18.09.2022
[Gênesis 1.1] No princípio, Deus criou os céus e a terra.
Quando dizemos que Gênesis deve ser tomado como fato, não ficção – que Gênesis é a história das origens inspirada por Deus – não estamos afirmando que somos capazes de entender plenamente esta revelação divina. Gênesis, de fato, é história, mas grande parte dessa história está muito além de nossa capacidade de compreensão. James Boice destaca, com razão, que em nenhum lugar deste livro a realidade de nossa limitação para o pleno entendimento das coisas de Deus fica mais óbvia do que nas primeiras três palavras de Gênesis – “No princípio, Deus” (Gn 1.1).
Lemos três palavras – No-princípio-Deus – , mas no hebraico (língua original em que foi escrito o livro), essas palavras correspondem a apenas duas: בְּרֵאשִׁ֖ית בָּרָ֣א אֱלֹהִ֑ים — re’shiyth bara’ ’elohiym ; isto é: No princípio, criou Deus. “No princípio, Deus”!
O Prêmio Nobel de Física de 1927, o Dr. Arthur Holly Compton (1892—1962) afirmou certa vez que essas palavras introdutória de Gênesis – No princípio, Deus – são “as mais tremendas já escritas”. Outro estudioso renomado, John Henry Gerstner (1914—1996), do Seminário Teológico de Pittsburgh, escreveu que, mesmo que faltassem todas as outras evidências para se sustentar a doutrina, “as primeiras três palavras do livro de Gênesis são prova suficiente da inspiração da Bíblia”. Por quê? Devido à profundidade dessa declaração. Lembre-se de que os antigos judeus não eram cientistas, e também não eram nem mesmo teólogos ou filósofos profundos. Portanto, o fato de que um povo relativamente primitivo nos legou um livro que incorpora a mais profunda sabedoria – o caso dessas palavras iniciais, bem como de outras passagens – deve nos convencer desde o início de que o livro de Gênesis nos foi dado pelo próprio Deus.
O Dr. Gerstner, em seu estudo de Gênesis 1.1, refletiu sobre uma declaração feita um dia em uma de suas aulas de física do ensino médio. Seu professor teria dito que “A maior pergunta que jamais foi feita é a seguinte: por que existe algo em vez de nada?” Na época, o jovem estudante ficou impressionado. Só que ele amadureceu e gradualmente percebeu que essa não é uma questão profunda.
Na verdade, nem é uma pergunta verdadeira. Porque se nada realmente é nada, então nada desafia a formulação e a proposição desaparece. Ora, o que é “nada”? Se você acha que pode responder a essa pergunta, argumentou Gerstner, você é a pessoa menos qualificada para respondê-la. Assim que você diz: “Nada é…”, nada deixa de ser nada e se torna algo. Além de tudo, Gerstner era especialista na vida e na teologia de Jonathan Edwards. Então ele cita uma frase de Edwards: “Nada é o que as rochas adormecidas sonham”. Portanto, concluiu Gerstner com uma tirada, “qualquer um que pensa que sabe o que é o nada deve ter pedras na cabeça”.
O que havia “no princípio”?
Se a alternativa for posta entre Deus e nada, realmente não há escolha. Pois nada é nada, então ficamos com a única alternativa possível: “No princípio, Deus”. Ou seja: nunca houve nada, sempre houve Deus… “No princípio, Deus”! Talvez seja por isso que Paulo endosse (em Atos 17.28) o que escreveu um dos filósofos gregos: “Pois nele [Deus] vivemos, nos movemos e existimos. Como disseram alguns de seus próprios poetas: ‘Somos descendência dele’.”
Devemos, neste ponto, lidar com uma objeção que é geralmente levantada. Algumas traduções modernas de Gênesis, mais alguns comentaristas do texto hebraico, traduzem essas primeiras palavras da Bíblia de uma maneira alternativa. O problema é que o leitor casual, bem como o erudito detalhista, poderão indagar se tudo o que dissemos até agora é errado. Preste atenção.
