22.08.2021
[Jó 32.1–37.24] 32.1Os três amigos de Jó pararam de lhe responder, pois ele insistia em dizer que era inocente. 2Então Eliú, filho de Baraquel, o buzita, da família de Rão, ficou irado. Indignou-se porque Jó se achava mais justo que Deus. 3Também indignou-se com os três amigos de Jó, pois não conseguiram responder a seus argumentos, a fim de demonstrar que Jó estava errado. 4Eliú havia esperado os outros falarem, pois eram mais velhos que ele. 5Mas, quando viu que não tinham mais nada a dizer, expressou sua indignação. […]
Já há três domingos, este é o quarto, que estamos assistindo a saga de Jó. Os capítulos 1 e 2 nos deram uma imagem da dedicação de Jó, seu Deus e também seu dilema. No capítulo 3, após meses de sofrimento, assistimos Jó quebrar o silêncio e desabafar com honestidade na presença de seus três amigos que vieram de longe para consolá-lo. Ora, Elifaz, Bildade e Zofar não se contiveram, e do capítulo 4 ao 31 o que testemunhamos foram três longos ciclos de debates – os três contra Jó – , argumentando a respeito do significado do sofrimento. No final das contas, o que aprendemos foi que a teoria desses amigos se provou insensível e insatisfatória. De fato, Jó venceu o debate com Elifaz, Bildade e Zofar, MAS não obteve qualquer explicação para o seu sofrimento.
O argumento dos três debatedores se resumia ao seguinte: o sofrimento é basicamente punição pelo pecado e a prosperidade é o pagamento pela piedade (Jó 4.7-8). É bem verdade que Elifaz havia admitido (em Jó 5.17) que sofrimento até pode ser correção ou disciplina para o justo, mas fica claro pelos seus argumentos que essa é a exceção, não a regra, e que o sofrimento prolongado como o de Jó não poderia ser explicado dessa forma – como uma disciplina amorosa. Então ele acabou dizendo a Jó (em 22.4-5): “É por causa de seu temor que ele o acusa e traz juízo contra você? Não! É por causa de sua perversidade; seus pecados não têm limites!”. Dito de outro modo: a dor crônica de Jó só podia ser explicada como sendo a justa punição de Deus por causa de pecado grave na vida do patriarca.
Jó se manteve firme e se defendeu de cada acusação, dizendo que, ao contrário da teoria dos três amigos, há boas evidências em todo o mundo de que os ímpios frequentemente prosperam e os justos frequentemente sofrem (Jó 21.29-30). E em seu caso em particular, ele, Jó, não tinha cometido qualquer pecado grave o bastante para que o colocasse na posição de sofrer tanto daquele jeito. Assim, Elifaz, Bildade e Zofar não foram capazes de sustentar sua teoria em face do realismo e da integridade de Jó. Seus discursos tornaram-se repetitivos, hostis e cada vez mais curtos e cruéis à medida que a conversa chegava ao desfecho. Até que, finalmente, apenas Jó continuou falando.
Jó ganhou o debate. Mas ele permaneceu sem explicação para o seu sofrimento. Jó demonstrou que o sofrimento não se explica pelo simples princípio da justiça retribuitiva, no qual cada pessoa recebe o que merece – ou seja, sofrimento para o injusto e mal; e prosperidade para o justo e bom. Jó argumentou com razão que o sofrimento não se explica pela justiça retribuitiva, mas ele continuou sem explicação para o seu sofrimento.
Com efeito, Jó chegou ao final do debate, no capítulo 31, e nos parece que ficou com a impressão de Deus estar agindo arbitrariamente. Sim, Jó sabia que Deus governa todas as coisas, e sem dúvida ele o faz sabiamente (como está declarado por Jó mesmo em 28.12-28). Portanto, da sabedoria e da soberania de Deus Jó nunca duvidou. Mas para o porquê de os justos sofrerem, até agora Jó não havia obtido qualquer resposta.
