03.12.2017
EM DEFESA DA FÉ: OS ALVEJADOS
Judas 5-7
5Ainda que já saibam dessas coisas, desejo lembrar a vocês que o Senhor libertou o povo de Israel do Egito, mas depois destruiu aqueles que não permaneceram fiéis. 6Também lhes lembro os anjos que não se limitaram à autoridade recebida, mas deixaram o lugar a que pertenciam. Deus os mantém acorrentados em prisões eternas, na escuridão, aguardando o dia do julgamento. 7E não se esqueçam de Sodoma e Gomorra e das cidades vizinhas, cheias de imoralidade e de perversão sexual de todo tipo, que foram destruídas pelo fogo e servem de advertência do fogo eterno do julgamento.
A Batalha do Somme
É impressionante o relato de um dos campos de batalhas da I Guerra Mundial (IGM) — a Batalha do Somme (rio na França que deságua no canal da Mancha). Ouça o que escreveu Danton Brasil:
Lados tomados, armas afiadas e pistolas carregadas, vamos acelerar o tempo até 1916, auge da IGM, e voltamos à região do Somme. De todos os soldados e oficiais de ambos os lados, que estavam enterrados em trincheiras e sob a constante ameaça de ataques químicos e de balas vindo de todo lado, temos três pessoas curiosas segurando rifles e atirando contra o inimigo. Delas, tiramos, do lado Britânico, o subtenente John Ronald Reuel Tolkien [J. R. R. Tolkien] de 24 anos e o soldado Clive Staples Lewis [C. S. Lewis] de 18 anos; do outro lado temos o Cabo Adolf Hitler de 27 anos, da Divisão de Reserva da Bavária.
Sim. Isso aconteceu. Tolkien e C. S. Lewis versus Hitler, na batalha mais sangrenta da IGM. Sorte nossa, assim por dizer, o lado britânico prevaleceu e assim conhecemos o trabalho pós-guerra de ambos os escritores.
Parece que dos três, Hitler, foi o único a sofrer um ferimento no tiroteio; levou um tiro na perna e foi retirado do conflito. O confronto envolvendo tropas inglesas e francesas contra as forças alemãs na Batalha do Somme é considerado um dos mais sangrentos porque levou a vida de 95 mil soldados britânicos, outros 50 mil franceses e 164 mil alemães. Esta batalha repercutiu profundamente na vida dos três, […] muitas das cenas descritivas de guerras que se passaram em O Senhor dos Anéis, por exemplo, foram inspiradas ou nessa batalha ou em outros momentos que Tolkien viveu enquanto parte do exército britânico.
Sobre a experiência dele com a guerra, Tolkien escreveu no prefácio d’O Senhor dos Anéis:
Deve-se, de fato, pairar sob a sombra da guerra para sentir completamente sua opressão. Porém, à medida que os anos se vão, parece que esquecem que ser jovem nos idos de 1914 era uma experiência não menos pavorosa do que entrar por 1939 e anos seguintes [IIGM, de 1930—1945]. Por volta de 1918, quase todos os meus amigos mais próximos (à excessão de um) estavam mortos. [pág. XIII-XIV]
As Duas Torres, segundo livro da trilogia de O Senhor dos Anéis, traz a narração de uma batalha que não deixa dúvida sobre a experiência de Tolkien nos campos de batalhas da IGM, que ele, enquanto subtenente, participou e pôde testemunhar de primeira mão:
Todos mortos, todos putrefatos. Elfos e Homens e Orcs. Os pântanos mortos. Houve uma grande batalha nos tempos antigos, sim eu disse a ele quando Sméagol era jovem, quando eu era jovem e do tesouro ainda não havia chegado. Foi uma grande batalha. Homens altos com espadas longas, Elfos terríveis, e Orcs uivando. Eles lutaram na planície por dias e meses, frente aos portões negros. Mas os pântanos cresceram desde então, engoliram os túmulos; rastejando, rastejando sempre.
A Batalha pela Fé
A cena de um campo de combate não é nada aprazível. Não é um cenário bonito de se ver. Há pessoas alvejadas, mortas e putrefatas pelo chão. Os estragos da guerra são irreparáveis no corpo, na vida e na alma das pessoas. Só quem passou por isso sabe de fato do que estamos falando. As feridas que ficam não são apenas nos corpos mutilados de alguns veteranos de guerra, mas principalmente na mente dos soldados que serviam nas guerras. Pergunte aos familiares de veteranos à este respeito.
