10.11.2024
Êxodo 21.1–24.18 (NVT)
1Estes são os decretos* que você apresentará a Israel: […]
* i.e., regulamentos, regimentos.
À medida que avançamos em nosso estudo do livro de Êxodo, nos deparamos com passagens que, muitas vezes, somos tentados a pular (e até, se pudéssemos, arrancar da Bíblia e jogar fora!). Hoje, estamos justamente diante de uma dessas partes que geralmente evitamos, especialmente por sua aparente complexidade — para não dizer estranheza. Um exemplo disso é Êxodo 23.19b (NVT)… leia: “Não cozinhem o cabrito no leite da mãe dele.” Uau! Sério? Meu Deus! Qual o propósito disso? Por que precisamos conhecer essas instruções? Outras vezes, deixamos de lado essas passagens simplesmente porque, à primeira vista, elas nos chocam. Quer ver? Leia comigo (prepare-se!):
Êxodo 21.2-6 (NVT)
2“Se você comprar um escravo hebreu, ele não poderá servi-lo por mais de seis anos. Liberte-o no sétimo ano, e ele nada lhe deverá pela liberdade. 3Se ele era solteiro quando se tornou seu escravo, partirá solteiro. Mas, se era casado antes de se tornar seu escravo, a esposa deverá ser liberta com ele.
4“Se seu senhor lhe deu uma mulher em casamento enquanto ele era escravo, e se o casal teve filhos e filhas, somente o homem será liberto no sétimo ano. A mulher e os filhos continuarão a pertencer ao senhor. 5O escravo, contudo, poderá declarar: ‘Amo meu senhor, minha esposa e meus filhos. Não desejo ser liberto’. 6Nesse caso, seu senhor o apresentará aos juízes.* Em seguida, o levará até a porta ou até o batente da porta e furará a orelha dele com um furador. Depois disso, o escravo servirá a seu senhor pelo resto da vida.
Se isso ainda não te escandalizou, talvez agora faça seu estômago revirar. Leia:
Êxodo 21.7-11 (NVT)
7“Quando um homem vender a filha como escrava, ela não será liberta como os homens. 8Se ela não agradar seu senhor, ele permitirá que alguém lhe pague o resgate, mas não poderá vendê-la a estrangeiros, pois rompeu o contrato com ela. 9Mas, se o senhor da escrava a entregar como mulher ao filho dele, não a tratará mais como escrava, mas sim como filha.
10“Se um homem que se casou com uma escrava tomar para si outra esposa, não deverá descuidar dos direitos da primeira mulher com respeito a alimentação, vestuário e intimidade sexual. 11Se ele não cumprir alguma dessas obrigações, ela poderá sair livre, sem pagar coisa alguma.”
Tem mais, mas eu advirto: as cenas são fortes.
Êxodo 21.20-21 (NVT)
20“Se um senhor espancar seu escravo ou sua escrava com uma vara e, como resultado, o escravo morrer, o senhor será castigado. 21Mas, se o escravo se recuperar em um ou dois dias, o senhor não receberá castigo algum, pois o escravo é sua propriedade.
Ah! Tem este aqui também, Êxodo 22.18 (NVT): “Não deixe que a feiticeira viva.”!
Meu Deus! E agora? Isso realmente está na Bíblia? O que fazemos com uma passagem como essa? Sinceramente, devemos partir para uma “atualização” das Escrituras, uma “ressignificação” do texto bíblico, ou algo do tipo? Naturalmente, sentimos uma resistência a leis, decretos e regulamentos, especialmente quando nos parecem irrelevantes — e, mais ainda, quando soam brutais, até mesmo criminosos pelos padrões atuais. Quem realmente deseja ler, ou sente que precisa, de orientações como essas?
Além das passagens intrigantes, este trecho com os regulamentos ou regimentos divinos (21.1–24.18) aborda temas que, como já constatamos, são desafiadores, para não dizer extremamente polêmicos, inclusive cruéis, para os dias de hoje. As leis sobre servidão (21.1-11), as sanções rigorosas, como a pena de morte e punições corporais (21.12-17, 21.20-21), e a proibição de práticas religiosas como feitiçaria e idolatria (22.18-20) despertam questionamentos éticos e culturais. A escravidão (21.2-6), embora prevista com certas proteções para os servos, é especialmente controversa, já que o conceito em si é, com justiça, amplamente rejeitado atualmente. Também a severidade das penas para crimes como amaldiçoar os pais (21.17) e o uso de punições físicas (21.20-27) suscitam debates sobre direitos e ética, enquanto a restrição de práticas religiosas contrasta com a liberdade de culto valorizada na contemporaneidade tão pluralizada.
