porque seus pressupostos são também dogmáticos, estabelecidos de antemão e todas igualmente propões algum tipo de paraíso na terra.
O HUMANISMO filosófico foi uma corrente intelectual iniciada no século XV que concebia o ser humano como o arquiteto do mundo. A partir desta perspectiva antropocêntrica – centrada no homem –, inspirada por trabalhos feitos durante a Antiguidade Clássica greco-romana, diminuía-se a relevância cultural do teocentrismo que dominava a sociedade europeia desde a Idade Média. Figuras-chave do movimento humanista são Giovanni Pico Della Mirândola e Leonardo da Vinci.
O MATERIALISMO filosófico (do início do século XVIII) é uma concepção que admite a origem e a existência humana a partir de uma condição concreta: a matéria. É uma corrente que acredita nas circunstâncias concretas e materiais como principal meio de explicação da realidade e seus fenômenos sociais, históricos e mentais. É daí que surge o marxismo e, derivado dele, o materialismo histórico e o dialético que deram origem às revoluções sanguinária da história moderna. Figuras predominantes deste movimento são o alemão Leibniz e o francês La Mettrie; além de Marx, Engels e sucessores.
O NATURALISMO (do final do século XIX) é, em oposição ao sobrenatural ou espiritual, a ideia ou a crença de que apenas as leis e as forças naturais operam no mundo; em extensão, a ideia ou crença de que não existe nada além do mundo natural. Os adeptos do naturalismo – ou seja, os naturalistas – afirmam que as leis naturais são as regras que regem a estrutura e o comportamento do universo natural; que cada etapa da evolução do universo é um produto dessas leis. Figura predominante do naturalismo filosófico é o britânico Charles Darwin.
Curiosamente, não foi assim desde o início. Isaac Newton (1643—1727), reconhecido como um dos cientistas mais influentes de todos os tempos e figura-chave na ciência moderna, tinha uma miniatura do sistema solar sobre a mesa de seu escritório. O sol estava posicionado no centro da maquete, e os vários planetas estavam posicionados em órbita ao seu redor. Conta-se que, certo dia, um cientista amigo seu entrou em sua sala, e quando viu aquele objeto, exclamou: “Olhe só! Mas que coisa genial é esta? Quem fez isto?” Newton replicou: “Ninguém.” O amigo triplicou, enquanto Newton o ouvia silenciosa e atentamente: “Você deve pensar que eu sou um idiota. Naturalmente alguém fez isto, e essa pessoa é um gênio.” Newton se levantou de sua cadeira, deu a volta pelo lado da escrivaninha, colocou a mão no ombro do amigo e comentou:
Isto aqui é somente uma reles imitação de um sistema solar muito maior do que as leis que você e eu conhecemos. Veja, não fui capaz de convencê-lo de que este mero brinquedo não tenha sido fabricado por algum projetista ou artífice muito habilidoso. Porém, você afirma que o Universo, o grande original que esse protótipo tenta apenas copiar em uma pequenina parte, passou a existir sem um Criador. O que o leva a essa conclusão tão absurda?
Não pode ser verdade que não exista um Criador por trás de tudo o que há neste Universo; não só não é verdade como chega até a ser absurda a afirmação de que “O Universo é tudo o que existe, que existiu e que existirá.” Isso não é ciência. É religião.
A verdade é uma só: Deus é eterno. Apocalipse 1.8 — “Eu sou o Alfa e o Ômega”, diz o Senhor Deus. “Eu sou aquele que é, que era e que ainda virá, o Todo-poderoso.” Apocalipse 4.8 — “Santo, santo, santo é o Senhor Deus, o Todo-poderoso, que era, que é e que ainda virá”. E Hebreus 13.8 “Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e para sempre.” Ora, gente, a verdade é que o Pai eterno, juntamente com o Filho eterno, pelo mover do Espírito eterno – o Deus trino e eterno – que criou todas as coisas: Gênesis 1.1-2 — “No princípio, Deus criou os céus e a terra. A terra era sem forma e vazia, a escuridão cobria as águas profundas, e o Espírito de Deus se movia sobre a superfície das águas.”
A criação é uma das formas da auto-revelação de Deus e, portanto, um meio pelo qual podemos conhecê-lo. Todavia, como João Calvino astutamente escreveu na introdução de seu comentário do livro de Gênesis, nossos olhos não são “suficientemente clarividentes para discernir o que representa a estrutura do céu e da terra, ou que o conhecimento daí obtido é suficiente para a salvação [posto que não é].”
