08.08.2021
[Jó 1.1 e 2.10] 1.1Havia um homem chamado Jó que vivia na terra de Uz. Ele era íntegro e correto, temia a Deus e se mantinha afastado do mal. […] 2.10Jó respondeu [`esposa]: “Você fala como uma mulher insensata. Aceitaremos da mão de Deus apenas as coisas boas e nunca o mal?”. Em tudo isso, Jó não pecou com seus lábios.
O espírito desta época é tão contrário a tudo o que o mundo ocidental sempre abraçou da cosmovisão judaico-cristã que se faz necessário ressaltarmos os pilares sobre os quais se apoiam o livro de Jó. Ora, se fosse só o mundo lá fora que fosse avesso ao que temos como pressupostos invioláveis – axiomas – de fé seria bem mais fácil a nossa batalha. O problema é que muito do que se crê e se combate lá entre os céticos, tornou-se, para a nossa ruína, pauta também de tantos que se dizem cristãos.
Portanto, antes de mergulharmos na saga de Jó – seu dilemas, seus debates, seu despir, sua descoberta e seu desfecho – , faremos cinco afirmações, cinco observações preliminares – apresentaremos cinco pilares sobre os quais se sustentam o livro de Jó; e isto preparará o terreno para o nosso estudo do livro. São estes:
Lembra que eu disse, no início desta série, que este livro seria um divisor de águas na vida e na teologia de muitos de vocês? Pois bem, apertem os cintos e vamos lá. Prepare-se para conhecer o Deus de Jó, o Deus e pai de nosso Senhor Jesus Cristo.
1 – Jó é um livro inspirado por Deus
O apóstolo Paulo tinha o Antigo Testamento como Escritura Sagrada, ou seja, texto inspirada por Deus e, portanto, útil para o cristão:
2Timóteo 3.16-17 16Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para nos ensinar o que é verdadeiro e para nos fazer perceber o que não está em ordem em nossa vida. Ela nos corrige quando erramos e nos ensina a fazer o que é certo. 17Deus a usa para preparar e capacitar seu povo para toda boa obra.
Esse mesmo apóstolo avalisa o livro de Jó, sustentando-o como Escritura Sagrada:
1Coríntios 3.18-19 18Que ninguém se engane. Se algum de vocês pensa que é sábio conforme os padrões desta era, deve tornar-se louco a fim de ser verdadeiramente sábio. 19Pois a sabedoria deste mundo é loucura para Deus. Como dizem as Escrituras [Jó 5.13]: “Ele apanha os sábios na armadilha da própria astúcia deles”.
Portanto, o que temos em Jó, por mais que soe como loucura, aberração, lenda, fábula ou coisas do gênero, é sim palavra INSPIRADA por Deus; útil para nos preparar e capacitar; sabedoria de Deus para se combater os padrões de “sabedoria” desta época.
2 – Jó está alicerçado em Cristo, a pedra angular
Em Jó 42, no final do livro, quando tudo já estava dito e feito, o SENHOR mesmo tratou com os amigos da onça de Jó:
Jó 42.7-9 7Depois que o SENHOR terminou de falar com Jó, disse a Elifaz, de Temã: “Estou muito irado com você e com seus dois amigos, pois não falaram o que é certo a meu respeito, como fez meu servo Jó. 8Por isso, peguem sete novilhos e sete carneiros, levem os animais a meu servo Jó e ofereçam holocaustos em favor de si mesmos. Meu servo Jó orará por vocês, e eu aceitarei a oração dele. Não tratarei vocês como merecem por sua insensatez, pois não falaram o que é certo a meu respeito, como fez meu servo Jó”. 9Então Elifaz, […] Bildade […] e Zofar […] fizeram o que o SENHOR havia ordenado, e o SENHOR aceitou a oração de Jó.
NOTE: Deus não usou a palavra perdão nessa passagem, mas esta é a essência do que se obteve com os holocaustos e a oração de Jó: Elifaz, Bildade e Zofar foram perdoados de seus pecados contra Deus e contra Jó. IMPORTANTE: esse texto de Jó nos remete ao que está escrito no Novo Testamento, particularmente em Romanos:
Romanos 3.25-26 25Deus apresentou Jesus como sacrifício [propiciação] pelo pecado, com o sangue que ele derramou [satisfazendo a ira de Deus], mostrando assim sua justiça em favor dos que creem. No passado ele se conteve e não castigou os pecados antes cometidos, 26pois planejava revelar sua justiça no tempo presente. Com isso, Deus se mostrou justo, condenando o pecado, e justificador, declarando justo o pecador que crê em Jesus.