Outros aspectos, como os sacrifícios de animais para selar a aliança (24.5-8) e algumas leis sobre propriedade e responsabilidade em relação a animais (21.28-36, 22.1-4), parecem arcaicos, até estranhos, diante dos valores modernos. Mesmo leis sobre o descanso da terra e o sábado (23.10-12), embora não tão controversas, geram questionamentos, especialmente em culturas que valorizam o trabalho contínuo. Esses elementos tensionam os regulamentos bíblicos daquela época com as visões modernas de direitos humanos, justiça e liberdade.
Diante disso, será que realmente precisamos dessas passagens bíblicas? Elas têm mesmo algum valor para a igreja de Cristo? Não seria mais fácil, ou até mais prudente, pular diretamente para Salmos, Provérbios ou, quem sabe, para o Novo Testamento?
A resposta é clara: não. A palavra de Deus é para ser estudada em sua totalidade, de Gênesis a Apocalipse. Mas, afinal, qual é o propósito desse texto?
No livro de Êxodo, Deus está redimindo um povo para revelar sua glória entre as nações. Para tanto, o SENHOR não apenas agiu soberanamente para distinguir a si mesmo e seu povo dos egípcios e de seus deuses (capítulos 1–18), mas também para separá-los de todos os outros povos, formando um povo que refletisse seu caráter e santidade (capítulos 19–40). Assim, Deus desejava que fosse evidente a distinção entre ele, o único Deus verdadeiro, o Criador dos céus e da terra, e todas as outras divindades, os falsos deuses ou demônios, assim como a distinção entre seu povo escolhido e as demais nações.
Nesse processo de redenção, Deus, primeiro, resgata o povo da terra do Egito e, em seguida, entrega-lhes sua lei e regulamentos, e faz uma aliança com eles no monte Sinai, nos capítulos 19–31. No capítulo 19, Deus, em sua presença especial, fala a Moisés e, depois, ao povo por meio desse homem resgatador, que fora levantado pelo próprio Deus. O SENHOR revela o propósito de sua lei e de seus mandamentos, dizendo:
Êxodo 19.4-6 (NVT)
4‘Vocês viram o que fiz aos egípcios. Sabem como carreguei vocês sobre asas de águias e os trouxe para mim. 5Agora, se me obedecerem e cumprirem minha aliança, serão meu tesouro especial dentre todos os povos da terra, pois toda a terra me pertence. 6Serão meu reino de sacerdotes, minha nação santa’. Essa é a mensagem que você deve transmitir ao povo de Israel”.
O SENHOR, então, entrega aos israelitas os Dez Mandamentos — o Estatuto de Israel — (capítulo 20), seguidos de outras ordenanças e regulamentos que, derivados do Estatuto ou dos Dez Mandamentos, compõem o Regimento Interno de Israel (capítulos 21–24). Mas por que Deus deu todas essas leis ao povo? Para que refletissem seu caráter? Sim! Contudo, Deus também desejava que seu povo vivesse de forma distinta do mundo ao seu redor, onde, por natureza, as pessoas não refletem o caráter divino. Sendo um povo especial, eles deveriam se destacar entre as nações, tanto em seu culto ou adoração quanto em sua conduta ou socialização.
Eles não deveriam adorar outros deuses ou esculpir imagens para culto. Qualquer forma de idolatria é terminantemente proibida. Quanto ao próximo, deviam tratar seus servos com a maior dignidade, promover a justiça com firmeza, zelar rigorosamente pela responsabilidade individual, respeitar com civilidade a propriedade alheia e agir com uma compaixão distinta. E aonde isso tudo levaria? Em tudo, deveriam refletir o caráter de Deus, que declara (Êx 22.27, NVT): “Eu sou misericordioso”. Deus, portanto, desejava que seu povo vivesse de forma a espelhá-lo, sendo santos e misericordiosos, revelando, através de suas atitudes, o próprio caráter divino. Somente assim se construiriam uma sociedade que garantisse a paz e o bem-estar de todos.
