22.02.2020
Tiago 1.1
Eu, Tiago, escravo de Deus e do Senhor Jesus Cristo, envio esta carta às doze tribos espalhadas pelo mundo. Saudações.
IMAGEM É TUDO. QUE PENA!
Oscar Wilde (1854-1900), famoso escritor britânico de origem irlandesa, traduziu bem a forma desta geração pensar, quando disse que “Somente as pessoas superficiais não julgam pela aparência.” Triste, mas é assim que a maioria pensa. A coisa é tão séria que Sabrina Silvian, consultora de imagem, escreveu advertindo os leitores de seu blog:
A primeira impressão é formada nos primeiros seis segundos de interação. Nesse pequeno tempo analisamos qual o nível de escolaridade da pessoa, qual sua situação financeira, classe social, seu humor, estado civil, enfim. Por isso não temos uma segunda chance de causar uma boa primeira impressão.
Hoje, para o bem ou para o mal, imagem é tudo. Que pena!
O valor que as pessoas dão à autoimagem positiva, em uma base puramente humanística, é tão grande que preocupa e perturba. Preocupa, pois os padrões adotados para alguém se auto perceber são essencialmente narcisistas. Perturba porque a postura de todo mundo é a de se colocar na frente dos outros e de se pensar apenas em si mesmo.
Pessoas e culturas obcecadas pela aparência estão a passos largos da destruição. Se você tem dúvida disso, olhe ao redor e faça você mesmo uma leitura dos tempos em que vivemos. Ouça as músicas desta geração (ostentação de bens e de consumo). Assista às novelas, programas de televisão, filmes e seriados (quase tudo voltado para o indivíduo como o centro de tudo). Acesse as notícias das últimas semanas (crimes e corrupção fruto da ganância e da cobiça). É uma pena, pois hoje imagem é tudo.
O CRISTÃO CONSCIENTE
Quando nós lemos a carta de Tiago, descobrimos que o Cristianismo Vintage (aquele antigo, mas da melhor qualidade) nos recomenda um tipo de cristão consciente. Consciente de quê?
A introdução que Tiago faz na carta nos ensina que o cristão precisa ter consciência em pelo menos três perspectivas: [1.] olhando para Deus; [2.] olhando para si mesmo; e [3.] olhando para o próximo. Vejamos cada uma dessas perspectivas, separadamente.
1 O cristão consciente olha para Deus
O cristão consciente olha para Deus em busca de referência, revelação e regozijo. Tiago tinha consciência disso. Tiago 1.1
Eu, Tiago, escravo de Deus e do Senhor Jesus Cristo, […]
O cristão, em primeiro lugar, toma consciência de Deus.
O mundo de mazelas em que estamos inseridos e a maldade inerente ao nosso coração faz o cristão tomar consciência da realidade e, consequentemente, voltar-se para Deus. João Calvino foi esplêndido ao fazer essa leitura penetrante. Ouça:
Ora, no homem há um mundo de misérias, e desde que fomos despidos de nosso divino adereço, vergonhosa nudez põe a descoberto imensa massa de baixeza, do senso da própria infelicidade deve necessariamente cada um ser estimulado para que chegue pelo menos a algum conhecimento de Deus. E assim, quando tomamos consciência de nossa ignorância, vaidade, pobreza, fraqueza, enfim, de nossa própria depravação e corrupção, reconhecemos que em nenhuma outra parte, senão no Senhor, se situam a verdadeira luz da sabedoria, a sólida virtude, a plena abundância de tudo que é bom, a pureza da justiça, e daí somos por nossos próprios males instigados à consideração das excelências de Deus.
*Fonte: Institutas, vol. 1, cap. 1, art. 1.
No mundo de miséria em que vivemos, as decepções que sofremos (com os outros e com nós mesmos), em vez de nos afastarmos de Deus (negando-o, revoltando-nos contra ele ou buscando noutra fonte), temos que tomar consciência da existência de Deus, o bom Criador, olhar para ele em busca de referência (padrões), revelação (palavra) e regozijo (prazer).
O que vemos, no entanto, é que quanto mais as pessoas sofrem, mais eles deixam de olhar para Deus. Seus referenciais são seus próprios desejos e sentimentos, suas revelações são as verdades do mundo convenientes ao seu gosto, e seu regozijo é saciar a vontade corrompida do coração. O problema é que isto não é liberdade, é escravidão. É a escravidão da vontade.
