08.03.2017
CORAGEM
Salmo 23
Salmo de Davi.
1 O SENHOR é meu pastor, e nada me faltará. 2 Ele me faz repousar em verdes pastos e me leva para junto de riachos tranquilos. 3 Renova minhas forças e me guia pelos caminhos da justiça; assim, ele honra o seu nome. 4 Mesmo quando eu andar pelo escuro vale da morte, não terei medo, pois tu estás ao meu lado. Tua vara e teu cajado me protegem. 5 Preparas um banquete para mim na presença de meus inimigos. Unges minha cabeça com óleo; meu cálice transborda. 6 Certamente a bondade e o amor me seguirão todos os dias de minha vida, e viverei na casa do SENHOR para sempre.
Coragem para confiar
A primeira parte do verso 4 é o nosso texto para hoje. Diz assim:
Mesmo quando eu andar pelo escuro vale da morte, não terei medo, pois tu estás ao meu lado.
Se há qualquer coisa de que a ovelha mais necessite é de coragem – mas não coragem de lutar. A ovelha não consegue lutar. Nada tem com que lutar. Falta-lhe habilidade, agilidade, garras, presas, força… falta-lhe tudo para lutar. De fato, a ovelha é o animal mais inofensivo do mundo doméstico. Por que, então, a ovelha precisa de coragem?
A ovelha poderia ter a coragem de um leão e continuar a ser totalmente inofensiva diante de uma galinha, por exemplo. A ovelha precisa de coragem, não para lutar contra um leão, mas para confiar no pastor. Pois, mesmo que tivesse coragem para lutar contra um lobo, ela seria tão ridícula quanto um chihuahua (15 a 23 cm; 1,5 a 3 kg) ou um pinscher (25 a 30 cm; 4 a 5 kg) que tem coragem de enfrentar, rosnar, latir e até partir para a briga contra um enorme rottweiler (61 a 69 cm; 50 a 60 kg), mas sem chance, pobre coitado!
A ovelha precisa de contagem para confiar. Agora, coragem para confiar é mais difícil do que coragem para enfrentar. Quer ver?
Em quais condições você se sente mais seguro? Quando tem força e munição o bastante para enfrentar determinada situação, ou quando se sente fraco, mas pode contar com alguém mais forte e preparado do seu lado? No meu caso, sempre é mais fácil quando eu mesmo tenho a força e as condições. Combater é muito mais fácil do que confiar. Enfrentar é muito mais fácil do que se entregar com fé.
Outra coisa: note o quanto as pessoas, na medida em que vão perdendo força e saúde, capacidade e dinheiro, vigor e virilidade; à medida que elas envelhecem, vão ficando cada vez mais desencorajadas, mais amedrontadas. Por quê? Porque confiar e se entregar, mesmo quando se trata de Deus, não é tarefa fácil para ninguém. Como seria bom se realmente crêssemos no que Paulo disse aos coríntios:
2Co 12.8-10 | 8 Em três ocasiões, supliquei ao Senhor que o removesse [espinho na carne], 9 mas ele disse: “Minha graça é tudo de que você precisa. Meu poder opera melhor na fraqueza”. Portanto, agora fico feliz de me orgulhar de minhas fraquezas, para que o poder de Deus opere por meu intermédio. 10 Por isso aceito com prazer fraquezas e insultos, privações, perseguições e aflições que sofro por Cristo. Pois, quando sou fraco, então é que sou forte.
A verdade, povo querido, é a seguinte: diante dos ferozes inimigos que temos dia e noite às portas de nossos corações — i.e.: o mundo com as suas pressões para nos conformarmos aos seus padrões sociais ímpios; a carne com a sua inclinação para a prática do mal e com a conexão que ela faz com essa era maligna; e o diabo com a sua astúcia para penetrar e agir em todas as esferas da vida, nas quais lhes abrimos espaço (cf., p.ex., Ef 2.1-3) — nada temos em nós mesmos com o que possamos golpear essas investidas malignas. Somos apenas ovelhas inofensivas e, a menos que o Pastor se encarregue de nossos inimigos, podemos ficar certos que seremos massacrados em algum lugar do deserto da vida.