Deus sabia que a vida de santidade e misericórdia à qual ele chama seu povo seria difícil. Por isso, o SENHOR mesmo os advertiu de que tal comportamento nem sempre seria popular (Êx 23.2, NVT): “Não se deixe levar pela maioria na prática do mal. Quando o chamarem para testemunhar em um processo legal, não permita que a multidão o influencie a perverter a justiça.” Deus até os instruiu a ajudar aqueles que os odiavam (Êx 23.5, NVT): “Se vir o jumento de alguém que o odeia cair sob o peso de sua carga, não faça de conta que não viu. Pare e ajude o dono a levantá-lo.” E há quem diga que o Deus do Antigo Testamento não é misericordioso e amoroso!
Exercer misericórdia, zelar pelo bem do próximo, amar e ajudar até aqueles que nos odeiam, recusar-se a seguir uma multidão corrupta e, enfim, praticar tudo o que reflete o caráter santo e misericordioso de Deus não é o modo natural de viver para nós! Mas o povo de Deus não deve ser como as pessoas comuns. Eles devem ser o povo especial de Deus — separados para ele em tudo o que fizerem. Tanto é verdade que até possuíam observâncias específicas para o sábado semanal e três festas anuais, que os lembrariam de quem Deus é e do que ele fez por eles (capítulo 23).
O capítulo 24 descreve a formalização da aliança. Moisés sobe ao monte Sinai no final do capítulo 24, onde permanece por quarenta dias e noites, recebendo as instruções que serão registradas nos capítulos 25–31 (concernentes às ofertas que seriam consagradas para a construção do tabernáculo e sua mobília).
Deus, em tudo, estava ensinando seu povo e chamando-o à obediência santa. Como SENHOR soberano e legislador justo, como Criador e Redentor misericordioso, ele deseja que seu povo seja uma nação visivelmente santa, distinta do mundo por ser um reflexo vivo de sua santidade. Obedecendo e praticando essas leis divinas, esse povo redimido e sustentado pelo poder de Deus se distinguiria de todas as outras nações, refletindo, assim, o caráter santo de Deus. Talvez por isso, aos nossos olhos, essas leis possam parecer tão rigorosas, estranhas, ou até desumanas e ultrapassadas.
Vivemos numa época em que as pessoas anseiam por amor e afeto; clamam por paz, buscam harmonia e desejam experimentar o amor em sua plenitude. No entanto, jamais alcançaremos essa paz verdadeira ou provaremos do amor sem um padrão que venha de fora, do alto, e que esteja além de nós mesmos, acima de nossos desejos e impulsos de um coração inclinado ao pecado.
Para vivermos em genuína paz — com Deus, conosco e com o próximo — e para construirmos uma cultura fundamentada no amor e na harmonia, precisamos da lei e dos regulamentos de Deus, como os que encontramos, por exemplo, em Êxodo 21.1–24.18. Por mais indigestos que possam parecer a princípio, eles representam a aplicação dos Dez Mandamentos a situações concretas da cultura. Pense bem: existe algo mais relevante do que amar o SENHOR, nosso Deus, de todo o coração, alma, entendimento e força; e amar o próximo como a nós mesmos? Ora, se todos os cristãos verdadeiros desejam obedecer ao grande mandamento, conforme resumido por Jesus em Marcos 12.28-34, então devem considerar atentamente esses capítulos de Êxodo.
Esta seção nos revela que Deus valoriza profundamente nossos relacionamentos diários. Ele nos chama à santidade, integridade, misericórdia, justiça e equidade em todas as áreas da vida comum. Passamos a maior parte dos nossos dias em atividades rotineiras: indo ao trabalho, estudando, convivendo com vizinhos, familiares e amigos, criando filhos e realizando as tarefas do dia a dia. Semanalmente, nos reunimos para cultos e comunhão na igreja e, talvez, uma vez por semana, em pequenos grupos ou encontros de oração. Ocasionalmente, participamos de conferências teológicas ou de viagens missionárias. No entanto, esses momentos são quase nada quando comparados aos dias, semanas, meses e anos de nossas demais rotinas. Como, então, podemos glorificar a Deus em nosso dia a dia, no fluxo natural de nossas interações e compromissos?