Seria possível viver o resto da vida nesse nível de compreensão de Jó? Seria possível conviver apenas com a certeza da soberania e da sabedoria de Deus, sem saber explicar por que os justos sofrem?
Sim! De certo modo, você pode viver muito bem assim, apenas com essa certeza – e muitas pessoas vivem desse jeito. Aliás, com o que está exposto do capítulo 1 até o final do capítulo 31, a conclusão dos longos três ciclos de debates, o livro de Jó nos permite fazer cinco afirmações absolutamente verdadeiras (e suficientes) em termos de “explicação” para o problema do sofrimento do justo; cinco verdades realmente maravilhosas. Portanto, não é como se não tivéssemos nada de resposta até Jó 31; não é como se Jó tivesse nenhuma resposta. É verdade que não temos o tipo de resposta que gostaríamos de ter, mas temos sim alguma resposta. Veja:
Tudo isso é verdade, e é o bastante para viver. Muita gente vive nesse nível.
Portanto, mais uma vez, se Jó terminasse no capítulo 31, essas seriam todas as respostas que teríamos, e elas seriam suficientes. Mas o livro não terminou em Jó 31. Ainda faltam 11 capítulos! Ou seja: o autor do livro de Jó, o escritor inspirado por Deus, não se contentou em nos dar apenas essas respostas. Ele quer que seus leitores saibam que Deus não escondeu de nós todos os seus caminhos. Há mais coisas para se aprender sobre o propósito de Deus no sofrimento dos justos. Há mais respostas de Deus para o justo que sofre com dores crônicas.
É neste ponto que entra em cena um jovem chamado Eliú. Seu discurso começa em Jó 32 e vai até o final do capítulo 37. O que ele terá para dizer nem Jó nem seus três amigos faziam ideia – a saber, que O SOFRIMENTO DOS JUSTOS
[1] não é um sinal da ira ou da inimizade de Deus, mas de seu amor;
[2] não é punição pelos pecados, mas purificação da justiça e da piedade dos santos de Deus;
[3] não é preparação para a destruição ou parte dela, mas proteção contra a destruição daqueles que amam a Deus.
Os três amigos de Jó estavam errados – o sofrimento de Jó não era prova de impiedade. Jó também estava errado – seu sofrimento não era prova da arbitrariedade de Deus. Tampouco que Deus se tornara seu inimigo. Eliú entra de modo triunfal nesta história para colocar o argumento a respeito do sofrimento sobre uma fundação sólida.
Cinco razões para aceitarmos como verdadeiro o discurso de Eliú
Antes de começarmos nosso exame topográfico – antes da vista panorâmica – da teologia de Eliú, é bom esclarecermos um ponto muito importante: O TESTEMUNHO DE ELIÚ É CONFIÁVEL? Como nós podemos saber se o que Eliú terá para dizer não é do mesmo teor das coisas ditas por Elifaz, Bildade e Zofar? Podemos confiar na doutrina de Eliú?
Muitos intérpretes da Bíblia tomam Eliú como sendo em nada melhor do que Elifaz, Bildade e Zofar. Por exemplo, se você consultar o comentário do livro de Jó escrito por Francis Anderson, publicado pela Vida Nova (Série Cultura Bíblica), achará cerca de 40 páginas analisando os discursos de Eliú – e esta, resumidamente, é a forma encontrada por Anderson para definir o caráter e o conteúdo de Eliú (para citarmos apenas alguns adjetivos): cruel, frio, insensível, grosseiro, banal, perfeccionista, presunçoso etc.
É bem verdade que há algumas coisas nos discursos de Eliú que são muito difíceis de entender. É verdade também que quando você lê os discursos você ouve algumas das mesmas coisas que os três amigos disseram (lembrem-se, Elifaz, Bildade e Zofar não estavam totalmente errados!). E é verdade que Eliú é duro com Jó, talvez duro demais algumas vezes. Mas há pelo menos cinco razões pelas quais nós podemos considerar sãs ou verdadeiras as palavras de Eliú. Em outras palavras, o autor inspirado do livro de Jó entendeu que Eliú deu o primeiro passo para resolver o problema do sofrimento de Jó e que Deus, falando nos capítulos 38–42, dará a palavra conclusiva sobre o tema.