Ora, é nessa altura das coisas que o Senhor Jesus Cristo surge e se oferece, a cada crente, como Bom Pastor, suficientemente apto para toda emergência e perigo na vida. O que se requer de nós, ovelhas de seu pasto, é tão-somente coragem para confiar e dizer: “Mesmo quando eu andar pelo escuro vale da morte, não terei medo, pois tu estás ao meu lado”.
O escuro vale da morte
O escuro vale da morte, por mais paradoxal que pareça, é prova do amor do pastor pela vida de suas ovelhas. Observe o que Phillip Keller, homem experiente na arte de pastorear rebanhos ovinos, escreveu sobre a prática dos bons pastores de ovelhas em Israel. A sua narrativa é importantíssima para a nossa compreensão do Salmo 23.
As longas caminhadas para as regiões montanhosas em busca de pastagens de verão iniciam-se aqui. Para trás ficam as ovelhas negligenciadas, do outro lado da cerca. O criador delas nada conhece a respeito das colinas – as campinas das montanhas, às quais as ovelhas devem ser levadas durante o escaldante período de verão. As ovelhas do bom pastor passarão o verão em contato íntimo com ele, recebendo seus cuidados; as outras sofrerão com o tempo de seca.
Na Palestina é muito comum a prática de dividir o ano em dois períodos de atividades. A maioria dos bons criadores esforça-se para levar o rebanho às pastagens distantes durante o verão. Em muitos casos, isso implica em longas caminhadas. As ovelhas movem-se lentamente, pastando à medida que avançam, caminhando para o alto, seguindo o trilho deixado pela neve derretida nos picos dos montes para onde elas estão sendo encaminhadas. No fim do verão, já se encontram bem no alto, nos remotos campos alpinos, acima da linha das florestas.
Mais tarde, com a aproximação do outono, as primeiras neves acumulam-se nos picos mais elevados, forçando o rebanho a descer para lugares baixos. Por fim, já no fim do ano, passado o outono, as ovelhas são conduzidas para a fazenda, onde permanecem durante todo o inverno… E é bom lembrar que tudo isso se passa contra um fundo dramático de montanhas agrestes, rios de correnteza forte, altos campos, e pastagens em terrenos elevados.
O salmista Davi, naturalmente, conhecia este tipo de terreno, numa experiência de primeira mão. Quando Samuel foi enviado para ungi-lo rei de Israel, ele não se encontrava em casa, com os irmãos, na fazenda. Achava-se nas colinas, nas pastagens altas, vigiando o rebanho de seu pai. Tiveram que mandar chamá-lo para vir até em casa. Não admira que soubesse descrever com tanta clareza e precisão o relacionamento entre a ovelha e seu pastor.
Ele conhecia, por experiência própria, todas as dificuldades e perigos, bem como as alegrias, da caminhada pelas montanhas. Várias vezes ele subiu para os pastos superiores com suas ovelhas. Conhecia aquela região agreste e maravilhosa, como a palma de sua mão. Nunca levava o rebanho a um lugar onde ele próprio não tivesse estado antes. E sempre seguia na frente para examinar o local detidamente.
Estava familiarizado com os perigos dos rios turbulentos na cheia; avalanches de terras e de pedras; plantas venenosas; a fúria dos animais predadores que atacavam o rebanho; além das possíveis tempestades de granizo e neve. Ele cuidava das ovelhas com grande cuidado em meio a essas condições adversas, e as conduzia muito bem. Nada o tomava de surpresa. Estava perfeitamente preparado para defender seu rebanho e cuidar dele com habilidade, sob quaisquer circunstâncias.
Tudo isso está refletido na belíssima simplicidade de nosso versículo. Há neles uma grandeza, uma tranquilidade e uma segurança, que deixam a alma em completo repouso; por isso ele pode dizer: “Mesmo quando eu andar pelo escuro vale da morte, não terei medo, pois tu estás ao meu lado” – ao meu lado em cada situação, provação sombria, frustração ou problema inquietante.