“Amar ao próximo” pode parecer algo abstrato, mas em Êxodo 21.1–24.18 encontramos princípios e exemplos práticos que tornam esse amor concreto. Nosso objetivo, então, deve ser buscar esses princípios e interpretá-los à luz do ensino do Novo Testamento, no poder do Espírito Santo, tal como fazemos com os Dez Mandamentos. Assim como o povo de Israel buscava aplicar as “Dez Palavras” e “os decretos” ou “os estatutos”, “os regulamentos” de Deus, nós também devemos aprender a aplicar a palavra de Deus — em todas as suas partes — à nossa realidade atual.
Esta seção das Escrituras, portanto, não pode ser simplesmente descartada porque nos parece agressiva ou estranha. Esse trecho da Bíblia merece ser corretamente interpretado e aplicado à vida, pois também nos revela o caráter de Deus. De fato, uma das perguntas mais importantes ao ler a Bíblia é: o que este texto me ensina sobre Deus? Pois bem, aqui em Êxodo 21.1–24.18 nós encontramos um Deus santo, justo e compassivo, que deseja que seu povo viva diante dele com humildade, justiça e misericórdia para com os outros. Talvez Miquéias 6.8 (NVT) resuma bem essa seção de Êxodo: “Ó povo, o SENHOR já lhe declarou o que é bom e o que Ele requer de você: que pratique a justiça, ame a misericórdia e ande humildemente com seu Deus.”
Um Alerta
Pois bem, antes de detalharmos essa seção dos regulamentos de Deus, é essencial evitar dois erros comuns ao nos depararmos com eles: 1) descartá-los completamente, como se nada tivessem a nos ensinar e fossem totalmente obsoletos; ou 2) aplicá-los literalmente, insistindo que nosso país os adote exatamente como estão. Aqui, é fundamental considerar tanto a continuidade quanto a descontinuidade. Não vivemos em uma teocracia. Portanto, precisamos de cautela ao fazer uma correlação direta entre as leis civis de Israel — como é o caso aqui — e as leis contemporâneas. Devemos também lembrar da revelação progressiva de Deus ao longo das Escrituras.
Acima de tudo, é essencial reconhecer que o caráter de Deus se manifesta em sua lei — seja a lei moral, cerimonial ou civil de Deus —, o que torna esses regulamentos e quaisquer outras partes da lei no Antigo Testamento profundamente relevantes. Nosso dever, portanto, é compreender o significado dessas leis no contexto histórico e nacional de Israel, extraindo os princípios que refletem o caráter de Deus e que são úteis para a promoção da justiça em qualquer época e cultura. Somente assim podemos aplicá-los de forma responsável, centrada em Cristo e na nova aliança.
Importante saber: Essas leis casuísticas foram redigidas para tratar de situações específicas, mas não tinham o propósito de cobrir todas as possíveis ocorrências. Eram diretrizes para guiar decisões. Os juízes ou anciãos de Israel aplicavam essas leis com cuidado e discernimento. Muitas delas foram escolhidas por sua conexão com a situação anterior de Israel no Egito, onde o povo havia sido explorado. Deus não os libertou para abusarem dos outros, seja em questões de vida e morte ou em aspectos cotidianos.
Outra coisa relevante. Da perspectiva formal, os regulamentos a seguir consistem de direito jurisprudencial (21.1–22.17) e direito apodítico (22.18–23.19). Lembrando que direito jurisprudencial é uma coleção de decisões tomadas por juízes em casos concretos, as quais estabelecem um precedente, um novo princípio legal. Essas sentenças são então aplicadas a outros processos que têm algo em comum com o processo que estabeleceu o princípio. E direito apodíctico são leis irrefutáveis, necessariamente verdadeiras por causa de sua origem — da parte de Deus.