O texto que lemos em Judas nos mostra o cenário de um campo de guerra cheio de pessoas mutiladas, acorrentadas e mortalmente alvejadas. Você percebeu? Judas nos conta dos hebreus que foram destruídos no deserto (v. 5), dos anjos caídos que foram feitos prisioneiros de guerra, aguardando o dia do julgamento (v. 6) e dos habitantes de Sodoma e Gomorra que foram bombardeados (v. 7). Todos alvejados na guerra; aprisionados ou destruídos em combate. Por que Judas escreve assim?
Judas é um general. Está preocupado com o estrago que os apóstatas, aqueles que se divorciaram da fé (da sã doutrina), mas que estão disfarçadamente infiltrados na igreja, podem fazer na vida espiritual dos crentes. Nós já vimos como ele descreveu o perfil dos combatentes de Cristo (Jd 1-2) e como ele definiu o combate do cristão (Jd 3-4). Hoje, veremos como ele demostrou as baixas sofridas por aquele que foram alvejados em combate (v. 5-7). Em defesa da fé, vejamos como ele escreveu e o que ele pretendeu nos ensinar.
Os alvejados
Vejamos, agora, o que alvejou os apóstatas e que lições nós aprendemos. Eles foram alvejados pela incredulidade, pela insubmissão e pela imoralidade.
1. Alvejados pela incredulidade (Jd 5)
5Ainda que já saibam dessas coisas, desejo lembrar a vocês que o Senhor libertou o povo de Israel do Egito, mas depois destruiu aqueles que não permaneceram fiéis [não creram, NVI].
Eles foram alvejados pela incredulidade: perderam a fé.
Eram o povo de Deus; aqueles mesmos que foram graciosamente libertados do Egito. Mas, depois de tudo o que Deus tinha feito por eles — dos grandes milagres, do êxodo do Egito às provisões diárias de água, comida, abrigo e proteção — eles não creram que conseguiriam tomar Canaã para si; acharam enormes os moradores da terra que manava leite e mel. Rebelaram-se contra Moisés, mas na verdade estavam se rebelando contra Deus. A história está lá em Números 14 e sempre que ela é contada no Novo Testamento serve para descrever o quanto o povo de Deus é propenso à incredulidade.
Em algum ponto da caminhada, a maioria dos filhos de Israel parou de crer em Deus e nas suas promessas. Como foi que uma tragédia dessa magnitude pôde acontecer? Depois de tudo o que viram Deus fazer, como foram descrer daquela maneira? Como eles perderam a fé? A única resposta plausível é que eles olharam para as circunstâncias, mais especificamente para Canaã, apenas com os olhos da carne e não pelos olhos da fé.
Nm 13.25-33 | 25Depois de passarem quarenta dias explorando a terra, os homens retornaram 26a Moisés, a Arão e a toda a comunidade de Israel em Cades, no deserto de Parã. Relataram o que tinham visto a toda a comunidade e mostraram os frutos que trouxeram da terra. 27Este foi o relatório que deram a Moisés: “Entramos na terra à qual você nos enviou e, de fato, é uma terra que produz leite e mel com fartura. Aqui está o tipo de fruto que nela há. 28Contudo, o povo que vive ali é poderoso, e suas cidades são grandes e fortificadas. Vimos até os descendentes de Enaque! 29Os amalequitas vivem no Neguebe, e os hititas, jebuseus e amorreus vivem na região montanhosa. Os cananeus vivem perto do litoral do mar Mediterrâneo e no vale do Jordão”. 30Calebe tentou acalmar o povo que estava diante de Moisés. “Vamos partir agora mesmo para tomar a terra!”, disse ele. “Com certeza podemos conquistá-la!” 31Mas os outros homens que tinham feito com ele o reconhecimento da terra discordaram: “Não podemos enfrentá-los! São mais fortes que nós!”. 32Então espalharam entre os israelitas um relatório negativo sobre a terra, dizendo: “A terra que atravessamos ao fazer o reconhecimento devorará quem for morar ali! Todas as pessoas que vimos são enormes. 33Vimos até gigantes, os descendentes de Enaque! Perto deles, nos sentimos como gafanhotos, e também era assim que parecíamos para eles”.
Ao perderem a fé na revelação e nas promessas de Deus, eles passaram a viver de uma maneira desobediente e perversa, custando-lhes muitíssimo caro.
