12.05.2019
O PROPÓSITO DE DEUS PARA A SUA DEFICIÊNCIA
João 9.1-5
1Enquanto caminhava, Jesus viu um homem cego de nascença. 2Seus discípulos perguntaram: “Rabi, por que este homem nasceu cego? Foi por causa de seus próprios pecados ou dos pecados de seus pais?”. 3Jesus respondeu: “Nem uma coisa nem outra. Isso aconteceu para que o poder de Deus se manifestasse nele. 4Devemos cumprir logo as tarefas que nos foram dadas por aquele que me enviou. A noite se aproxima, quando ninguém pode trabalhar. 5Mas, enquanto estou aqui no mundo, eu sou a luz do mundo”.
A BÍBLIA NÃO SE CALA SOBRE O SOFRIMENTO
A Bíblia não se cala sobre o sofrimento. Ela não fica em silêncio diante das síndromes, doenças ou deficiências físicas ou mentais das pessoas. Pode ser autismo, síndrome de Down, deficiência visual ou auditiva, doença crônica ou degenerativa, câncer ou qualquer tipo de condição rara impronunciável ou incompreensível — como, por exemplo, Transtorno do Espectro Fetal Alcóolico, Espinha Bífida e centenas de outros diagnósticos, pois siglas são o que não faltam para dar nomes a tanto sofrimento. Mas a Bíblia à todas elas tem uma resposta.
Cada síndrome, doença ou deficiência traz consigo dores e infortúnios peculiares, uma maneira particular de transformar décadas de vida naquilo que ninguém nunca sonhou para si mesmo nem tampouco para filho ou filha. A vida conjugal e familiar se transforma no que nem um dos dois achava que seria. Tudo é irrevogavelmente alterado e viver nunca mais será a mesma coisa. E nós nunca fomos previamente consultados à respeito, para saber se era isso mesmo que queríamos ou se suportaríamos o sofrimento.
Graças a Deus, porém, que nenhum de nós é deixado sozinho para encarar a síndrome, a doença ou a deficiência, seja ela a nossa própria ou a de alguém que amamos. Deus é conosco e nos deixou sua Palavra. Sim, a Bíblia tem muito a dizer sobre o nosso sofrimento. Nós não somos deixados apenas com o diagnóstico e o prognóstico médicos. Não somos entregues às nossas próprias ideias, medos ou temores a respeito da deficiência, da dor ou do sofrimento. Não temos que buscar sentido na opinião das pessoas. Não precisamos recorrer à religiosidade ou crendice popular em busca de esperança para suportar ou sobreviver. Temos a Bíblia. E a Bíblia está permeada de sofrimento e tristeza. Essa é uma das razões que a torna tão crível para o ser humano de todas as épocas. A Bíblia foi tecida com as verdades e as coisas que Deus mesmo disse e fez para lançar luz sobre o problema do sofrimento humano.
A LUZ BRILHA NA ESCURIDÃO
Não é incidental nesta história, em que um cego de nascença será curado, que Jesus tenha dito no versículo 5: “Eu sou a luz do mundo”. Isto significa que nós não somos deixados no escuro sobre o significado das trevas do sofrimento. A luz de Deus veio ao mundo e está brilhando nas deficiências, nas enfermidades, nas síndromes e em todo lugar. Deus não nos deixou sozinhos para nos desesperarmos com qualquer significado, ou para criarmos nosso próprio significado. Portanto, peça a Deus que abra seus olhos e, na jornada através deste texto, você possa ver o propósito de Deus para a sua deficiência.
Não podemos ser como os discípulos que, em face da deficiência visual daquele homem, buscaram algum sentido nas causasdo problema, pois Jesus revelou que a esperança de que precisamos para prosseguir nunca estará na causa, mas no propósitode Deus para todo e qualquer tipo de sofrimento. Ouça mais uma vez (Jo 9.1-3 e 5):
1Enquanto caminhava, Jesus viu um homem cego de nascença. 2Seus discípulos perguntaram: “Rabi, por queeste homem nasceu cego? Foi por causade seus próprios pecados ou dos pecados de seus pais?”. 3Jesus respondeu: “Nem uma coisa nem outra. Isso aconteceu para que o poder de Deus se manifestasse nele. […] 5[…]eu sou a luz do mundo”.
O sofrimento humano — seja ele fruto de uma enfermidade, síndrome ou deficiência, conforme nos ensinou Jesus, nunca deve ser encarado pela perspectiva causal, mas proposital. Posto que a explicação que Jesus deu para a deficiência visual do homem cego de nascença não estava nas causas passadas, mas nos propósitos futuros (v. 3). Essa maneira de ver o sofrimento é tanto revolucionária como redentora.
