22.03.2020
Hebreus 12.1-2
1Portanto, uma vez que estamos rodeados de tão grande multidão de testemunhas, livremo-nos de todo peso que nos torna vagarosos e do pecado que nos atrapalha, e corramos com perseverança a corrida que foi posta diante de nós. 2Mantenhamos o olhar firme em Jesus, o líder e aperfeiçoador de nossa fé. Por causa da alegria que o esperava, ele suportou a cruz sem se importar com a vergonha. Agora ele está sentado no lugar de honra à direita do trono de Deus.
UMA OLHADA PARA O PASSADO
Em 31 de dezembro de 2019, autoridades de saúde da China alertaram a Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre um novo padrão de pneumonia na cidade de Wuhan e que nunca antes havia sido detectado. Em 7 de janeiro de 2020, as autoridades de saúde anunciaram que haviam identificado um novo vírus na família dos coronavírus, que então foi batizado de 2019-nCoV.
Desde 7 de janeiro, esse novo coronavírus, agora COVID-2019, espalhou-se para quase todos os países do mundo, com a OMS relatando cerca de 200 mil casos já confirmados, aproximadamente 12 mil mortes e 81 mil curas. Ontem, 21 de março, a Itália registrou quase 800 mortos em menos de 24h. O Brasil já teve 18 mortes por causa do coronavírus e conta cerca de 1.200 casos por causa da doença. Aqui em Goiânia, hoje são 20 casos confirmados, 506 em investigação e 53 descartados.
O impacto na saúde mundial e da dor pelas perdas de entes queridos é de nos fazer suspirar com pesar. As imagens de caminhões do exército italiano carregando centenas e centenas de corpos para serem cremados é de cortar o coração. Estamos em guerra. O mundo inteiro praticamente parou: viagens e comércio global foram radicalmente afetados, mercados de ações despencaram e o dólar subiu às alturas. Já soube, inclusive, que começaram demissões de empregados. Só Deus sabe onde, quando e como tudo isso vai parar. E Ele sabe! Afinal, como diz o salmista (Sl 29.10-11):
10O SENHOR comanda as águas da inundação [comanda todas as coisas], o SENHOR governa como Rei para sempre. 11O SENHOR dá força ao seu povo, o SENHOR os abençoa com paz.
As pessoas, inclusive os cristãos, estão enfrentando essa pandemia — com todos os seus abalos sísmicos e desmoronamentos (e antecipando a força das ondas que se seguem aos abalos) — com uma variedade de sentimentos e sérios questionamentos. E, como sempre, é imperativo buscarmos a orientação final nas Escrituras Sagradas. Sola Scriptura, somente a Escritura, é um pilar fundamental de nossa fé. E deve ser.
Também é útil, no entanto, olhar para trás no tempo para ver como os cristãos no passado enfrentaram crises semelhantes. Permita-me duas razões:
PRIMEIRO, porque a própria Bíblia nos recomenda a fazer isto (Hb 12.1-2):
1Portanto, uma vez que estamos rodeados de tão grande multidão de testemunhas, livremo-nos de todo peso que nos torna vagarosos e do pecado que nos atrapalha, e corramos com perseverança a corrida que foi posta diante de nós. 2Mantenhamos o olhar firme em Jesus, o líder e aperfeiçoador de nossa fé. Por causa da alegria que o esperava, ele suportou a cruz sem se importar com a vergonha. Agora ele está sentado no lugar de honra à direita do trono de Deus.
SEGUNDO, porque a sabedoria e o senso comum nos requerem que olhemos para a história em busca de modelo para o presente, para não ficarmos em dificuldade. Aliás, “Podemos aprender da história?” foi o tema da palestra de Martyn Lloyd-Jones, no encerramento da Conferência Puritana de 1969. Vale a penas ouvir o que disse o Doutor:
A humanidade, em sua loucura e estupidez, sempre repete os mesmos erros. Não aprende, e se nega a aprender. Mas não aceito isto como sendo próprio do cristão. O meu ponto de vista é que o cristão deve aprender da história, que, por ser cristão, seu dever é fazer isto, e deve animar-se a fazê-lo. (…) o meu argumento é que, para nós, é sempre essencial suplementar a nossa leitura [bíblica e] teológica com a leitura da história da igreja. (…) senão, corremos o perigo de nos tornar abstratos, teóricos e acadêmicos em nossa visão da verdade; e, deixando de relacioná-la com os aspectos práticos da vida diária, logo estaremos em dificuldade.
Faremos bem, portanto, em dar uma olhada para o nosso passado na história, desejosos de não ficarmos “correndo perigo”, “em dificuldade”, sem saber como agir ou reagir face a tudo o que temos visto, lido e ouvido sobre o coronavírus.
AS IGREJAS E AS EPIDEMIAS NO BRASIL
Contrário do que muita gente pensa e até professa, a Igreja, em diversas ocasiões no passado, em contextos e culturas os mais variados, atravessou sim tempos de epidemia e muita dificuldade. Inclusive no Brasil — afetando, também, os Batistas no Brasil.
Ouça um trecho de uma ata de Assembleia da Primeira Igreja Batista em Manaus. Foi envido a mim no WhatsApp pelo Prof. Dr. Lourenço Stelio Rega, Diretor da Faculdade Teológica Batista de São Paulo. Ele o recebeu de um juiz de direito, irmão nosso, o Dr. Vanias Mendonça, um dos líderes da Primeira Igreja Batista em Manaus e amigo pessoal de Lourenço. O trecho revela situação semelhante em 1926, a que vivemos hoje, mas com epidemia de varíola. Note como a Igreja reagiu naquela época:
SUSPENSÃO DOS CULTOS
O irmão Hastimphilo Serejo disse que em virtude da Epidemia de Varíola, os oficiais reunidos resolveram suspender os trabalhos da Igreja em fevereiro e tendo reaberto os seus trabalhos no dia 10 de março; submetido à apreciação da Igreja, foi aprovado.