O filho de Deus não pode ser guiado pelo que vê, pelo que sente, pelo que acha, pelo que todo mundo faz. O filho de Deus deve ser guiado pela Palavra de Deus. O autor de Hebreus interpretou da seguinte maneira este triste episódio na vida de Israel:
Hb 3.12-19 | 12Portanto, irmãos, cuidem para que nenhum de vocês tenha coração perverso e incrédulo que os desvie do Deus vivo. 13Advirtam uns aos outros todos os dias, enquanto ainda é “hoje”, para que nenhum de vocês seja enganado pelo pecado e fique endurecido. 14Porque nos tornaremos participantes de Cristo, se de fato mantivermos firme até o fim a confiança que nele depositamos no início. 15Lembrem-se do que foi dito: “Hoje, se ouvirem sua voz, não endureçam o coração como eles fizeram na rebelião”. 16E quem foram os que se rebelaram mesmo depois de terem ouvido? Não foram aqueles que saíram do Egito conduzidos por Moisés? 17E quem deixou Deus irado durante quarenta anos? Não foi o povo que pecou e cujos corpos ficaram no deserto? 18E a quem Deus se dirigiu quando jurou que jamais entrariam em seu descanso? Não foi ao povo que lhe desobedeceu? 19Vemos, portanto, que não puderam entrar no descanso por causa de sua incredulidade.
Não seja você alvejado pela incredulidade; não pare de crer na Palavra de Deus; não siga o que seus olhos ou seu coração dizem, especialmente se eles contradizem a revelação de Deus na Bíblia; não se paute pelos apelos da carne, do mundo ou do diabo.
Lembre-se: o povo de Israel libertado do Egito foi alvejado pela incredulidade. Estar na igreja, ter nascido em lar cristão, viver de culto em culto não garante salvação e muito menos estabilidade na fé; preciso é que se coma diariamente da Palavra de Deus; que se creia na Palavra de Deus e que se paute pela Palavra de Deus, mesmo quando as circunstâncias parecerem impossíveis e tudo mais improvável. Deus terá que ter sempre a palavra final. Mantenha a sua fé. Não seja alvejado pela incredulidade.
2. Alvejados pela insubmissão (Jd 6)
6Também lhes lembro os anjos que não se limitaram à autoridade recebida, mas deixaram o lugar a que pertenciam. Deus os mantém acorrentados em prisões eternas, na escuridão, aguardando o dia do julgamento.
O diabo e seus anjos não se contentaram com o limite de autoridade concedido a eles no céu. Rebelaram-se contra Deus. Insurgiram-se contra o Criador. Insubmissos, foram lançados no inferno (Is 14.12-15; Ez 28.12-17; Lc 10.18; 2Pe 2.4; Ap 12.7-10). Acorrentados, aguardam agora o dia de seu julgamento final (Is 24.21-22; Jd 6).
Alguns intérpretes (dentre eles, infelizmente, John MacArthur Jr.!), entendem que anjos (“filhos de Deus”) deixaram sua posição de autoridade e vieram para a terra a fim de possuírem mulheres bonitas — “as filhas dos homens” — lá no monte Hermom. O resultado foi que, desses relacionamentos, nasceram gigantes ou homens poderosos ou nefilins. Por causa disso Deus decidiu trazer dilúvio sobre a terra (Gn 6.1-4). Para que isso não acontecesse de novo, Deus mesmo acorrentou esses anjos ou demônios.
Ora! Claro que discordamos dessa interpretação. Ao meu ver, uma fábula. Conto da carochinha. Primeiro, porque anjos não se casam nem se dão em casamento; são assexuados (Mt 22.30). Segundo, porque lá em Gênesis 6, quando se fala dos “filhos de Deus”, a referência que se faz é à descendência piedosa de Sete; e “as filhas dos homens”, uma alusão à descendência corrompida de Caim. Terceiro, por que a interpretação de anjos se casando com mulheres vem do livro apócrifo 1Enoque. O fato de citar 1Enoque 1.9 (Jd 14-15), porém, não significa que Judas estivesse endossando essa ideia fantasiosa.
De volta ao nosso texto: Judas 6. A mensagem para nós é clara. Sempre que nos sucumbimos à tentação de viver de forma autônoma, fazendo o que quisermos, rejeitando a autoridade de Deus expressa na Palavra, removendo qualquer noção de autoridade sobre nós, estamos travando guerra contra o Céu e corremos risco de sermos julgados.
Lembre-se: os anjos no céu foram alvejados pela insubmissão. Mantenha-se submisso à Deus; submeta-se à Palavra; sujeite-se à prestação de contas da sua vida na comunhão da igreja. Não seja alvejado pela insubmissão. O orgulho sempre precede à queda.
