02.02.2025
[Nesta ocasião, examinaremos os capítulos 11 e 15 de Levítico. Para começarmos, convido vocês a lerem comigo o seguinte texto:]
Levítico 11.1-2a (NVT)
1O SENHOR disse a Moisés e a Arão: 2“Deem as seguintes instruções ao povo de Israel. […]
Levítico 15.31 (NVT)
31“Agindo assim, você manterá os israelitas separados da impureza cerimonial. Do contrário, eles morreriam, pois sua impureza contaminaria meu tabernáculo que está no meio deles.
Ler o livro de Levítico é como folhear um guia de viagem para um país distante e exótico, onde os costumes e regras se mostram tão alheios à nossa realidade quanto um idioma desconhecido. Cada capítulo, cada instrução, nos conduz por trilhas que desafiam a lógica contemporânea, mas que eram profundamente familiares e carregadas de significado para os antigos israelitas.
No primeiro bloco, que abrange os capítulos 1 a 7, encontramos as instruções para os sacrifícios. Esses rituais sagrados não eram apenas cerimônias; eram o meio pelo qual o povo podia entrar na presença de Deus e experimentar a comunhão com ele e com a comunidade da aliança.
Em seguida, nos capítulos 8 a 10, somos conduzidos ao núcleo do sistema de adoração: a instituição do sacerdócio. Os sacrifícios não se apresentavam sozinhos nem podiam ser oferecidos diretamente pelo ofertante; eles eram levados a Deus por meio do sumo sacerdote. Ainda nesse bloco, encontramos a trágica história da corrupção no ministério sacerdotal e o modo como Deus, em sua justiça, lidou com esse sacrilégio. Essa narrativa traz lições profundas que, conforme já vimos, continuam a ecoar até hoje.
A narrativa avança para um novo território: o bloco dos capítulos 11 a 15, onde as questões de pureza tomam o centro do palco. Se, até aqui, os primeiros dez capítulos descreveram a forma correta de adorar a Deus, agora se revela algo ainda mais abrangente: a maneira de andar diante de Deus em todos os aspectos da vida cotidiana.
É aqui que a leitura se torna especialmente desafiadora para nós. Entramos em uma região que se revela estranha e misteriosa, quase incompreensível. É como se fôssemos conduzidos ao coração das trilhas mais enigmáticas desse território sagrado. Não apenas isso: o texto toca em questões profundamente íntimas. E, sempre que algo chega tão perto, é natural que nos sintamos arrepiados. Deus é santo? Tudo bem. Mas, quando essa santidade invade o meu espaço, não me sinto tão confortável.
Ainda assim, mesmo diante do mistério e do desconforto inicial, há algo precioso a ser descoberto. Esses capítulos mostram que a santidade de Deus não se limita ao templo ou aos rituais formais. Ela de fato invade o cotidiano, permeando o que comemos, como vivemos, como cuidamos do corpo, da casa e das relações. E isso é muito bom, porque um Deus que se importa com detalhes tão específicos não é um Deus distante, mas alguém presente em cada passo, gesto e pensamento.
Então, ao explorar essas páginas de Levítico, não estamos apenas percorrendo um guia de viagem para um país distante. Estamos, na verdade, sendo convidados a caminhar em um território onde o sagrado encontra o comum, onde o Deus criador do universo habita os mínimos detalhes da vida — para a glória do seu nome e a nossa alegria em desfrutá-la.
Em Levítico 11 a 15, somos conduzidos por um roteiro repleto de instruções detalhadas: 1– quais alimentos podem ser consumidos e quais devem ser evitados (cap. 11); 2– o que fazer quando uma mulher dá à luz um bebê, e o que fazer quando o bebê for menino (cap. 12); 3– como lidar com doenças de pele (13.1-36 e 14.1-32); 4– como purificar uma roupa e uma casa afetadas por mofo (13.47-59 e 14.33-57). E, de maneira ainda mais íntima e constrangedora, 5– como proceder diante das diversas secreções que saem do corpo humano — fluxos do corpo masculino e do corpo feminino (cap. 15).