Precisamos, portanto, da Bíblia Sagrada tanto para a correta compreensão da obra da criação e do propósito para o qual todas as coisas foram criadas, e ainda mais: para se achar o caminho da salvação em Cristo Jesus. Calvino complementou, anotando o seguinte: “se a instrução silenciosa do céu e da terra fosse suficiente, o ensino de Moisés [e demais partes da Bíblia] teria sido supérfluo.”
Pois bem… Tendo já examinado o relato da criação por meio de vários sistemas modernos de interpretação, e depois (no domingo passado) contemplado de forma panorâmica a admirável criação de Deus, nesta noite (e provavelmente noutra ocasião) o meu desejo é voltar para o mesmo relato, com ênfase agora no magnífico Criador e em sua maravilhosa atividade criadora.
Há TRÊS DESTAQUES principais que desejo apresentar.
Cada um desses destaques, como veremos, tem implicações na maneira como devemos nos relacionar com Deus e a sua criação.
Todos os sistemas que tratam da origem do Universo, desde os mitos e as religiões de todos os tempos e de povos diversos, até à ciência moderna, crêem igualmente que, antes do princípio, já algo existia, fossem os deuses em briga e confusão, agindo por revanche ou capricho, fosse alguma matéria ou energia eterna/pré-existente, ou ambos (deuses e matéria caótica)… todo mundo crê que alguma coisa sempre existiu, e disso ou desses, todas as coisas, gradualmente por meio de um processo, vieram a ser (ou existir) como hoje o são.
A Bíblia Sagrada, no entanto, começa dizendo que “No princípio, Deus criou os céus e a terra” (Gn 1.1). Mas o que fazia Deus antes do princípio? Por que ele teria criado todas as coisas? Quando se mergulha nos bastidores do princípio se consegue ver como era a vida antes de tudo vir a existir. Permita-me quatro destaques a este respeito:
PRIMEIRO, havia Deus: Salmo 90.2 — “Antes que os montes nascessem, antes que formasses a terra e o mundo, de eternidade a eternidade, tu és Deus.” Portanto, antes do “princípio”, não havia matéria ou energia ou deuses ciumentos e caprichosos em guerra ou teimosia, ou outra coisa qualquer, havia Deus; Deus já existia em glória esplêndida e sublime; é tanto que Jesus, orando ao Pai, expressou-se assim: João 17.5 “Agora, Pai, glorifica-me e leva-me para junto de ti, para a glória que tive a teu lado antes do princípio do mundo.” Nos bastidores do princípio havia o Deus glorioso.
SEGUNDO, Deus existia em doce e amorosa comunhão. De novo, na mesma oração sacerdotal que elevara ao Pai, Jesus, o Filho eterno de Deus revelou-nos como era a comunhão no seio da santíssima trindade divina: João 17.24 “Pai, quero que os que me deste estejam comigo onde estou. Então eles verão toda a glória que me deste, porque me amaste antes mesmo do princípio do mundo.” Nos bastidores do princípio havia comunhão de amor entre Pai, Filho e Espírito Santo.
TERCEIRO, Deus, o Criador, sempre foi dotado da mais santa e perfeita sabedoria, a mesma pela qual todas as coisas foram criadas: Salmo 136.5 — “Deem graças àquele que criou os céus com muita habilidade [sabedoria, entendimento].
QUARTO, Deus, já na eternidade, exercia sua santa, boa, perfeita e agradável vontade: Efésios 1.3-4 “Todo louvor seja a Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou em Cristo com todas as bênçãos espirituais nos domínios celestiais. Mesmo antes de criar o mundo, Deus nos amou e nos escolheu em Cristo para sermos santos e sem culpa diante dele.”
POIS BEM, se nós seguirmos as diversas concepções míticas ou mesmo a moderna da realidade, diremos que a história só teve início com o princípio ou no início do Universo – no “big bang”. Já que, antes de o Universo ter sido criado, só existia massa ou energia informe; ou deuses em combate. Ou seja, se realmente havia alguma coisa antes do princípio, tratava-se de um estático eterno ou de uma deidade promíscua. TROCANDO EM MIÚDOS: se a sua visão de mundo e da realidade for materialista ou naturalista, – se for cientificista – você dirá que antes do princípio havia um estático eterno e desembocará na tirania do humanismo; e se a sua concepção da realidade for mítica, você partirá para uma explicação promiscua e desumana. Contrastando essas visões de mundo está a cosmovisão cristã.