Paulo está nos narrando como o próprio Deus resolveu um enorme problema teológico: Como Deus perdoou pecados no Antigo Testamento? A resposta do apóstolo é que Deus esperava pela cruz de Cristo, onde o pagamento total pela culpa do pecado seria feito, onde Cristo morreria no lugar dos pecadores. Na antiga aliança, a propiciação (ou a satisfação completa da ira de Deus no sacrifício do Filho eterno de Deus) fora simbolicamente prefigurada em vários incidentes, como por exemplo em Jó 42.7-9 (o holocausto em favor dos pecados dos amigos de Jó).
A maioria dos brasileiros tem exatamente o problema oposto com Deus, ou seja, por que coisas ruins acontecem comigo? Deus não me ama? Já o principal problema de Paulo com Deus é que as coisas vão bem para pecadores. Aliás, este é um grande problema para o próprio Deus. Como pode um Deus justo dizer aos pecadores: “Eu os perdôo, sem penalidade, sem inferno, sem tempo de prisão.” Honestamente, qualquer juiz ou magistrado humano, qualquer tribunal ou corte de justiça que agir dessa forma, fará com que seja destituída a autoridade e arranjando um novo juiz que faça prevalecer a justiça e coloque as pessoas na prisão quando esta for a pena. Portanto, como resolver o grande problema da justiça e de Deus? Você deve saber a resposta. É a cruz. Na cruz de Cristo, o próprio Deus se torna justo (aplica justiça) e justificador (aplica o perdão).
Assim sendo, devemos calçar em Cristo o livro de Jó (e todo o Antigo Testamento, por assim dizer); Cristo é o alicerce ou o fundamento que dá sustentação à saga de Jó (e à nossa também). É bom que se diga isto explicitamente aqui no início, antes de mergulharmos no livro em si, porque se não falarmos muito de Cristo e da cruz de Cristo ao longo dessas exposições de Jó, que ninguém se esqueça de que tudo de bom que surge no livro de Jó foi comprado por Jesus Cristo, com o sangue lá da cruz, lá do Calvário.
3 – Jó trata da soberana, sábia e graciosa providência de Deus
A saga de Jó não é fácil de ser absorvida, sobretudo se você vai para o livro perguntando: por que pessoas boas sofrem? por que o sofrimento? para que o sofrimento? Não é esse o tipo de resposta que o livro de Jó nos oferece. Jó, como escreveu o apóstolo Tiago, trata de quem Deus é: soberano, sábio, misericordioso e gracioso. Ouça, mais uma vez, Tiago 5.11, lá no finalzinho do versículo 11: “o Senhor foi bondoso com ele [Jó], pois o Senhor é cheio de compaixão e misericórdia.”
Portanto, se você tem dúvida ou não sabe qual é o objetivo supremo do livro de Jó, leia Tiago 5.11. Tudo na saga de Jó está voltado para o desfecho final do livro, o palco do capítulo 42 de Jó, o qual coloca em exibição um Deus que é soberanamente bondoso, misericordioso e compassivo na vida de seus santos sofredores. É a forma do livro de Jó atestar que Deus faz todas as coisas para o louvor de sua gloriosa graça derramada sobre nós em seu Filho amado (como Paulo escreveu em Efésios 1.6).
Logo, estudando a saga de Jó, o que faremos será buscar visualizar a soberania, misericórdia, bondade e compaixão do SENHOR em nosso sofrimento – fazendo com que todas as coisas cooperem para o bem de nossa salvação e santificação (Rm 8.28-30). Desse modo, nós seremos fiéis à observação do Novo Testamento de que é disso que trata Jó: a soberania divina proposital, a fé paciente do profeta resistente (conforme Tiago descreve Jó), e a glória da misericórdia de Deus que corta em nós e fora de nós tudo o que for necessário para que o vejamos glorioso na face de Cristo.
4 – O Deus de Jó é absolutamente soberano,
apesar de combatido nesta época
Vivemos em uma época – não é nada novo, mas é mais agressivo! – em que os ensinamentos deste livro, como nós os veremos, são combatidos e negados de forma militante pelos evangélicos, e até entre batistas. Citarei para vocês alguns teólogos e pensadores mais recentes, a maioria americanos, mas que compõem a bibliografia das vozes evangélicas que mais negam e combatem a soberania absoluta de Deus no Brasil.