A atenção aos detalhes é tamanha que já levou um comentarista a confessar algo que muitos pensam, mas não têm coragem de dizer: esses capítulos são “talvez os menos atraentes de toda a Bíblia. Para o leitor moderno, há muito neles que é incompreensível ou repulsivo.”
Mas, se toda a Escritura é inspirada e útil (2Tm 3.16-17), e se “essas coisas foram registradas há muito tempo para nos ensinar, e as Escrituras nos dão paciência e ânimo para mantermos a esperança” (Rm 15.4), não devemos descartar esses capítulos tão facilmente. E, felizmente, nem precisamos fazê-lo.
Originalmente, essas leis comunicavam aos antigos israelitas uma mensagem principal com grande clareza: “seu Deus é santo, e ele exige que reflitam sua santidade em cada aspecto de suas vidas”.
A santidade nunca lhes foi apresentada como um ideal abstrato ou inalcançável. Pelo contrário, sempre foi uma “realidade alcançável”, tangível, que permeava as rotinas constantes da vida diária. A santidade abrangia toda a existência. Influenciava o que acontecia na cozinha, na sala de parto, no quarto de doente, na casa e no quarto conjugal, tanto quanto o que acontecia no santuário.
Um Deus cuja presença era sentida na cozinha e no quarto não podia ser marginalizado, confinado a um compartimento da vida rotulado como “espiritual” ou servido apenas em tempos, dias ou momentos designados para a adoração. Ele é um Deus que reina sobre a totalidade da vida e que deve ser servido em todos os tempos e lugares, nos mínimos detalhes. Paulo, o apóstolo, captou essa ideia, quando escreveu aos coríntios:
1Coríntios 10.31—11.1 (NVT)
31Portanto, quer vocês comam, quer bebam, quer façam qualquer outra coisa, façam para a glória de Deus. 32Não ofendam nem os judeus, nem os gentios, nem a igreja de Deus, 33assim como também eu procuro agradar a todos em tudo que faço. Não faço apenas o que é melhor para mim; faço o que é melhor para os outros, a fim de que muitos sejam salvos.
1Sejam meus imitadores, como eu sou imitador de Cristo.
A seguir, faremos um sobrevoo por cada capítulo deste bloco de Levítico, buscando enxergar o panorama completo e compreender o fio condutor que conecta essas instruções. Ao final, destacaremos algumas aplicações práticas para nossa vida hoje.
Israel devia observar rigorosas leis dietéticas conforme detalhado em Levítico 11.1-47, que definiam claramente quais animais poderiam ou não ser consumidos.
John Sailhamer observou que este capítulo contém uma lista selecionada de criaturas, dividindo-as em categorias de pureza. O texto apresenta regulamentos sobre quatro grandes grupos de animais: animais terrestres, aves ou criaturas voadoras, animais aquáticos e seres rastejantes.
Interessantemente, essa classificação geral da vida animal reflete a mesma estrutura encontrada no relato da Criação, demonstrando uma continuidade entre a ordem criada estabelecida por Deus e as instruções de pureza dadas a Israel. Ou seja, o Deus que criou esses animais é o mesmo que agora regulamenta as leis acerca deles. Isso ressalta que a pureza requerida nas práticas cotidianas de Israel estava enraizada na própria ordem da criação, refletindo a santidade do Criador em todos os aspectos da vida.
Os animais terrestres considerados puros eram aqueles que possuíam cascos fendidos e ruminavam (11.1-8). No caso dos animais aquáticos, apenas os que apresentavam barbatanas e escamas eram classificados como limpos (11.9-12). Entre os animais voadores, eram considerados impuros aqueles de hábitos carnívoros, como as aves que se alimentam de carniça (11.13-17). Quanto aos insetos, apenas os que se moviam a passos ou aos saltos, em vez de rastejar, eram declarados limpos (11.18-23).
O consumo de animais impuros, assim como o contato corporal com a carcaça de qualquer tipo de animal — puro ou impuro —, resultava em contaminação cerimonial. Essa condição de impureza exigia que o indivíduo passasse por um processo de purificação ritual (11.24-43).