Em alguns casos e nalgumas traduções modernas, as palavras iniciais de Gênesis são tratadas como uma cláusula dependente ou temporal em vez de uma cláusula independente, o que muda completamente a afirmação de Gênesis 1.1. Observe:
(NVT) No princípio, Deus criou os céus e a terra.
(Nota de Rodapé da NVT) No princípio, quando Deus criou os céus e a terra…; ou Quando Deus começou a criar os céus e a terra…
NA TRADUÇÃO CONVENCIONAL, adotada pela NVT, fica claro não só que Deus existia no princípio, antes de todas as coisas, como também que foi ele, Deus, o criador de todas as coisas; foi ele o originador, o principiador de todas as coisas que existem. Gênesis 1.1 — “No princípio, Deus criou os céus e a terra.”
NA TRADUÇÃO MODERNA, constante, por exemplo, na nota de rodapé da NVT, fica-se com a afirmação de que, em algum ponto indefinido do passado, tanto Deus como a matéria existiam simultaneamente, e que Deus então começou a dar forma à matéria no universo que hoje conhecemos. Nota de Rodapé — “Quando Deus começou a criar os céus e a terra…”
As implicações dessa tradução moderna são muito claras. Se é ou não é precisa essa tradução moderna – chegaremos a essa questão em breve – uma coisa já está bastante clara: ela nega (ou pelo menos ignora) uma criação absoluta. Ela torna a matéria preexistente e, portanto, não nos apresenta um começo, um princípio absoluto.
O que se dizer sobre essa interpretação ou tradução moderna?
É uma tradução possível, caso contrário não a teríamos nem mesmo em notas de rodapé de algumas versões da Bíblia. A palavra בְּרֵאשִׁ֖ית — re’shiyth pode realmente ser traduzida desse modo – “Quando começou…” em vez de “No princípio”, mas o fato de esta ser uma tradução possível não significa que seja correta. De fato, quando começamos a examinar mais detalhadamente o assunto, há várias razões pelas quais a tradução convencional – “No princípio”– deve ser a preferida.
PRIMEIRO, A SIMPLICIDADE NATURAL DA SENTENÇA HEBRAICA. Se a cláusula de abertura de Gênesis 1 não for conclusiva no versículo 1, então a sentença, na verdade, só termina no versículo 3, onde Deus fala e a luz passa a existir. Seria, pois, uma sentença bastante longa, possuindo não uma, mas duas partes subordinadas, e o fluxo real da frase seria este (vs. 1-3): “Quando Deus começou a criar os céus e a terra – a terra estando naquele tempo sem forma e vazia, as trevas pairando sobre a superfície do abismo e o espírito de Deus pairando sobre as águas – Deus disse: ‘Haja luz’, e houve luz”. Isso é bem diferente de uma sentença hebraica comum, especialmente uma sentença introdutória. Não é este o caso das sentenças no hebraico. Existem cláusulas dependentes no hebraico, mas elas não costumam ser assim tão complexas. Portanto, seria difícil acreditar que, especialmente neste caso, uma sentença inicial tão intrincada se destinaria a iniciar o relato simples e direto da criação conforme o temos neste capítulo.
SEGUNDO, O VERBO “CRIAR” – בָּרָ֣א , BARA’ (que é a segunda palavra da sentença em hebraico) é usado somente com relação a Deus, e caracteristicamente se refere a Deus trazer à existência algo que é inteiramente novo. Claro, Deus também forma coisas a partir de material existente (ou préviamente criado), mas quando isso acontece, outra palavra é usada (geralmente o verbo “fazer” – עשׁה , ʿasah). “Criar” (do hebraico בָּרָ֣א , bara’) refere-se à produção de coisas novas a partir do nada. Portanto, seria um verbo impróprio se a criação mencionada nesses versículos fosse meramente a formação ou a organização da terra a partir de matéria preexistente (coexistente com Deus).