Primeiro, William Barclay. Ele é autor de uma série de comentários dos livros do Novo Testamento. Muito influente, sobretudo por causa de suas informações históricas e culturais, pelo pano de fundo do Novo Testamento; também pela forma homilética como ele escreveu sua obra. No Brasil, ele se popularizou através dos comentários traduzidos para o espanhol que a maioria dos professores de uma ou duas gerações passadas utilizavam para ensinar nos seminários e os pastores para pregar nos púlpitos. Apesar de muito útil em alguns aspectos, Barclay era teologicamente liberal. Sua visão da expiação de Cristo e da Bíblia, e sua visão do sofrimento humano são intoleráveis da perspectiva reformada e ortodoxa da fé cristã. Deixe-me ler para vocês o que ele afirmou. Ele escreveu Uma Autobiografia Espiritual, na qual se acha esta horrível citação:
Creio que a dor e o sofrimento nunca são a vontade de Deus para seus filhos. Não posso conceber que seja a vontade de Deus que alguém seja atropelado por um motorista sob o efeito da bebida ou que uma jovem mãe morra de leucemia ou que alguém ainda na primeira infância tenha que enfrentar [uma doença degenerativa].
Meu Deus! Não dá para resolver o problema do sofrimento humano arrancando de Deus sua soberania absoluta, dizendo apenas que ele “permite” que coisas ruins aconteçam sem que, em última instância, seja sua vontade. Isso não resolve o problema, mas cria outro ainda maior: um Deus que se ocupa de correr atrás de conter o prejuízo causado pelo diabo e o ser humano absolutamente soberanos em sua vontade. O Deus de Barclay vive para passar pano atrás de nossa bagunça. Não é o Deus de Jó!
Neste tipo de solo foi que germinou, floresceu e tem frutificado o que se chama “teísmo aberto” ou “teologia do processo” – que nega a onipresença, a onipotência e a onisciência de Deus; seus defensores apresentam outra definição, na qual afirmam pretender uma reavaliação do conceito da onisciência de Deus, ensinam que Deus não conhece o futuro completamente, e pode mudar de ideia conforme as circunstâncias.
Por exemplo:
John Sanders, que escreveu The God Who Risks, afirmou:
Deus não tem um propósito divino específico para cada ocorrência do mal. Quando uma criança de dois meses contrai um câncer ósseo doloroso e incurável, que significa sofrimento e morte, é um mal sem sentido. O holocausto é um mal sem sentido. O estupro, seguido de morte e o esquartejamento de uma jovem é um mal sem sentido. O acidente que causou a morte do meu irmão foi uma tragédia. Deus não tem um propósito específico em mente para essas ocorrências. Penso que isso é errado.
Greg Boyd, em Letters From a Skeptic, escreveu:
Quando um indivíduo inflige dor a outro indivíduo, não penso que podemos ir em busca do propósito de Deus nesse evento. Sei que os cristãos falam frequentemente sobre o propósito de Deus em meio a uma tragédia causada por outra pessoa, mas considero isso simplesmente uma maneira piedosamente confusa de pensar.
O mesmo Greg Boyd continuou, em God at War:
Nem Jesus nem seus discípulos presumiram que deveria haver um propósito divino por trás de todos os eventos da história. A Bíblia não presume que todo mal em particular tenha um propósito piedoso em particular por trás dele.
Percebeu?
Esse tipo de teólogo, na tentativa de confortar os que sofrem e corrigir o que eles chamam de erro doutrinário (em defesa de Deus!), deixam o cristão em um mundo sem propósito algum, com um Deus que no máximo corre atrás de nós passando o pano, chorando pelo que está acontecendo, sem poder fazer algo para ajudar, apenas tentando nos consolar em meio a todas essas coisas “sem propósito” que nós mesmos criamos.
Portanto, as questões da soberania absoluta do Deus de Jó, com as quais lidaremos no livro, não têm significância teológica remota, antiga, descontextualizada. Muito pelo contrário, elas têm significado teológico imediato, pessoal, prático e pastoral, posto que são [as questões da soberania absoluta de Deus] combatidas em muitos lugares, inclusive seminários, púlpitos e igrejas evangélicos, também brasileiros (batistas!). Vejam:
Ed René Kivitz (que é pastor batista de uma grande igreja em São Paulo), em entrevista para Eliana de Castro na faustomag.com [em 19/03/2017], respondeu coisas em face das quais, por respeito, eu prefiro deixar você mesmo tirar suas conclusões. Ouça:
FAUSTO – Qual é a justificativa do sofrimento?
