22.09.2024
Atos 28.1-16 (NVT)
Paulo na ilha de Malta
1Uma vez a salvo em terra, descobrimos que estávamos na ilha de Malta. 2O povo de lá nos tratou com muita bondade. Por ser um dia frio e chuvoso, fizeram uma fogueira na praia para nos receber.
3Enquanto Paulo juntava um monte de gravetos e os colocava no fogo, uma cobra venenosa que fugia do calor mordeu sua mão. 4Quando os habitantes da ilha viram a cobra pendurada na mão de Paulo, disseram uns aos outros: “Sem dúvida ele é um assassino! Embora tenha escapado do mar, a justiça não lhe permitiu viver”. 5Mas Paulo sacudiu a cobra no fogo e não sofreu nenhum mal. 6O povo esperava que ele inchasse ou caísse morto de repente. No entanto, depois de esperarem muito tempo e verem que nada havia acontecido, mudaram de ideia e começaram a dizer que ele era um deus.7Perto da praia, havia uma propriedade pertencente a Públio, a principal autoridade da ilha. Por três dias, ele nos hospedou e nos tratou com bondade. 8Aconteceu que o pai de Públio estava doente, com febre e disenteria. Paulo entrou, orou por ele e, impondo as mãos sobre sua cabeça, o curou. 9Então os demais enfermos da ilha vieram e foram curados. 10Como resultado, fomos cobertos de presentes e honras e, chegada a hora de partirmos, o povo nos forneceu todos os suprimentos necessários à viagem.
Paulo chega a Roma
11Três meses depois do naufrágio, embarcamos em outro navio, que havia passado o inverno na ilha. Era um navio alexandrino, que tinha na parte da frente a figura dos deuses gêmeos. 12Aportamos em Siracusa, onde ficamos três dias. 13Dali navegamos até Régio. Um dia depois, um vento sul começou a soprar, de modo que no dia seguinte prosseguimos até Potéoli. 14Ali encontramos alguns irmãos que nos convidaram a passar uma semana com eles. Depois fomos para Roma.
15Os irmãos em Roma souberam que estávamos chegando e vieram ao nosso encontro no Fórum da Via Ápia. Outros se juntaram a nós nas Três Vendas. Ao vê-los, Paulo se animou e agradeceu a Deus.
16Quando chegamos a Roma, Paulo recebeu permissão de ter sua própria moradia, sob a guarda de um soldado.
A providência divina é uma das verdades mais profundas e consoladoras da fé cristã, pois é ela que mantém nossa alma firmemente ancorada em Deus. A Bíblia nos ensina, de Gênesis a Apocalipse, que Deus não observa o mundo passivamente à distância, limitando-se a sentir com pesar o estado terrível das coisas e se compadecer. Pelo contrário, o Senhor Deus governa e sustenta cada aspecto da criação, desde os grandes eventos globais até os mínimos detalhes de nossas vidas, sejam eles bons ou ruins. Como afirma John Piper, “a providência de Deus é sua soberania servindo à sabedoria de seus propósitos”. Em outras palavras, nada acontece por acaso; cada circunstância, sofrimento ou bênção faz parte do plano divino, que é perfeito e destinado à manifestação de sua glória e ao bem daqueles que o amam.
Reconhecer essa verdade, contudo, muitas vezes desafia nossa tendência natural de questionar os motivos por trás das dificuldades que enfrentamos, especialmente quando buscamos viver conforme a vontade de Deus. É comum que, diante das adversidades, nos sintamos confusos, questionando e até debatendo com Deus. Entretanto, a providência divina nos convida a confiar que, mesmo nas maiores provações, Deus está no controle. Seu propósito, por mais incompreensível que possa parecer no momento, é sempre bom, perfeito e, no final, se revelará agradável.
E você, como tem percebido a ação de Deus nas circunstâncias da sua vida? Como tem sido para você descansar na providência, sabendo que até os detalhes mais triviais estão sob o cuidado soberano de Deus?