O cristão consciente olha para Deus. Qual Deus? Tiago dá a dica, quando diz (1.1): “Eu, Tiago, escravo de Deus e do Senhor Jesus Cristo”.
Na língua original não há artigo definido ou indefinido nesta sentença. Estudiosos do grego bíblico dizem que a frase poderia ser traduzida da seguinte maneira: “Tiago, escravo do Deus e Senhor Jesus Cristo”. Ou seja: O Deus para o qual o cristão olha é o Senhor Jesus Cristo. Jesus é Deus e Senhor. Com efeito, ninguém jamais viu a Deus, senão olhando para o Senhor Jesus Cristo (Jo 1.18).
Mesmo que Tiago não estivesse fazendo menção apenas ao Senhor Jesus Cristo, ao dizer “escravo de Deus e do Senhor Jesus Cristo” ele está equiparado Jesus Cristo a Deus. Está chamando Jesus Cristo de Deus. O cristão consciente, portanto, olha para Jesus Cristo em busca de referência, revelação e regozijo.
Profetizando sobre Cristo, o Messias, Isaías escreveu sobre o Senhor (Is 45.22):
Que todo o mundo se volte para mim para ser salvo! Pois eu sou Deus, e não há nenhum outro.
Não há outra direção para qual olhar. Não há outro Deus para o qual olhar. Não há outro caminho a buscar. Não há outra pessoa para nos socorrer. Nada, ninguém, nem nós mesmos. Devemos olhar para Jesus Cristo em busca de referência, revelação e regozijo.
2 O cristão consciente olha para si mesmo
Além de olhar para Deus, o cristão consciente olha para si mesmo. Tiago 1.1:
Eu, Tiago, escravo de Deus e do Senhor Jesus Cristo, […]
O cristão consciente, olhando para si mesmo, se vê, se enxerga em relação a Deus. Ele olha para si mesmo e não se enxerga pela posição que ocupa, pelo status que possui, pelo que construiu ou pelo que perdeu. O cristão consciente olha para si mesmo a partir de sua relação com Jesus Cristo.
Tiago se via como um servo, como um escravo, de fato. Escravo de Cristo.
Tiago não se via como irmão de Jesus Cristo (privilégio inato), nem como apóstolo (posição alcançada), nem como líder influente da igreja de Jerusalém e um dos pilares do cristianismo primitivo (prestígio e poder). Nada disso! Tiago simplesmente se autodenomina “escravo de Deus e do Senhor Jesus Cristo”. Ser escravo de Cristo lhe bastava. Antes escravo de Cristo do que escravo do mundo, da carne e do diabo.
Agora, para você ter uma ideia da posição que Tiago ocupava na igreja primitiva, ouça o relato de Paulo aos Gálatas (2.1-9):
1Catorze anos depois, voltei a Jerusalém, dessa vez com Barnabé, e Tito também nos acompanhou. 2Fui para lá por causa de uma revelação. Reuni-me em particular com os líderes e compartilhei com eles as boas-novas que tenho anunciado aos gentios. Queria me certificar de que estávamos de acordo, pois temia que meus esforços, anteriores e presentes, fossem considerados inúteis. […] 6Quanto aos líderes — cuja reputação, a propósito, não fez diferença alguma para mim, pois Deus não age com favoritismo —, nada tiveram a acrescentar àquilo que eu pregava. 7Ao contrário, viram que me havia sido confiada a responsabilidade de anunciar as boas-novas aos gentios, assim como a Pedro tinha sido confiada a responsabilidade de anunciar as boas-novas aos judeus. 8Pois o mesmo Deus que atuou por meio de Pedro como apóstolo aos judeus também atuou por meu intermédio como apóstolo aos gentios. 9De fato, Tiago, Pedro e João, tidos como colunas, reconheceram a graça que me foi dada e aceitaram Barnabé e a mim como seus colaboradores. Eles nos incentivaram a dar continuidade à pregação aos gentios, enquanto eles prosseguiriam no trabalho com os judeus.
Perceberam?
Tiago era influente, uma das colunas da igreja primitiva. No entanto, ao olhar para si mesmo, via-se como um simples escravo: escravo de Cristo.