3. Alvejados pela imoralidade (Jd 7)
7E não se esqueçam de Sodoma e Gomorra e das cidades vizinhas, cheias de imoralidade e de perversão sexual de todo tipo, que foram destruídas pelo fogo e servem de advertência do fogo eterno do julgamento.
Os habitantes de Sodoma e Gomorra, literalmente, “se entregaram à imoralidade e a relações sexuais antinaturais [outra carne]”. Tratava-se de adultério, prostituição, zoofilia, homossexualidade e de todo tipo de imoralidade ou perversão sexual. Sobre os pecados de Sodoma, anos mais tarde, Ezequiel, inspirado por Deus, falou:
Ez 16.49-50 | 49Sodoma cometia os pecados de orgulho, glutonaria e preguiça, enquanto os pobres e necessitados sofriam. 50Era arrogante e cometia pecados detestáveis, por isso eu a exterminei, como você viu.
O profeta parece indicar que quanto mais afluente uma sociedade, tanto mais pervertida, moral e sexualmente, ela vai se tornando. Então, como o ser humano não consegue eliminar a ideia de Deus gravada em seus corações, o que ele faz para seguir vivendo em pecado e com a consciência tranquila? Distorce a graça e a verdade de Deus.
Jd 4 | indivíduos perversos se infiltraram em seu meio sem serem notados, dizendo que a graça de Deus permite levar uma vida imoral. A condenação de tais pessoas foi registrada há muito tempo, pois negaram Jesus Cristo, nosso único Soberano e Senhor.
Lembre-se: Sodoma e Gomorra foram alvejadas pela imoralidade. Em vez de se guiarem pela verdade da Palavra de Deus e de se submeterem à autoridade de Deus, aquelas pessoas preferiram se entregar aos seus próprio desejos e tomaram como autoridade a subjetividade de seus corações enganosos e inclinados para o pecado.
Jd 7-8 | 7E não se esqueçam de Sodoma e Gomorra e das cidades vizinhas, cheias de imoralidade e de perversão sexual de todo tipo [entregaram-se à essas práticas], que foram destruídas pelo fogo e servem de advertência do fogo eterno do julgamento. 8Da mesma forma, essas pessoas, afirmando ter autoridade com base em sonhos, vivem de modo imoral, desprezam a autoridade e zombam dos seres sobrenaturais.
Percebeu? Não tem como. Alguma coisa sempre terá autoridade sobre você. Se não for a revelação da Palavra de Deus, terá autoridade sobre você os seus desejos, as suas inclinações, os seus sonhos, a cultura subjetiva e existencialista na qual estamos inseridos etc. Não seja alvejado pela imoralidade. Submeta-se à Palavra de Deus. Faça da Palavra a fonte de autoridade sobre sua vida e vocação.
Os alvejados
Pois bem, o pecado de Israel foi a incredulidade, dos anjos a insubmissão e de Sodoma e Gomorra a imoralidade. Foram todos eles alvejados pelos seus próprios pecados. Note, no entanto, que a ordem escolhida por Judas para apresentar seus exemplos, por não seguir uma ordem cronológica, parece nos dizer algo muito importante.
A cronologia dos fatos seria esta: primeiro os anjos, depois Sodoma e Gomorra e, por fim, Israel no deserto. Judas, no entanto, coloca primeiro Israel, depois os anjos e, por fim, Sodoma e Gomorra. Por quê? O que esta ordem dos fatos pode estar nos dizendo?
Parece-nos que Judas quer mostrar que tudo começa com a incredulidade na fonte de revelação de Deus (a Palavra); o que, então, dá lugar à insubmissão; finalmente, produz imoralidade. Sim, exatamente nesta ordem: não se crê na Palavra, torna-se autônomo e insubmisso, chegando-se à imoralidade e à devassidão. Outra coisa: começa com o povo (Israel), atinge os de posição de liderança (anjos) e se alastra pela sociedade (Sodoma).
Seja como for, Judas não quer que sejamos alvejados; por isso ele nos adverte contra a incredulidade na Palavra de Deus; a insubmissão ou posição de autonomia diante de Deus e daqueles que Deus mesmo coloca sobre nossas vidas; e a imoralidade que a incredulidade e a insubmissão acabam produzindo como fruto do pecado.
Cuidado! Não seja você alvejado. Se ouvir hoje a voz de Deus, não endureçam o coração como eles fizeram na rebelião.
S.D.G. L.B.Peixoto
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