Eis as 5 razões pelas quais podemos aceitar como verdadeiro o discurso de Eliú:
1. O discurso de Eliú foi apresentado como assunto novo
As palavras de Eliú não são introduzidas como uma continuação ou repetição do tema dos outros três – Elifaz, Bildade e Zofar. Com efeito, o discurso de Eliú é apresentado como assunto novo no livro de Jó:
Jó 32.1-3 1Os três amigos de Jó pararam de lhe responder, pois ele insistia em dizer que era inocente. 2Então Eliú, filho de Baraquel, o buzita, da família de Rão, ficou irado. Indignou-se porque Jó se achava mais justo que Deus. 3Também indignou-se com os três amigos de Jó, pois não conseguiram responder a seus argumentos, a fim de demonstrar que Jó estava errado.
Note que Eliú discordou de ambos os lados do debate – discordou de Elifaz, Bildade e Zofar, e discordou de Jó. E em Jó 32.14, Eliú declarou: “Se Jó tivesse discutido comigo, eu não teria respondido como vocês.” Logo, Eliú não tem intenção de tentar resolver a questão do problema do sofrimento do justo da mesma maneira que fizeram os três amigos. O autor do livro de Jó quer que ouçamos algo novo, quer nos levar além do antigo argumento.
2. Seis capítulos foram dedicados às palavras de Eliú
A segunda razão pela qual penso que as palavras de Eliú são mais do que uma continuação de uma má teologia é que o escritor do livro dedicou seis capítulos ao seu discurso (capítulos 32–37).
Como estudamos no domingo passado, a inadequação da teologia de Elifaz, Bildade e Zofar foi demonstrada também pelo fato de que seus discursos foram ficando cada vez mais curtos perto do fim e de repente pararam. No terceiro e último ciclo de debates, Bildade (o segundo a falar, atrás de Elifaz) terminou com seis versículos apenas (no capítulo 25), e Zofar (que seria o terceiro pela ordem nos debates) ficou mundo, não disse qualquer palavra.
Seria muito estranho, portanto, se Eliú recebesse seis capítulos neste ponto da narrativa apenas para repetir os mesmos erros e não fazer qualquer avanço, virando a página da má teologia dos outros três amigos. Certamente que esse grande espaço (seis capítulos) franqueado às palavras de Eliú sinaliza que algo crucial está sendo dito neste ponto.
3. O silêncio de Jó
Outro argumento em favor de teologia de Eliú é que Jó não o rebate. Jó não discute com Eliú. O patriarca teve sucesso em silenciar Elifaz, Bildade e Zofar, mas não disse uma palavra contra-argumentando Eliú, embora Eliú o tenha desafiado:
Jó 33.32-33 32Mas, se você tem algo a dizer, responda; fale, pois quero que seja absolvido. 33Se não tem nada a dizer, fique quieto e ouça-me, e eu lhe ensinarei a sabedoria”.
A explicação mais óbvia para esse silêncio é que Jó concordou com Eliú. Na verdade, em 42.6, Jó retirou tudo o que dissera e sentou-se arrependido no pó e nas cinzas. Em outras palavras: as repreensões de Eliú nem todas foram erradas.
4. Deus não repreendeu Eliú
No final do livro, Deus olhou para trás, para o período de sofrimento de Jó, e repreendeu os três amigos de Jó:
Jó 42.7 Depois que o SENHOR terminou de falar com Jó, disse a Elifaz, de Temã: “Estou muito irado com você e com seus dois amigos, pois não falaram o que é certo a meu respeito, como fez meu servo Jó.”
