07.04.2019
ONESÍFORO: O PORTADOR DE BENEFÍCIOS – 1/2
2Timóteo 1.15-18
15Como você [Timóteo] sabe, todos os da província da Ásia me abandonaram, incluindo Fígelo e Hermógenes. 16Que o Senhor demonstre misericórdia a Onesíforo e sua família, pois muitas vezes me animou em suas visitas e nunca se envergonhou por eu estar na prisão. 17Pelo contrário, quando veio a Roma, procurou-me diligentemente até me encontrar. 18Que o Senhor lhe mostre misericórdia no dia da volta de Cristo. E você sabe muito bem quanto ele me ajudou em Éfeso.
A SOLIDÃO DE ABRAHAM LINCOLN
Armazenado em algum lugar seguro na Biblioteca do Congresso Nacional norte-americano está uma pequena caixa azul etiquetada com a frase: “Conteúdo dos bolsos do presidente na noite de 14 de abril de 1865”. Os desinformados, como eu, precisam saber que aquela foi a fatídica noite em que o presidente Abraham Lincoln foi assassinado.
A caixa contém alguns objetos pessoais do ex-presidente norte-americano, dentre os quais estão: um lenço de linho branco bordado com o nome: “A. Lincoln”; uma faca-canivete de bolso com cabo branco perolado; um estojo porta-óculos de couro consertado com barbante; um par de óculos dourados; uma carteira de couro contendo uma nota de 5 dólares; e oito recortes de jornais já desgastados pelo constante manuseio.
Os recortes de jornais foram extraídos de artigos impressos durante a campanha de reeleição para a presidência e, portanto, pouco antes da morte do presidente recém-eleito. Todos contam, de alguma forma, os grandes feitos de Abraham Lincoln, além de narrarem sobre a grande pessoa que foi aquele homem. Mas chama a atenção o conteúdo de um deles em especial, pois contém um discurso de John Bright, um estadista britânico, dizendo, entre outros, que Lincoln é um dos maiores homens de todos os tempos.
As palavras de John Bright não são novidades para nós que vivemos mais de um século depois do 16opresidente norte-americano. O mundo todo reconhece que Lincoln foi um grande homem. Mas em 1865, o juízo ainda não havia sido formado. A nação estava dividida (entre norte e sul) e Lincoln colecionava críticas ferozes de ambos os lados, enquanto precisava tomar decisões para restaurar a União. Lembre-se: Lincoln não leu os livros de história sobre si mesmo que vieram como avalanche após a sua morte!
A cena é quase patética, quando você imagina um homem da envergadura de Abraham Lincoln, solitário no Salão Oval da Casa Branca, enfiando a mão no bolso e espalhando esses recortes de jornais sobre a mesa e relendo as palavras encorajadoras de pessoas que acreditavam que ele era um grande homem. Ou seja: Aqueles escritos o encorajaram e o fortaleceram, permitindo que ele continuasse.
Charles Swindoll foi quem escreveu sobre o fato narrado, e concluiu dizendo que “pessoas, especialmente líderes, precisam de encorajamento”! É a mais pura verdade.
O PORTADOR DE BENEFÍCIOS
Agora mude a cena do Salão Oval da Casa Branca de Abraham Lincoln para uma masmorra em Roma. Está escuro e frio. Apenas um raio de luz, que penetra através de uma pequena abertura no topo, ilumina aquele buraco transformado em prisão. Lá dentro está um judeu já bastante envelhecido e marcado pelo sofrimento. Ele está acorrentado a um guarda. É Paulo de Tarso esperando o dia e a hora de sua execução.
Tenha em mente que Paulo não sabia que sua vida e seus ensinamentos mudariam radicalmente o curso da história mundial. Tudo o que ele sabia era que o fim estava próximo e que muitos daqueles os quais ele tanto amou e ensinou, e pelos quais ele havia dado a sua vida, haviam-no abandonado como marinheiros covardes que saltam de um navio afundando sem dar a mínima para os que não conseguem se virar por si mesmos.
De repente, um ruído. Um guarda abre a escotilha ou tampão da cela. O preso eleva os olhos na direção da luz que penetra com a força do meio-dia, e não consegue identificar quem estava descendo a escada para visitá-lo na prisão. Mas ele reconheceu a voz do amigo: “Paulo, Paulo! Graças a Deus! Encontrei você! Finalmente encontrei você!”.
Paulo respondeu: “Onesíforo! É você, meu bom amigo? É você, meu irmão?”.
Os dois homens se abraçaram calorosamente, apesar do odor fétido do prisioneiro e de sua cela miserável. Então Onesíforo, cujo nome grego significa “portador de benefícios”, abriu sua bolsa e deu a Paulo pão, frutas, queijo e bebida frescos.