*Ata da PIB em Manaus de 07/04/1926
De fato, naquele período, inclusive na região de Goiás, várias partes do país foram afetadas por três surtos de varíola: 1904, 1910 e 1926. Outro fato importante:
De meados do século XIX para a virada ao século XX, a Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro iniciou uma campanha contra a prática de enterrar corpos nas igrejas, visando cuidado com a saúde pública. Mas os goianos, como bons goianos, “teimavam”! Em 1874, Antero Cícero de Assis [presidente da província de Goiás, à época] afirmava:
Segundo me parece esta é uma das Províncias do Império em que menos se tem conseguido evitar a inconveniente prática de enterramento nas igrejas, prática que não está a par de nossa civilização e tem sido abolida mesmo nos pequenos povoados de outras províncias.
Ele, aparentemente, tinha razão. Meia Ponte, vizinha de Goiás Velho, capital de Goiás à época, só construiu seu cemitério em 1869. Aos poucos, entretanto, como medida de saúde pública, a prática de enterrar pessoas nas igrejas foi sendo eliminada em Goiás, como no resto do Brasil.
A carta de uma leitora, de nome Roseira Zelosa, publicada no jornal Matutina Meiapontense de 13 de novembro de 1830 já condenava essa prática. Ouça:
No dia 2 de novembro do corrente … me achei na Catedral desta cidade de Goiás [Goiás Velho] para enviar as minhas orações ao Todo-poderoso … , quando de improviso me vi atacada do mais execrado fedor que fedia-se por toda a igreja … Será crível que estejam alucinados, ou faltos de olfato para não sentirem o quão danoso é semelhante abuso para bem público.
Perceba: no Brasil de fins do século XIX e até às primeiras três décadas do século XX, as igrejas cristãs católicas e protestantes tiveram que lidar com epidemias. Mudando, inclusive, hábitos caros para os religiosos (o de enterrar seus mortos no “quintal” da igreja, por exemplo), e tendo que cancelar atividades públicas das igrejas (como foi o caso da PIB em Manaus em 1926). Nada é novo debaixo do sol!
LIÇÕES DA HISTÓRIA DA IGREJA
O que é diferente e agravante no nosso momento talvez seja, primeiro, a proporção do problema (estamos vivendo uma pandemia global e não epidemias locais ou regionalizadas, concentradas apenas num país ou num continente como geralmente foi no passado) e, segundo, a velocidade com que corre o vírus e a informação (vivemos em uma era midiática, em um mundo globalizado). No entanto, é preciso que se diga, a bem da verdade, que não é difícil encontrar lições nas diversas e terríveis circunstâncias relacionadas às pestes, epidemias e doenças contagiosas do passado, que devastaram países e continentes em diversos períodos.
Robert H. Nichols, introduzindo seu livro, História da Igreja Cristã (Casa Editora Presbiteriana, 1992), escreveu (pág. 9) que
Uma das coisas que tornam o estudo da História da Igreja Cristã uma inspiração é que esse estudo nos convence de que Deus está, realmente, operando a salvação do gênero humano no mundo em que vivemos.
Agora, mergulhemos um pouquinho na história. Comecemos com uma pergunta:
A ASCENSÃO DO CRISTIANISMO
Como o cristianismo se espalhou pelo mundo? Como os cristãos conseguiram “cair na graça do povo”, deixando de ser um movimento local, obscuro e marginal para se tornar a força religiosa dominante do mundo ocidental em apenas alguns séculos?
Muita gente, inclusive de meios acadêmicos, pensa que a ascensão do cristianismo foi algo simplesmente inevitável, que o fim gradativo do paganismo seria, portanto, apenas questão de tempo, até que os cristãos dominassem tudo; afinal, o poder do Espírito Santo, conforme prometido em Atos 1.8, faria com que o nome de Jesus chegasse — e chegasse logo — até os confins da terra. Em que pese isto ser verdade, da perspectiva da soberana Providência, o cristianismo — o cristianismo verdadeiro, o cristianismo dos discípulos de verdade de Jesus — passou por uma longa, lenta e dolorosa ascensão.
Rodney Stark, no livro The Rise of Christianity (tradução livre: A Ascensão do Cristianismo), demonstra vários fatores-chave — um dos quais sendo pestes, pragas e epidemias — como molas-propulsoras para o avanço da fé cristã. No capítulo 4 do livro, tratando de epidemias, Stark argumenta, por exemplo, que se algumas crises epidêmicas não tivessem de fato acontecido, o cristianismo, possivelmente, teria ficado absolutamente privado de oportunidades maiores e cruciais de ascensão.
Neste curso, estudaremos, panoramicamente, algumas epidemias da história e como a igreja cristã reagiu no caminho do discipulado de Cristo. À medida que observarmos os exemplos, meu desejo e oração é que sua fé seja fortalecida, sua esperança seja renovada e você seja inspirado a amar da mesma forma que aqueles cristãos amaram em nome de Cristo o próximo. Que você seja inspirado a deixar um rastro de fé, esperança e amor em meio a esta pandemia do coronavírus.
Claro que haveremos de fazer alguns ajustes para nosso próprio contexto e circunstâncias, mas não podemos perder de vistas o impulso daqueles crentes na direção dos doente, famintos ou necessitados de alguma natureza, exibindo sacrifícios heróicos e que, guardadas as proporções, foram totalmente semelhantes aos de Cristo. Sejamos prudentes, mas não ousemos ser menos sacrificiais no amor de Cristo que devemos incorporar.