CONTRA-ATACANDO OBJEÇÕES
“Uooou! Calma lá pastor! Como assim?”, alguns poderão se expressar. É neste ponto — quando falamos dos propósitos redentores, salvadores e santificados de Deus para o nosso sofrimento — que surgem as objeções:
Como pode Deus, sendo amoroso, permite tanto sofrimento no mundo? Ou ele é todo-poderoso, mas não bondoso o bastante para pôr fim ao mal e ao sofrimento, ou o contrário — ele é todo-bondoso, mas não poderoso o bastante para pôr fim ao mal e ao sofrimento. Seja como for, o Deus todo-poderoso e todo-bondoso da Bíblia não existe.
Para muita gente, o maior problema do cristianismo está na presença do mal no mundo e na forma como nós dizemos que Deus usa amorosamenteo sofrimento para o nosso bem redentor, salvador e santificador. A verdade, porém, é que o mal e o sofrimento não são provas contraDeus. Ao contrário, o mal e o sofrimento acabam sendo provas da existênciade Deus. Como assim?
Pense bem: de onde vem a ideia de que não é justoo ser humano sofrer tanto? De onde vem a ideia de justiça? Por que nós acreditamos que os seres humanos não deveriam sofrer, ser excluídos, morrer de forme ou ser oprimidos? De onde vem os sentimento? De novo, de onde vem esse nosso senso de justiça, igualdade, misericórdia, bondade e amor devidos a todos? Só pode ser de Deus, o Criador justo, misericordioso, bondoso e amoroso que a todos nós criou iguais, posto que fomos feitos à sua imagem e semelhança.
Timothy Keller argumentou muito bem quando afirmou (A fé na era do ceticismo, editora Vida Nova, pág. 53) que
O mecanismo evolucionista da seleção natural […] depende da morte, da destruição e da violência dirigida pelos fortes contra os fracos — essas coisas são perfeitamente naturais. […] [Agora,] Se você tem certeza de que este mundo natural é injusto e tomado pelo mal, está admitindo a realidade de algum padrão extra natural (ou sobrenatural) a partir do qual elabora seu juízo.
Trocando em miúdos: Se não achamos justo o sofrimento, esse senso de justiça só pode vir de alguém, pois não viria da simples matéria evoluída; e esse alguém, de quem derivamos os sentimentos e o senso de justiça é o Criador que é justoe ao mesmo tempo gracioso. A justiçade Deus se revela — além do senso de justiça que há em nós e que vem de Deus (Rm 2.15-16) — na forma como o SENHOR, de alguma forma, já começou a julgar o mundo (leia: Rm 1.18-32). E a graçade Deus se revela na forma como o próprio Deus usa o sofrimento para o nosso bem redentor, salvador e santificador (Rm 8.20-24):
20Toda a criação, não por vontade própria, foi submetida por Deus a uma existência fútil [vaidade, inutilidade, vazio], 21na esperançade que, com os filhos de Deus, a criação seja gloriosamente liberta da decadência que a escraviza. 22Pois sabemos que, até agora, toda a criação geme, como em dores de parto. 23E nós, os que cremos, também gememos, embora tenhamos o Espírito em nós como antecipação da glória futura, pois aguardamos ansiosos pelo dia em que desfrutaremos nossos direitos de adoção, incluindo a redenção de nosso corpo. 24Recebemos essa esperança quando fomos salvos.
Justiça e graça de Deus se harmonizam perfeitamente na morte do Filho eterno de Deus no lugar do pecador, possibilitando assim que (1) a sua justiçafosse aplicada contra o pecado e (2) a sua graçafosse estendida à todo aquele que crê na vida e obra de Jesus Cristo (Rm 3.23-26):
23Pois todos pecaram e não alcançam o padrão da glória de Deus, 24mas ele, em sua graça, nos declara justos por meio de Cristo Jesus, que nos resgatou do castigo por nossos pecados. 25Deus apresentou Jesus como sacrifício pelo pecado, com o sangue que ele derramou, mostrando assim sua justiça em favor dos que creem. […] 26pois planejava revelar sua justiça no tempo presente. Com isso, Deus se mostrou justo, condenando o pecado, e justificador, declarando justo o pecador que crê em Jesus.
Nós sofremos em consequência do nosso pecado. Foi o pecado que nos colocou em posição de condenados diante de Deus (Jo 3.18). Foi esse o trágico caminho que cada um de nós escolheu. A pergunta, portanto, é: por que Deus ainda não nos trancou na prisão eterna do sofrimento merecido, sendo ele infinitamente justo? Resposta: porque ele é também gracioso e escolheu salvar para si um povo, dentre todos que já estão condenados e que jamais tomariam a iniciativa de buscá-lo por si mesmos (Rm 3.10-20).