Onesíforo ficou com Paulo por um longo tempo, e voltou muitas outras vezes, trazendo sempre boas notícias do progresso do evangelho ao redor do Império Romano. Cada vez que ia a Paulo, ele revigorava o apóstolo no corpo e na alma. Daí que se lê:
15Como você [Timóteo] sabe, todos os da província da Ásia me abandonaram, incluindo Fígelo e Hermógenes. 16Que o Senhor demonstre misericórdia a Onesíforo e sua família, pois muitas vezes me animou em suas visitas e nunca se envergonhou por eu estar na prisão. 17Pelo contrário, quando veio a Roma, procurou-me diligentemente até me encontrar. 18Que o Senhor lhe mostre misericórdia no dia da volta de Cristo. E você sabe muito bem quanto ele me ajudou em Éfeso.
Onesíforo poderia ter pensado:
Paulo é forte. Ele é o grande apóstolo dos gentios. Já está acostumado com o sofrimento. E esta não é a primeira vez que ele está na prisão. Quem sou eu para tentar ajudar alguém como ele? Ele conseguirá se virar sozinho! Deus cuidará dele mais uma vez.
Graças a Deus que o portador de benefícios (Onesíforo) não pensou assim, pois a realidade é que todos precisam ser reanimados algumas vezes na vida. Até mesmo o Senhor Jesus, em Sua hora de agonia no Getsêmani, levou seus três discípulos mais chegados ao monte e os pediu para vigiar e orar com ele, pois sua alma estava “profundamente triste até a morte” (Mt 26.38).
Pense bem: Se Cristo precisou da presença de amigos e se Paulo precisou da presença de amigos, então todos nós precisamos da presença de amigos. Isso significa que todos nós, quando não estamos na masmorra, precisamos procurar por aqueles que precisam ser reanimados e por nós servidos ou ministrados nas masmorras desta vida. Assim é que Deus chama a todos nós para, de alguma forma, servirmos como portadores de benefícios. Deus nos chama para sermos Onesíforos uns para os outros.
TRAÇOS DA GRAÇA DE DEUS
Um dos grandes traços da graça de Deus na vida de alguém é a forma como, mesmo que com alto custo — financeiro, emocional ou espiritual, essa pessoa se dispõe a amar e a servir o próximo com fé e esperança na graça de Deus. Hebreus nos relata como eram os portadores de benefícios do primeiro século da era cristã. Ouçam (Hb 10.32-34):
32Lembrem-se dos primeiros dias, quando foram iluminados, e de como permaneceram firmes apesar de muita luta e sofrimento. 33Houve ocasiões em que foram expostos a insultos e espancamentos; em outras, ajudaram os que passavam pelas mesmas coisas. 34Sofreram com os que foram presos e aceitaram com alegria quando lhes foi tirado tudo que possuíam. Sabiam que lhes esperavam coisas melhores, que durarão para sempre.
Não deixe de notar como a fé e a esperança na graça de Deus é capaz de produzir Onesíforos — ou seja: crentes corajosos e portadores de benefícios, a despeito de muita luta, sofrimento, insultos, espancamentos e até o confisco de tudo o que se possuí.
Timóteo precisava ser encorajado nesse sentido. Parece-nos que aquele jovem pastor não era corajoso por natureza nem era capaz de resistir ao fluxo da opinião pública contrária. Assim, por pelo menos três ou quatro vezes só aqui em 2Timóteo 1, Paulo exortou seu discípulo a não se envergonhar, a não temer, a ser um portador de benefícios:
2Tm 1.8 |Portanto, jamais se envergonhede falar a outros sobre nosso Senhor. E também não se envergonhede mim, que estou preso por causa dele. Com a força que Deus lhe dá, esteja pronto para sofrer comigo por causa das boas-novas.
Após esta exortação direta, Paulo usou o seu próprio exemplo de vida para encorajar Timóteo a ser um portador de benefícios:
2Tm 1.12 | Por isso [por ser pregador do evangelho, vs. 10-11] estou sofrendo assim. Mas não me envergonho, pois conheço aquele em quem creio e tenho certeza de que ele é capaz de guardar o que me foi confiado até o dia de sua volta.
Por fim, o apóstolo chamou a atenção de Timóteo para o testemunho de Onesíforo:
2Tm 1.16 |Que o Senhor demonstre misericórdia a Onesíforo e sua família, pois muitas vezes me animou em suas visitas e nunca se envergonhoupor eu estar na prisão.
Paulo usou os traços da graça de Deus em sua própria vida e também na vida de Onesíforo para encorajar Timóteo a cultivar os mesmos traços da graça e ser um portador de benefícios. Paulo nós sabemos quem foi, mas quem foi Onesíforo?