Mas note: DEUS NÃO REPREENDEU ELIÚ! Por que não? Ora, porque as palavras de Eliú não eram da mesma classe de palavras de Elifaz, Bildade e Zofar. As palavras de Eliú eram sãs e verdadeiras e prepararam o caminho para as palavras finais e decisivas de Deus. Eliú até afirmou ser guiado pelo Espírito (em Jó 32.8).
5. Eliú ofereceu algo novo e útil ao debate
Por fim, não deixe de observar que Eliú realmente ofereceu uma nova compreensão para o sofrimento dos justos que Jó e seus três amigos não perceberam. E o insight de Eliú realmente fará sentido, sobretudo ao se olhar para o sofrimento aparentemente arbitrário pelo qual Jó estava passando e outras pessoas justas também passam.
Pois bem, o plano agora é este: visualizar a topografia da teologia de Eliú para aprendermos o que este jovem teólogo tem a dizer aos justos em seus sofrimentos.
Por que os justos sofrem?
Com a palavra, Eliú.
Eliú achou que Jó errou em algumas coisas que dissera – na verdade, ele viu orgulho e arrogância na atitude de Jó (veja: 33.17; 35.12; 36.9) – , e por isso deu a bronca em Jó:
Jó 33.8-12 8“Você falou em minha presença, e ouvi bem suas palavras. 9Você disse: ‘Sou puro e não tenho pecado; sou inocente e não tenho culpa. 10Deus procura motivos para se opor a mim e me considera seu inimigo. 11Prende meus pés no tronco e vigia todos os meus movimentos’. 12“Mas você está enganado, e eu lhe mostrarei o motivo, pois Deus é maior que qualquer ser humano.
A bronca de Eliú era que Jó estava errado ao alegar inocência às custas da graça de Deus. DEUS NÃO ERA SEU INIMIGO! Sabemos que Eliú estava certo sobre isso porque em Jó 42.6, Jó de fato se arrependeu: “Retiro tudo que disse e me sento arrependido no pó e nas cinzas”. Ou seja: o sofrimento de Jó o levou a dizer coisas que eram excessivamente otimistas a respeito de si mesmo e absolutamente desrespeitosas sobre Deus. Sim, Jó era um homem justo. Mas Jó não era um homem perfeito e sem pecado. DE FATO, havia no fundo do coração de Jó uma densa camada de orgulho e arrogância – que começou a turvar a pureza de sua vida – tão logo ele foi sacudido pelo sofrimento.
Pelo menos parte do entendimento de Eliú de por que os justos sofrem tem a ver com esse resíduo de orgulho e arrogância na vida dos justos. Vemos a primeira explicação de seu ponto de vista logo após ele dar a bronca em Jó. De fato, Eliú descreveu duas maneiras pelas quais Deus falava (e fala) ao homem: [1] pela sua palavra (Jó 33.14-18) e [2] pelo sofrimento (Jó 33.19-22). Antes de lermos os textos bíblicos citados, é bom você lembrar de que os dias de Jó são bem anteriores à revelação escrita de Deus, então – naquele tempo – , a palavra de Deus assumia a forma de visões e de sonhos. Disse Eliú:
Jó 33.14-22 14Pois Deus fala repetidamente, embora as pessoas não prestem atenção. 15Fala em sonhos, em visões durante a noite, quando o sono profundo cai sobre todos, enquanto dormem em suas camas. 16Sussurra em seus ouvidos e aterroriza-os com advertências. 17Faz que deixem de praticar o mal e livra-os do orgulho. 18Preserva-os do túmulo e de serem atravessados pela espada. 19“Deus os disciplina no leito de enfermidade, com dores constantes nos ossos. 20Eles perdem a vontade de comer; nem mesmo o alimento mais delicioso lhes apetece. 21Sua carne definha a olhos nus, e seus ossos ficam à vista. 22Estão cada vez mais perto do túmulo; os mensageiros da morte os esperam.