Essas leis dietéticas não eram apenas orientações práticas, mas também tinham um profundo significado espiritual. Elas deveriam refletir a consagração de Israel — como povo e nação — ao SENHOR, seu Deus santo e Redentor. Assim, a observância dessas normas destacava a singularidade do povo de Israel e sua vocação para viver de acordo com a santidade de Deus. Eis como termina este capítulo:
Levítico 11.43-45 (NVT)
43Não se contaminem com eles. Não se tornem cerimonialmente impuros por causa deles, 44pois eu sou o SENHOR, seu Deus. Consagrem-se e sejam santos, pois eu sou santo. Não se contaminem com nenhum desses animais pequenos que rastejam pelo chão. 45Eu, o SENHOR, sou aquele que os tirou da terra do Egito para ser o seu Deus. Por isso, sejam santos, pois eu sou santo.
46“Essas são as instruções acerca dos animais que vivem em terra, dos animais voadores, das criaturas aquáticas e dos animais que rastejam pelo chão. 47Com essas instruções, vocês saberão o que é impuro e o que é puro, os animais que vocês podem comer e os que não podem”.
John Sailhamer argumenta que o fato de alguns animais serem considerados puros e outros impuros não significa que alguns sejam, em essência, sujos. Por exemplo, no início do Pentateuco, no relato da Criação, Deus viu todos os animais que havia criado e declarou que todos eram “bons” (Gn 1.21). Essa avaliação divina incluía até mesmo os animais que, em Levítico, são chamados de “impuros”.
Dessa forma, tais proibições estariam relacionadas ao que Deus chama de bem ou mal, assim como no caso das árvores do jardim (Gn 2.16-17), mais do que à identificação de algum tipo de pureza intrínseca em certos animais que outros não possuíssem. Puro é o que Deus chama de puro. Impuro também.
Israel devia observar a separação das mulheres após o parto, devido às secreções corporais associadas ao nascimento de uma criança (Levítico 12.1-8).
O período de separação cerimonial para a nova mãe era de quarenta dias no caso do nascimento de um filho e de oitenta dias no caso do nascimento de uma filha; além disso, no caso do filho, ele deveria ser circuncidado no oitavo dia (Lv 12.1-5). Após esse período, a mulher deveria trazer uma oferta pelo pecado e um holocausto, como parte do ritual de purificação cerimonial (Lv 12.6-8).
Sobre este capítulo tão curto, com apenas oito versículos, John Sailhamer argumentou que, à primeira vista, ele pode parecer ter sido selecionado e inserido aqui de forma arbitrária. Trata apenas do caso de purificação relacionado a uma mulher após o parto. Por que o autor escolheu este tema específico? E por que o colocou neste ponto da narrativa? Quando tais perguntas são feitas, torna-se evidente que este capítulo desempenha um papel estratégico importante em relação aos textos que o cercam.
É nas regulamentações sobre o parto que se apresenta uma explicação para o significado geral da noção de impureza em toda esta seção de textos legais: enquanto a mulher estava impura, “não deverá tocar em coisa alguma que seja consagrada. Também não poderá entrar no santuário enquanto não terminar o período de purificação.” (v. 4). Em outras palavras, a impureza é definida em relação ao santuário (o tabernáculo) e, mais importante, em termos de aceitabilidade dentro da comunidade de adoração.
O sentido de impureza, portanto, é compreendido à luz do objetivo da aliança e da Criação: a adoração a Deus. Assim como o homem e a mulher, após caírem no pecado, foram expulsos da presença de Deus no Jardim do Éden (Gn 3.23-24), aquele que está impuro não pode comparecer diante de Deus em Seu santuário.
O autor, portanto, apresenta aqui uma chave para compreender a noção de pureza e impureza abordada no restante do livro. A impureza implicava que a pessoa estava impossibilitada de participar da vida de adoração da comunidade da aliança. Em Levítico 12, o destaque dado ao parto na discussão sobre purificação está ligado à sua estreita conexão, no Pentateuco, tanto com a bênção da descendência prometida da mulher (Gn 3.15) quanto com a maldição do pecado manifestada nas dores de parto (Gn 3.16).
