22.05.2016
OS CAMINHOS DA ESPIRITUALIDADE CRISTÃ
Mateus 17.1-9
1 Seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago, e os levou, em particular, a um alto monte. 2 Ali ele foi transfigurado diante deles. Sua face brilhou como o sol, e suas roupas se tornaram brancas como a luz. 3 Naquele mesmo momento apareceram diante deles Moisés e Elias, conversando com Jesus. 4 Então Pedro disse a Jesus: “Senhor, é bom estarmos aqui. Se quiseres, farei três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias”. 5 Enquanto ele ainda estava falando, uma nuvem resplandecente os envolveu, e dela saiu uma voz, que dizia: “Este é o meu Filho amado em quem me agrado. Ouçam-no!” 6 Ouvindo isso, os discípulos prostraram-se com o rosto em terra e ficaram aterrorizados. 7 Mas Jesus se aproximou, tocou neles e disse: “Levantem-se! Não tenham medo!” 8 E erguendo eles os olhos, não viram mais ninguém a não ser Jesus. 9 Enquanto desciam do monte, Jesus lhes ordenou: “Não contem a ninguém o que vocês viram, até que o Filho do homem tenha sido ressuscitado dos mortos”.
O grito de liberdade
O panorama do século XX apresenta o estado de desespero a que chegou a alma humana. Contrário do que se cria até então (o positivismo francês), a I e a II Guerras Mundiais atestaram sobre o estado negativo do coração das pessoas.
O mundo pós-guerras constatou que é impossível haver progresso humano com homens tão maus protagonizando a existência, nem há respostas para os dilemas da vida apenas com a razão e os critérios das ciências exatas e biológicas. Era isto, aliás, que Pascal já defendia no século XVI, quando afirmou que “o coração tem razoes que a própria razão desconhece”. Foi também o que a revolução iniciada por Freud no fim do século XIX quis denunciar.
O que se seguiu às duas grandes guerras foram rebeliões e protestos.
Aos interessados, vale a pena um estudo cuidadoso dos desdobramentos históricos após as duas grandes guerras para se ouvir o grito de liberdade do ser humano desesperado: o movimento hippie, o nascimento do feminismo, o colapso das estruturas políticas totalitárias, o surgimento do neoliberalismo da economia globalizada, a descoberta da ecologia, o aparecimento dos livros de autoajuda, a preocupação com a inteligência emocional, os avanços da comunicação e da genética, a renovação carismática, teologia da libertação, o movimento da musica gospel, o nascimento das igrejas neopentecostais e pós-pentecostais, etc.
O século XX, sem exagero de palavras ou de adjetivos, foi o século mais sangrento de todos os outros: em 100 anos morreu mais gente em epidemias, guerras e conflitos do que em todos os outros anos da história juntos.
Todas essas ocorrências são manifestações de protesto do espírito humano. O grito de liberdade da alma sufocada pelo pecado e paliativamente tratada pelo humanismo, positivismo, racionalismo e cientificismo idolatrados do passado.
Espiritualidade esvaziada de Deus
A redescoberta da espiritualidade tem uma relação estreita com o espírito humano pós-moderno em seu grito de liberdade contra as filosofias alienantes e as atitudes degradantes do homem da modernidade. O problema é que, sem padrões adequados, o que se desenvolveu foram novas formas de alienação, escravidão e degradação humanas. Basta olhar para os frutos que hoje se colhe da sociedade, da família e das igrejas.
A espiritualidade esvaziada de Deus que hoje se vê precisa de uma reforma.
Espiritualidade cristã
Seguindo com o nosso estudo sobre a vida do apóstolo Pedro, na semana passada nós falamos sobre os contornos da espiritualidade cristã. Aprendemos que a espiritualidade cristã tem a cara de Cristo.
Olhando para a Transfiguração de Jesus, começamos a estudar os três componentes expressos neste episódio que nós não podemos deixar de observar, sob pena de cultivarmos uma espiritualidade vazia e doentia, quais sejam: a cara, os critérios e as consequências da espiritualidade cristã.
Aprendemos que a cara diz respeito à forma de se manifestar a espiritualidade cristã: tendo confessado fé em Cristo e se colocado no caminho do discipulado, o crente assume diferentes contornos. Pelo poder do Espírito Santo, ele torna espiritual o cotidiano, o corpo, a criação, a cultura e o comportamento.
Os contornos foram o que vimos na semana passada. Hoje nós veremos os caminhos da espiritualidade cristã, isto é: seus critérios e suas consequências.