Assim é que Deus age agora no sofrimento e por meio do sofrimento, usando inclusive e principalmente o sofrimento de seu Filho no lugar do pecador, para nos salvar e nos santificar. Assim, embora não forneça o motivo para cada experiência dolorosa, a Bíblia judaico-cristã fornece recursos profundos para enfrentarmos o sofrimento com esperança e coragem em vez de amargura e desespero.
Agora, se de um lado, alguns usam o problema do sofrimento como objeção à existência de Deus,conformo acabamos de ver, de outro, muitos crentes (pastores e líderes, inclusive), bem intencionados, rechaçam intensamente a ideia de que Deus possa querer que uma criança nasça cega, por exemplo, para que algum propósito soberano bondoso seja de alguma forma alcançado.
Realmente, à princípio, principalmente se você está no olho do furacão do sofrimento, soa verdadeira e até piedosa essa apelação. O problema surge quando nós nos deparamos com textos como o nosso (Jo 9.3): “Jesus respondeu: ‘Nem uma coisa nem outra [nem ele nem seus pais pecaram de alguma forma especificamente horrorosa para merecer essa deficiência visual]. Isso aconteceu para que o poder de Deus se manifestasse nele’”.
Deus não poderia ser mais claro. No final das contas, ele quis que fosse daquele jeito e o bebê, então, nasceu cego. Mas algumas pessoas — repito: bem intencionadas —insistem em rechaçar com veemência a ideia de que Deus possa quererque uma criança nasça cega para que algum propósito soberano bondoso seja de alguma forma alcançado.
Uma das maneiras pelas quais essas pessoas tentam escapar do ensino deste texto é dizendo que Jesus está aqui apontando para o resultado da cegueira— i.e., agora que o bebê nasceu cego, a obra de Deus irá se manifestar na vida dele (como se Deus fosse correr atrás do prejuízo constatado na cegueira), não para o propósito da cegueira— i.e., Deus anteviu e decretou que fosse assim para que dessa forma a sua obra se manifestasse na vida daquele cego de nascença (no final, tudo aconteceu conforme a vontade de Deus).
Meu povo, quando Jesus responde aqui no versículo 3: “Nem uma coisa nem outra [nem ele nem seus pais pecaram de alguma forma especificamente horrorosa para merecer essa deficiência visual]. Isso aconteceu para que o poder de Deus se manifestasse nele”, ele não está dizendo que o resultado da cegueira é que Deus foi capazde usar a cegueira para mostrar sua obra, mas que ele planejoua cegueira (contou com ela) para mostrar sua obra.
Há pelo menos três razões neste texto que comprovam que Deus não é Deus remendador — i.e., capaz de usara cegueira para um bem maior; Deus é Deus soberano — i.e, capaz de planejara cegueira para um bem maior.
Primeiro, os discípulos estavam pedindo uma explicação para a cegueira, e a resposta de Jesus é dada como uma explicação para a cegueira. Mas se você disser que Deus não teve nenhum propósito, nenhum plano, nenhum desígnio na cegueira, mas que simplesmente encontrou a cegueira mais tarde na vida do homem e então a usoupara um bem maior, esse argumento jamais será uma explicação para a cegueira. Não responderá à pergunta dos discípulos. Eles queriam saber: Por que ele é cego? E Jesus realmente deu uma resposta: Ele é cego porque há um propósito soberano nessa cegueira. Há um desígnio divino. Existe um plano. Deus quer que sua obra seja manifesta nele e através dele por causa dessa cegueira.
Segundo, é sabido de todos que Deus sabe todas as coisas. Logo, ele sabia exatamente o que estava acontecendo na hora exata da concepção daquele bebê no útero da mamãe. Ou seja: quando há um cromossomo defeituoso ou alguma irregularidade genética no espermatozoide que está prestes a fertilizar um óvulo, Deus sabe o que está acontecendo e pode simplesmente dizer não. Ele comanda os ventos. Ele comanda as ondas. Ele comanda os espermatozoides e a composição genética de cada óvulo. Então, se Deus prevê e permite uma concepção que ele sabe que produzirá cegueira, ele tem razões — razões sábias, boas e amorosas — para essa soberana permissão. Essas razões são seus propósitos. Seus desígnios. Seus planos. Dessa forma, podemos dizer com firmeza: Deus nunca conheceu uma criança para quem ele não tivesse um plano soberanamente traçado. Não há acidentes na mente ou nas mãos de Deus. Nada o pega de surpresa de forma que ele tenha que, depois, correr atrás do prejuízo.
