29.09.2019
O PACTO E A MEMBRESIA NA IGREJA
Hebreus 10.25
E não deixemos de nos reunir [congregar], como fazem alguns, mas encorajemo-nos mutuamente, sobretudo agora que o dia está próximo.
O CREDO E O PACTO NA VIDA BATISTA
Os Batistas sempre levaram a sério o versículo que nós acabamos de ler: “E não deixemos de nos reunir [congregar], como fazem alguns”, prova é que o nosso Pacto de Compromisso da Igreja, caminhando para a conclusão do documento, antes de finalizá-lo com uma súplica pelo favor de Deus, firmou o que se lê:
Finalmente, nos comprometemos a, quando sairmos desta localidade para outra, nos unirmos a uma outra igreja da mesma fé e ordem, em que possamos observar os princípios da Palavra de Deus e o espírito deste Pacto.
O Senhor nos abençoe e nos proteja para que sejamos fiéis e sinceros até a morte.
Para se ter uma ideia da importância que os Batistas sempre deram a este documento como um todo (e ninguém achar que é coisa da minha cabeça), em 1990 a JUERP (Junta de Educação Religiosa e Publicações da Convenção Batista Brasileira) lançou a primeira edição do livro de um batista norte-americano, o pastor Harald Schaly, intitulado: Estudo do Pacto das Igrejas Batistas. Ainda mais impressionante é a categoria na qual a própria editora dos Batistas inseriu essa obra (hoje, fora de edição).
A ficha técnica do livro traz assim: Batistas — Catecismo e Credos. Ou seja: se tiver que procurar esse livro em alguma biblioteca pública, faculdade, universidade ou nalgum seminário teológico, você terá que se dirigir à seção onde estão arquivados os catecismos e credos daquela biblioteca. Sob o meu ponto de vista, esta catalogação do livro (Batistas — Catecismo e Credos) é um verdadeiro resgate ou reafirmação de nossas origens. Explico.
Os Batistas sempre foram um povo preocupado em “catequizar” ou “ensinar” ou “doutrinar” (como queiram!) os seus membros; e sempre se pautaram pelas Escrituras à luz da tradição de fé Protestante, Batista e Reformada, conforme a expressão dos “Credos” ou “Confissões de Fé” ou “Declarações Doutrinárias” (de novo, como preferirem!). No entanto, para a nossa tragédia, essas posturas históricas nunca foram devidamente levadas a sério (muitas vezes, até desprezadas ou criticadas) entre os Batistas Brasileiros.
Os Batistas também sempre prezaram pela conduta dos membros da igreja, sempre levaram a sério a membresia na igreja. Ou seja: aquilo que cremos (e que está sistemática e sinteticamente colocado em nossa Declaração Doutrinária) deve se traduzir na forma como nós nos comportamos (conforme o resumo de nosso Pacto). Tudo para a glória de Deus, no crescimento e na maturação do corpo de Cristo ou igreja em sua expressão local.
NÃO DEIXE DE CONGREGAR
Pois bem, na obra já mencionada — Estudo do Pacto das Igrejas Batistas — o pastor Schaly, comentando o último artigo do Pacto, fez algumas consideração práticas que merecem ser revisitadas. Antes, porém, o texto do Pacto, mais uma vez:
Finalmente, nos comprometemos a, quando sairmos desta localidade para outra, nos unirmos a uma outra igreja da mesma fé e ordem, em que possamos observar os princípios da Palavra de Deus e o espírito deste Pacto.
Harold Schaly comentou (notem como é impressionante a atualidade do texto):
Existem, porém, crentes batistas que se mudam para outro lugar porém não tomam a iniciativa de pedir sua carta de transferência da igreja que não podem mais frequentar.
Seguem-se algumas desculpas de alguns, com as quais procuram justificar o seu compromisso, no caso de uma mudança para outro lugar, de não pedirem a sua transferência para aquela igreja local:
1 Ainda somos desconhecidos. É evidente que o melhor meio de se tornarem conhecidos é identificando-se com a igreja local, e participando das suas organizações, tais como Escola Bíblica Dominical, Sociedade Feminina Missionária, Escola de Treinamento, etc.
2 Queremos primeiro visitar e conhecer as igrejas batistas que nos são acessíveis. Isso é aceitável até certo ponto, mas há um ditado popular que diz: “Quem muito escolhe pouco acerta.”