Nossa identidade não deve ser construída a partir das pessoas com quem andamos ou nos relacionamos, nem a partir das posições que conquistamos e que ocupamos, nem pelos privilégios que adquirimos. Tampouco pelas coisas que perdemos. Nossa identidade deve ser construída a partir do nosso relacionamento com Cristo.
Ao olharmos para nós mesmos devemos buscar encontrar o nosso valor naquilo que somos em Cristo, no que dele recebemos e para o que ele nos chamou a fazer nesta vida. Tiago sabia disso e Paulo também. Romanos 1.1:
Eu, Paulo, servo de Cristo Jesus, chamado para ser apóstolo e enviado para anunciar as boas-novas de Deus, escrevo esta carta.
Observe o que Paulo diz sobre si mesmo: [1.] pertenço a alguém: “servo de Cristo Jesus”; [2.] fui chamado para algo: “chamado para ser apóstolo”; [3.] fui enviado com um propósito: “enviado para anunciar as boas-novas [evangelho] de Deus”.
Paulo sabia que o que realmente importa não é ser dono da própria vida, mas ter um dono; não é definir o que fazer da vida, mas receber um chamado; não é saber a hora e fazer acontecer, mas ser separado, preparado e enviado pelo próprio Deus desde antes da fundação do mundo.
Quando o cristão olha para si mesmo ele não tem que se preocupar com o que os outros pensam dele, dizem sobre ele ou fazem contra ele. O cristão quando olha para si mesmo precisa se ver escravo de Jesus Cristo, com chamado e propósito eternos, homens e mulheres que foram alvos da ação graciosa de Deus.
Tiago tinha consciência dessas verdades eternas. Tanto tinha que se autodenomina “escravo de Deus e do Senhor Jesus Cristo”. Por que ele coloca as coisas nesses termos? Porque ele sabia onde esteve, de onde veio e como chegou onde chegou. Tiago sabia que ele foi um alvo da graça de Deus.
Houve um tempo em que Tiago rejeitava Jesus, considerando-o louco. Não somente Tiago, mas todos os seus irmãos. Marcos 3.20-21:
20Certo dia, Jesus entrou numa casa, e as multidões começaram a se juntar outra vez. Logo, ele e seus discípulos não tinham tempo nem para comer. 21Quando os familiares de Jesus souberam o que estava acontecendo, tentaram impedi-lo de continuar. “Está fora de si”, diziam.
A coisa era tão séria que João parece sugerir que os irmãos de Jesus, em alguns momentos, chegaram a querer prová-lo da pior maneira possível. João 7.1-5:
1Depois disso, Jesus viajou pela Galileia. Queria ficar longe da Judeia, onde os líderes judeus planejavam sua morte. 2Logo, porém, chegou o tempo da celebração judaica chamada Festa das Cabanas, 3e os irmãos de Jesus lhe disseram: “Saia daqui e vá à Judeia, onde seus seguidores poderão ver os milagres que realiza. 4Você não se tornará famoso escondendo-se dessa forma. Se você pode fazer coisas tão maravilhosas, mostre-se ao mundo!”. 5Pois nem mesmo seus irmãos criam nele.
Não fosse pela intervenção graciosa de Jesus, a estrada que Tiago e seus irmãos escolheram seguir desembocaria na destruição eterna. Deus, porém, agiu para salvar e transformar Tiago. Jesus Cristo, ressurreto, apareceu em pessoa a Tiago. 1Coríntios 15.7:
Mais tarde, apareceu a Tiago e, posteriormente, a todos os apóstolos.
Adiante nós encontramos toda a família de Jesus reunida em oração. Atos 1.14:
Todos eles se reuniam em oração com um só propósito, acompanhados de algumas mulheres e também de Maria, mãe de Jesus, e os irmãos dele.
A graça de Jesus foi tão poderosa na vida de Tiago que após salvá-lo e iniciar nele um processo de santificação na comunhão da igreja, Deus o elevou acima de muitos para o serviço cristão. Gálatas 1.18-19:
18 Então, passados três anos, fui a Jerusalém para conhecer Pedro, com quem permaneci quinze dias. 19O único outro apóstolo que vi naquela ocasião foi Tiago, irmão do Senhor.