Com efeito, nossas demonstrações de amor requererão de nós sabedoria para, em dias como os quais estamos vivendo, cada um de nós, podendo (mesmo sem sintomas e sem saber)ser portador de vírus ou de infecção contagiosa, reflita cuidadosamente e seja cauteloso e responsável. Em alguns casos, temos visto hoje, o isolamento físico será um gesto enorme de amor. Aliás, há um exemplo assim na história. Quando chegarmos ao caso dos crentes da vila de Eyam, na Inglaterra do século XVII, veremos o quanto medidas de isolamento podem ser importantes e demonstrações plenas de amor cristão.
Portanto, ao olharmos para alguns dos exemplos históricos que colocaremos em tela, deixe o Espírito Santo te guiar em aplicações práticas; que o seu coração seja instigado à fé e à esperança, movendo seus pés na prática do amor; e que todos possamos, neste momento de pandemia, e para muito tempo depois dele, viver a sabedoria e o caminho do amor de Jesus Cristo diante de um mundo com os olhos voltados para a Igreja do Senhor.
Lembre-se: Estamos, neste momento, como ocorreu com a vida dos cristãos que a seguir estudaremos, fazendo e escrevendo história. Portanto, não desperdice essa pandemia do coronavírus. Façamos tudo para a glória do nome de Cristo, deixando um rastro de fé, esperança e amor para a posteridade.
A PESTE DE CIPRIANO — SÉC. III
A Peste ou Praga de Cipriano foi uma pandemia que afligiu o Império Romano entre 249 e 262 d.C. Acredita-se que a pandemia tenha causado escassez generalizada de mão-de-obra para a produção de alimentos e para o recrutamento de soldados para o exército romano, enfraquecendo severamente o império durante o período que ficou conhecido como a Crise do Terceiro Século.
A peste leva o nome de Cipriano, bispo de Cartago, posto que foi ele um dos primeiros escritores cristãos a testemunhar e descrever a praga. O agente da peste é altamente especulativo devido à escassez de fontes de informação, mas os suspeitos incluem varíola, gripe pandêmica e febre hemorrágica viral (filovírus) como o vírus Ebola.
Sabe-se, porém, que foi uma pandemia letal, a qual, em seu auge, causou mais de 5.000 mortes por dia em Roma. E enquanto a praga enfraquecia brutalmente o império romano, a resposta cristã a ela ganhava admiração e seguidores em números na mesma proporção. Dionísio, bispo de Alexandria, relatou:
A maioria dos nossos irmãos cristãos mostrou amor e lealdade ilimitados, jamais poupando a si mesmos e pensando apenas uns nos outros. Indiferentes ao perigo, cuidaram dos enfermos, atendendo a todas as suas necessidades e ministrando-os em Cristo, e com eles partiram serenamente e felizes desta vida; pois eram infectados com a doença daqueles a quem serviam, bem como de seus vizinhos, e aceitavam alegremente suas dores. Muitos, ao cuidar e curar os outros, transferiram a morte deles para si mesmos e morriam em lugar dos que eram curados.
Essa evidente semelhança com Cristo — tomar sobre si a morte para dar em troca a vida ao doente — contrastava fortemente com os pagãos e/ou membros de outras religiões. Dionísio continua em seu texto (Eusébio, História Eclesiástica. 7.22.7-10):
Mas com os pagãos, tudo era bem diferente. Eles abandonavam aqueles que eles viam adoecer e fugiam até de seus amigos mais queridos. Eles evitavam qualquer participação ou comunhão com a morte; que, ainda assim, apesar de todas as precauções deles, não foi fácil escapar.
Pragas, pestes ou pandemias intensificam o curso natural da vida, acelerando diante dos olhos a realidade da morte, abatendo-nos com a sensação de indefesa, fragilidade mortalidade. Mas essas coisas também intensificam as oportunidades de se demonstrar amor sobrenatural e incondicional. Que sirva de lição para nós: A Igreja de Cristo enfrentou e superou o desafio pandêmico no terceiro século com fé, esperança e amor, e como resultado ela conquistando admiradores e também convertidos para Cristo.
Rodney Stark calcula que a população cristã em 251 d.C. fosse de pouco menos de 1 milhão e 200 mil pessoas — cerca de 1,9% da população do Império Romano. Embora a igreja ainda representasse apenas uma minoria minúscula dentro dos domínios de Roma, a expansão já podia ser palpada e representava um aumento gigantesco, quando comparado com os números do segundo século. E a pandemia tinha servido, nas mãos da soberana Providência divina, como combustível para a marcha triunfante da igreja na conquista para o Reino de Deus.
Naquele período, outra peste ainda surgiu. Era diferente da anterior (talvez sarampo, embora não se tenha certeza), mas as taxas de mortalidade eram tão altas quanto as anteriores. Cidades da Itália foram abandonadas, algumas para sempre. A infra-estrutura militar e romana foram massivamente enfraquecidas. Mais uma vez, porém, os cristãos salgaram e brilharam no meio do julgamento.
Cipriano, bispo de Cartago, coloca assim:
Quão adequado, quão necessário é que essa praga e pestilência, que se revela horrível e mortal, busque pela justiça de todos e de cada um e examine a mente da raça humana; sejam os [saudáveis] cuidando dos doentes, sejam os parentes amando obedientemente os seus parentes como deveriam […] sejam os médicos não abandonando os aflitos.