Além da dieta e da purificação depois do parto da mulher, Israel deveria observar medidas rigorosas de purificação e reclusão para pessoas e objetos que apresentassem sinais de contaminação, conforme descrito em Levítico 13.1–14.57. Essas regulamentações destacavam o zelo pela pureza cerimonial, pela saúde da comunidade e pelo compromisso com a santidade divina em todos os aspectos da vida cotidiana.
1) Afecções de pele e reclusão cerimonial (Levítico 13.1-46)
A presença de afecções (alterações patológicas) de pele, ao ser confirmada por um sacerdote, exigia medidas específicas de purificação ou reclusão:
2) Objetos contaminados por mofo (Levítico 13.47-59)
Artigos como tecidos e superfícies que apresentassem mofo persistente deveriam ser inspecionados por um sacerdote. Caso confirmada a contaminação, o objeto precisava ser destruído.
3) Purificação de pessoas e casas (Levítico 14.1-53)
Regulamentos específicos tratavam da purificação de pessoas curadas e da limpeza de casas afetadas:
Sacrifícios expiatórios e dedicatórios deviam ser realizados após o certificado sacerdotal de cura (14.1-32). A cerimônia das duas aves simbolizava a expiação dos pecados e a libertação da condição impura (14.1-7). A restauração total envolvia prova de cura, aplicação do sangue expiatório e do óleo da consagração, além de uma dedicação renovada ao SENHOR (14.8-32).
Regulamentos de purificação de casas contaminadas por mofo incluíam: a inspeção sacerdotal, a remoção e substituição do material contaminado, como também a mesma cerimônia de purificação exigida para doenças de pele (14.33-53).
4) Conclusão e propósito (Levítico 14.54-57)
A seção é concluída com um resumo que reforça a importância dessas medidas para preservar a santidade do povo de Israel. As regulamentações destacam que a santidade exigida pelo Senhor abrangia a pureza cerimonial, a saúde comunitária e o cuidado com os detalhes do cotidiano.
Levítico 14.54-57 (NVT)
54“Essas são as instruções para lidar com a lepra, incluindo feridas de sarna, 55com manchas de mofo sobre peças de roupa ou numa casa, 56e com inchaços, erupções ou descolorações da pele. 57Esse procedimento determinará se a pessoa ou objeto está cerimonialmente puro ou impuro.
“Essas são as instruções a respeito da lepra e do mofo”.
John Sailhamer, com sua habilidade característica, destaca que mais uma vez encontramos aqui ecos dos primeiros capítulos de Gênesis. Assim como a pele do homem e da mulher foi o foco de culpa e vergonha no momento da Queda (ou seja, por estarem “nus”; Gn 3.7), agora Moisés relata o horror gráfico das doenças de pele descritas em Levítico para simbolizar o estado de impureza de uma pessoa diante de um Deus santo.
Seguindo essa linha de interpretação, é significativo observar que, nas narrativas de Gênesis, Adão e Eva, após pecarem, sofreram consequências semelhantes às da pessoa considerada impura em Levítico. Quem era declarado impuro, enquanto durasse a lepra, deveria viver “isolado, fora do acampamento” (Lv 13.46). De modo paralelo, Gênesis relata que, quando Adão pecou, “o Senhor Deus os expulsou do jardim do Éden” (Gn 3.23-24). Essas conexões sublinham o tema da separação de Deus por causa do pecado e da impureza.
John Sailhamer destacou que vários elementos no relato do Dilúvio em Gênesis possuem paralelos significativos com o texto de Levítico 14. Por exemplo:
A importância desses paralelos está na maneira como revelam o propósito maior e a intenção do autor do Pentateuco. Ao conectar as regulamentações da aliança dadas a Israel com os padrões das narrativas iniciais de Gênesis, o autor demonstra que essas práticas ritualísticas refletem os mesmos objetivos e intenções que Deus tem para toda a humanidade, em todas as épocas e lugares.
O pecado e sua contaminação do culto e da comunhão com Deus precisam ser tratados conforme o método estabelecido por ele. Assim como o Dilúvio foi necessário para purificar a boa criação de Deus do mal que a corrompia, as lavagens rituais eram uma parte essencial para conter a disseminação do pecado e de suas consequências na comunidade da aliança. Essas práticas representavam o cuidado contínuo de Deus para restaurar a santidade em meio ao seu povo.