1. Os critérios da espiritualidade cristã
Para a espiritualidade cristã ter a cara de Cristo ela terá que levar em consideração alguns critérios, pois são eles que definem os seus contornos.
Infelizmente, o que hoje se vê está longe de ser cristão. Tantas vezes, a espiritualidade é qualquer outra coisa, menos cristã: ora é marxismo, ora é materialismo, ora é relativismo, ora é liberalismo, ora é narcisismo, ora é ocultismo, ora é animismo, ora é paganismo e tantos outros ismos.
Por uma espiritualidade mais cristã, o texto que temos diante de nós hoje à noite aponta alguns critérios que são inegociáveis.
1.1 – A espiritualidade cristã é cristocêntrica
A espiritualidade só será sadia se ela for cristã e só será cristã se ela for centrada em Cristo.
Mt 17.4-5 | 4 Então Pedro disse a Jesus: “Senhor, é bom estarmos aqui. Se quiseres, farei três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias”. 5 Enquanto ele ainda estava falando, uma nuvem resplandecente os envolveu, e dela saiu uma voz, que dizia: “Este é o meu Filho amado em quem me agrado. Ouçam-no!”
Mt 17.8 | 8 E erguendo eles os olhos, não viram mais ninguém a não ser Jesus.
A espiritualidade cristã é cristocêntrica. Parece óbvio, mas não é tão óbvio assim, quando se observa as práticas.
O que é uma espiritualidade cristocêntrica? Para ser cristã…
A voz dos nossos desejos precisa ser calada para que se ouça apenas a voz de Deus. Note que “enquanto ele ainda estava falando” (v. 5) veio a voz de Deus sobrepondo-se à de Pedro, calando a voz de Pedro. A espiritualidade cristã é fruto, não do que se escuta do coração, mas, do que se ouve de Deus revelando os seus prazeres, i.e.: Cristo.
O personalismo precisa morrer para que floresça o cristocentrismo. Note que “erguendo eles os olhos, não viram mais ninguém a não ser Jesus” (v. 8). Moisés e Elias sumiram. Ficou só Jesus. A espiritualidade cristã não pode estar estribada em certas figuras do meio gospel ou evangélico.
Jesus é a chave de interpretação da Bíblia e da vida. Ele é o prazer do coração do Cristão. Crente em Jesus não vive para as bênçãos nem do ministério de evangélicos bem-sucedidos, mas para e de Jesus Cristo.
A espiritualidade cristã é cristocêntrica.
1.2 – A espiritualidade cristã é centrada na cruz
Narrando a Transfiguração de Jesus, Lucas acrescenta algo valioso à narrativa.
Lc 9.30-31 | 30 Surgiram dois homens que começaram a conversar com Jesus. Eram Moisés e Elias. 31 Apareceram em glorioso esplendor, e falavam sobre a partida de Jesus, que estava para se cumprir em Jerusalém.
O centro da conversa era a cruz.
A cruz é o tema da espiritualidade cristã. Ela é o grande assunto. É a meta da vida. A cruz, não só na perspectiva da salvação, mas também como projeto de existência, para a santificação: como aquilo que a gente tem de tomar nas costas todo dia e carregar – mortificando a carne, santificando os desejos, negando a si mesmo, identificando-se publicamente com Cristo, através de testemunho com palavras e posturas.
Carregar a cruz é condição inegociável, é cláusula pétrea para o discipulado. Até porque, a espiritualidade só se manifesta de forma sadia se for vivenciada na perspectiva da cruz e das propostas de vida para as quais ela nos desafia. Sem a cruz o que sobra é narcisismo, comodismo, egocentrismo, etc.
A espiritualidade cristã é centrada na cruz.
1.3 – A espiritualidade cristã pratica o evangelho
A espiritualidade é cristã e é sadia apenas se for obediente ao evangelho.
Mt 17.5 | “Este é o meu Filho amado em quem me agrado. Ouçam-no!”
O cristão para tudo para ouvir a voz de Jesus no evangelho: através da leitura e da meditação sistemáticas das Escrituras. Ele lê. Ele ouve a Cristo. Ele memoriza, ele medita e coloca em prática tudo o que o evangelho anuncia.
A espiritualidade cristã se alimenta do evangelho, encarna o evangelho e comunica o evangelho. Mas, o que é o evangelho? O resumo apresentado pelo pastor Mark Dever é bastante elucidativo.