TERCEIRO, GÊNESIS É UM LIVRO DE COMEÇOS. Mas ao nos contar sobre a origem de tudo o livro claramente falhou no ponto mais crucial se, de fato, o melhor que pôde dizer foi que, no início, a matéria simplesmente já estava por aí. O texto, no entanto, indica que “No princípio, Deus criou os céus e a terra” (Gn 1.1); ou seja, todas as coisas foram de fato criadas ex nihilo (do latim, “do nada”). Portanto, do nada, Deus criou todas as coisas (Gn 1.1) e então passou a ordenar e a preencher (Gn 1.2ss.).
Por que tantos estudiosos modernos e até alguns tradutores da Bíblia preferem subordinar a primeira sentença (em Gênesis 1.1) aos versículos seguintes (vs. 2-3)? Edward J. Young sugere que a verdadeira razão é que o Épico Babilônico da Criação, ao qual fizemos referência em mensagem anterior, começa dessa maneira e que esses estudiosos e tradutores bíblicos têm um desejo prejudicial de que o relato de Gênesis se adapte ao mito babilônico. Portanto, ao subordinarem as cláusulas iniciais de Gênesis 1, os estudiosos até conseguem tornar Gênesis um tanto paralelo ao relato babilônico. Só que, conforme argumentamos, Gênesis não começa assim, e ponto. Começa falando desse princípio absoluto de todas as coisas, que é Deus (não o nada, nem matéria preexistente, mas Deus!), e depois nos fornece a visão mais detalhada de como o Criador foi dando forma e preenchendo todas as coisas. O início de Gênesis, a clausula de abertura da Bíblia, portanto, nos deixa em estado de profunda admiração, e com uma afirmação absolutamente tão simples (Gn 1.1): “No princípio, Deus criou os céus e a terra.”
A cláusula de abertura de Gênesis, a frase introdutória da Bíblia Sagrada, além de nos atestar que nunca houve nada, mas sempre, desde a eternidade passada, houve Deus, ela ainda nos instrui sobre a natureza de Deus, o Criador, que é a única origem de todas as coisas. Sugere algumas afirmações negativas e algumas afirmações positivas.
A afirmação negativa mais clara é a negação ao ATEÍSMO. Se Deus sempre foi, se Deus sempre existiu e estava no princípio, criando do nada todas as coisas, então havia e há um Deus. Como poderia ser de outra forma? Dizer menos seria dizer que Deus é dependente da criação, estando sujeito às mesmas leis e, portanto, não poderia estar antes de tudo e no início da criação como Gênesis afirma que ele estava. Segundo Gênesis, a não existência de Deus é uma impossibilidade, porque “No princípio, Deus criou os céus e a terra”(Gn 1.1).
A segunda negação é ao MATERIALISMO. Quando o texto diz que Deus estava no princípio, antes da criação, Gênesis 1.1 separa Deus da criação e, portanto, da matéria criada, do tempo criado e do espaço criado. O nosso não é um universo inteiramente materialista. Inda mais, se Deus criou a matéria, a matéria nem sempre existiu, que é o que ensina o materialismo. O materialismo, de fato, dirá que a matéria é tudo o que há (e sempre houve); mas a Bíblia diz diferente: há a matéria porque, “No princípio, Deus criou os céus e a terra.” E hoje, a pesar de distinta e de separada de Deus, a criação é sempre dependente de Deus, como foi lá “no princípio”.
A terceira negação que faz as declarações iniciais de Gênesis é ao PANTEÍSMO. O panteísmo é a filosofia que diz que Deus está na matéria ou é matéria. Está subjacente à maioria das religiões pagãs ou animistas. Porém, se Deus criou a matéria, então ele está separado da matéria e é superior à matéria (a matéria não é Deus nem emanação ou parte essencial, inseparável de Deus). Desse modo, qualquer religião que cultue a matéria ou algo criado é idólatra, segundo Gênesis 1.1.