Todos nós precisamos aprender mais sobre a providência divina; precisamos aprender para exercitar nossa fé. Isso nos conduz ao nosso texto, que narra a jornada final de Paulo em Atos dos Apóstolos. Como veremos, toda essa narrativa converge em uma palavra: “providência” — a providência de Deus, que é, nas palavras de John Piper, a soberania de Deus servindo à sabedoria de seus próprios propósitos.
Havia muito tempo que o apóstolo Paulo desejava visitar os cristãos que congregavam na igreja em Roma. Em Atos 19.21 (NVT), ele disse: “E, de lá [Jerusalém], devo prosseguir para Roma!” Quando escreveu aos romanos, Paulo expressou repetidamente esse desejo antigo. Romanos 1.11 (NVT): “Desejo muito visitá-los, a fim de compartilhar com vocês alguma dádiva espiritual que os ajude a se fortalecerem.” Romanos 1.15 (NVT): “Por isso, aguardo com expectativa para visitá-los, a fim de anunciar as boas-novas também a vocês, em Roma.” E, na conclusão da carta, ele escreveu com mais detalhes sobre os seus planos de longas datas:
Romanos 15.22b-24 (NVT)
22b[…] há tanto tempo tenho adiado minha visita a vocês, porque estava pregando nesses lugares [Chipre, Cicília e Síria, Acaia, Macedônia e Ásia Menor].
23Mas, agora que terminei meu trabalho nessas regiões, e depois de tantos anos de espera, estou ansioso para visitá-los. 24Planejo ir à Espanha* e, quando for, espero passar por Roma. E, depois de ter desfrutado um pouco de sua companhia, vocês poderão me ajudar com a viagem. *[A Espanha fazia parte integrante do Império Romano, fornecendo colheitas significativas para o império e sendo a pátria de vários autores romanos importantes (e de alguns imperadores posteriores); por isso, teria sido uma localização estratégica para Paulo evangelizar.]
Finalmente, havia chegado o momento de Deus conceder o desejo de seu servo fiel. Após anos de adiamento devido a compromissos ministeriais, seguidos – primeiro, – por dois anos em uma prisão romana na cidade de Cesareia, – segundo, – uma terrível tempestade no mar que durou duas semanas (noite e dia!) e que, por fim, resultou em seu quarto naufrágio (cf. 2Co 11.25), Paulo finalmente veria Roma.
Vale a pena, neste ponto, refletirmos um pouco sobre o que custa estar no centro da vontade de Deus – nas palavras do próprio Paulo:
2Coríntios 11.23b-33
23b[…] Sei que dou a impressão de estar louco, mas digo que tenho servido muito mais. Trabalhei com mais dedicação, fui encarcerado com mais frequência, perdi a conta de quantas vezes fui açoitado e, em várias ocasiões, enfrentei a morte. 24Cinco vezes recebi dos líderes judeus os trinta e nove açoites. 25Três vezes fui golpeado com varas. Fui apedrejado uma vez. Três vezes sofri naufrágio. Certa ocasião, passei uma noite e um dia no mar, à deriva. 26Realizei várias jornadas longas. Enfrentei perigos em rios e com assaltantes. Enfrentei perigos de meu próprio povo, bem como dos gentios. Enfrentei perigos em cidades, em desertos e no mar. E enfrentei perigos por causa de homens que se diziam irmãos, mas não eram. 27Tenho trabalhado arduamente, horas a fio, e passei muitas noites sem dormir. Passei fome e senti sede, e muitas vezes fiquei em jejum. Tremi de frio por não ter roupa suficiente para me agasalhar.
28Além disso tudo, sobre mim pesa diariamente a preocupação com todas as igrejas. 29Quem está fraco, que eu também não sinta fraqueza? Quem se deixa levar pelo caminho errado, que a indignação não me consuma?