Veja que na cabeça desses primeiros crentes, as pandemias, pestes ou pragas nos “buscam” algo em nós, e acham dentro de nós sempre um de dois caminhos possíveis: ou descobrem em nós o caminho da carne (autopreservação e deserção) ou o caminho do Espírito (autossacrifício e doação). A praga do século III encontrou na igreja um povo cheio do Espírito, disposto a seguir o caminho de seu Senhor. E eu me pergunto: O que a pandemia do coronavírus encontrará na igreja evangélica brasileira neste século XXI?
Um dado interessante:
As taxas de mortalidade cristã eram significativamente mais baixas do que as da população em geral — talvez apenas 10%, embora a palavra “apenas” seja um qualificador horrível o bastante para aqueles diretamente envolvidos com a perda.
O amor mútuo dos irmãos e irmãs em Cristo significava que, por um lado, aqueles que cuidavam tinham um risco maior de infecção, mas, por outro lado, aqueles que eram infectados tinham melhores taxas de sobrevivência, como grupo, como corpo, o corpo de Cristo. Então, na medida em que aqueles cristãos se tornavam vulneráveis à morte, o que de fato acontecia era que eles encontravam a vida.
Quando passou a peste, os cristãos ficaram mais fortes, pois: [1.] eles eram maiores em proporção que os demais grupos da sociedade, uma vez que mais cristãos sobreviveram; [2.] eles eram mais resilientes porque tinham uma esperança mais robusta diante da morte; e [3.] eles também eram mais fortes como comunidades, posto que criaram laços ainda mais estreitos com as pessoas e os parentes das pessoas de quem eles cuidaram e com quem eles atravessaram o sofrimento.
Então, se você quiser saber como o cristianismo passou de um movimento obscuro e marginal para representar cerca de 6 milhões de fiéis em 300 d.C., Rodney Stark lhe dirá: as pestes, pragas e pandemias se soma ao todo como um dos principais fatores.
A PESTE NEGRA — SÉC. XIV
Peste negra (ou Morte negra) é o nome pela qual ficou conhecida uma das mais devastadoras pandemias na história humana, resultando na morte de 75 a 200 milhões de pessoas na Europa e na Ásia. Somente no continente europeu, estima-se que tenha vitimado pelo menos um-terço da população em geral, sendo o auge da peste acontecendo entre os anos de 1346 e 1353. A doença é causada por bactéria, transmitida ao ser humano através das pulgas dos ratos-pretos ou outros roedores.
Acredita-se que a peste tenha surgido nas planícies áridas da Ásia Central e foi se espalhando principalmente pela rota da seda, alcançando a Crimeia em 1343. A população humana não retornou aos níveis pré-peste até o século XVII. A peste negra continuou a aparecer de forma intermitente e em pequena escala pela Europa até praticamente desaparecer do continente no começo do século XIX.
Para se ter uma ideia: Nas comunidades, a peste infectava todos os indivíduos susceptíveis até só restarem os mortos e os imunes. Quando uma nova geração não imune surgia e se tornava a maioria, a peste regressava nas comunidades. A peste negra, portanto, atacou em ondas de epidemias por quase cinco séculos! Não é sem motivos que ela tenha gerado vários efeitos e consequências religiosas, sociais e econômicas, afetando drasticamente o curso da história europeia e mundial.
Martinho Lutero (1483-1546: + 63 anos) em 1527
A peste negra atingiu Wittenberg, na Alemanha, em 1527. Muitos fugiram, abandonando a cidade e a universidade, embora Martinho Lutero — o pai da Reforma Protestante e sua esposa grávida, Katharina (1499-1552: + 53 anos) — a Primeira Dama da Reforma (viveu casada com Lutero por 21 anos, de 1525-1546) — , tenham continuado à postos, cuidando dos doentes, citando Mateus 25.41-46 como guia do casal:
41“Em seguida, o Rei se voltará para os que estiverem à sua esquerda e dirá: ‘Fora daqui, malditos, para o fogo eterno preparado para o diabo e seus anjos. 42Pois tive fome, e vocês não me deram de comer. Tive sede, e não me deram de beber. 43Era estrangeiro, e não me convidaram para a sua casa. Estava nu, e não me vestiram. Estava doente e na prisão, e não me visitaram’. 44“Então eles dirão: ‘Senhor, quando o vimos faminto, sedento, como estrangeiro, nu, doente ou na prisão, e não o ajudamos?’. 45“Ele responderá: ‘Eu lhes digo a verdade: quando se recusaram a ajudar o menor destes meus irmãos e irmãs, foi a mim que se recusaram a ajudar’. 46“E estes irão para o castigo eterno, mas os justos irão para a vida eterna”.
Sobre este texto, o reformador escreveu:
Devemos respeitar a palavra de Cristo: “Estava doente e na prisão, e não me visitaram”. De acordo com esta passagem [Mt 25.43], estamos ligados um ao outro de tal maneira que ninguém pode abandonar o outro em sua angústia, mas é obrigado a assisti-lo e ajudá-lo, como a si próprio gostaria de ser ajudado.
Lutero falou de circunstâncias em que a fuga era permitida e, sempre consciente de nossa propensão à justiça própria, advertiu os cristãos a não julgarem uns aos outros por decisões diferentes. Mas, por escrito, sobre seu compromisso pessoal, ele observou, em carta de 19 de agosto de 1527 a George Spalatin:
Estamos aqui sozinhos com os diáconos, mas Cristo também está presente, para que não estejamos sozinhos, e ele triunfará em nós sobre [em cima da] a velha serpente, assassina e autora do pecado, por mais que ela possa ferir o calcanhar de Cristo. Orem por nós e adeus.