Ainda mais impressionante, Gálatas 2.9:
De fato, Tiago, Pedro e João, tidos como colunas, reconheceram a graça que me foi dada e aceitaram Barnabé e a mim como seus colaboradores. Eles nos incentivaram a dar continuidade à pregação aos gentios, enquanto eles prosseguiriam no trabalho com os judeus.
Tiago, porém, sabia que tudo aquilo era fruto da graça de Deus na sua vida. Tinha consciência que, na verdade, ele não passava de um “escravo de Deus e do Senhor Jesus Cristo”. Essa era a sua identidade. Ser escravo de Cristo lhe bastava. Olhando para si mesmo, ele tinha consciência disso.
A consciência de quem Tiago era em Cristo fez dele um homem de qualidade e conferiu-lhe coragem. Sobre as suas qualidades, o historiador Eusébio, do quarto século da era da igreja, escreveu:
A filosofia e a religiosidade, que sua vida mostrou a um grau tão elevado, deu ocasião a uma crença universal nele como o mais justo dos homens. Ele tinha o hábito de entrar sozinho no templo, e era frequentemente encontrado de joelhos, intercedendo pelo povo, de tal forma que seus joelhos se endureceram como os de um camelo, em consequência de dobrá-los constantemente em sua oração a Deus. Por causa de sua notoriamente justiça, era chamado “o Justo”.
De acordo com o historiador judeu Flávio Josefo, Tiago foi martirizado em Jerusalém, no ano 62 d.C. As circunstâncias de seu martírio são inspiradoras e lançam luz tanto sobre seu caráter como sobre sua coragem. Ouça:
Ananos, que havia sido designado para o sumo sacerdócio, era impetuoso em seu temperamento e extremamente presunçoso. Ele seguia a escola dos saduceus, que eram, sem dúvida, mais insensíveis do que qualquer outro judeu quando se sentavam para julgar. Possuidor de tal caráter, Ananos pensou que tinha uma oportunidade favorável, pois Festo estava morto e Albino ainda estava a caminho do trono [isto é, havia um vácuo de poder]. E assim ele convocou os juízes do sinédrio e trouxe perante eles um homem chamado Tiago, o irmão de Jesus que era chamado o Cristo, e alguns outros. Ele os acusou de terem transgredido a lei e os entregou para serem apedrejados.
Tiago, o escravo de Jesus Cristo, outrora incrédulo e covarde, havia, pela graça e por meio da fé, construído caráter e adquirido coragem.
3 O cristão consciente olha para o próximo
Além de olhar para Deus e para si mesmo, o cristão consciente olha para o próximo. Tiago 1.1:
Eu, Tiago, escravo de Deus e do Senhor Jesus Cristo, envio esta carta às doze tribos espalhadas pelo mundo. Saudações.
Consciente de quem Deus é e do que o Senhor fez na vida dele, consciente de quem ele era em Cristo, Tiago ficou livre para dedicar sua vida a amar o próximo. Ele diz (Tg 1.1):
[…] envio esta carta às doze tribos espalhadas pelo mundo. Saudações.
Note:
Tiago enxerga o problema das pessoas: “espalhas”; “dispersas”; de fato, perseguidas por causa da fé em Jesus Cristo.
Tiago encoraja as pessoas nos seus problemas: “às doze tribos espalhadas pelo mundo”; “às doze tribos dispersas entre as nações”. Ou seja: Separados fisicamente, mas unidos em Deus pela graça de Cristo.
Tiago expressa seu coração carinhoso: “Saudações”. Tiago não diz: “graça e paz”, mas “saudações”. Isto é, literalmente: “alegrem-se; regozijem-se”.
Tiago olha para as pessoas com problemas e diz:
Eu, Tiago, escravo de Deus e do Senhor Jesus Cristo, escrevo a vocês que estão espalhados por este mundo mal, mas que ainda são um só povo no coração de Deus: Regozijem-se, alegrem-se em suas circunstâncias.
O cristão consciente olha para o próximo e busca uma forma concreta de ajudar, encorajar e expressa carinho.
O CRISTÃO CONSCIENTE
O cristão consciente não vive de aparência. A sua autoimagem é definida em Cristo. Ele olha para Deus em busca de referencial, revelação e regozijo. Olha para si mesmo como escravo de Jesus Cristo. Olha para o próximo com amor e procura servir com ternos afetos de encorajamento e cuidado.
Aonde você tem olhado?
S.D.G. L.B.Peixoto
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