IV — Secreções Corporais
Israel precisava observar também regras rigorosas de higiene corporal para preservar a pureza cerimonial, conforme descrito em Levítico 15.1-33. Essas normas envolviam tanto homens quanto mulheres, abordando diferentes tipos de fluxos ou emissões corporais, sempre com a exigência de lavagem ritual e sacrifícios apropriados.
As emissões masculinas, por exemplo, requeriam medidas específicas:
As emissões femininas, tanto as menstruais quanto as crônicas, seguiam normas igualmente detalhadas:
O propósito dessas regulamentações era claro: preservar a santidade do povo de Israel e evitar que a impureza contaminasse o santuário do SENHOR (15.31-33):
Levítico 15.31-33 (NVT)
31“Agindo assim, você manterá os israelitas separados da impureza cerimonial. Do contrário, eles morreriam, pois sua impureza contaminaria meu tabernáculo que está no meio deles. 32Essas são as instruções referentes a qualquer pessoa que tenha um fluxo que sai do corpo, seja um homem que está impuro por expelir sêmen 33ou uma mulher durante sua menstruação. Aplicam-se a qualquer homem ou mulher que tiver fluxo e ao homem que tiver relações sexuais com uma mulher cerimonialmente impura”.
Pois bem, sobrevoamos Levítico 11 a 15 e contemplamos o panorama geral dessas regulamentações. Agora, a pergunta é: e daí? O que fazemos com essas leis hoje? Devemos, então: 1) Deixar de comer carne de porco, camarão, peixe de couro e presunto? 2) Tratar com o mesmo rigor as mulheres em ciclo menstrual ou de resguardo? 3) Excluir pessoas com doenças de pele de nossos cultos? 4) Demolir casas afetadas por mofo? 5) Considerar marido e mulher impuros até o entardecer após um momento de intimidade?
E aí?
Essas perguntas são legítimas e refletem um desafio que todos enfrentamos ao interpretar textos do Antigo Testamento, sobretudo esses da lei cerimonial de Israel. No entanto, é crucial lembrar que essas regulamentações estavam inseridas em um contexto específico: a antiga aliança. Essas leis, portanto, tinham um propósito pedagógico e simbólico: ensinar a santidade de Deus e a necessidade de pureza em cada aspecto da vida, segundo a vontade revelada de Deus em sua Palavra — e tudo apontando para Cristo.
Como aplicar hoje?
No Novo Testamento, vemos uma mudança significativa em relação a essas leis:
Cristo cumpriu a Lei
Jesus afirmou que não veio abolir a Lei, mas cumpri-la (Mateus 5.17). Ele é o cumprimento das exigências cerimoniais e morais da Lei. Por meio dele, o sistema de sacrifícios e purificações foi substituído por uma nova aliança baseada no sangue do seu sacrifício perfeito (Hebreus 10.1-10).
Cristo provê purificação
No período da antiga aliança, Deus forneceu orientações específicas para que as pessoas se tornassem limpas diante dele, seguindo regras e ritos detalhados de purificação cerimonial. No entanto, no período da nova aliança, é Jesus quem nos purifica de maneira plena e definitiva. Ele não apenas cumpre os requisitos da Lei, mas também redefine a ideia de pureza, ligando-a ao coração e à comunhão com Ele.
Jesus descreveu nossa salvação em termos de uma lavagem espiritual. Apocalipse 7.14 (NVT): “Lavaram e branquearam suas vestes no sangue do Cordeiro.” Outro exemplo poderoso disso aconteceu certa noite, em uma sala no andar superior, em Jerusalém, quando ele lavou os pés de seus apóstolos. Esse ato, aparentemente simples, estava carregado de significado.
Pedro, surpreso e relutante, resistiu a permitir que Jesus lavasse seus pés, pois essa era uma tarefa destinada aos escravos. No entanto, Jesus respondeu com palavras marcantes: “Se eu não os lavar, você não terá comunhão comigo” (João 13.8).
Com isso, Jesus deixou claro que a purificação necessária para estar em comunhão com ele e fazer parte de seu reino não dependia de rituais externos ou esforços humanos. É ele quem torna seus seguidores limpos, estabelecendo uma nova forma de relacionamento com Deus, centrada na graça e na submissão à obra redentora dele.