Note bem como Satanás e também Cristo se destacam no pensamento de Lutero. Satanás é um assassino desde o início (Lutero tem em mente Gênesis 3.15), e ele está por trás da peste negra, mas Cristo seria vencedor na e através da Igreja. Lutero cria que o diabo queria fazer todos deixarem a universidade de Wittenberg, berço de pastores protestantes, forçando-os a fugir, covardemente, para outros lugares.
A Reforma já estava avançando havia 10 anos, desde 1517. E Lutero estava convicto da atuação de Satanás nos bastidores daquela pandemia. Também não era para menos, filho que era da Idade Média e tendo visto, naquele ano, em 1527, no auge da crise, a universidade, para não morrer, mudar-se temporariamente para outra cidade aparentemente sem a peste, Lutero travava, como de fato era, uma batalha espiritual. Na mesma carta já citada, ele escreveu:
[…] o medo das pessoas e a maneira como elas fogem [da praga] é espantoso. Eu nunca tinha visto uma maravilha de poder satânico dessa natureza, quão grandemente ele está aterrorizando todo mundo. De fato, ele está contente por poder assustar tanto o coração das pessoas, e, assim, espalhar e destruir essa universidade em particular, que ele odeia acima de todas as outras, e não sem motivo. No entanto, durante todo o tempo da praga, até hoje, não houve mais que dezoito mortes, contando todos aqueles que morreram na cidade — meninas pequenas, bebês e todos juntos. No bairro dos pescadores [além dos muros da cidade], a peste ficou mais enfurecida, mas em nosso bairro ainda não houve uma única morte, embora todos os que morreram estejam sepultados aqui.
Interessante que, mesmo crendo que toda aquela pandemia era parte de ataques satânicos, e também crendo, como cria Lutero, que algumas doenças poderiam ser resultado de algum tipo de magia negra, o reformador cria no poder de Deus através da medicina e de medicações. Ouça, perceba quanto equilíbrio há nas palavras de Lutero, ainda na mesma carta aqui citada… veja como ele via a batalha espiritual, o uso de remédios e o cuidado pastoral como um pacote necessário para a cura do corpo e da alma:
Hans Luft está de novo em pé e já obteve vitória sobre a peste. Muitos outros também estão se recuperando se usam a medicação, mas muitos são tão ignorantes que rejeitam a medicação e morrem desnecessariamente. O filho pequeno de Justus Jonas, João, também morreu. Ele e sua família foram para o local de nascimento. Fico aqui, e é necessário fazê-lo por causa do terrível medo entre as pessoas.
Muito mais poderia ser dito sobre o cuidado pastoral de Lutero. Ele tem um artigo, uma carta, de fato, que foi escrito para um pastor (Dr. Johann Hess, pastor em Breslau), intitulado (tradução livre): “Se Alguém Pode Fugir de uma Peste Mortal”. Trata-se de primoroso documento sobre o cuidado pastoral e fonte de encorajamento para cristãos!
Em resumo, Lutero cria de todo coração que:
Lutero e Katharina sobreviveram, e o caminho da fé, da esperança e do amor, reaberto pelos efeitos da Reforma Protestante, capitaneada por Lutero, foi e está sendo hoje trilhado pelo mundo.
João Calvino (1509-1564: + 55 anos) em 1542
A Reforma Protestante é conhecida como uma restauração da doutrina correta — somente a Bíblia, somente a graça, somente a fé, somente Cristo, somente a Deus glória — , e está certo, mas raramente é creditado à Reforma o cuidado pastoral.
O aspecto do cuidado pastoral da Reforma, assim como nos escritos de Lutero, é claramente visto também nas obra de João Calvino em Genebra, na Suíça, onde serviu como pastor. A vida pastoral de Calvino não foi consumida apenas com o estudo e a escrita de sermões, comentários e tratados teológicos. O trabalho pastoral desse reformador também se concentrou em cuidar do sofrimento das pessoas. Calvino, por exemplo, era um forte defensor do estabelecimento de um ministério para cuidar dos moribundos — daquelas pessoas em estado terminal — em Genebra. Ele pessoalmente dedicou tempo considerável de suas atividades pastorais àqueles tocados pela aflição.
Mas antes de partirmos para alguns tópicos do cuidado pastoral de Calvino, permita-me uma palavra sobre a saúde em si de João Calvino. Normalmente pensamos nesses homens como gente sem dor, mas nem sempre era o caso. Ouça o que escreveu o médico George Dunea sobre a saúde do reformador de Genebra:
Durante a maior parte de sua vida, Calvino viveu infeliz por causa de hemorróidas. Elas costumavam sangrar, fazendo com que ele ficasse anêmico e esgotando de forças. Em um determinado período, ele teve cálculos renais e infecções, descarregando urina purulenta e sofrendo de cólica renal dolorosa. Ele também teve gota [inflamação nas articulações] dolorosa e, às vezes, teve que pregar sentado. Ele sempre estava constipado [intestino preso], tomava aloés “em um grau imoderado” e frequentemente precisava ser submetido a enemas [que é introdução de água e medicamentos líquidos no organismo por via retal; lavagem intestinal]. Seu humor vivia alterado. Ele apresentava dores faciais periódicas, possivelmente nevralgia trigeminal [mais ou menos como as dores mandibulares, do tipo do bruxismo, só que pior!]. Ele sofria de azia e indigestão, infestação por lombrigas (Ascaris) [ascaridíase: os vermes adultos medem entre 15 cm e 40 cm de comprimento e desenvolvem-se no intestino delgado do hospedeiro, no qual macho e fêmea se acasalam], enxaquecas, dispepsia nervosa [dor ou desconforto estomacal crônico], insônia crônica e hemoptises recorrentes [eliminação de sangue do trato respiratório pela tosse]. Aos 55 anos, ele morreu, provavelmente por tuberculose, embora algumas autoridades tenham considerado endocardite bacteriana subaguda.