30Portanto, se devo me orgulhar, prefiro que seja das coisas que mostram como sou fraco. 31Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus, que é digno de louvor eterno, sabe que não estou mentindo. 32Quando estava em Damasco, o governador sob o rei Aretas pôs guardas às portas da cidade para me capturar. 33Para escapar dele, tive de ser baixado num cesto grande, de uma janela no muro da cidade.
Paulo enfrentou muitas adversidades! Quem observasse de fora poderia pensar: Meu Deus! O que esse homem fez para merecer tanto sofrimento? Contudo, em meio a tudo isso, a mão da providência estava presente, guiando, fortalecendo e cuidando desse amado apóstolo. E, graças a Deus, Paulo finalmente havia chegado a Roma – a imponente capital imperial.
Antes de narrar essa tão aguardada chegada, Atos 28 começa com Paulo na ilha mediterrânea de Malta. Ele havia deixado Cesareia há mais de dois meses, rumo a Roma, para que sua apelação fosse ouvida pelo imperador. Em uma tentativa arriscada de alcançar um porto mais seguro em Creta, para passar o inverno, o navio do apóstolo foi surpreendido pelo temido Euraquilão (ou, em grego, “Euroklydon”). Esse é o nome do vento tempestuoso mencionado em Atos 27.14 (NVT): “Mas o tempo mudou de repente, e um vento com força de furacão, chamado Nordeste [ARA: Euroaquilão], soprou sobre a ilha e nos empurrou para o mar aberto.” A palavra grega é uma combinação de “Euro” (leste) e “Aquilão” (norte), indicando que se tratava de um vento violento vindo do nordeste. Esse fenômeno era comum no Mediterrâneo, especialmente no outono, e conhecido por causar grandes dificuldades às embarcações da época. Foi esse vento, dosado pela mão da providência, o responsável pela longa tempestade que resultou no naufrágio do navio em que Paulo estava, conforme estudamos em Atos 27.
A violenta tempestade arrastou o navio por quatorze dias de terror através do Mediterrâneo até Malta. Ao chegarem à ilha, a tripulação tentou encalhar o navio, mas ele colidiu com as rochas e foi destruído pelas ondas furiosas. Milagrosamente, todas as 276 pessoas a bordo conseguiram nadar e chegar à costa em segurança. Deus havia prometido a Paulo que, embora o navio fosse destruído, nenhuma vida se perderia (At 27.22). Ele também prometeu que o navio encalharia em uma ilha (At 27.26). Ambas as promessas se cumpriram quando o navio chegou a Malta (At 28.1-10), e, depois, Paulo finalmente chegou a Roma (At 28.11-16). — O que se aprende sobre a providência de Deus nessa passagem da Escritura?
A primeira verdade que devemos destacar em nosso texto é que a providência de Deus sempre nos conduz a um lugar de refúgio. Após longas tempestades, sempre encontramos a calmaria. O relato de Lucas sobre o naufrágio em Atos 27 documentou que havia 276 pessoas a bordo do navio. Todos sobreviveram à tempestade e chegaram à terra, mas onde eles estavam? Lucas, como parte do grupo que naufragou e nadou até à costa, logo descobriu a resposta para essa pergunta. Em Atos 28.1 (NVT), lemos: “Uma vez a salvo em terra, descobrimos que estávamos na ilha de Malta.”
Localizada cerca de 80 quilômetros ao sul da Sicília, Malta é uma ilha rochosa no Mediterrâneo, com aproximadamente 29 quilômetros de comprimento e 13 quilômetros de largura. Nos dias de Paulo, o nome da ilha era, na verdade, Melita, uma palavra cananeia que significa “refúgio”. Portanto, há quem sugira que, quando Lucas afirmou: “Uma vez a salvo em terra, descobrimos que estávamos na ilha de Malta”, ele estava indicando que reconheceram imediatamente que o nome da ilha correspondia perfeitamente ao lugar preparado pela mão da providência para eles: um lugar de refúgio.