Terceiro, qualquer tentativa de negar o controle soberano, sábio, amoroso e intencional de Deus sobre a concepção e o nascimento de alguém com deficiência, doença ou síndrome terá uma colisão frontal inapropriada com Êxodo 4.11, onde se lê:
O SENHOR perguntou a Moisés: “Quem forma a boca do ser humano? Quem torna o homem mudo ou surdo? Quem o torna cego ou o faz ver? Por acaso não sou eu, o SENHOR?
E ainda outra colisão desastrosa com o Salmo 139.13-16, que diz:
13Tu formaste o meu interior e me teceste no ventre de minha mãe. 14Eu te agradeço por me teres feito de modo tão extraordinário; tuas obras são maravilhosas, e disso eu sei muito bem. 15Tu me observavas quando eu estava sendo formado em segredo, enquanto eu era tecido na escuridão. 16Tu me viste quando eu ainda estava no ventre; cada dia de minha vida estava registrado em teu livro, cada momento foi estabelecido quando ainda nenhum deles existia.
Portanto, negar o controle soberano, sábio, amoroso e intencional de Deus sobre a concepção e a gestação de cada bebê é negar esses e tantos outros textos das Escrituras que declaram veementemente a ação soberana de Deus em todas as coisas. Logo, o significado do que Jesus disse em João 9.3 não é obscuro. Ele está dizendo: fuja dessa fixação na causalidadecomo a explicação decisiva para o sofrimento; afaste-se também de qualquer rendição à futilidade, ao absurdo, ao caos ou à falta de sentido. Volte-se para os propósitose planosde Deus. Não há criança nem deficiência nem doença nem síndrome nem sofrimento algum fora dos propósitos de Deus, e que ele não tenha dito: “Assim seja para que se manifeste a minha obra poderosa na vida dele(a).”
Alguém poderá dizer ainda: “Mas pastor, Deus fez meu bebê perfeitinho. Foi concebido com perfeição. Gerado com perfeição. Estava tudo normal. O problema foi o erro médico. Foi na hora do parto. E por causa disso ele ficou com essa sequela!”. Quanta gente está sofrendo com esse tipo de questão: “Onde estava Deus na hora do parto?”! A esses pais eu deixo o que Davi testemunhou a respeito do parto dele (Sl 22.9-10):
9Tu, porém, me tiraste a salvo do ventre de minha mãe e me deste segurança quando ela ainda me amamentava. 10Fui colocado em teus braços assim que nasci; desde o ventre de minha mãe, tens sido meu Deus.
Deus é quem nos tira do ventre de nossa mãe (com ou sem erro médico). E de lá nós saímos conforme seus desígnios que são sempre bons, agradáveis e perfeitos. A bem da verdade, a verdade da palavra de Deus, todas as coisas acontecem segundo os decretos soberanos de Deus para que a sua obra poderosa se manifeste em nossa vida e através dela. Foi isso o que Jesus disse em resposta aos discípulos em João 9.3.
Claro que o que dissemos até aqui nesta mensagem não é a explicação completa para o sofrimento na Bíblia. Existem dezenas de outras passagens relevantes e pontos importantes a serem considerados e examinados na luz do Espírito Santo. Mas os textos que foram apresentados são maciçamente importantes: o sofrimento tem como propósito manifestar a obra poderosa de Deus em nós e através de nós.
SENTIDO ABSOLUTO PARA O SOFRIMENTO SOMENTE EM DEUS
João 9.3 não traz apenas a verdade por trás do sofrimento: “para que o poder [as obras] de Deus se manifeste”; essa verdade — o propósito de Deus para o sofrimento — é secundária. A verdade principal contida aqui é a que diz que o sofrimento só pode ter um significado último ou sentido absoluto, quando visto em relação a Deus.
Lembre-se: Jesus diz que o propósito da cegueira é colocar a obra de Deus em exibição. Isto significa que para o nosso sofrimento ter um significado último, um sentido absoluto, Deus deve ser extremamente valioso para nós. Mais valioso do que saúde e vida. Isso mesmo, sem exageros, pois muitas coisas na Bíblia (e na vida) só farão sentido quando Deus se tornar para nós o que há de mais valioso na existência. Do contrário, quando o sofrimento vier nos roubar nossos tesouros (sonhos, saúde, pai, mãe, filho, liberdade, dinheiro, reputação, etc.), viver se transformará em angústia e amargura, e morrer em um desespero ainda mais insuportável.
S.D.G. L.B.Peixoto
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