Se pensarmos na história como uma sequência resultante da vontade criadora de um Deus único, trino – Pai, Filho e Espírito –, todo-suficiente, verdadeiro, soberano, sábio, amoroso, pessoal e moralmente perfeito, chegaremos à conclusão de que a história não teve início “no princípio”, mas sim que – como muito bem argumentou Francis Schaeffer – “o princípio” foi a sequência de uma história eterna. Desde que Deus é Deus, existe história. Como Deus é Deus desde sempre – de eternidade a eternidade ele é Deus –, a história existe desde sempre: a história de Deus, “aquele que é, que era e que ainda virá, o Todo-poderoso” (Ap 1.8). E a mesma verdade, sabedoria, amor, pessoalidade, comunhão, moralidade e perfeição que sempre existiram na trindade divina se derrama agora na nossa história.
Se “O Universo é tudo o que existe, que existiu e que existirá.”, pergunta: de que modo nós explicaríamos a origem dos afetos ou dos sentimentos?; afinal, como é que a matéria ou a energia impessoal e estática – ainda que eterna – poderia produzir um ser pessoal, inteligente, complexo, moral, afetivo e que vive em movimento? PORTANTO: “O Universo é tudo o que existe, que existiu e que existirá.” nós – seres humanos – ficamos resumidos ao corpo, à matéria e ao desespero de ter que viver apenas o aqui e agora; não há amor, arte, prazer e afetos; o que há é o que o Universo impessoal e implacável (neste seu processo evolutivo) poderá nos fornecer.
Agora, se “Deus – o Deus trino: Pai, Filho e Espírito Santo – é tudo o que existe, que existiu e que existirá.”, então: [1.] o mundo não foi criado porque Deus estava se sentido só e sem ter alguém ou alguma coisa para amar, tampouco para que seres humanos fossem seus escravos – como é o caso do antigo mito babilônico da criação, chamado Enuma Elish e é também a lógica de muitos outros mitos e religiões: a solidão de Deus, a falta de alguém ou algo para fazer e amar fez esse Deus criar todas as coisas – e agora ele (vazio!) usa e abusa de suas criaturas; ele as suga para se saciar; Michael Reeves (em Deleitando-se na Trindade), pág. 48, escreveu o seguinte:
E, assim, pela eternidade, esse deus solitário não deve ter tido alguém ou algo para amar. Amor aos outros sem dúvida não é sua paixão. É claro que provavelmente ele amaria a si próprio, mas tendemos a considerar esse amor egoísmo e não amor de verdade. Pela própria natureza, portanto, esse deus solitário e solteiro deve ser fundamentalmente ensimesmado, não expansivamente amoroso. Em essência, tudo nele envolve autogratificação. Portanto, essa é a única razão para criar.
Em Cartas de um Diabo a seu Aprendiz, C. S. Lewis capturou bem a diferença entre o diabo (que é o deus carente e solitário definitivo) e o Deus vivo de amor extático, atossacrificial e transbordante. Fitafuso, um demônio veterano, escreve (citado por Reeves, pág. 53-54):
Temos de admitir que toda aquela conversa sobre Seu amor pelos homens e sobre o fato de que o serviço a Ele é a perfeita liberdade não é, como acreditaríamos de bom grado, mera propaganda, mas uma terrível verdade. Ele realmente quer preencher o universo com inúmeras pequenas réplicas repugnantes de Si mesmo – criaturas cuja vida, em escala menor, será qualitativamente como a d’Ele, não porque Ele as absorveu, e sim porque a vontade deles está em espontânea harmonia com a d’Ele. Nós queremos apenas um gado que finalmente poderá ser transformado em alimento; Ele quer servos que finalmente poderão tornar-se filhos. Nós queremos sugá-los; Ele quer fortalecê-los. Somos vazios, e por isso queremos ser preenchidos; Ele está repleto e transborda.
Sobre o problema da solidão de Deus (o fato de Deus não ser trino em outras religiões, Reeves (pág. 48) escreveu o seguinte:
No islamismo, há uma fascinante tensão bem nesse ponto. Segundo a tradição, afirma-se que Alá tem 99 nomes, títulos que o descrevem na eternidade. Um deles é “o amoroso”. Mas como Alá poderia ser amoroso na eternidade? Antes que ele criasse, não havia outra coisa que ele pudesse amar (e o título não se refere ao amor autocentrado, mas a amor aos outros). A única opção é que Alá ame eternamente a criação. No entanto, por si só, isso gera um enorme problema: se Alá precisa da criação para ser quem é (“o amoroso”), então Alá depende da própria criação, e uma das crenças cardeais do islã é que Alá não depende de nada.