Não para punir, mas para preservá-lo
Eliú estava colocando a dor da doença e a voz de Deus por meio de sonhos e visões lado a lado, como duas maneiras pelas quais Deus fala ao homem para o seu bem. O versículo 17 descreveu o propósito de Deus no sofrimento, ouça mais uma vez: “Faz que deixem de praticar o mal e livra-os do orgulho.”
EM OUTRAS PALAVRAS, o propósito de Deus para os justos – tanto na revelação como na tribulação – não é punir, mas preservar, salvar das práticas do mal, do orgulho e, por fim, da própria morte (eternamente). NOTE: Eliú não retrata Deus como um juiz irado, mas como um Redentor, um Salvador, um Resgatador, um Médico. Para Eliú, a dor que Deus causa é como o bisturi do cirurgião, não como o chicote do carrasco. Deus é aliado, não é inimigo. Deus disciplina em amor, jamais destrói com ira o justo.
O “pecador justo”
Outra enorme contribuição que Eliú fez para o entendimento de por que os justos sofrem está em Jó 36.6-15. O que é útil nesses versículos é que Eliú deixa claro nessa parte do seu discurso que a pessoa justa ainda tem pecados que precisam ser expostos e erradicados. Chamar uma pessoa de justa não significa dizer que ela seja perfeita e sem pecados. Eliú está argumentando que existe sim o “pecador justo”.
Isso é bastante útil porque o próprio Deus chamou Jó de um homem justo em 1.1, e Jó venceu sua discussão com base em sua reputação como um homem justo. E ainda assim, no final do livro, Jó se arrependeu e retirou o que dissera. Como assim? É que Jó era, de fato, justo (pelo testemunho do próprio Deus!). Mas Jó ainda era pecador. Jó era o típico “pecador justo”. Não era ímpio, mas era pecador. Não era profano, mas ainda pecava.
Daí que Eliú olha para esses dois grupos de pessoas, os ímpios e os justos, e distingue os diferentes papéis que o sofrimento desempenha em cada um dos dois. Veja:
Jó 36.6-7 6Não permite que os perversos vivam, mas faz justiça aos aflitos. 7Observa atentamente os justos, coloca-os em tronos com reis e exalta-os para sempre.
OPA! PRESTE ATENÇÃO! Se Eliú tivesse parado por aí (versículos 6-7), ele teria soado exatamente como Elifaz: os ímpios sofrem e os justos prosperam. Em certo sentido, isso é verdade à longo prazo, à luz da eternidade. Mas a questão que atormentava Jó era por que os justos sofrem a curto prazo, aqui na terra. ENTÃO ELIÚ CONTINUOU:
Jó 36.8-10 8Se estão [isto é, os justos] acorrentados e amarrados com cordas de aflição [note que Eliú admite que os justos nem sempre estão com reis no trono; eles sofrem; mas, por quê?], 9ele [Deus] faz que vejam o motivo; mostra-lhes que pecaram, sendo orgulhosos. 10Chama-lhes a atenção e ordena que se afastem do mal.
DITO DE OUTRO MODO, os justos estão longe de ser perfeitos, puros ou sem pecado. Ainda há bastante da velha natureza mesmo nos justos e, de tempos em tempos, essa velha natureza – por exemplo, orgulho e arrogância – irrompe em um comportamento pecaminoso de fato – exatamente como aconteceu com Jó, quando ele acusou Deus de ser seu inimigo (Jó 33.9-10). É disso que Jó se arrependeria no final do livro.
O sofrimento refina os justos
O ENSINO DE ELIÚ SE RESUME A ISTO: a aflição torna o justo sensível à sua pecaminosidade remanescente e o ajuda a odiá-la e a renunciá-la. O sofrimento abre os ouvidos dos justos para que possam ouvir; abre seus olhos para que consigam ver. Jó 36.10: “Chama-lhes a atenção [pelo sofrimento] e ordena que se afastem do mal.” O salmista disse a mesma coisa no Salmo 119.71: “O sofrimento foi bom para mim, pois me ensinou a dar atenção a teus decretos.” MEU POVO, JAMAIS SE ESQUEÇA: existem dimensões de piedade que os justos só poderão aprender por meio da aflição; existem frutos que só serão produzidos se formos podados pelo SENHOR – João 15.2: “Todo ramo que dá fruto, ele poda, para que produza ainda mais.”