É claro que Lucas e Paulo conheciam versículos como estes do Antigo Testamento: Isaías 25.4-5 (NVT), onde lemos: “Mas tu, Senhor, és fortaleza para os pobres, torre de refúgio para os necessitados em sua angústia. És abrigo contra a tempestade e sombra contra o calor.”; ou Isaías 4.6 (NVT), que traz escrito: “Será abrigo contra o calor do dia e [refúgio] contra tempestades e chuvas.”; ou o Salmo 46.1-3 (NVT), que registra: “Deus é nosso refúgio e nossa força, sempre pronto a nos socorrer em tempos de aflição. Portanto, não temeremos quando vierem terremotos e montes desabarem no mar. Que o oceano estrondeie e espumeje! Que os montes estremeçam enquanto as águas se elevam!” — Agora ouça, mais uma vez, o testemunho de Lucas, em Atos 28.1 (NVT): “Uma vez a salvo em terra, descobrimos que estávamos na ilha de Malta [ou refúgio].”
Paulo e os demais não chegaram a qualquer lugar, nem simplesmente a uma ilha cujo nome era “Malta”; eles, na verdade, chegaram a um lugar de refúgio pela providência divina. Deus fez questão de deixar isso muito claro para eles através do nome da ilha: “Melita”, que significa “refúgio”. Esse nome não foi uma coincidência, mas uma escolha divina, preparando o local onde o grupo poderia se recuperar após o naufrágio e se fortalecer para os desafios que viriam. Assim, o nome da ilha se torna um símbolo da proteção e do cuidado de Deus em meio às tempestades.
Paulo precisava desse lugar, onde poderia se recuperar de sua experiência de quase morte e se preparar para os desafios que enfrentaria em Roma. No entanto, esse processo de cura não poderia ser concluído da noite para o dia – até o “pai da medicina” reconhecia essa realidade. Hipócrates escreveu que “a cura é uma questão de tempo, mas, às vezes, também uma questão de oportunidade.” O tempo que Deus providenciou para Paulo se recuperar foi de três meses – o tempo necessário para que o clima permitisse uma navegação segura – versículo 11: “Três meses depois do naufrágio, embarcamos em outro navio, que havia passado o inverno na ilha.”
Entretanto, o apóstolo Paulo não passou esse período simplesmente relaxando, tomando água de coco à sombra de um coqueiro. Pelo contrário! Como veremos, Paulo usou esse tempo de cura como uma oportunidade para experimentar a presença de Deus de maneiras novas e revigorantes – maneiras profundamente conectadas ao seu relacionamento com os habitantes da ilha de Malta. Durante sua estadia, ele não apenas se recuperou fisicamente, mas também atuou como um canal de bênção para os malteses, curando enfermos e compartilhando a mensagem de Deus, demonstrando que mesmo em momentos de descanso forçado, a missão de servir e abençoar os outros permanece viva e ativa.
Além de providenciar um lugar de refúgio, a providência divina também preparou para Paulo um acolhimento inesperado, especialmente considerando a população local. Em Atos 28.2 (NVT), lemos: “O povo de lá nos tratou com muita bondade. Por ser um dia frio e chuvoso, fizeram uma fogueira na praia para nos receber.” Mas quem era esse “povo de lá”? A tradução da ARA, sendo mais literal, revela sua identidade: “Os bárbaros trataram-nos com singular humanidade, porque, acendendo uma fogueira, acolheram-nos a todos por causa da chuva que caía e por causa do frio.”
O adjetivo “bárbaros” no contexto do Novo Testamento, não carregava o sentido pejorativo que conhecemos hoje. Para os gregos e romanos, o termo referia-se a qualquer pessoa que não falasse grego ou latim, independentemente de seu grau de civilização. Os gregos, em particular, usavam “bárbaro” para descrever aqueles que falavam uma língua estrangeira que soava como “bar-bar-bar” – uma imitação do som de uma fala ininteligível, em contraste com a “bela” língua grega (uma espécie de onomatopeia). Portanto, os habitantes de Malta, mencionados em Atos 28, não eram incivilizados, mas apenas falavam uma língua diferente, provavelmente o fenício, e demonstraram grande hospitalidade ao grupo de Paulo.