Cristo transformou o significado de pureza cerimonial
No que diz respeito à pureza alimentar, Jesus foi claro ao declarar que nenhum alimento torna a pessoa impura espiritualmente. Ele disse: “Vocês também ainda não entendem? […] Não percebem que a comida que entra no corpo não pode contaminá-los? O alimento não vai para o coração, mas apenas passa pelo estômago e vai parar no esgoto. (Ao dizer isso, declarou que todo tipo de comida é aceitável.)” (Marcos 7.18-19).
Com isso, Jesus deslocou o foco das regulamentações externas para a condição interna, enfatizando que a verdadeira pureza está no coração, e, de lá, naquilo que pensamos, falamos e fazemos. Essa ideia é reforçada em Atos 10, quando Pedro, em uma visão, vê um lençol descendo do céu, contendo todos os tipos de animais, puros e impuros segundo a lei. Ele ouve a ordem de Deus para matar e comer, mas hesita, afirmando nunca ter comido algo impuro. A resposta de Deus é significativa: “Não chame de impuro o que Deus purificou” (Atos 10.15).
Essa visão não apenas reafirma que a pureza alimentar cerimonial não era mais uma exigência, mas também simboliza a inclusão de todos os povos no plano redentor de Deus, rompendo as barreiras entre judeus e gentios. Assim, a mensagem é clara: a pureza diante de Deus não depende do que consumimos, mas de um coração transformado pela graça de Cristo.
A santidade interior e ética relacional
A santidade continua sendo um chamado essencial para o povo de Deus, mas na nova aliança, ela é entendida de forma mais profunda, centrada no coração e nas ações (que brotam desse coração transformado). O apóstolo Pedro reforça essa verdade ao citar a ordem divina cá de Levítico: “Sejam santos, porque eu sou santo” (1Pe 1.15-16).
Essa santidade não está mais ligada a regulamentos cerimoniais ou rituais externos, mas ao reflexo do caráter de Deus em nossa vida diária. Somos chamados a exibir sua santidade em nossas atitudes, palavras e comportamentos, demonstrando integridade, amor e justiça em tudo o que fazemos.
A verdadeira santidade, portanto, não é apenas uma aparência de pureza, mas uma transformação que começa no coração, fruto da ação do Espírito Santo em nós. Ela nos conduz a viver de forma coerente com os valores do reino de Deus, separando-nos do pecado e consagrando-nos a ele em todos os aspectos da vida.
E DAÍ?
Realmente, não precisamos seguir literalmente as leis cerimoniais de Levítico — aliás, segui-las hoje seria um sacrilégio com a obra definitiva de Cristo —, pois tais leis pertenciam a uma aliança específica. Contudo, os princípios subjacentes permanecem relevantes:
A pureza ainda importa. Somos chamados a buscar uma vida limpa diante de Deus, evitando tudo o que corrompe nossa mente, corpo e espírito (2Co 7.1). A forma de discernir o que evitar é por meio do conhecimento da palavra de Deus. É a Bíblia que nos ensina o que é e o que não é aceitável, o que pode e o que não pode. Foi assim no Éden, em relação às árvores do jardim. Foi assim na aliança do Sinai, com as instruções sobre o que era puro e impuro diante do Senhor. E é assim na nova aliança, com a revelação completa do Novo Testamento, que nos aponta para Cristo — o caminho, a verdade e a vida. Nele encontramos a vida pura e plena que somos chamados a viver.
A santidade ainda importa. Somos chamados a ser santos, separados do modo de vida dos que não creem. Isso significa que nos alimentamos de algo que eles não consomem: Cristo. É de Cristo que nos fartamos, seja na mesa da ceia do Senhor, na leitura da Palavra, nos cultos dominicais ou em cada momento do restante da semana. Cristo é a nossa comida. Não nos alimentamos do que o mundo oferece, nem vivemos da glória dos homens. Somos, sim, nesse ponto, muito restritos. Nossa verdadeira comida é fazer a vontade de Deus. Nossa comida é Cristo. E o que nos alimenta — Cristo! — nos torna santos, distintos do mundo. É ele quem nos sustenta, transforma e nos separa para vivermos para a glória de Deus.