Mas esse homem permaneceu incansável no cuidado de seu rebanho.
T. H. L. Parker, grande biógrafo de Calvino, anotou que uma peste varreu a cidade de Genebra em 1542. Preocupado com a saúde de Calvino (que, como vimos, já era bastante frágil), o Conselho da Cidade proibiu o Reformador de visitar as vítimas por medo de infecção e nomeou outra pessoa para a tarefa: Peter Blanchet. Calvino, no entanto, disse a seu amigo, Pierre Viret, que de bom grado substituiria pessoalmente Peter Blanchet, caso fosse necessário. Calvino escreve:
A pestilência começa a se enfurecer aqui com maior violência, e poucos dos que são afetados por ela escapam de suas devastações […] Se algo acontecer com ele (Peter Blanchet), temo que terei de me arriscar, pois, como você diz, não podemos falhar com aqueles que mais precisam de nosso ministério […] Não penso que qualquer desculpa nos valha se, por medo de infecção, formos encontrados faltosos no cumprimento de nosso dever, onde somos mais necessários.
Note que Calvino estava preparado para morrer por aqueles que sofriam da praga cruel. De fato, ele cria em uma conexão íntima entre o pastor e o povo. Scott M. Manetsch resumiu a preocupação de Calvino e de seus colegas pastores em livro intitulado (tradução livre) A Companhia de Pastores de Calvino: O Cuidado Pastoral e a Igreja Reformada Emergente (1536-1609). Eis um trecho:
Calvino e a Companhia de Pastores de Genebra estavam comprometidos com um modelo de trabalho pastoral que envolvia intensa interação pessoal com as pessoas da cidade de Genebra e do interior. A proclamação da Palavra de Deus em assembléias públicas era crucial, mas não suficiente por si só. Os pastores acreditavam que precisavam conhecer e mostrar cuidados pessoais para os homens e mulheres em suas respectivas igrejas, ajudando-os a aplicar as verdades da Palavra de Deus às circunstâncias particulares da vida e aos desafios diversos para promover a piedade pessoal e a reforma espiritual.
Para Calvino, o sofrimento dos outros deveria ser adotado como nosso. Ao expor Romanos 12.15, “Alegrem-se com os que se alegram e chorem com os que choram”, Calvino destacou: “Que haja entre nós um tipo de simpatia que nos permita adaptar a todos os tipos de sentimentos”. Não podemos ver de longe nosso irmão sofrendo e aflito, mas sentindo de perto a dor do outro.
Além das doutrinas da graça, a Reforma Protestante nos legou a certeza de que o bom cuidado pastoral também deve ser uma consequência inevitável da boa teologia pastoral. Assim foi que ministrar ao sofrimento das pessoas tornou-se um elemento fundamental da teologia e da prática pastoral de Calvino, a ponto de influenciar profundamente o reavivamento do cuidado pastoral que se seguiu ao período da Reforma. O que observamos é que a Reforma ofereceu um novo paradigma para o ministério pastoral e o cuidado mútuo. A teologia pastoral não estava divorciada do cuidado pastoral. As práticas de Calvino em Genebra e seus esforços fervorosos para unir essas duas disciplinas merecem nossa atenção e imitação. Em seus Folhetos e Tratados, o pastor de Genebra observou:
Pelo contrário, vendo-os aflitos em sua consciência e perturbados por seus pecados, ele [o pastor] exibirá Jesus Cristo à vida [do pecador] e mostrará como nele [Cristo] todos os pobres pecadores que, desconfiando de si mesmos, descansam na bondade de Cristo, encontram consolo e refúgio.
O cuidado pastoral, modelado pelo pastor e praticado por todos os crentes, é uma forma de dar descanso aos aflitos e vida aos enfermos em estado terminal; envolve cantar a melodia do rei Jesus para aqueles que desejam encontrar consolo no Senhor ressurreto.
O cuidado pastoral traz Jesus ao sofrimento. Se o sofrimento é uma forma de amputação, o bom cuidado pastoral torna o aflito inteiro novamente. E foi na fornalha das pestes de Genebra, e da Europa como um todo, que essa teologia do cuidado pastoral foi forjada e ainda hoje deve ser praticada: pelos pastores ou presbíteros, pelos diáconos e por todos os cristãos da igreja.
Uma amostra de como agia o pastor João Calvino:
Durante o ministério de Calvino, Genebra foi aterrorizada pela praga em cinco ocasiões. No primeiro surto, em 1542, Calvino realizou pessoalmente visitas a lares infectados. Sabendo que esse esforço talvez acarretasse uma sentença de morte, os líderes da Cidade intervieram a fim de pará-lo, por causa da convicção de que a liderança de Calvino era indispensável. Os pastores continuaram seus esforços heróicos sob a orientação dele e narraram a alegria de verem muitas conversões. Vários pastores perderam sua vida nesta causa. Sem o conhecimento de muitos, Calvino continuou privativamente seu cuidado pastoral em Genebra e outras cidades assoladas pela praga. O seu amor pastoral, também evidenciado na provisão de hospitais tanto para os cidadãos como para os imigrantes, foi revelado posteriormente quando ele coletou recursos necessários para estabelecer um hospital separado para as vítimas da peste. Quando os crentes morriam, ele pregava mensagens fúnebres penetrantes, com amor e preocupação pessoa.