A quarta negação que faz as declarações inicias de Gênesis é ao DUALISMO. Isto é, a ideia de que tanto Deus quanto o universo material existem eternamente lado a lado é algo que o relato bíblico exclui completamente. Nunca houve, não há e jamais haverá duas forças supremas no universo: Deus e a matéria; não há um conflito eterno entre Deus e os aspectos malignos do universo material. Isso é coisa de Star Wars e das religiões orientais e da “Nova Era”. Pela Bíblia, só há um soberano no universo: Deus, aquele que, no princípio, criou os céus e a terra.
A quinta negação que Gênesis 1.1 nos possibilita fazer é ao DEÍSMO. Deísmo é a ideia de que Deus não está envolvido diretamente na criação; negam que Deus esteja envolvido no mundo atualmente, eliminando, assim, a possibilidade da imanência divina na ordem criada. No deísmo, Deus é visto como o relojoeiro divino que deu corda ao “relógio” da criação no início, mas depois deixou que ele funcione por conta própria.
Pois bem, essas – o ateísmo, o materialismo, o panteísmo, o dualismo e o deísmo – e muitas outras falsas filosofias erram porque começam com o homem ou a matéria e, só então, vão até Deus, se é que vão tão longe. Mas Gênesis se opõe a todas elas quando começa com Deus e o apresenta como o originador de todas as coisas (Gn 1.1): “No princípio, Deus criou os céus e a terra.”
Além das afirmações negativas, Gênesis 1.1 nos permite fazer algumas afirmações positivas bastante importantes sobre a natureza do Deus da Bíblia.
PRIMEIRO, quando inicia com as palavras “No princípio, Deus”, Gênesis está nos dizendo que Deus é AUTOEXISTENTE. Isso não é verdade para qualquer outra coisa no universo inteiro; nada do que existe é, de algum modo, autoexistente, apenas Deus, Somente Deus é autoexistente. Todo o resto depende de alguma outra coisa ou pessoa e, em última análise, de Deus. Sem causas anteriores, tal coisa, qualquer coisa, não existiria. Reconhecemos essa verdade quando falamos das leis de “causa e efeito”. Todo efeito deve ter uma causa adequada, mas Deus é a causa última e ele mesmo é incausado. Deus não tem origens; isto significa: PRIMEIRO, que, como ele é em si mesmo, ele é incognoscível – isto é, Deus não é cognoscível, não pode ser conhecido (a menos que ele se revele, e se deixe conhecer pelo que ele revela a nós de si mesmo); e, SEGUNDO, que Deus não responde a quem quer que seja. Deus é autoexistente.
Por que a autoexistência de Deus significa que ele é incognoscível?
Deus é a causa além de tudo, então ele não pode ser explicado ou conhecido como outros objetos (criados) podem. A criatura não tem categorias para conhecer a origem ou a casa de todas as coisas, isto é, Deus. A. W. Tozer foi certeiro ao assinalar que esta é uma das razões pelas quais a filosofia e a ciência nem sempre foram amigas da ideia de Deus. Essas disciplinas dedicam-se à tarefa de prestar contas das coisas e são impacientes com qualquer coisa que se recuse a dar conta de si mesma. O cientista admitirá que há muita coisa que ele ou ela não sabe; mas ele dirá que não é o caso da ciência; portanto, o cientista jamais admitirá que existe algo que nunca poderemos conhecer e que, na verdade, nem sequer possuímos alguma técnica para se conhecer. Para evitar isso, o cientista pode até tentar rebaixar Deus ao seu nível, definindo-o como “lei natural”, “evolução” ou algum princípio semelhante – mas Deus se sobressai, ele não pode ser conhecido, a menos que se revele ao homem.