Deus é o Criador perfeito e o justo Juiz. Ele nos criou para glorificá-lo e desfrutá-lo para sempre. No entanto, todos nós pecamos, tanto em Adão, como nosso representante, como em nossas ações individuais (Romanos 5.12; 3.23). Merecemos a morte – a separação espiritual de Deus, no inferno (Romanos 6.23; Efésios 2.1) – e, de fato, já nascemos espiritualmente mortos e sem esperança, em nossos pecados (Salvo 51.5; Romanos 5.6-8; Efésios 2.1); necessitamos que Deus nos transmita vida espiritual (Ezequiel 37.1-14; João 3.3). Deus enviou seu Filho, Jesus Cristo, plenamente Deus e plenamente homem (Filipenses 2.5-11), para sofrer a morte que merecíamos. Ele ressuscitou dentre os mortos para a nossa justificação, provando que era o Filho de Deus (Romanos 1.14; 5.1). Se desejamos que a perfeita justiça de Cristo nos seja imputada (atribuída) e a penalidade do nosso pecado seja lançada sobre ele, temos de arrepender-nos dos pecados e crer em Jesus para a salvação (2Coríntios 5.21; Marcos 1.14-15). Pela graça, por meio da fé nós restabelecemos a comunhão com Deus e uns com os outros, obtemos vida eterna e somos capacitados pelo Espírito Santo para vivermos para a glória de Deus.
O evangelho é para os que precisam crer e também para os que creram.
A espiritualidade cristã pratica o evangelho.
1.4 – A espiritualidade cristã é trinitária
A Transfiguração de Jesus não deixa a Trindade de fora do escopo. Observe.
Mt 17.5 | “[o Pai diz:] Este é o meu Filho amado em quem me agrado. Ouçam-no!”
Hoje, o Espírito é quem revela e glorifica o Filho (Jo 16.13-15; 2Co 3.18). Portanto, a espiritualidade cristã considera o Pai, o Filho e o Espírito.
O Pai revela e distribui amor. O Filho reparte a graça. O Espírito vivifica e ilumina o coração. É para a comunhão de amor, graça e vida que Deus nos convida a participar e também para repartir.
Do Pai recebemos amor e desse amor partilhamos. Do Filho recebemos graça e essa graça distribuímos. Do Espírito recebemos vida e iluminação e consolação e tudo isso repassamos. Enfim, a Trindade não é apenas uma doutrina. Ela é o molde que dá forma ao nosso jeito de ser: seres relacionais, amorosos, graciosos e cheios de vida.
A espiritualidade cristã é trinitária.
1.5 – A espiritualidade cristã é comunitária
Jesus não estava sozinho no Monte da Transfiguração. Além dos três apóstolos, estava com ele Moisés e Elias.
Mt 17.1-3 | 1 Seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago, e os levou, em particular, a um alto monte. 2 Ali ele foi transfigurado diante deles. Sua face brilhou como o sol, e suas roupas se tornaram brancas como a luz. 3 Naquele mesmo momento apareceram diante deles Moisés e Elias, conversando com Jesus.
O cristão precisa do Corpo de Cristo, que é a Igreja: uns servem os outros, uns abençoam os outros, uns exortam e estimulam os outros, uns aconselham os outros, uns oram pelos outros, uns levam as cargas dos outros, uns se submetem aos outros; enfim, há no Novo Testamento mais de 20 imperativos de mutualidade que revelam a interdependência vital que há para os crentes.
O relato de Lucas sobre a Transfiguração é revelador, no que diz respeito à necessidade que temos de nos estimular para seguir na fé cristã.
Lc 9.30-32 | 30 Surgiram dois homens que começaram a conversar com Jesus. Eram Moisés e Elias. 31 Apareceram em glorioso esplendor, e falavam sobre a partida de Jesus, que estava para se cumprir em Jerusalém. 32 Pedro e os seus companheiros estavam dominados pelo sono; acordando subitamente, viram a glória de Jesus e os dois homens que estavam com ele.
Perceberam? Além de ser necessária para revelar a glória de Deus (pela adoração e práticas de amor), a vida cristã comunitária é indispensável para nos mantermos acordados, com os olhos fixos na glória de Jesus, perseverando com fé, esperança e amor até o final.
Hb 10.23-25 | 23 Apeguemo-nos com firmeza à esperança que professamos, pois aquele que prometeu é fiel. 24 E consideremos uns aos outros para nos incentivarmos ao amor e às boas obras. 25 Não deixemos de reunir-nos como igreja, segundo o costume de alguns, mas procuremos encorajar-nos uns aos outros, ainda mais quando vocês veem que se aproxima o Dia.