O pecado ainda é coisa séria. Talvez nos perturbe o fato de que mulheres em resguardo precisassem ser afastadas da comunhão nas reuniões do povo por dezenas de dias. Isso, entretanto, acontece porque muitas vezes não percebemos o que estava sendo declarado naquele contexto: tratava-se de uma representação da transmissão do pecado. A mãe era considerada cerimonialmente impura porque dava à luz outro pecador em Adão — um lembrete humilhante da realidade do pecado herdado. Como expressa o salmista: “Em pecado me concebeu minha mãe” (Sl 51.5). Essas instruções apontavam para a necessidade de purificação e graça, destacando a fragilidade humana diante da santidade de Deus e a dependência de sua misericórdia. Joel Beeke escreveu:
Embora o parto tornasse as mães cerimonialmente impuras, pois os filhos nasciam pecadores, havia sacrifícios estabelecidos para lidar com o pecado e restaurar a mãe à comunhão. Quão maravilhosamente isso aponta para o nascimento de Alguém que seria sem pecado e que se ofereceria como o sacrifício para restaurar pecadores a um Deus ofendido. Alegremo-nos, pois Cristo veio, nascido de uma mulher e sob a Lei, para salvar pecadores como nós de nossos pecados — tanto os atos pecaminosos quanto o pecado original.
A respeito dos fluxos corporais, em Levítico 15, Beeke sublinhou:
As emissões corporais mencionadas fazem parte do curso normal da vida e não refletem o relacionamento pessoal ou a posição do indivíduo diante de Deus. Internamente, uma pessoa poderia estar em retidão com Deus, mesmo estando cerimonialmente impura e, por isso, proibida de participar dos rituais públicos de adoração. Essas leis eram lições objetivas e vívidas de verdades espirituais.
Os fluxos provenientes dos órgãos de procriação nos lembram da nossa queda em Adão e Eva, assim como da transmissão do pecado a nós e a nossos descendentes. O pecado é interno e brota de nossa natureza, como declara o Salmo 51.5. Ele frequentemente é secreto, como observado nos Salmos 19.12 e 90.8.
Mas, diante de tudo isso, o que Deus considera essencial? Jesus responde em Mateus 5.8: “Bem-aventurados os puros de coração, pois verão a Deus.”
O amor com o próximo sempre importa. A exclusão de pessoas doentes no contexto de Israel visava também a proteger a comunidade. Hoje, somos chamados a tratar o próximo com dignidade, amor e cuidado, mesmo em situações difíceis (Gl 6.2). Os sacerdotes tinham a responsabilidade de discernir cuidadosamente o estado de um possível leproso, dedicando tempo e tomando precauções para emitir seus julgamentos. Eles precisavam examinar pacientemente, observar o desenvolvimento da situação, esperar o tempo necessário e chegar a conclusões baseadas em evidências claras. Esse é um princípio valioso para nós ao lidarmos com as falhas ou limitações dos outros. O amor, como descrito em 1Coríntios 13.4-7, “não suspeita mal”, e Zacarias 7.10 nos exorta a não pensar mal do próximo. Somos chamados a agir com paciência e amor, presumindo sempre o melhor sobre as pessoas até que fatos concretos nos levem a pensar de outra forma. Assim como os sacerdotes evitavam julgamentos precipitados, também devemos exercer graça e cautela, refletindo o coração de Deus em nossas interações com os outros.
Deus ainda se importa com cada aspecto da nossa vida, não apenas com o que acontece no culto, mas também com o modo como vivemos em casa, no trabalho, na cozinha e sala de jantar, no quarto e nas relações interpessoais. Portanto, em vez de aplicarmos essas leis à letra, somos chamados a olhar para elas através da lente de Cristo. Elas nos ensinam sobre a santidade de Deus, o zelo pelo cuidado comunitário e o chamado para sermos um povo separado, vivendo para sua glória em todos os aspectos da vida.
S.D.G. L.B.Peixoto
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Pureza
Pr. Leandro B. Peixoto