Talvez, também, seja por isso que mesmo as pessoas que crêem na Bíblia parecem gastar tão pouco tempo pensando na pessoa e no caráter de Deus. Tozer escreve [no livro O Conhecimento do Santo]:
Poucos dentre nós se permitem contemplar em êxtase o EU SOU, o autoexistente para além do qual nenhuma criatura pode pensar. Tais pensamentos nos são dolorosos. Preferimos pensar em coisas que darão resultados melhores – como fabricar uma ratoeira mais eficaz, por exemplo, ou como plantar duas folhas de grama onde antes só crescia uma. E estamos agora pagando um preço alto demais por isto, na forma de secularização de nossa religião e decadência de nossa vida interior.
A autoexistência de Deus também significa que ele não responde ou presta contas a nós, e nós não gostamos disso. Queremos que Deus preste contas de si mesmo, defenda suas ações, aja sob a nossa lógica. Porém, embora às vezes ele nos explique as coisas, Deus não precisa e muitas vezes não o faz. Ele não tem que se explicar a ninguém.
SEGUNDO, quando Gênesis inicia dizendo: “No princípio, Deus”, além da autoexistência de Deus, isto significa que Deus é AUTOSSUFICIENTE. Autoexistência significa que Deus não tem origens – ele deu origem a todas as coisas. Autossuficiência significa que Deus não tem necessidades e, portanto, não depende de nada nem de ninguém. O mesmo não é verdade sobre nós, criaturas. Dependemos de inúmeras outras coisas – oxigênio, por exemplo. Se nosso suprimento de oxigênio for cortado, mesmo que por alguns momentos, morreremos. Também dependemos da luz, do calor, da gravidade e das leis da natureza. Se pelo menos uma dessas leis deixasse de funcionar, todos morreríamos imediatamente. Mas isso não é verdade para Deus. Essas coisas poderiam desaparecer – na verdade, tudo poderia desaparecer – mas Deus ainda existiria, como ele sempre existiu; de fato, de eternidade a eternidade, ele é Deus.
Neste ponto, estamos contrariando uma idéia difundida e bastante popular a respeito de Deus, a qual afirma que Deus coopera com o homem e o homem com Deus, cada um suprindo, por sua vez, algo que falta no outro. Imagina-se, por exemplo, que Deus carecia de glória e nos criou para supri-la. Ou ainda, que Deus precisava de amor e, portanto, nos criou para amá-lo. Alguns falam sobre a criação como se Deus estivesse sozinho e nos criou para lhe fazer companhia. Mas Deus não precisa de nós. Nuca precisou. Jamais precisará. Deus também não precisa de adoradores.
Arthur W. Pink, que escreveu sobre este tema em Os Atributos de Deus, afirmou:
Deus não estava sob nenhuma coação, nenhuma obrigação, nenhuma necessidade de criar. Que ele escolheu fazer isso foi puramente um ato soberano de sua parte, causado por nada fora de si mesmo, determinado por nada além de sua própria mera prazer; pois ele “faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Efésios 1.11). O fato de ele ter criado foi simplesmente para a manifestação de sua própria glória… Deus não ganha nem mesmo com nossa adoração. Ele não precisava daquela glória externa de sua graça que brota de seus redimidos, pois sem ela ele é glorioso o suficiente em si mesmo. O que foi [que] o moveu a predestinar seus eleitos para o louvor da glória de sua graça? Foi, Efésios 1.5 nos diz, ‘segundo o beneplácito [o propósito] de sua vontade.’ […] A força disso é que é impossível trazer o Todo-Poderoso sob obrigações para com a criatura; Deus não ganha nada de nós.