Essa generosidade e acolhimento, em meio à situação traumática do naufrágio, é uma clara manifestação da providência divina. Os “bárbaros” (ou nativos) de Malta mostraram grande bondade e humanidade ao tratar Paulo e os demais sobreviventes com atenção especial, acendendo uma fogueira para aquecê-los e acolhê-los, independentemente das diferenças culturais e linguísticas. Imagine o quão reconfortante deve ter sido aquele fogo para pessoas exaustas, encharcadas e aterrorizadas que acabavam de enfrentar por duas semanas uma violenta tempestade no mar! O calor da fogueira não só trouxe alívio físico, mas também emocional, permitindo que começasse o processo de recuperação.
Para os sobreviventes, aquele fogo representava o início de um processo de cura, pois Deus, em sua providência, usava os nativos de Malta para suprir suas necessidades imediatas, oferecendo conforto e cuidado após uma experiência tão traumática. Assim, a hospitalidade dos malteses foi uma bênção enviada por Deus naquele momento crucial.
No entanto, durante qualquer período de cura – seja na recuperação de depressão, abuso ou alguma crise ou enfermidade ou trauma – há o perigo de outros interpretarem mal nossa dor. Isso aconteceu com Paulo quando ele decidiu ajudar a colocar lenha no fogo.
Atos 28.3-4 (NVT)
3Enquanto Paulo juntava um monte de gravetos e os colocava no fogo, uma cobra venenosa que fugia do calor mordeu sua mão. 4Quando os habitantes da ilha viram a cobra pendurada na mão de Paulo, disseram uns aos outros: “Sem dúvida ele é um assassino! Embora tenha escapado do mar, a justiça não lhe permitiu viver”.
Os nativos de Malta interpretaram a mordida da cobra que Paulo sofreu como um castigo divino por um crime grave, como o assassinato. Na visão deles, a calamidade era uma punição divina e, portanto, uma prova de culpa. Esse julgamento apressado é comum em muitas situações. Quando alguém passa de uma situação ruim para uma ainda pior, é fácil para os outros concluírem que aquilo é uma retribuição por algum erro ou pecado oculto. Os amigos de Jó fizeram a mesma suposição, acreditando que suas aflições eram consequência de pecado não confessado (cf. Jó 22).
Essa linha de pensamento revela uma teologia errada. O sofrimento, especialmente em casos de calamidade, não é sempre resultado direto de pecado. A mordida de uma cobra, como no caso de Paulo, não significa culpa, assim como tempos difíceis não indicam necessariamente um pecado oculto. As dificuldades da vida muitas vezes são parte de um plano maior e não devem ser vistas automaticamente como punição divina. Como já vimos em outra mensagem desta série, o sofrimento pode ser a disciplina de um Deus amoroso, que nos poda para que possamos dar ainda mais frutos (cf. João 15).
No capítulo 15 de João, Jesus usa a metáfora da videira e dos ramos para ilustrar como o Pai, o viticultor, cuida dos seus. Ele poda os ramos que dão frutos para que produzam ainda mais frutos. Assim, embora o sofrimento seja doloroso, ele pode ter o propósito de nos purificar e fortalecer, moldando nosso caráter e fé para que sejamos ainda mais frutíferos no reino de Deus. A disciplina divina, portanto, não é sempre uma resposta a um pecado específico, mas muitas vezes é uma forma de nos guiar para um crescimento espiritual mais profundo, abundante e frutífero. Isso nos ensina que nem todo sofrimento deve ser visto como punição, mas como uma oportunidade de amadurecimento e de maior comunhão com Deus.