Um Esclarecimento
É importante saber que vários conjuntos de leis já existiam no antigo Oriente Próximo antes da lei que Moisés apresentou ao povo no Sinai. Entre eles estavam as leis da civilização acadiana, localizada na Mesopotâmia, do século XX a.C. (o Código de Eshnunna); as leis da civilização suméria, do século XIX a.C. (o Código de Lipit-Ishtar); e o famoso código da civilização babilônica, do século XVIII a.C. (o Código de Hamurábi). Esses e outros códigos influenciavam as pessoas que viviam no Oriente Próximo na época do Êxodo (século XV a.C.). Os povos já conheciam essas leis e, em grande parte, eram por elas regidos. A lei de Moisés, portanto, não surgia do nada, mas vinha da parte de Deus para redimir práticas que já existiam e que muitas vezes eram aplicadas de forma injusta e desumana.
Com efeito, os regulamentos que o SENHOR entregou a Moisés no Sinai pressupõe esse corpo cumulativo de literatura jurídica. Portanto, esses decretos, ordenanças ou regulamentos, como queiram, não foram dados como um sistema jurídico abrangente para um povo que vivia sem leis. Pelo contrário, consistia em uma série de instruções que Deus, como Rei de Israel, deu a seu povo para reger seu comportamento em determinadas questões específicas que já eram abertamente praticadas. Esse fato explica por que a Torá (literalmente “Instrução”, ou seja, a Lei de Moisés) não contém instruções fundamentais em muitas áreas básicas do direito, como a monogamia. As instruções na Lei de Moisés confirmaram certas leis existentes, cancelaram outras e ainda modificaram algumas, conforme a vontade de Deus para o seu povo.
John H. Sailhamer — renomado teólogo e estudioso do Antigo Testamento, Ph.D. em Línguas Semíticas pela Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) — resumiu muito bem o que temos em Êxodo 21.1–24.18, com estas palavras:
Uma seleção de “regulamentos” é apresentada como amostra das decisões divinas que Moisés deu ao povo. […] devem ser entendidos apenas como uma seleção representativa de toda a Lei Mosaica. Não se trata de uma tentativa de listar todas as leis. O propósito da seleção foi fornecer uma base para ensinar a natureza da justiça divina. Ao estudar casos específicos da aplicação da vontade de Deus em situações concretas, o leitor do Pentateuco poderia aprender os princípios básicos que sustentam a relação da aliança. Enquanto os “Dez Mandamentos” forneciam uma declaração geral dos princípios básicos de justiça que Deus exigia de seu povo, os exemplos selecionados aqui demonstravam como esses princípios, ou ideais, deveriam ser aplicados a situações reais.
Um Esboço
Agora, vejamos, em esboço, como Deus espera que seu povo o ame e ame o próximo, como Deus espera que seu povo santo viva em sociedade e comunhão.
Conclusão (23.20-33) — A obediência cuidadosa a essas instruções garantiria a conquista de Canaã e as bênçãos de Deus com prosperidade na terra.
Êxodo 24. Esse capítulo ratificará a aliança, colocando Israel em uma relação nacional de obediência ao SENHOR (24.1-11).
1. O povo compromete-se solenemente com os termos da aliança:
Êxodo 24.1-3 (NVT)
1Então o SENHOR disse a Moisés: “Suba ao monte para encontrar-se comigo e traga Arão, Nadabe, Abiú e setenta líderes de Israel. Todos devem adorar de longe. 2Somente Moisés está autorizado a se aproximar do SENHOR. Os outros não devem chegar perto, e ninguém mais do povo tem permissão de subir ao monte com ele”.
3Moisés desceu e transmitiu ao povo todas as instruções e ordens do SENHOR, e todo o povo respondeu em uma só voz: “Faremos tudo que o SENHOR ordenou!”.
2. O acordo da aliança é celebrado com sacrifícios e ratificado após a leitura dos seus termos (24.44-7).
Êxodo 24.7 (NVT) Depois, pegou o Livro da Aliança e o leu em voz alta para o povo. Mais uma vez, todos responderam: “Obedeceremos ao SENHOR! Faremos tudo que ele ordenou!”.
3. A aspersão do sangue dos sacrifícios sela a aliança para a nação:
Êxodo 24.8 (NVT) Moisés pegou o sangue das vasilhas, aspergiu-o sobre o povo e declarou: “Este sangue confirma a aliança que o SENHOR fez com vocês quando lhes deu estas instruções”.