Martinho Lutero, comentando as palavras de Salmos 119.71, que acabamos de ler, afirmou existir três métodos eficazes de interpretação da Bíblia, e todos os três são necessários. Ele deu a eles as seguintes palavras latinas meditatio, oratio e tentatio, que em português significam, respectivamente, meditação, oração e provação. De fato, tentatio pode ser traduzido do latim de diferentes maneiras: teste, prova, tentação. A palavra alemã que Lutero usou foi anfechtung, isto é, contestação, ataque de inimigos, sofrimento. — Portanto, o novo ponto de vista do jovem debatedor, a teologia de Eliú diz que o sofrimento dos justos não é o fogo da destruição, mas da purificação. Para os justos, o sofrimento não é punitivo, mas curativo; sofrimento não é maldição, mas santificação.
O propósito do sofrimento para os ímpios e os justos
Eliú prossegue e descreve que, a exemplo de Jó, há o mesmo contraste entre o propósito do sofrimento para os ímpios e o propósito de sofrimento para os justos:
Jó 36.13-15 13Pois os ímpios são cheios de ressentimento; mesmo quando Deus os castiga, não clamam por socorro. 14Morrem em plena juventude, depois de desperdiçar a vida em imoralidade. 15Mas, por meio do sofrimento, ele livra os [justos] que sofrem e, por meio da adversidade, obtém sua atenção.
NOTE: os versículos 13-14 descreveram um grupo de pessoas para quem o sofrimento resulta em nada além de destruição – eles são os “ímpios de coração”. Mas então (no v. 15) Eliú descreveu outro grupo de pessoas, das quais os ouvidos são abertos em sua aflição e que experimentam a libertação por meio do sofrimento. Esses não são ímpios ou perversos. Eles são justos. São pessoas como Jó, que são retas e temem a Deus e se afastam do mal e têm uma reputação irrepreensível. Eles também sofrem. Mas o propósito divino com o sofrimento deles não é o mesmo que dos ímpios. O sofrimento do justo é curativo, jamais punitivo. É santificador.
Qual foi a contribuição de Eliú para a resolução do impasse entre Jó e seus três amigos?
Voltemos ao início da fala de Eliú, em Jó 32. Eliú fez duas queixas: [1] ele ficou irado porque Jó justificou a si mesmo e não a Deus; e [2] ele ficou irado com os três amigos de Jó porque eles não apresentaram uma resposta satisfatória, embora tivessem declarado que Jó estivesse errado:
Jó 32.1-3 1Os três amigos de Jó pararam de lhe responder, pois ele insistia em dizer que era inocente. 2Então Eliú, […] ficou irado. Indignou-se porque Jó se achava mais justo que Deus. 3Também indignou-se com os três amigos de Jó, pois não conseguiram responder a seus argumentos, a fim de demonstrar que Jó estava errado. 4Eliú havia esperado os outros falarem, pois eram mais velhos que ele. 5Mas, quando viu que não tinham mais nada a dizer, expressou sua indignação. […]
Então Eliú prosseguiu com seus argumentos e, no final, conseguiu demonstrar por que sua ira era justificada em ambos os casos – contra Jó, e contra Elifaz, Bildade e Zofar.
Por que Elifaz, Bildade e Zofar estavam errados
Por que Elifaz, Bildade e Zofar estavam errados?
Eliú demonstrou que os três amigos de Jó estavam errados porque a única maneira de eles explicarem o sofrimento de Jó era dizer que Deus o estava punindo pelo pecado. Eliú demonstrou que essa não é a maneira de explicar o sofrimento de Jó.