Lucas prossegue com a narrativa, e nos mostra, pela providência divina, o livramento sobrenatural dispensado ao apóstolo Paulo:
Atos 28.5-6 (NVT)
5Mas Paulo sacudiu a cobra no fogo e não sofreu nenhum mal. 6O povo esperava que ele inchasse ou caísse morto de repente. No entanto, depois de esperarem muito tempo e verem que nada havia acontecido, mudaram de ideia e começaram a dizer que ele era um deus.
Após ter sido mordido pela víbora, os nativos da ilha aguardavam o momento em que Paulo cairia morto diante deles. Na visão deles, a mordida era um sinal claro de retribuição divina por algum crime terrível, e eles estavam certos de que Paulo morreria rapidamente. No entanto, quando nada aconteceu, ficaram maravilhados, mudando de opinião rapidamente. De um suposto assassino, Paulo passou a ser considerado um deus por eles (cf. Atos 28.6). Essa oscilação de julgamentos extremos, indo da condenação precipitada à exaltação indevida, reflete a instabilidade da opinião humana.
Curiosamente, Paulo não parece afetado por essa mudança radical na opinião dos nativos. Ele permanece sereno e continua com suas atividades, sem reagir a essa falsa adulação. Lucas não registra nenhuma palavra de Paulo sobre o ocorrido, mostrando que ele se mantinha focado em sua missão, sem se deixar abalar por julgamentos errados, sejam eles negativos ou excessivamente positivos. Sua calma e disposição abriram portas para que Deus o usasse ainda mais, como veremos na sequência, ao realizar curas entre os habitantes da ilha.
Por ora, é importante destacar três coisas que Paulo experimentou pela provisão divina: um lugar de refúgio, tratamento especial e livramento sobrenatural. Mas tem mais.
A providência de Deus tem como propósito a sua própria glória, manifestada de pelo menos duas maneiras. Primeiro, Deus trata seus filhos com bondade e cuidado, como podemos ver no caso de Paulo, que foi protegido e sustentado mesmo em meio a situações adversas. Segundo, Deus abre portas para que seus filhos sirvam os outros com o poder do evangelho de Cristo – ainda que eles próprios esteja convalescendo.
Isso fica evidente no exemplo de Paulo. Após seu livramento milagroso em Malta, ele não se limitou a descansar. Na primeira oportunidade, Paulo agiu para servir, demonstrando a graça e o poder de Deus ao curar os doentes e ministrar aos habitantes da ilha. Através de sua ação, o poder transformador do evangelho se fez presente, e a providência de Deus foi mais uma vez revelada não apenas na preservação de Paulo, mas também na sua disponibilidade para ser um canal de bênção aos outros – o que redundará em ainda mais bênçãos sobre Paulo e todos que o acompanhavam.
Atos 28.7-10 (NVT)
7Perto da praia, havia uma propriedade pertencente a Públio, a principal autoridade da ilha. Por três dias, ele nos hospedou e nos tratou com bondade. 8Aconteceu que o pai de Públio estava doente, com febre e disenteria. Paulo entrou, orou por ele e, impondo as mãos sobre sua cabeça, o curou. 9Então os demais enfermos da ilha vieram e foram curados. 10Como resultado, fomos cobertos de presentes e honras e, chegada a hora de partirmos, o povo nos forneceu todos os suprimentos necessários à viagem.
No versículo 8 de Atos 28, o verbo grego “iaomai” é usado para descrever a cura de Públio, o que indica uma cura instantânea e sobrenatural. Já no versículo 9, a palavra grega utilizada é “therapeuō”, que, além de significar cura, pode também indicar tratamento médico ou terapia. Essa diferença sugere que, enquanto Paulo realizava curas milagrosas, Lucas, que era médico (cf. Colossenses 4.14), poderia estar envolvido no ministério de cura usando métodos naturais, aplicando sua expertise médica para atender às necessidades dos doentes.