Ed René Kivitz: Não tem justificativa. O sofrimento é um dado da condição humana que não é útil para nada. Pela ótica da cultura moderna, que quer fazer de qualquer limão uma limonada, ele tem utilidade. Ou seja, damos um jeito de justificá-lo: “há males que vem para o bem”. A cultura moderna também usa o sofrimento como auto-aperfeiçoamento. E é a cultura moderna que vai vender essa ideia de que conseguimos colocar rédeas nesse mundo caótico. Agora, nós também conseguimos, respondendo ao sofrimento, descobrir dimensões da existência humana que, na zona de conforto, jamais acessaríamos.
E o sofrimento pela ótica religiosa cristã?
É um dado posterior ao que a teologia chama de pecado original. Ou seja, o sofrimento não deveria ser um elemento da realidade existencial humana. O sofrimento é consequência de algo errado que fizemos. [i.e., nós estragamos o plano original de Deus e Deus agora se ocupa de remediar a nossa bagunça!]
Na contra-mão desse desespero que esse tipo de teologia nos coloca – i.e., nada tem justificativa, só não era para ser assim e pronto, não há propósito no sofrimento – , o Deus de Jó é absolutamente soberano, totalmente sábio, constrangedoramente gracioso e transbordante de bondade e de misericórdia no sofrimento de seus filhos. Afinal, recorde-se pelas Escrituras:
Efésios 1.10-11 10E o plano é este: no devido tempo, ele reunirá sob a autoridade de Cristo tudo que existe nos céus e na terra. 11Além disso, em Cristo nós nos tornamos herdeiros de Deus, pois ele nos predestinou conforme seu plano e faz que tudo ocorra de acordo com sua vontade [ora, será mesmo que o Deus de Paulo é o mesmo Deus do tipo de teólogos que nós acabamos de citar?].
Este “faz que tudo ocorra de acordo com sua vontade” de Efésios 1.11 inclui a queda de pardais no chão (Mt 10.29), a sorte ou os dados lançados (Pv 16.33), o juízo divino na forma de matança e cativeiro do povo de Deus (Sl 44.11), as decisões dos reis (Pv 21.1), a surdez, mudez ou cegueira dos homens (Êx 4.11), a doença dos filhos (2Sm 12.15), o empobrecimento e o enriquecimento (1Sm 2.7), o sofrimento dos santos (1Pe 4.19), a conclusão dos planos de viagem (Tg 4.15), a perseguição aos cristãos (Hb 12.4-7), o arrependimento de pecadores (2Tm 2.25), o dom da fé (Fp 1.29), a busca da santidade (Fl 3.12-14), o crescimento dos crentes (Hb 6.3), o dar e o tirar a vida (1Sm 2.6), a crucificação do Filho eterno de Deus (At 4.27-28)… Enfim, desde a menor coisa até a maior de todas no Universo, bem e mal, felicidade e tristeza, pagão e cristão, dor e prazer, sucesso e “azar”, saúde e doença, vida e morte… Deus governa absolutamente soberano a tudo e a todos para seus propósitos sábios, justos e bons:
Isaías 46.9-10 9Lembrem-se do que fiz no passado, pois somente eu sou Deus; eu sou Deus, e não há outro semelhante a mim. Só eu posso lhes anunciar, desde já, o que acontecerá no futuro [teísmo aberto? teologia do processo?]. Todos os meus planos se cumprirão, pois faço tudo que desejo.
Nenhum mal nos acomete, o qual esteja fora da vontade do Senhor:
Amós 3.6 Quando a trombeta soa o alarme, o povo não fica assustado? Acaso a calamidade sobrevém a uma cidade sem que o SENHOR a tenha planejado?
Lamentações 3.37-38 37Quem pode ordenar que algo aconteça sem a permissão do Senhor? 38Acaso o Altíssimo não envia tanto a calamidade como o bem?