3 Outros querem justificar-se dizendo que não querem tirar a sua carta daquela igreja [a de origem] que é “nosso primeiro amor, onde fomos batizados, passamos os melhores momentos da vida, onde viveram e estão sepultados nossos pais” [mero sentimentalismo];
4 Queremos mandar nossas contribuições para lá [a igreja de origem] onde mais delas precisam. Às vezes são sinceros, mas alguns não contribuem nem cá, nem lá, mas lá parece que estão contribuindo aqui, e aqui parece estarem contribuindo lá. Irmãos que assim às vezes se justificam e realmente assim procedem devem estar conscientes de que é aquela igreja local que lhes fornece a assistência pastoral, o ensino da Palavra, o templo, a bancada, luz, literatura, música, etc. Não é justo que aceitem todos os benefícios da igreja e não ajudem a carregar a carga.
Está claro que nós, Batistas, sempre nos preocupamos com membresia na igreja local. Sempre exortamos e encorajamos nos termos da Palavra de Deus: “não deixe de congregar como é costume de alguns”. E por isso, nunca deixamos de expressar, deliberadamente no Pacto, mesmo que apenas no papel, o nosso entendimento bíblico:
Finalmente, nos comprometemos a, quando sairmos desta localidade para outra, nos unirmos a uma outra igreja da mesma fé [doutrina] e ordem [organização, estrutura e prática], em que possamos observar os princípios da Palavra de Deus e o espírito deste Pacto.
E se não houver “uma outra igreja da mesma fé e ordem”? Harold Schaly orientou:
Se alguém se mudar para outro lugar, e se ali houver mais de uma igreja batista, informe-se se são da mesma fé e ordem. Se não houver outra igreja batista da mesma fé e ordem, frequente a que ali houver, ou mesmo de outra denominação evangélica, e apele a sua própria igreja a começar uma congregação em sua casa. Muitas igrejas batistas do interior começaram assim na casa de alguma família batista.
Discípulos são chamados para multiplicar discípulos e igrejas, é tanto que os princípios que nós adotamos como igreja (estão no nosso site na internet — sibgoiania.org — e na ficha para visitantes) incluem: oração, evangelização discipuladora, plantação de igreja, formação de liderança e compaixão e graça. No site da igreja, procure pelo texto pastoral sob o título: Princípios de Igreja Multiplicadora.
Esses princípios são as bases sobre as quais as igrejas de Cristo foram plantadas, cresceram, desenvolveram-se no período do Novo Testamento e chegaram aos nossos dias. Portanto, ao se mudar desta para outra localidade, onde não há “uma outra igreja da mesma fé e ordem”, pode ser que Deus queira usar você como um plantador de igreja.
PROBLEMAS COM MEMBRESIA NA IGREJA
Infelizmente, muita gente tem problema com membresia na igreja. Alguns, eu suspeito, só não abandonam por completo a ideia de manter a membresia, pedindo o seu desligamento do rol de membros da igreja, por um ou mais de pelo menos três motivos.
Primeiro, por insistência dos pais, avós, algum parente ou amigo. Então, não querendo magoar ou para não ser importunado pelas preocupações e insistências em amor, deixa como está e segue a vida sem dar a mínima importância aos seus deveres enquanto membro (para saber quais, veja o Pacto e o nosso Estatuto).
Segundo, para não ser julgado ou criticado pelas pessoas. Pensam: “Se eu pedir meu desligamento da igreja ou se eu deixar que me desliguem, vão dizer que estou em pecado, abandonei a fé e blá, blá, blá…” Então, para não correr esse tipo de risco, a pessoa deixa como está (às vezes, briga para deixar como está), e que ninguém o incomode ou se intrometa!
Terceiro, talvez por puro sentimentalismo ou mesmo peso de consciência (afinal, “vai que esse negócio de membresia na igreja é sério mesmo” ou “ah não, eu gosto tanto de lá” — de lá, o quê? geralmente, da ideia romantizada que se nutre de “lá”) a pessoa, então, mesmo sem se importar ou levar a sério, prefere manter a sua membresia na igreja.
Não estamos prestando nenhum favor, nós os membros que insistimos para que se mantenha o nome de alguém na membresia (filho, parente, amigo, etc.), mesmo sabendo que, na prática, a pessoa não dá valor aos direitos e deveres da membresia (afinal, se desse valor, já teria retornado à comunhão aqui conosco ou se inserido nalguma comunhão lá onde ela agora está ou pudesse encontrar). Pensar e agir como quem diz: “Ah! Deixa como está. Vai que um dia volta! Não vamos magoar!”. Agir assim é o mesmo que ver um filho fazer alguma coisa errada e não fazer nada, dizendo: “Ah! Deixa como está. Um dia ele aprende!”.
Meu povo, pontuando essas coisas eu não estou incentivando uma atmosfera de caça às bruxas entre nós, longe disto. Este não é o meu coração de pastor. Eu sofro sempre que alguém pede desligamento ou quando nós temos que desligar.