O profundo amor de Calvino como pastor também se revelou por meio de suas cartas. Ele escreveu inúmeras cartas de conforto e consolação aos crentes que sofriam em Genebra e na Europa. Um trecho de uma Carta que ele escreveu a uma família desolada pela peste mostra a profundidade de suas preocupações pastorais:
“O mensageiro veio até mim trazendo a sua carta. Fui tomado por um novo temor e, ao mesmo tempo, dominado por tristeza profunda. Na verdade, ontem alguém me disse que ele foi acometido pela peste. Portanto, não fiquei somente preocupado com a gravidade do perigo em que ele estava, fiquei também abalado; estava realmente chorando por ele, como se já estivesse morto. Amo-o muito, mas a minha tristeza é fruto tanto de meu amor por ele como da preocupação geral com toda a igreja”.
Sem dúvida, a doce, fiel e amável esposa de Calvino [viveram casados por 9 anos, de 1540-1549], Idelete [1506-1549: + 43 anos], não obstruiu seu ministério pastoral; pelo Contrário, ela o expandiu admiravelmente. Calvino e Idelete não somente abriram sua casa, na Rua Canon, por longos períodos aos membros da família, mas também a centenas de pobres, imigrantes e estudantes, os quais foram recebidos com cuidado e amor na pequena, mas aconchegante residência.
Obviamente que hoje, como veremos a seguir, cuidados extras deverão ser tomados ao procurarmos demonstrar nosso afeto, amor, carinho e cuidado. Lembre-se: estamos falando de um tipo de mentalidade de prevenção de doenças e infecções praticamente zero, dado ao nível de conhecimento pertinente à meados do século XVI.
Mas o que não podemos perder de vistas quando estudamos a vida, o exemplo, a teologia e o cuidado pastoral de Calvino é o seguinte: Pandemias ou outras crises, para nós cristãos, devem forjar nosso modo amoroso de pensar e agir. Teologia e pregação devem se relacionar com discipulado e cuidado pessoal. Os crentes agirão sempre com fé, esperança e amor, exalando o perfume de Cristo ao mundo, não obstante à sua própria fragilidade física ou falta de saúde.
Os cristãos do vilarejo de Eyam em 1664-1666
É dado conhecido que a peste negra, ou bubônica, conforme já dissemos, tirou a vida de cerca de 150 milhões de pessoas entre o século XII e o XVIII, na Europa. O que poucos sabem, porém, é o papel extraordinário que teve a população de Eyam, durante o surto mortal que se abateu sobre a Inglaterra, entre 1664 e 1666.
À época, os habitantes daquele vilarejo, localizado a 56 km de Manchester, no qual vivem atualmente cerca de mil pessoas, realizaram um ato heroico: deram a vida para frear a propagação da peste que já havia matado, só em Londres, 100 mil pessoas.
A peste chegou a Eyam por meio de uma amostra de tecido infestada por pulgas de ratos e enviada por um comerciante da capital ao alfaiate local. A morte do alfaiate e de sua família significou também que a “morte negra” havia deixado o sul da Inglaterra e que poderia se espalhar pelo resto do país. Foi então que os habitantes de Eyam decidiram ficar em quarentena e se isolarem do mundo para conter o avanço da doença.
Criaram todo um plano complexo, que incluía o estabelecimento de um perímetro ao redor do povoado com marcos de pedra. Neles, foram feitos buracos, nos quais os habitantes depositavam moedas banhadas em vinagre para evitar a contaminação. Dessa forma, os comerciantes de cidades vizinhas podiam deixar sacos de comida sem serem infectados. Na primeira metade de 1666, já havia morrido 200 pessoas e, no final do ano, 267 dos 750 habitantes de Eyam já tinham deixado de existir.
Atualmente, os marcos esburacados são uma espécie de atração turística e histórica, no qual os visitantes deixam moedas em homenagem às pessoas do corajoso povoado que conteve o avanço da peste negra no Reino Unido.
Se a história não é tão conhecida, menos conhecido ainda é que por detrás deste ato heroico de amor de uma vila inteira estava a fé cristã, capitaneada por dois pastores, um anglicano e outro puritano.
Em 1666, William Mompesson, pastor anglicano da aldeia de Eyam, reuniu seus 750 moradores para traçar um plano para conter um surto da peste negra ou bubônica. Eles chegaram à decisão de se colocarem voluntariamente em quarentena, sem ninguém saindo ou entrando na vila até que os casos de peste cessassem.
Ocorre que William Mompesson, que ainda não era totalmente de confiança dos habitantes locais, procurou o ex-pastor local, o puritano Thomas Stanley (que, por não se submeter ao anglicanismo, havia sido deposto pela coroa britânica). Mompesson desejava contar com a ajuda de Stanley para ajudá-lo a persuadir os moradores a não fugir da cidade, espalhando o vírus pelo país afora. Juntos, em 24 de junho de 1666, os dois convenceram o povo de Eyam a se colocarem voluntariamente em quarentena, enfrentando uma maior chance de morte, mas garantindo a proteção de seus vizinhos.
Francine Clifford, historiadora local residente em Eyam, relata que Mompesson e Stanley apelaram aos valores da fé cristã da comunidade, convencendo-os de que, segundo os ensinamentos de Cristo, a cidade tinha o dever moral de fazer algo de bom para a humanidade. Foi então que os moradores da vila colocaram as rochas em um raio de aproximadamente 1,5 km ao redor de Eyam para criar sua zona de isolamento. Nos meses seguintes, ninguém entrou ou saiu da cidade.