Por que Deus é absolutamente soberano, sobre tudo e sobre todos, do menor ao maior dos detalhes, sobre alegrias e tristezas, riqueza ou pobreza, saúde ou doença, ganhos ou perdas, vida ou morte… porque Deus é soberano, sábio e bom é que nós podemos descansar, adorar e louva o SENHOR:
Salmo 115.2-3 2Por que as nações dizem: “Onde está o deus deles?” [que não te socorre em seu sofrimento, que deixou que esse mal lhe acometesse!]. 3[A resposta do crente:] Nosso Deus está nos céus e faz tudo como deseja.
Lamentações 3.31-33 31Pois o Senhor não abandona ninguém para sempre. 32Embora traga tristeza, também mostra compaixão, por causa da grandeza de seu amor. 33Pois não tem prazer em afligir as pessoas, nem em lhes causar tristeza.
O Deus de Jó é absolutamente soberano, apesar de combatido nesta época.
5 – O sofrimento está destinado a provar todos os cristãos
Um dos meus deveres como seu pastor é pregar e orar de forma que você esteja preparado na cabeça e no coração para não amaldiçoar a Deus no dia de sua calamidade; preparar você para o sofrimento de um modo que você não perca a fé e a esperança em Deus. Mas ainda mais: que em vez de amaldiçoar ou de perder a fé e a esperança, você possa adorar a Deus e louvá-lo como seu Pai absolutamente livre e soberano, não importa quão intensa seja a tristeza ou profunda a dor que ele traga à sua vida.
As primeiras palavras de Derek Thomas na Introdução de seu excelente comentário no livro de Jó merecem a sua consideração:
Ao contrário de seus irmãos de hoje, os cristãos de uma época passada se preparavam para dificuldades. Eles as aguardavam [sabiam que elas chegariam]. Eles antecipavam a disciplina da cruz ao longo de toda sua vida terrena – até ao túmulo. Eles entenderam que a dor será dissipada apenas no céu.
Meu povo, é claro que as promessas de saúde e de riqueza e de vida sem problemas a pessoas piedosas não são um fenômeno novo (mas hoje é bem pior!). De fato, os conselheiros de Jó, guardadas as proporções, prometiam o mesmo do que hoje se promete, apenas para serem retrucados pelo patriarca Jó:
Jó 16.2-6 2“Já ouvi tudo isso antes [i.e., apenas os ímpios sofrerão]; que péssimos consoladores são vocês [consoladores miseráveis, molestadores]! 3Será que nunca vão parar de tagarelar? Que perturbação os faz continuar falando? 4Eu poderia dizer as mesmas coisas se estivessem em meu lugar, poderia berrar críticas e balançar a cabeça contra vocês. 5Mas eu faria diferente: eu lhes daria ânimo e tentaria aliviar seu sofrimento. 6Em vez disso, sofro se me defendo, e sofro igualmente se me recuso a falar.
Praticamente todos neste local de culto (inclusive você que me assiste ou ouve neste momento) passarão por uma terrível calamidade, mais cedo ou mais tarde, é só questão de tempo. E você pode anotar com antecedência e absoluta certeza: quase certamente parecerá absurdo, desmedido, sem sentido e imerecido quando chegar o sofrimento – doença, perda, perseguição, seja o que for – , e a tentação será achar que Deus não está nesse negócio; que você está entregue a esse mundo que não faz sentido e absolutamente só, em sua própria força.
Na hora do sofrimento vai parecer tudo muito absurdo, e você gemerá: “Por quê?” incontáveis vezes antes que passe o temporal e se vá a nuvem negra do sofrimento. Inda mais que a maior parte de nossas tristezas e dores não nos sobrevêm como punição clara pelos pecados. A maior parte vem do nada e confunde nosso senso de justiça. É por isso que o livro de Jó é tão relevante. O sofrimento de Jó parece surgir do nada e não tem conexão com seu caráter piedoso, atestado pelo próprio Deus. A história de Jó é registrada para nós para que possamos ter alguma ajuda ao passar por essas calamidades – e não apenas manter os lábios sem tremer, mas nos curvarmos com reverência e confiança diante da bondade soberana de Deus. A saga de Jó é uma ilustração viva do que disse o Senhor Jesus aos discípulos em seu discurso de despedida: “Eu lhes falei tudo isso para que tenham paz em mim. Aqui no mundo vocês terão aflições, mas animem-se, pois eu venci o mundo [e Jó também venceu, e você também poderá!]” (Jo 16.33).