Minha intenção, pautada pelas Escrituras, é infundir uma mentalidade amorosa entre nós que nos faça ir (faça a todos irem, não apenas pastores e diáconos) atrás dos que, por algum motivo cômodo ou mesmo pecaminoso, acostumaram-se a não congregar e acham que está tudo bem. Não está tudo bem! E em amor nós precisamos ir a esses e dizer, com graça e verdade (não apenas com abraço), que não está tudo bem e que desejamos contribuir para que ou a pessoa retorne à comunhão ou procure outra comunhão/congregação aonde ela possa ir e plantar sua vida, da forma como o Novo Testamento exorta que façamos.
E que não haja arrepios entre nós, quando, após tentarmos de tudo para o retorno ou a reconciliação na igreja, tivermos que desligar alguém que não esteja abraçando “a mesma fé e ordem”, e também não esteja observando “os princípios da Palavra de Deus e o espírito deste Pacto”. Quem ama disciplina, disciplina em amor, visando a restauração. Agora, quem deixa como está, não está dando provas de amor. Está agindo com temor de homens. Isto é pecado.
O que não podemos é perpetuar entre nós a mentalidade pecaminosa vigente na cultura no que diz respeito ao compromisso e aos relacionamentos. As pessoas, geralmente, não gostam de assumir compromissos ou de prestar contas, especialmente o brasileiro. Nossa gente valoriza a informalidade e prefere viver na casualidade. É o “jeitinho brasileiro”, do qual, infelizmente, tanto nos orgulhamos. A regra vale, principalmente, para os relacionamentos. A norma é ficar, passar tempo e ir levando. Compromisso é coisa do passado, estraga o romance.
Quando o assunto é igreja, a coisa não é diferente. A objeção que as pessoas fazem à membresia na igreja é resultado direto de uma marca desta geração: as pessoas têm problemas com autoridade e compromisso. Não pode ser assim entre nós, povo de Deus!
O que é um Membro de Igreja Saudável?, livro escrito por Thabiti Anyabwile, discípulo de Mark Dever, traz um capítulo intitulado: O que é um membro de uma igreja saudável?, onde ele descreve algumas razões pelas quais as pessoas não decidem por ou não valorizam membresia na igreja. São elas: 1— indecisão (sentem-se confortáveis em nunca tomar uma decisão), 2— independência (preferem não carregar o fardo da responsabilidade da membresia; preferem ir, consumir o que lhe interessar e sair descomprometidamente), 3— afetos invertidos (os laços de amor da igreja anterior, conforme já observamos, os impedem de unirem-se a uma nova igreja ou mesmo de buscar alguma onde frutifique).
O pastor Thabiti conclui afirmando que
Todas essas perspectivas quanto à igreja local procedem do mesmo problema: falha em entender ou assumir seriamente o propósito de Deus para a igreja local — que ela seja central à vida de seu povo. As pessoas não se tornam membros comprometidos de igreja — e, por consequência, cristãos saudáveis — porque não entendem que esse compromisso [na forma de membresia atuante na igreja] é exatamente o meio pelo qual Deus tenciona que seu povo vivencie a fé e experimente o amor cristão.
BASE BÍBLICA PARA MEMBRESIA NA IGREJA
Manter um rol de membros ou ser membro de uma igreja é uma ideia bíblica? Thabiti (e todo o argumento a seguir foi extraído e adaptado do livro dele já mencionado) é feliz ao lembrar que quando pessoas se deparam pela primeira vez com a ideia de que ser membro de igreja é importante e necessário, muitos querem saber se isso é mesmo bíblico e, obviamente, onde achar isso na Bíblia. E aí?
Assim como em muitos outros aspectos da vida cristã, você não poderá abrir a Bíblia, por exemplo, no “Livro de Membresia da Igreja” ou em algum capítulo que pudesse ser intitulado: “A Respeito do Tornar-se Membro de Igreja”. A informação bíblica, e há sim informação bíblica, não é tão óbvia assim (assim como a doutrina da Trindade, por exemplo: Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo em uma só pessoa — conquanto seja bíblica, não está tão explícito assim nas Escrituras), mas a idéia de membresia está em quase toda a Bíblia, especialmente no Novo Testamento.
Considere, por exemplo, quantas práticas e mandamentos explícitos no Novo Testamento perderiam todo o significado se membresia na igreja não existisse, não fosse importante, visivelmente identificável e praticada. Eis algumas coisas essenciais ordenadas pelos apóstolos para a igreja local que perderiam o significado sem um conceito operacional de membresia.