4. A aceitação dos representantes da nação diante da presença manifesta do SENHOR sela a aliança da parte de Deus:
Êxodo 24.9-11 (NVT)
9Depois, Moisés, Arão, Nadabe, Abiú e os setenta líderes de Israel subiram ao monte, 10onde viram o Deus de Israel, e sob os pés dele havia uma superfície azulada como a safira e clara como o céu. 11E, embora esses nobres de Israel tenham visto Deus, ele não os destruiu, e eles participaram de uma refeição na presença dele.
Por fim, Moisés é convocado à presença do SENHOR no alto do Sinai para receber instruções adicionais sobre a vida de Israel na aliança:
Êxodo 24.12-18 (NVT)
12Então o Senhor disse a Moisés: “Suba ao monte para encontrar-se comigo. Fique lá e eu lhe darei tábuas de pedra nas quais gravei a lei e os mandamentos para ensinar ao povo”. 13Moisés e seu auxiliar, Josué, partiram e subiram ao monte de Deus.
14“Esperem aqui até voltarmos”, disse Moisés aos líderes. “Arão e Hur ficarão com vocês. Quem tiver algum problema para resolver durante minha ausência poderá consultá-los.”
15Então Moisés subiu ao monte, e a nuvem cobriu o monte. 16A glória do Senhor pousou sobre o monte Sinai, e a nuvem o cobriu por seis dias. No sétimo dia, o Senhor chamou Moisés de dentro da nuvem. 17Para os israelitas que estavam ao pé do monte, a glória do Senhor no alto do Sinai parecia um fogo consumidor. 18Moisés desapareceu na nuvem ao subir ao monte e ali permaneceu quarenta dias e quarenta noites.
O que virá a seguir (25.1–31.18) serão instruções sobre a adoração, com regulamentos detalhados sobre as ofertas para a construção do tabernáculo, a criação de suas mobílias e a confecção das vestimentas e utensílios sacerdotais, além, é claro, dos regulamentos para a consagração dos sacerdotes. Israel estava destinada a ser uma nação santa, separada e distinta dos demais povos; uma nação que refletiria a glória de Deus entre as nações, tanto em seu ritual de adoração quanto em sua inevitável socialização.
Na teologia reformada, a Lei de Deus é frequentemente dividida em três categorias distintas: Lei Moral, Lei Cerimonial e Lei Civil. Cada uma dessas categorias desempenha um papel específico e tem uma aplicabilidade diferente, especialmente no contexto do Novo Testamento. Resumidamente:
1. Lei Moral
A Lei Moral refere-se aos princípios éticos e universais de Deus que refletem o seu caráter e são aplicáveis a todas as pessoas em todas as épocas. Ela é sintetizada nos Dez Mandamentos e destaca o que Deus exige de nós em termos de amor a ele e ao próximo. Na tradição reformada, entende-se que a Lei Moral é permanente e continua a ser relevante para os cristãos, pois revela os padrões de santidade de Deus e a vontade divina para a vida humana.
Exemplos incluem os mandamentos que proíbem o adultério, o assassinato, o roubo, e que ordenam a adoração a Deus e o respeito ao próximo. A Lei Moral serve como guia para a vida ética e espiritual do cristão.
2. Lei Cerimonial
A Lei Cerimonial compreende as instruções dadas a Israel sobre o culto e as práticas religiosas específicas, incluindo os sacrifícios, festas, rituais de purificação, circuncisão e regulamentos dietéticos. Essa categoria de leis era simbólica e apontava para a obra redentora de Cristo. Na tradição reformada, acredita-se que a Lei Cerimonial foi cumprida em Cristo e, portanto, não é mais obrigatória para os cristãos.
Por exemplo, os sacrifícios de animais realizados para expiação de pecados, as festas judaicas e as instruções sobre alimentos puros e impuros são considerados como prefigurações da obra de Cristo. Com a vinda de Jesus e sua morte na cruz, o sistema cerimonial foi cumprido e superado.