Alguns concluirão que assim o valor do ser humano é diminuído, mas não é esse o caso. O valor do ser humano está tão somente sendo colocado no único lugar que é possível ser sustentado nosso valor. De acordo com nossa maneira de pensar, temos valor por causa do que imaginamos que podemos fazer para Deus ou pelo que somos em nós mesmos. Isso é orgulho, tolice e vaidade. De acordo com a perspectiva bíblica, temos valor porque Deus nos concede valor – ao nos criar à sua imagem e semelhança. Nosso valor se deriva da graça de Deus na criação e da eleição da graça para a nossa salvação. Desse modo, Deus não precisa de ajudadores nem de defensores. Ele é quem trabalha por aqueles que nele confiam (Is 64.4) – e desse modo recebe toda a glória.
Tudo isso é de grande importância, pois quando realmente percebemos que Deus é o único ser verdadeiramente autossuficiente é que começamos a entender porque a Bíblia tem tanto a dizer sobre a necessidade de fé somente em Deus e por que a incredulidade é tão pecaminosa. Tozer escreveu que
Dentre todas as criaturas, não há uma sequer que ouse confiar em si própria. Deus é o único que confia em si mesmo; todos os demais seres devem confiar nele. A incredulidade na verdade é uma perversão da fé, pois coloca sua confiança em mortais ao invés de colocá-la no Deus vivo. O descrente nega a autossuficiência de Deus e usurpa atributos que não lhe pertencem. Esse duplo pecado desonra a Deus e, em última análise, destrói a alma humana.
De fato, se nos recusamos a confiar em Deus, o que estamos realmente dizendo é que nós ou alguma outra pessoa ou qualquer outra coisa é mais confiável. Isso é uma calúnia contra o caráter de Deus, e é loucura, pois nada mais é suficiente. Por outro lado, se começarmos confiando em Deus (crendo nele), teremos uma base sólida para toda a vida. Desse modo, porque Deus é suficiente, podemos começar descansando nessa suficiência e assim trabalhar efetivamente para ele, servindo-o, fazendo discípulos, praticando atos de amor. Deus não precisa de nós, mas a alegria de conhecê-lo está em saber que ele, no entanto, se inclina para trabalhar em e por meio de seus filhos.
TERCEIRO, a verdade de que “No princípio, Deus criou os céus e a terra” (Gn 1.1) implica em que ele é ETERNO. Significa que Deus é, sempre foi e sempre será, e que ele é sempre o mesmo em seu ser eterno. Se Deus é eterno:
Primeiro, pode-se confiar que ele permanecerá como a si mesmo ele a nós se revelou desde o princípio. Deus é imutável em seus atributos. Portanto, não devemos temer, por exemplo, que, embora ele tenha demonstrado seu amor por nós uma vez em Cristo, ele possa, de alguma forma, mudar de ideia e deixar de nos amar no futuro. Deus é sempre amor. Da mesma forma, não devemos pensar que, embora ele tenha se mostrado santo, ele pode, de alguma forma, deixar de ser santo e, portanto, mudar sua atitude em relação às nossas transgressões. O pecado sempre será pecado, porque é “qualquer falta de conformidade ou transgressão da lei de Deus [que é imutável]” (Catecismo Menos de Westminster, R. 14). Podemos estender isso dizendo que Deus sempre será santo, sábio, gracioso, justo e tudo o mais que ele, em sua Palavra, revelar ser. Nada do que fizermos irá mudá-lo. Novamente, Deus é imutável em seu conselho ou vontade eterna. Ele faz o que determinou a fazer de antemão, e sua vontade nunca varia. Essa é uma fonte de grande conforto para o povo de Deus. Se Deus fosse como nós, não se poderia confiar nele, pois ele mudaria e, como resultado disso, sua vontade e promessas também mudariam. Também não poderíamos depender dele, mas Deus não é como nós; Deus não muda. Consequentemente, seus propósitos permanecem fixos de geração em geração.
Sendo Deus eterno, a segunda consequência para nós é que ele é inescapável. Se ele fosse um mero humano e decidíssemos que não gostamos dele ou do que ele está fazendo, poderíamos simplesmente ignorá-lo, sabendo que ele poderá mudar de ideia, se afastar de nós ou morrer. Mas Deus não muda de ideia. Ele não se afasta. Ele não vai morrer. Consequentemente, não podemos escapar dele, jamais. Se o ignorarmos agora, devemos contar com ele na vida futura. Se o rejeitarmos agora, devemos eventualmente enfrentar Aquele que rejeitamos e conhecer sua própria rejeição eterna de nós – seu justo julgamento.