O pastor William Mompesson manteve registros e relatos comunitários cuidadosos de todas as vítimas da peste durante aquele período. Os registros revelam famílias inteiras morrendo rapidamente, no período de apenas uma semana. Em agosto de 1666, no auge, cinco a seis pessoas morriam por dia em Eyam.
Em uma carta datada de 20 de novembro de 1666, o pr. Mompesson escreveu sobre como tinha sido a vida na vila, comentando:
Meus ouvidos nunca ouviram lamentações tão tristes, meu nariz nunca sentiu cheiros tão horríveis e meus olhos nunca viram tantos horrores.
As infecções só foram diminuir pouco mais de um ano após a praga ter infectado Eyam. Mompesson escreveu que a última infecção ocorreu em 17 de outubro de 1666.
Felizmente, para a glória do nome de Cristo, a quarentena autoimposta foi bem-sucedida na prevenção de novas transmissões. Clifford disse que, se tivesse chegado a Manchester ou Sheffield, cidades vizinhas da vila e com grande trânsito de pessoas, provavelmente teria se tornado uma epidemia com milhares de mortes em todo o país.
Dezenas de milhares de turistas visitam Eyam todos os anos para admirar o sacrifício de seus moradores e para aprender sobre uma era devastada por epidemias de peste, a peste negra ou bulbônica.
Clifford diz que as idéias comuns de autossacrifício ainda ressoam séculos depois em Eyam, agora com uma população de cerca de mil pessoas. Ela atesta que a cidade é uma vila centrada na comunidade, cheia de pessoas preocupadas e prontas para ajudar seus vizinhos. Agora, o que bem poucos sabem e celebram é o Cristo que não só havia salvado centenas daqueles cidadão, pela graça e por meio da fé, mas que também os havia inspirado a se autossacrificarem em fé, esperança e amor pelo próximo.
PANDEMIA DE CÓLERA — SÉC. XIX (1846-1860)
A terceira pandemia de cólera (1846-186060) foi o terceiro grande surto de cólera com origem na Índia no século XIX e que se alastrou muito para além das fronteiras indianas. Investigadores da Universidade da California em Los Angeles acreditam que o surto pode ter começado em 1837 e durado até 1863. Na Rússia, mais de um milhão de pessoas morreram de cólera. Entre 1853 e 1864, a epidemia em Londres ceifou mais de 10.000 vidas e houve mais de 23.000 mortes em toda a Grã-Bretanha. Esta pandemia foi a que provocou mais mortos no século XIX.
Na década de 1850, Londres era a cidade mais poderosa e mais rica do mundo, com uma população contando mais de 2 milhões.
O surto de cólera em 1854 atingiu o coração dos londrinos. Charles H. Spurgeon (1834-1892: + 58 anos), com apenas 20 anos à época, foi morar na capital para pastorear a New Park Street Chapel. Ele consideraria aquela praga um momento essencial para se aprender, tanto ele mesmo como a cidade toda. Spurgeon escreveu:
Se existe um momento em que a mente está sensível, é quando a morte está rondando o exterior da casa. Lembro-me, quando cheguei a Londres, quão ansiosamente as pessoas ouviam o evangelho, pois a cólera estava furiosa demais. Houve pouco escárnio então.
Spurgeon conta a história de visita feita a um homem em estado terminal que noutras circunstâncias havia sido seu ferrenho opositor:
Aquele homem, em sua saúde, estava acostumado a escarnecer de mim. Em linguagem forte, ele muitas vezes me descreveu como um hipócrita. No entanto, tão rápido quanto foi atingido pelos dardos da morte ele mandou buscar minha presença e conselho, sem dúvida sentindo em seu coração que eu era um servo de Deus, embora ele não se importasse em dizer com os lábios.
A areia movediça deste mundo é uma realidade constante — mas muitas vezes são necessárias os ventos e as tempestades desta vida para revelá-la. Spurgeon viu as pragas de seus dias como uma tempestade que levou muitos a procurar refúgio em Cristo, a Rocha. Façamos o mesmo. Usemos bem esta oportunidade.
A PANDEMIA DO COVID-19
Existem muitos fatores que diferenciam o nosso tempos dos outros anos da história. Antes dos hospitais modernos, não havia atendimento médico especializado. Além disso, as gerações anteriores ministravam aos doentes com pouco conhecimento de como suas próprias doenças eram transmitidas. Os prestadores de cuidados podem ser agentes infecciosos, mesmo quando assintomáticos. Nesses cenários, em um primeiro momento, o auto-isolamento pode ser a coisa mais amorosa a se fazer, em vez de infectar aqueles a quem procuramos expressar nosso amor.
Embora a operação do amor possa parecer diferente em diferentes épocas da história, o amor ainda deve ser o objetivo principal — o amor que é fruto do Espírito Santo e não de nossa carne egocêntrica.
Então, podemos considerar os seguintes:
E que Deus se compraza em mover como antes na história, glorificando o nome de Cristo e fazendo avançar o seu reino através da igreja triunfante, que se move em amor, sustentada por fé e esperança em nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Hebreus 12.1-2:
1Portanto, uma vez que estamos rodeados de tão grande multidão de testemunhas, livremo-nos de todo peso que nos torna vagarosos e do pecado que nos atrapalha, e corramos com perseverança a corrida que foi posta diante de nós. 2Mantenhamos o olhar firme em Jesus, o líder e aperfeiçoador de nossa fé. Por causa da alegria que o esperava, ele suportou a cruz sem se importar com a vergonha. Agora ele está sentado no lugar de honra à direita do trono de Deus.
Que o Senhor nos abençoe com graça, misericórdia e paz.
S.D.G. L.B.Peixoto
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Parte 3: O Rastro de Fé, Esperança e Amor
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