3. Lei Civil
A Lei Civil consistia nas normas específicas que regiam a vida social, judicial e política da nação de Israel. Elas incluíam as punições por crimes, as regras sobre propriedade, relações sociais e os deveres dos governantes. Esses mandamentos foram dados para o contexto teocrático de Israel como uma nação distinta, onde a lei civil era inseparável da lei religiosa.
Na tradição reformada, a Lei Civil não é mais normativa para os cristãos, pois era específica para Israel como nação e para sua função particular na história da redenção. No entanto, muitos dos princípios subjacentes à Lei Civil — como justiça, equidade e proteção da família, dos vulneráveis — são considerados úteis e instrutivos para a formulação de leis e sistemas de justiça.
Jamais devemos nos aproximar deste texto da Escritura sem contemplar o que ele realmente se destina a revelar: a glória de Deus. Não se detenha nos detalhes nem se prenda à letra de forma isolada. Como já dissemos, a revelação de Deus considerou o momento histórico do povo e se completou progressivamente ao longo da formação do Cânon bíblico. Portanto, é evidente que Deus não estava estabelecendo a escravidão, a subjugação da mulher, violência ou qualquer coisa que possa nos chocar. Na verdade, o SENHOR estava instaurando a justiça, imprimindo a compaixão e destacando sua santidade em um mundo já marcado por leis abusivas e horrorosas crueldades.
Deus estava deixando claro a gravidade do pecado e declarando que o salário do pecado é a morte. Ele se revelava como o Deus justo, santo, misericordioso, soberano e presente, disposto a se relacionar com o seu povo nos termos de sua santa aliança.
O grande problema, portanto, não está na lei ou nos regulamentos de Deus. A questão que realmente importa é que nenhum de nós jamais alcançou ou alcançará o padrão estabelecido pela lei e pelos regulamentos do SENHOR. O que fazer, então?
Precisamos entender que a lei nos conduz a Jesus, e Jesus nos capacita para a obediência. Pense comigo: se os regulamentos de Êxodo 21.1–24.18 mostram como os Dez Mandamentos deveriam ser aplicados no cotidiano, e se nenhum de nós jamais conseguirá cumprir integralmente esses mandamentos, tampouco seremos capazes de viver plenamente de acordo com esses regulamentos, por mais que tentemos (e devemos tentar). E então, o que fazer? Há salvação para nós diante da santidade de Deus? Será possível estabelecer a justiça entre os homens?
Precisamos de um Salvador, alguém que tenha cumprido toda a lei e seus regulamentos em nosso lugar. Esse Salvador é Jesus. Ele obedeceu plenamente ao mandamento da lei, viveu a vida que não conseguimos viver e morreu a morte que merecíamos, tomando o lugar dos transgressores. Agora, porque Jesus salva pecadores e nos dá seu Espírito, somos capacitados a glorificá-lo em cada área da nossa vida cotidiana: adoramos a Deus em espírito e em verdade (Jo 4.24); nosso trabalho se torna um ato de adoração ao Senhor (Cl 3.22-25); nossos relacionamentos se tornam oportunidades de demonstrar uma ética de integridade e amor sacrificial (Rm 12.9-21); tratamos servos ou empregados como a irmãos (Fm 16); tratamos mulheres e esposas como parte mais frágil, com dignidade, porque somos, em Cristo, herdeiros da mesma graça de vida (1Pe 3.7); procuramos corrigir o que está errado e ser generosos, pois Jesus transformou nossos corações; guiados pelo Espírito, damos fruto e não satisfazemos os desejos da carne (Gl 5.16-26); cuidamos dos fracos e vulneráveis, porque Deus cuidou de nós; lembramos da graça de Deus, obedecemos à sua Palavra, descansamos em suas promessas e celebramos a ceia do Senhor, que aponta para o Banquete e o Reino vindouro.
Que o SENHOR Deus, por seu Espírito comprado para nós pelo sangue de Cristo, nos fortaleça para amá-lo com mais fervor e para amar o próximo com justiça e compaixão, até o dia em que viveremos em uma sociedade perfeitamente justa e amorosa, onde habitarão a paz e a justiça (2Pe 3.13). Pois é disso que tratam os regulamentos de Deus: paz e justiça; e paz e justiça é o que encontramos em Cristo Jesus.
S.D.G. L.B.Peixoto
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