Liderança eclesiástica
Duas passagens clássicas da Bíblia delineiam as qualificações que os líderes da igreja devem ter e a congregação deverá observar — Qual congregação? A congregação de membros! (1Tm 3.1-13 e Tt 1.5-9). Além dessas qualificações, há mandamentos explícitos para os líderes pastorearem o rebanho, e os cristãos se submeterem aos cuidados de seus líderes (Hb 13.17). Mas, se não há membresia identificável, não há líderes para liderar. A submissão a autoridade desses líderes, conforme exigida em Hebreus 13.17, não faz sentido, se os líderes não são responsáveis por um grupo, e esse grupo não está, de alguma maneira, ligado aos líderes na forma de membresia.
Disciplina eclesiástica
Em 1Coríntios 5, o apóstolo Paulo instruiu aqueles crentes a excluírem da comunhão um homem envolvido em imoralidade sexual (v. 2). O Senhor Jesus ordenou uma atitude semelhante em Mateus 18.15-17. Parte do motivo por que a Bíblia ordena a disciplina eclesiástica é que distinções claras devem ser mantidas entre o povo de Deus, a igreja, e o mundo ao seu redor (1Co 5.9-13). Paulo chega a falar (em 1Co 5.12) daqueles que estão fora e dos que estão dentro (da igreja, i.e., da membresia da igreja de Corinto). Ora, se não há nenhuma maneira prática, visível de determinar quem pertence à igreja (os de dentro) e quem pertence ao mundo (os de fora), essa distinção se perde e “excluir” da comunhão é impossível, visto que não há uma maneira real de estar na comunhão.
Mantendo listas e votação
Há um evidência quase imperceptível de que a igreja primitiva mantinha listas associadas aos seus membros. Por exemplo, listas de viúvas eram mantidas (1Tm 5.9). Também, cristãos de igrejas locais votavam em favor de algumas ações. Exemplo: foi a maioria que “votou” para remover o homem da membresia da igreja, em Corinto, onde se lê: “a maioria de vocês [da membresia] se opôs a ele [na assembléia da igreja]” (2Co 2.6).
Resumindo
Eleger líderes, submeter-se a eles, regular a membresia (mantendo a disciplina), manter listas e votar só faz sentido se um corpo identificável e distinto é reconhecido. Portanto, embora a Bíblia não nos ofereça um tratado específico sobre a membresia, há bastante evidência no registro inspirado, sugerindo que alguma forma de membresia era praticada e necessária para o funcionamento da igreja. A membresia na igreja não é menos importante em nossos dias nem deve ser tratada como menos importante.
AMOR COMPROMEITODO É A ESSÊNCIA DA MEMBRESIA
Jesus Cristo especificou uma marca definidora de seus discípulos. Claro que há muitas marcas do verdadeiro discípulo. Todavia, uma das marcas é destacada para o mundo observador como significativa de que pertencemos a Cristo: o amor (Jo 13.34-35).
O amor que expressamos uns aos outros é a marca distintiva dos discípulos de Cristo aos olhos do mundo, um amor tão distinto e visível que os homens reconhecerão o discípulo amoroso como pertencente àquelas pessoas que seguem o Cristo.
Não é surpreendente, então, que um Cristão saudável seja alguém que está comprometido em expressar esse tipo de amor aos outros cristãos. E o melhor local para os cristãos demonstrarem esse amor é na convivência congregacional do povo de Deus, chamada de membresia na igreja local. Não admiremos, portanto, que o autor da epístola aos Hebreus nos instrua nos seguintes termos (Hb 10.23-25):
23Apeguemo-nos firmemente, sem vacilar, [fé pessoal:] à esperança que professamos, porque Deus é fiel para cumprir sua promessa. [fé alimentada pelo outro:] 24Pensemos em como motivar uns aos outros na prática do amor e das boas obras. [fé que necessita de membresia na igreja:] 25E não deixemos de nos reunir, como fazem alguns, mas encorajemo-nos mutuamente, sobretudo agora que o dia está próximo.
“Observar os princípios da Palavra de Deus e o espírito deste Pacto”, conforme declara o nosso Pacto, está diretamente relacionado à frequência fiel à igreja: precisamos uns dos outros para “motivar uns aos outros na prática do amor e das boas obras”.
A igreja local, portanto, é o lugar em que o amor é demonstrado de maneira mais visível e convincente entre o povo de Deus (em palavras e posturas, com graça e verdade, não apenas com abraços). É o lugar em que o corpo de Cristo é mais claramente apresentado ao mundo para a glória de Deus em Cristo.
Portanto, afirmamos:
Finalmente, nos comprometemos a, quando sairmos desta localidade para outra, nos unirmos a uma outra igreja da mesma fé e ordem, em que possamos observar os princípios da Palavra de Deus e o espírito deste Pacto.
S.D.G. L.B.Peixoto
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