Deus permitindo, iniciaremos, começaremos a desembrulhar o livro no próximo domingo. Iremos até o versículo 10 do capítulo 2 de Jó e de lá adiante. Examinaremos trechos do livro para obtermos uma visão geral dos fatos, e no final de cada exposição bíblica recuaremos um pouco e extrairemos algumas verdades aplicáveis à nossa vida.
Mas não se esqueça:
Por mais que admiremos Jó – e esse patriarca é para ser admirado e imitado (conforme já lemos em Tiago 5.10-11 – ele não é o herói desta saga. O Deus de Jó é o herói! O Deus de Jó é soberano, onipotente, onisciente e justo. Mas ele também é misericordioso, amoroso e bondoso.
Até que o SENHOR aparecesse do meio de um redemoinho (38.1), Jó reclamou que Deus, apesar de sábio, era apático, cego à injustiça, vivia escondido e era indiferente à sua dor. Na teologia dos quatro conselheiros (Elifaz, Bildade, Zofar e Eliú), certamente a justiça de Deus era o atributo mais proeminente, com a soberania quase tão importante; nada de compaixão e de graça no Deus desses amigos da onça (exceto em Eliú).
Visto que Jó disse tão pouco depois que Deus falou com ele, é difícil saber qual era sua nova visão a respeito de Deus; certamente que o patriarca ainda reconhecia a justiça, a sabedoria, o poder e a fidelidade de Deus, mas agora ele tinha provado daquilo que Tiago escreveu: Deus é bondoso, misericordioso e cheio de compaixão (Tg 5.11). Jó teria corrigido sua miopia, seu equívoco a respeito do SENHOR.
O Deus de Jó é aquele que em Cristo se faz justo e justificado (Rm 3.25-26), e estende a você o doce convite:
Mateus 11.28-30 28“Venham a mim todos vocês que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso. 29Tomem sobre vocês o meu jugo. Deixem que eu lhes ensine, pois sou manso e humilde de coração, e encontrarão descanso para a alma. 30Meu jugo é fácil de carregar, e o fardo que lhes dou é leve”.
O Deus de Jó é aquele que em Cristo age para ajuntar sua ninhada, mesmo aos mais rebeldes dos pecadores:
Mateus 23.37 Jerusalém, Jerusalém, cidade que mata profetas e apedreja os mensageiros de Deus! Quantas vezes eu quis juntar seus filhos como a galinha protege os pintinhos sob as asas, mas você não deixou.
Sobre o valor de se conhecer o Deus de Jó, deixemos o Catecismo de Heidelberg resumir para nós o que é e para quê serve a PROVIDÊNCIA DE DEUS:
27. O que é a providência de Deus?
R. É o poder de Deus, onipotente e presente em todo lugar, (At 17.25,27,28; Jr 23.23,24; Is 29.15,16; Ez 8.12), pelo qual, como por sua própria mão, sustenta e governa o céu, a terra e todas as criaturas de tal maneira (Hb 1.3) que tudo o que a natureza produz, a chuva e o sol (Jr 5.24; At 14.17); a fertilidade e a esterilidade; a comida e a bebida; a saúde e a enfermidade (Jo 9.3), a riqueza e a pobreza (Pv 22.2); enfim, nada acontece sem motivo, por acaso ou azar, mas segundo o conselho e a vontade do Pai celeste (Mt 10.29; Pv 16.33).
28. Que utilidade tem para nós o conhecimento da criação e da providência?
R. Para que em todas as adversidades tenhamos paciência (Rm 5.3; Tg 1.3; Sl 39.9; Jó 1.21, 22); na prosperidade sejamos agradecidos (1Ts 5.18; Dt 8.10); quanto ao futuro, sejamos confiantes, depositando nossa esperança exclusivamente em Deus, nosso Pai fidelíssimo (Sl 55.22; Rm 5.4), sabendo que: nada nos pode separar de seu amor (Rm 8.38, 39); todas as criaturas submetem-se ao seu poder; tudo acontece por sua soberana vontade (Jó 1.12; 2.6; Pv 21.1; At 17.25).
Você já conhece o Deus de Jó?
Venha a Cristo e ele o revelará – perdoará você do seu pecado e aninhará você debaixo de suas asas. Cristo o guardará de cair e o levará, com grande alegria e sem defeito, à presença gloriosa do Deus de Jó (Jd 23-24).
S.D.G. L.B.Peixoto
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