A perseverança dos crentes é um projeto comunitário.
Hb 3.12-14 |12 Cuidado, irmãos, para que nenhum de vocês tenha coração perverso e incrédulo, que se afaste do Deus vivo. 13 Ao contrário, encorajem-se uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama “hoje”, de modo que nenhum de vocês seja endurecido pelo engano do pecado, 14 pois passamos a ser participantes de Cristo, desde que, de fato, nos apeguemos até o fim à confiança que tivemos no princípio.
O cristão precisa da comunhão da igreja, através de grupos pequenos, discipulado individual, cultos coletivos, Escola Bíblica Dominical, encontros de comunhão, aconselhamento, etc.
A espiritualidade cristã é comunitária.
1.6 – A espiritualidade cristã pratica as disciplinas espirituais
No Monte da Transfiguração Jesus e os discípulos praticaram a oração.
Lc 9.28-29 | 28 Aproximadamente oito dias depois de dizer essas coisas, Jesus tomou consigo a Pedro, João e Tiago e subiu a um monte para orar. 29 Enquanto orava, a aparência de seu rosto se transformou, e suas roupas ficaram alvas e resplandecentes como o brilho de um relâmpago.
A espiritualidade cristã pratica as disciplinas espirituais: silêncio e solitude, leitura da bíblia, memorização e meditação, oração, jejum, anotação em diários, etc. É doentia a espiritualidade que não pratica em equilíbrio as disciplinas espirituais.
A espiritualidade pratica as disciplinas espirituais.
2. As consequências da espiritualidade cristã
Pois bem, esses são os critérios da espiritualidade cristã. Para ter a cara de Cristo, além de tudo o que vimos no domingo passado, a espiritualidade cristã terá que seguir esses critérios que acabamos de ver: terá que ser cristocêntrica, centrada na cruz, coerente com o evangelho, trinitária, comunitária e praticante das disciplinas espirituais. Seguindo a esses critérios, ela assumirá a cara de Cristo e produzirá consequências práticas impactantes. Com tais contornos, quais caminhos trilharão a espiritualidade cristã?
O cristão enfrenta os vales com esperança (Mt 17.9-13)
Ao descerem do monte, os Doze compreenderam que João Batista era o cumprimento da profecia de Malaquias sobre a vinda de Elias, prenunciando a chegada de Cristo (Ml 4.5-6). A bola agora estava com eles, e com esperança eles deveriam seguir para anunciar.
O cristão encara a vida com fé (Mt 17.14-23)
Chegando ao pé do monte, os Doze se depararam com um pai desesperado de um menino endemoninhado que ninguém conseguiu ajudar. Faltara fé aos discípulos que tentaram ajudar; faltara discernimento, jejum e oração. Os discípulos precisariam de fé para auxiliar as pessoas em seus problemas.
Outra coisa que os abateu foi a notícia de que em breve eles ficariam órfãos, pois Jesus seria entregue para ser crucificado (Mt 17.22-23). Eles precisariam de fé também para lidar com as perdas da vida.
O cristão emprega seus valores com amor (Mt 17.24-27)
Chegando à Cafarnaum, os discípulos foram abordados pelos cobradores de impostos do templo. Jesus ensinou que os discípulos deveriam continuar pagando impostos, mesmo que fosse ao opressor. Eles precisariam empregar seus valores com amor: dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.
Esse é o fruto da espiritualidade cristã: fé, esperança e amor em tudo o que faz – fé para encarar a vida, esperança para atravessar os vales e amor para empregar-se no Reino e na sociedade.
Os contornos e os caminhos da espiritualidade cristã
O mundo pós-moderno produziu uma cultura mais subjetiva e mais aberta ao espiritual. Por outro lado, essa abertura não significa maior profundidade ou maior interesse na obra de Cristo. É o oposto disso, pois tudo se relativizou.
O nosso momento é de grandes desafios e enormes oportunidades, pois nunca o cristianismo foi tão provocado em sua relevância no “mercado de opções”. O mundo precisa enxergar em nós a cara de Cristo e nos ver trilhando as veredas da justiça. Foi isso que Pedro aprendeu e nós também devemos aprender.
Avalie-se, pois:
O que te move é fé, esperança e amor?
Fé em quê? Esperança de quê? Amor no quê?
Quais são os critérios adotados por você para dar os contornos à sua espiritualidade?
Arrependa-se. Confesse a Cristo. Desenvolva a espiritualidade cristã.
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