“No princípio, Deus criou os céus e a terra”, Gênesis 1.1. Nisto, em síntese, reside a profundidade do primeiro versículo da Bíblia: Deus é autoexistente, autossuficiente, eterno e todo-poderoso; portanto, ele é a causa de todas as coisas, totalmente independente, jamais muda, tudo pode e é inescapável. Essa é apenas a superfície da profundidade desse primeiro versículo da Bíblia. De fato, podemos ir mais longe e dizer que, em certo sentido, Gênesis 1.1 pode até ser o versículo mais importante da Bíblia, pois desde o início nos coloca face a face com o Deus com quem temos que lidar, de quem dependemos e a quem prestamos contas. Esse Deus não é um deus imaginário. Ele não é um deus de nossas próprias invenções. Ele é o Deus que É, o grande EU SOU – Aquele que, conforme resume o Breve Catecismo de Westminster (na pergunta e resposta de número 4), “é espírito, infinito, eterno e imutável em seu ser, sabedoria, poder, santidade, justiça, bondade e verdade.”
Às vezes, desejamos poder mudá-lo. Somos o homem que estava escalando uma montanha íngreme, a caminho do topo, quando começou a deslizar. Incapaz de se sustentar, ele tinha certeza de que seria morto. Mas quando ele estava prestes a despencar, ele conseguiu se agarrar a um pequeno galho. Lá ele se pendurou. Por ora, estava a salvo. Só que ele não conseguia voltar para a encosta da montanha, estava empacado. Sabia também que era apenas uma questão de tempo até que perdesse as forças e, de quase três mil metros de altura, despencasse sobre rochas lá embaixo. Ele não era um homem muito religioso. Só que essa, obviamente, era a hora de se agarrar a Deus. Então ele olhou para o céu e gritou: “Há alguém aí em cima que possa me ajudar?” Ele não esperava uma resposta, e por isso ficou bastante surpreso quando uma voz graves e profunda o respondeu, dizendo: “Sim, estou aqui e posso ajudá-lo!” Só que veio a contrapartida: “Mas, primeiro, você terá que largar esse galho.” Fez-se um longo silêncio! Até que o homem olhou para cima e gritou novamente: “Há mais alguém aí em cima que possa me ajudar?”
Óbvio, não há mais ninguém. Existe apenas Deus, Aquele que era no princípio e que sempre será. Mas ele é capaz de ajudar. Mais do que isso, ele está disposto a ajudar e até mesmo oferece a nós sua ajuda. Como é maravilhoso poder conhecê-lo desde o início. Gênesis 1 nos dá a chance de chegar a termos com Deus e receber a ajuda que ele oferece, sabendo que certamente o encontraremos no final, inescapavelmente.
Pedro, o apóstolo, entendeu isso; ele aprendeu que o Deus criador não apenas a nós se revelou em Jesus Cristo (que é a imagem exata do Deus criador invisível; o único por meio de quem se pode conhecer a Deus)… Deus não apenas a nós se revelou em Jesus Cristo, como também providenciou, por meio de Jesus Cristo, um meio de escaparmos de sua santa, eterna e imutável justiça. Com isso em mente, leia comigo:
João 6.66-69 66Nesse momento, muitos de seus discípulos se afastaram dele e o abandonaram. 67Então Jesus se voltou para os Doze e perguntou: “Vocês também vão embora?”.66Simão Pedro respondeu: “Senhor, para quem iremos? O senhor tem as palavras da vida eterna. 69 Nós cremos e sabemos que o senhor é o Santo de Deus”.
S.D.G. L.B.Peixoto
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