Os justos sofrem. E seu sofrimento não é uma punição pelo pecado, mas um refinamento de sua justiça. O sofrimento desperta seus ouvidos para novas dimensões da realidade de Deus e novas profundezas de sua própria imperfeição e necessidade. O sofrimento aprofunda sua fé e piedade. Portanto, os três amigos de Jó estavam errados.
Por que Jó estava errado
Por que Jó estava errado?
Eliú demonstrou que Jó estava errado porque ele não tinha explicação melhor para seu sofrimento do que tiveram Elifaz, Bildade e Zofar. A concepção que Jó tinha da justiça de Deus era basicamente a mesma que a dos outros três – justiça retribuitiva: pecou, apanhou; não pecou, não apanhou. Apenas que Jó insistiu que ele era justo e, portanto, não conseguiu fazer com que seu sofrimento se ajustasse à justiça de Deus. Ele ficava tão exasperado algumas vezes que pensava em Deus como seu inimigo:
Jó 13.23-24 23Diga-me, o que fiz de errado? Mostra-me minha rebeldia e meu pecado. 24Por que te afastas de mim? Por que me tratas como teu inimigo?
Eliú argumentou que Jó estava errado em se justificar às custas de Deus dessa forma (em 33.8-12). Deus NÃO era inimigo de Jó e Jó NÃO era tão puro quanto afirmava ser. Deus é de fato o Pai amoroso de Jó. Ele deixou que essa doença se arrastasse por meses porque amava Jó, não porque o odiava.
O sofrimento trouxe à tona o pecado oculto do orgulho e da arrogância em Jó. Agora os ouvidos de Jó estavam abertos para ouvir de sua imperfeição remanescente. Agora ele podia se arrepender e ser purificado e depender de Deus como nunca antes. PORTANTO: [1] seu sofrimento não foi apenas uma ocasião para Deus obter glória sobre Satanás na fé não mercenária de Jó (o que vimos nos capítulos 1 e 2); [2] foi também uma ocasião para Deus aprofundar a visão, a confiança e a piedade de Jó.
O argumento de Eliú despiu Jó de seu orgulho e arrogância. Foi tanto que, dessa vez, o patriarca Jó não disse qualquer palavra para rebater seu contestador. Eliú tinha razão!
E nós, o que tiramos do discurso de Eliú?
A lição central para nós é que os filhos de Deus – aqueles que confiam em Deus e são guiados por seu Espírito e têm seus pecados cobertos pelo sangue de Jesus – podem realmente sofrer (e eles sofrem!). E quando sofrem, não é uma punição pelo pecado o seu sofrimento. CRISTO JÁ SUPORTOU A PUNIÇÃO POR NOSSO PECADO, e não há risco de outra punição para todo aquele que crê.
De fato, se meus pecados foram cravados na cruz de Cristo (em Cristo), AS COISAS RUINS QUE ACONTECEM COMIGO JÁ NÃO SÃO MAIS MINHA CRUZ. Senão a expiação de Jesus pelos meus pecados teria sido insuficiente. Em vez disso, as coisas ruins que acontecem comigo devem ser interpretadas da maneira como Eliú as interpretou, a saber, elas são as mãos desejosas de um pai amoroso ou o bisturi cuidadoso de um cirurgião competente, e Deus está misericordiosamente me curando dos restos (das metástases) da corrupção do pecado que ainda me permeia.
O SOFRIMENTO DOS FILHOS DE DEUS NÃO É A APLICAÇÃO DE UM PRINCÍPIO DE JUSTIÇA RETRIBUITIVA. É A APLICAÇÃO GRATUITA DO PRINCÍPIO DA GRAÇA SOBERANA. Nosso Pai que está no céu nos escolheu em Cristo, gratuitamente, desde antes da fundação do mundo, e ele nos regenerou gratuitamente pela obra do Espírito Santo, ele nos justificou gratuitamente pelo dom da fé salvadora, e agora ele está nos santificando gratuitamente por sua graça por meio do sofrimento e de acordo com sua infinita sabedoria.