Além da saudação de Paulo à família de Onesíforo (2Tm 4.19), 2Tm 1.16 é a única referência a esse homem na Bíblia. Em que pese a brevidade desse personagem no palco da vida de Paulo, o que sobre ele nós lemos é o bastante para nos ensinar pelo menos três características de um portador de benefícios.
Um portador de benefícios: 1— procurapelas pessoas necessitadas; 2— prossegueatravés dos ventos contrários; 3— perseveracom fé e esperança para receber o prêmio. Vejamos um desses traços de cada vez na vida de Onesíforo, o portador de benefícios. No final extrairemos algumas lições para a nossa vida e a igreja.
1 O PORTADOR DE BENEFÍCIOS PROCURA PELAS PESSOAS NECESSITADAS
Não sabemos se Onesíforo estava em Roma por causa de outros assuntos e aproveitou a viagem para procurar Paulo ou se ele estava lá apenas em uma missão para encontrar o apóstolo. Mesmo que ele tivesse outros negócios para cuidar, enquanto estivesse na capital do império, é provável que sua principal razão para ir a Roma era visitar o irmão e amigo Paulo.
Onesíforo estava arriscando sua vida ao se identificar com Paulo. Afinal, os judeus haviam conseguido que o apóstolo fosse preso como um homem politicamente perigoso, que estava incitando revolta contra o imperador romano. Visitá-lo na prisão seria como visitar um suspeito de terrorismo numa prisão de segurança máxima nos EUA. A pessoa se tornaria suspeita e alvo fácil para a prisão ao assim proceder.
A julgar pelo momento histórico, Onesíforo foi a Roma em uma época que todo cristão estava tentando era sair de lá. Nero estava untando os cristãos com óleo e queimando-os vivos para iluminar suas festas nos jardins romanos. Outros estavam sendo jogados aos leões no Coliseu para satisfazer a perversa luxúria do público por sangue. Em que pesasse todo o contexto desfavorável, Onesíforo, deliberadamente, arriscou-se e entrou naquela situação perigosa e localizou Paulo porque ele tinha ouvido que seu amado amigo e líder espiritual estava em grande necessidade.
O portador de benefícios não abandona nem ignora quem está em necessidade
Antes de destacar o exemplo positivo de Onesíforo ou o traço da graça em sua vida, Paulo colocou diante de nós o exemplo negativo de duas pessoas para ensinar que o portador de benefícios não abandona nem ignora quem está em necessidade(vs. 15):
15Como você [Timóteo] sabe, todos os da província da Ásia me abandonaram, incluindo Fígelo e Hermógenes.
Ásiaera a província romana em que Éfeso, local onde Timóteo estava servindo como pastor, estava localizada. Todos os da província da Ásiao haviam abandonado, ou seja: irmãos-chave que poderiam ter o apoiado — talvez impedindo sua prisão e encarceramento — falharam com Paulo, e assim ele ficou sentido como se “todos” o tivessem de fato desprezado e abandonado. Uma referência mais específica, só que agora em Roma, esclarecerá o que Paulo tenha querido dizer em 2Tm 1.15 com “todos os da província da Ásia me abandonaram”. Veja 2Timóteo 4.16:
Na primeira vez que fui levado perante o juiz, ninguém me acompanhou. Todos me abandonaram. Que isso não seja cobrado deles [dos romanos].
Portanto, quem poderia ter ajudado, simplesmente ignorou e largou Paulo sozinho.
Sobre “Fígelo e Hermógenes” (2Tm 1.15) não há maiores informações que nos satisfaçam. Os poucos detalhes que temos — apenas os nomes apresentados por Paulo, nomes que Paulo e Timóteo conheciam muito bem, conheciam de perto, intimamente — servem 1para destacar a situação tão deprimente em que Paulo se encontravana masmorra romana — “Veja você, Timóteo, todos me abandonaram, até Fígelo e Hermógenes me abandonaram!” — e 2nos explicar por que Timóteo, o filho fiel na fé, era constante fonte de alegria para Paulo. Contrário de Fígelo e Hermógenes, a fé de Timóteo era sem fingimento (2Tm 1.3-5).
Paulo está dizendo que quem foi alcançado pela graça não é do tipo que abandona o irmão em necessidade, principalmente quanto tanta coisa está em jogo. No caso em tela, como bem observou John Stott, o abandono por parte das igrejas asiáticas, mais do que uma deserção pessoal; representava uma negação da autoridade apostólica de Paulo, o que causaria enorme estrago para o evangelho naquela região. O apóstolo, com profunda tristeza, estava vendo se cumprir aquilo sobre o que ele, alguns anos antes, havia, com lágrimas, advertido os presbíteros de Éfeso (At 20.28-32):
28“Portanto, cuidem de si mesmos e do rebanho sobre o qual o Espírito Santo os colocou como bispos, a fim de pastorearem sua igreja, comprada com seu próprio sangue. 29Sei que depois de minha partida surgirão em seu meio falsos mestres, lobos ferozes que não pouparão o rebanho. 30Até mesmo entre vocês se levantarão homens que distorcerão a verdade a fim de conquistar seguidores. 31Portanto, vigiem! Lembrem-se dos três anos que estive com vocês, de como dia e noite nunca deixei de aconselhar com lágrimas cada um de vocês. 32“E, agora, eu os entrego a Deus e à mensagem de sua graça que pode edificá-los e dar-lhes uma herança junto com todos que ele separou para si.