Em Aristóteles, o problema de Deus não ser trino, Reeves anotou os seguintes (pág. 48-49):
Eis o problema: como um Deus solitário pode ser eterna e essencialmente amoroso se o amor envolve amar outro? No século IV a.C., o filósofo ateniense Aristóteles lutou com uma questão muito semelhante: como Deus pode ser eterna e essencialmente bom quando bondade envolve ser bom com outro ser? Sua resposta foi: Deus é eternamente a causa incausada. Essa é a identidade de Deus. Portanto, ele deve causar eternamente a existência da criação – o que significa que o universo é eterno. Dessa forma, Deus pode verdadeira e eternamente ser bom, pois o universo existe para sempre junto com ele e Deus lhe oferece sua bondade. Em outras palavras, Deus é eternamente generoso e bom por sua eterna generosidade e bondade para com o universo. Isso foi engenhoso, como sempre é com Aristóteles. Entretanto, significa mais uma vez que para Deus ser ele mesmo, ele precisa do mundo. Ele é, essencialmente, dependente disso para ser quem ele é. E, apesar de ser “bom” (em termos técnicos), o deus de Aristóteles com muita dificuldade pode ser descrito como bondoso ou amoroso. Ele não escolheu criar livremente o mundo para poder abençoá-lo; ao que parece, o universo apenas escoou dele.
São esses os problemas com deuses não triúnos e a criação. Deuses monopessoais, tendo passado a eternidade sozinhos, são inevitavelmente autocentrados e, assim, fica difícil perceber por que eles trariam algo mais à existência. Não seria a existência do universo uma distração irritante para o deus cujo maior prazer é olhar-se no espelho? Criar parece algo muito artificial para um deus assim realizar. E, se esses deuses criassem, eles sempre pareceriam fazê-lo a partir da necessidade ou do desejo essencial de usar a criação apenas para a própria gratificação.
A solução cristão para o porquê da criação é muito bem colocada por Michael Reeves, nestas palavras: (pág. 50-51):
Logo, Jesus Cristo, Deus Filho, é a Lógica, o diagrama da criação. Ele é o eternamente amado do Pai; a criação é a extensão externa desse amor de forma que ele possa ser desfrutado por outros. A fonte de amor extravasou. O Pai deleitou-se tanto em seu Filho que seu amor por ele transbordou, de forma que o Filho seja o primogênito de muitos filhos. Como Paulo expressa em Romanos 8.29: “Pois os que conheceu por antecipação, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos” (v. tb. Ef 1.3-5). Esse Deus não reluta em contar com alguém a seu lado: ele o aprecia. Ele sempre apreciou derramar seu amor sobre o Filho e, ao criar, ele regozija-se em derramá-lo sobre filhos amados por intermédio do Filho.
Curiosamente, quando Paulo fala do Filho como “primogênito sobre toda a criação’, em Colossenses, ele conecta essa ideia de forma direta ao fato de que o Filho é “a imagem” de Deus. “Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito sobre toda a criação” (CI 1.15). O Filho é a imagem de Deus, manifestando com perfeição como é seu Pai: “Ele é o resplendor da sua glória e a representação exata do seu Ser” (Hb 1.3; v. tb. 2Co 4.4). E, assim, quando vem com glória, “ilumina” e “irradia” de seu Pai, ele nos mostra que o Pai é essencialmente expansivo. Não surpreende que um Deus assim crie. E o fato de sermos então criados à imagem de Deus e destinados à semelhança de Cristo, a Imagem, é apenas a continuação desse movimento expansivo de amor. O Deus que ama ter uma Imagem expansiva de si no Filho ama ter muitas imagens desse amor (que são, elas próprias, expansivas).
Citando Richard Sibbes (1577—1635) a este respeito, Reeves registrou (pág. 57):
Se Deus não contasse com uma bondade comunicativa e contagiante, ele nunca teria criado o mundo. Pai, Filho e Espírito Santo estavam felizes consigo mesmos, e desfrutavam um do outro antes de o mundo existir. Sem o fato de Deus deleitar-se em comunicar e espalhar sua bondade, jamais haveria criação ou redenção. […] A criação foi uma escolha livre [de Deus] corroborada apenas pelo amor.
Continua na parte 2…
S.D.G. L.B.Peixoto
Mais episódios da série
Gênesis - O Livro das Origens
Mais episódios da série Gênesis - O Livro das Origens
Mais Sermões
28 de janeiro, 2024
10 de novembro, 2019
5 de junho, 2022
13 de janeiro, 2016
Mais Séries
O Criador, a Criação e os Costumes
Pr. Leandro B. Peixoto