O SOFRIMENTO NÃO É DISPENSADO ALEATORIAMENTE, ARBITRARIAMENTE ENTRE O POVO DE DEUS. É distribuído a nós como terapia especializada, dosada individualmente, pela mão amorosa de nosso grande Médico. E seu objetivo é que nossa fé seja refinada, nossa santidade seja ampliada, nossa alma seja salva e nosso Deus seja glorificado.
Creio que será útil encerrar com algumas passagens do Novo Testamento sobre o propósito de Deus no nosso sofrimento. Deixe-me dar a vocês apenas três ou quatro passagens, de modo que possam ouvir a mesma verdade sendo ensinado de outra maneira, além da forma narrativa indireta que nos foi ensinada por Eliú aqui em Jó.
Provados pelo fogo
1Pedro 1.6-7 (NVT) 6Portanto, alegrem-se com isso, ainda que agora, por algum tempo, vocês precisem suportar muitas provações. 7Elas mostrarão que sua fé é autêntica. Como o fogo prova e purifica o ouro, assim sua fé está sendo experimentada, e ela é muito mais preciosa que o simples ouro. Isso resultará em louvor, glória e honra no dia em que Jesus Cristo for revelado.
Participantes da santidade
Hebreus 12.10-11 (NVT) 10Pois nossos pais nos disciplinaram por alguns anos como julgaram melhor, mas a disciplina de Deus é sempre para o nosso bem, a fim de que participemos de sua santidade. 11Nenhuma disciplina é agradável no momento em que é aplicada; ao contrário, é dolorosa. Mais tarde, porém, produz uma colheita de vida justa e de paz para os que assim são corrigidos. [Não a despreze, não desanime: Hb 16.6, 12-13]
Esperança posta em Deus
2Coríntios 1.8-9 (NVT) 8Irmãos, queremos que saibam das aflições pelas quais passamos na província da Ásia. Fomos esmagados e oprimidos além da nossa capacidade de suportar, e pensamos que não sobreviveríamos. 9De fato, esperávamos morrer. Mas, como resultado, deixamos de confiar em nós mesmos e aprendemos a confiar somente em Deus, que ressuscita os mortos.
Perseverança hipertrofiada
Tiago 1.2-3 (NVT) 2Meus irmãos, considerem motivo de grande alegria sempre que passarem por qualquer tipo de provação, 3pois sabem que, quando sua fé é provada, a perseverança tem a oportunidade de crescer.
Aumentar a fé, fazer crescer a perseverança é como ganhar massa muscular.
QUEM QUER FICAR MUSCULOSO SABE QUE OS MÚSCULOS NÃO CRESCEM DO NADA. É preciso muito esforço. Carga pesada. De fato, o que faz crescer o músculo, em linhas gerais, são as microlesões nas células musculares, as quais são provocadas pelos exercícios pesados. Essas lesões, por sua vez, serão reparadas durante o descanso, mas não só isso: seu organismo vai aumentar o tecido danificado, para que ele possa aguentar os estímulos a que foi submetido anteriormente.
Muitos acreditam que para alcançar a hipertrofia muscular, basta pegar pesado na musculação. No entanto, PARA OBTER UM CRESCIMENTO MUSCULAR SIGNIFICATIVO E NATURAL, É NECESSÁRIA A UNIÃO DE DIVERSOS FATORES. É essencial a combinação de uma dieta específica, suplementação, rotina de treino e descanso. DE IGUAL MODO NA VIDA CRISTÃ: dieta na palavra de Deus e oração, suplementação via comunhão com o corpo de Cristo, rotina de treino na academia do sofrimento e descanso em Deus fazem crescer nossa perseverança. Pergunte a Jó.
S.D.G. L.B.Peixoto
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