Essa distinção entre os termos pode indicar uma colaboração entre o poder sobrenatural de Deus e os meios naturais de tratamento, mostrando que tanto o milagre quanto os cuidados médicos foram usados para demonstrar o poder de Deus e reforçar a mensagem do evangelho. Independentemente do método utilizado, o resultado final foi a manifestação da bondade e poder de Deus para atender às necessidades físicas dos habitantes da ilha, fortalecendo o testemunho de Paulo e Lucas sobre a verdade do evangelho.
Essa interpretação revela a maneira como Deus trabalha por meio de seus servos, usando tanto o espiritual quanto o natural para o bem das pessoas e para a glória do seu nome.
Pois bem, até aqui vimos a providência de Deus manifestada de várias formas: conduzindo Paulo a um lugar de refúgio em Malta, proporcionando-lhe um tratamento especial por parte de pessoas improváveis, como os nativos, livrando-o sobrenaturalmente da mordida da cobra, e abrindo-lhe uma oportunidade para servir, tanto de maneira natural (por meio de tratamentos médicos com Lucas) quanto sobrenatural (por curas instantâneas). Agora, a última evidência da providência divina neste texto…
A hospitalidade cristã é, de fato, uma das maneiras mais claras de como a providência divina se manifesta neste mundo marcado pelo pecado. O carinho e o cuidado prático que os cristãos demonstram uns pelos outros são um reflexo do amor e da fidelidade de Deus. Lucas, ao narrar a jornada de Paulo, quer que vejamos que, mesmo em meio a desafios e tempestades, Deus estava cumprindo sua promessa de levar Paulo a Roma, onde ele testemunharia o evangelho.
Porém, além do cumprimento dessa promessa, Lucas também quer que percebamos a providência divina expressa através da hospitalidade e do cuidado dos irmãos. O carinho dos habitantes de Malta, a bondade de desconhecidos e o apoio da igreja cristã em várias cidades que Paulo visitou são exemplos concretos de como Deus usa a hospitalidade para cumprir seus propósitos. Em momentos de vulnerabilidade e necessidade, a hospitalidade cristã serve como uma expressão tangível do amor de Deus, proporcionando conforto e segurança, enquanto reflete sua providência.
Assim, a hospitalidade cristã não é apenas um ato de bondade humana, mas também uma maneira pela qual Deus cuida de seus filhos e cumpre suas promessas, demonstrando sua fidelidade através do amor prático.
Atos 28.11-16 (NVT)
11Três meses depois do naufrágio, embarcamos em outro navio, que havia passado o inverno na ilha. Era um navio alexandrino, que tinha na parte da frente a figura dos deuses gêmeos. 12Aportamos em Siracusa, onde ficamos três dias. 13Dali navegamos até Régio. Um dia depois, um vento sul começou a soprar, de modo que no dia seguinte prosseguimos até Potéoli. 14Ali encontramos alguns irmãos que nos convidaram a passar uma semana com eles. Depois fomos para Roma.
15Os irmãos em Roma souberam que estávamos chegando e vieram ao nosso encontro no Fórum da Via Ápia. Outros se juntaram a nós nas Três Vendas. Ao vê-los, Paulo se animou e agradeceu a Deus.
16Quando chegamos a Roma, Paulo recebeu permissão de ter sua própria moradia, sob a guarda de um soldado.
Embora Lucas relate os fatos de maneira objetiva, sua narrativa em Atos 28 ressoa com uma mistura de emoções, pois Paulo finalmente chega a Roma, uma cidade com um milhão de pessoas que ainda não conheciam a esperança e a promessa de Cristo. No entanto, Paulo não está livre para caminhar pelas ruas ou pregar nas praças como havia feito em outras cidades. Ele está confinado em sua moradia e acorrentado a um guarda romano, uma situação que certamente não correspondia à visão inicial que ele tinha ao sonhar com sua viagem missionária a Roma.