Da masmorra em Roma, Paulo estava assistindo uma enorme tragédia acontecer. Lobos haviam se infiltrado na região da Ásia. Todos o haviam abandonado. Todos haviam abandonado o seu evangelho, inclusive “Fígelo e Hermógenes” (2Tm 1.15). Timóteo não poderia se acovardar naquele momento. Ele jamais deveria se envergonhar do evangelho. O portador de benefícios não abandona o barco.
O portador de benefícios procura a pessoa em necessidade para servi-la
Contrastando com todos que o abandonaram, inclusive Fígelo e Hermógenes (2Tm 1.15), Paulo passa a apresentar o belo exemplo de Onesíforo (2Tm 1.16-17):
16Que o Senhor demonstre misericórdia a Onesíforo e sua família, pois muitas vezes me animou em suas visitas e nunca se envergonhou por eu estar na prisão. 17Pelo contrário, quando veio a Roma, procurou-me diligentemente até me encontrar.
Onesíforo nãoera do tipo que dizia: “Se você alguma vez precisar de alguma coisa, me avise.”, e depois evaporava, sumia. Elenãoera do tipo que esperava o outro pedir. Era pró-ativo: percebia e agia. Observe o caso em questão: Em vez de pensar em si mesmo e sobre como seria inconveniente, imprudente e perigoso viajar para Roma e se encontrar com Paulo na prisão, Onesíforo demonstrou amor altruísta, coragem e fidelidade ao evangelho ao procurar Paulo na capital do império romano.
Onesíforo serviu Paulo de pelo menos cincomaneiras:
1 Serviu com abnegação(v. 16):“Que o Senhor demonstre misericórdia a Onesíforo e sua família”— serviu mesmo que sob risco de deixar a família sem arrimo, sustento ou segurança. O mesmo fez John Bunyan, que por 12 anos permaneceu preso com esposa e filhos precisando dele, sendo que uma das filhas era cega. Lutero, com esse mesmo espírito abnegado, cantou assim: “Se temos de perder // Os filhos, bens, mulher // Embora a vida vá // Por nós Jesus está // E dar-nos-á seu Reino”.
2 Serviu com afeto(v. 16):“muitas vezes… suas visitas”— serviu com sua afetuosa presença, foi ao encontro do amigo, ficou com ele, comeu com ele, conversou com ele, esteve ao lado dele em carne e osso.
3 Serviu com ânimo(v. 16):“muitas vezes me animouem suas visitas”— serviu com palavra de ânimo no SENHOR; reafirmou-lhe o evangelho; orou com ele; cantou com ele; mostrou-lhe que o esforço não tinha sido em vão; deve ter lhe dito, dentre outras coisas, “Paulo, mesmo que você esteja sofrendo como um criminoso, lembre-se, a palavra de Deus não está algemada” (2Tm 2.9).
4 Serviu com amor(v. 16):“nunca se envergonhoupor eu estar na prisão”— serviu como quem ama e não tem do que se envergonhar; sabia que o amor lança fora o medo (1Jo 4.18) e que amor com fé não se envergonha do outro por causa do evangelho (Ef 6.23).
5 Serviu com afinco(v. 16-17):“nunca se envergonhou por eu estar na prisão. Pelo contrário, quando veio a Roma, procurou-me diligentemente até me encontrar”— Esse era o jeito de Onesíforo ser (v. 18): “você [Timóteo] sabe muito bem quanto ele me ajudou em Éfeso”. Onesíforo servia com afinco.
Onesíforo nos ensina muito sobre a forma como deve agir e servir um portador de benefícios, um portador do evangelho: afincoé o combustível, amoré a motivação, ânimoé o conteúdo, afetoé o abraço e abnegaçãoé o modus operandi de quem serve.
O portador de benefícios procura pelas pessoas necessitadas: Ele as procura com afinco, cheio de amor, carregado de ânimo(refresco), transbordante de afetoe abnegadamentedisposto a encontrar e servir o outro com o evangelho e os frutos do evangelho. Esse traço da graça não pode nos falar. Ser um portador de benefícios não é uma opção para o salvo nem uma necessidade para a salvação, mas o resultado, o fruto do evangelho na vida de um crente (veja Gl 5.22 — 6.6).
S.D.G. L.B.Peixoto
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