Por dois anos, Paulo permaneceu preso nesse cômodo, conforme Atos 28.30 relata. Podemos imaginar o quanto ele deve ter desejado um dia de liberdade para proclamar Cristo às multidões que circulavam nos mercados e nas ruas, como havia feito nas cidades da Ásia e da Grécia. No entanto, os planos de Deus para a propagação do evangelho eram diferentes. Durante esse período de restrição, pela previdência divina, Paulo continuou seu ministério de maneira impactante, recebendo visitantes, escrevendo cartas que viriam a fazer parte do Novo Testamento e compartilhando o evangelho com os guardas romanos e outros que o cercavam.
Embora a prisão de Paulo pudesse parecer uma limitação, Deus na sua providência a usou para expandir o alcance do evangelho de maneiras inesperadas, mostrando que seus planos sempre ultrapassam nossa compreensão humana.
Em resumo, o texto de Atos 28.1-16 nos revela a providência divina em ação na vida de Paulo, de formas práticas e sobrenaturais. Aqui estão três aplicações que podemos tirar dessa passagem:
1. Confiança na providência de Deus em meio às tempestades: Assim como Paulo foi levado a um lugar de refúgio em Malta após enfrentar uma violenta tempestade, devemos confiar que Deus nos conduz a um porto seguro em tempos de dificuldade. Ele cuida de cada detalhe de nossas vidas, mesmo nos momentos mais turbulentos. E se não for nesta vida, será no porvir, pois em Cristo nós achamos refúgio.
Salmo 46.4-7 (NVT)
4Um rio e seus canais alegram a cidade de nosso Deus,
o santo lugar do Altíssimo.
5Deus habita nessa cidade, e ela não será destruída;
desde o amanhecer, Deus a protegerá.
6As nações estão em confusão,
e seus reinos desmoronam.
A voz de Deus troveja,
e a terra se dissolve.
7O Senhor dos Exércitos está entre nós;
o Deus de Jacó é nossa fortaleza.
2. Hospitalidade como expressão do cuidado divino: A hospitalidade dos habitantes de Malta foi uma manifestação clara da providência de Deus; e depois a dos cristãos em Roma. Isso nos lembra que a hospitalidade cristã é uma maneira de sermos instrumentos do amor e do cuidado divino para com os outros.
1 Pedro 4.7-9 (NVT)
7O fim de todas as coisas está próximo. Portanto, sejam sensatos e disciplinados em suas orações. 8Acima de tudo, amem uns aos outros sinceramente, pois o amor cobre muitos pecados. 9Abram sua casa de bom grado para os que necessitam de um lugar para se hospedar.
Outro texto:
Hebreus 13.1-3 (NVT)
1Continuem a amar uns aos outros como irmãos. 2Não se esqueçam de demonstrar hospitalidade, porque alguns, sem o saber, hospedaram anjos. 3Lembrem-se dos que estão na prisão, como se vocês mesmos estivessem presos. Lembrem-se dos que são maltratados, como se sofressem os maus-tratos em seu próprio corpo.
3. Serviço fiel, mesmo em circunstâncias adversas: Apesar das dificuldades, Paulo usou as oportunidades que surgiram para servir aos outros, curando os enfermos e pregando o evangelho. Em qualquer circunstância, somos chamados a servir e a glorificar a Deus com nossas ações, confiando em sua providência.
1Coríntios 15.58 (NVT)
Portanto, meus amados irmãos, sejam fortes e firmes. Trabalhem sempre para o Senhor com entusiasmo, pois vocês sabem que nada do que fazem para o Senhor é inútil.
Portanto,
Pela providência graciosa de Deus: Cristo, lá na cruz, fora do refúgio seguro da comunhão com o Pai, sofreu toda a angústia do inferno para poder nos oferecer abrigo e salvação; e de lá nos ofertou perdão dos pecados e nos possibilitou ter comunhão com o Pai e uns com os outros. Bendita providência divina! Bendita salvação! Bendito exemplo a ser seguido pelo cristão!
S.D.G. L.B.Peixoto
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