A ovelha precisa dos pastos da montanha. Lá elas se alimentam do melhor que há em termos de forragem para o animal. A pergunta para nós, portanto, é a seguinte: por que o pastor leva a ovelha para o pico da montanha passando pelo vale escuro da morte (heb.: escuro como a morte, o vale mais escuro, à sobra da morte, a porta da morte)? Não há outro caminho mais seguro? Não existe outra possibilidade? Parece que não!
Permitam-me apresentar para você pelo menos três motivos que fazem o pastor levar a ovelha para o topo da montanha, passando pelo vale escuro da morte.
1. Toda montanha tem seus vales
Na vida cristã, falamos muitas vezes em “entrar na presença de Deus”, “buscar a presença de Deus” e assim por diante. O que tudo isso significa, se não “subir para os montes altos com Deus”? Afinal, como ansiamos viver acima dos lugares baixos desta vida! Não é mesmo?
Davi coloca tudo isso, noutro salmo, da seguinte maneira:
Sl 27.8 | Meu coração ouviu tua voz dizer: “Venha e entre na minha presença”, e meu coração respondeu: “SENHOR, eu irei!”.
Nascemos para viver na presença de Deus. O coração sofre quando lá nós não estamos. Para tanto, precisamos subir, figurada e espiritualmente falando, precisamos de buscar as coisas do alto. Paulo colocou da seguinte forma:
Cl 3.1-3 | 1 Uma vez que vocês ressuscitaram para uma nova vida com Cristo, mantenham os olhos fixos nas realidades do alto, onde Cristo está sentado no lugar de honra, à direita de Deus. 2 Pensem nas coisas do alto, e não nas coisas da terra. 3 Pois vocês morreram para esta vida, e agora sua verdadeira vida está escondida com Cristo em Deus.
Assim como a corça e o cervo, nossos pés foram feitos para andar nos lugares altos (Hc 3.19) e o Senhor é quem torna ágeis os nossos pés e nos sustenta lá nas alturas de sua presença (Sl 18.33). Quando não conseguimos experimentar esses lugares elevados, invejamos aqueles que ascenderam às alturas espirituais e desfrutam dessa vida sublime.
Muitas vezes, porém, temos uma ideia errônea de como isso pode tornar-se realidade. Imaginamos que, de repente, num passe de mágica, nós somos “içados” ou “puxados” para esse lugar alto. Mas tal não acontece na difícil estrada da vida cristã. Assim como se dá na criação de ovelhas, também sucede com o povo de Deus: nós só chegamos aos lugares altos subindo pelas encostas dos vales (vales: um planalto entre duas montanhas).
Toda montanha tem seus vales. As suas encostas são marcadas por barrancos erodidos, valas e penhascos perigosos, e muitas depressões no terreno. Só que a melhor rota para se chegar ao alto é justamente a que percorre os vales. Qualquer pastor familiarizado com as campinas das montanhas sabe disso. Por isso que ele guia seu rebanho mansa mas persistentemente montanha acima, pelas trilhas que atravessam aqueles vales escuros.
Agora, devemos notar que esse verso afirma o seguinte: “Mesmo quando eu andar pelo escuro vale da morte”. Não diz que o vale é o fim da viagem, que eu morro nele nem que eu paro nele — mas, sim, que o atravesso. Phillip Keller observa que
É comum usar-se este texto para consolar aqueles que estão passando pelo vale escuro da morte. Mas, mesmo nesta situação, para o filho de Deus, a morte não é um fim, mas a porta de acesso a uma vida mais elevada, a uma vida superior de íntimo contato com Cristo. A morte é apenas um vale escuro que dá para o monte do gozo eterno com Deus. Não é um fato a ser temido, mas uma experiência pela qual passamos no caminho para chegar a uma vida mais perfeita no alto. O Bom Pastor sabe disso. É uma das razões por que ele disse: “estou sempre com vocês, até o fim dos tempos” (Mt 28.20).
Toda montanha tem seus vales. Não há atalhos. O acesso aos lugares altos da presença de Deus passa, inevitavelmente, pelo vale de dores, de tribulações e até de morte. Há, porém, promessa de consolo e de restauração. Olhe o que João recebeu de revelação do Senhor:
Ap 7.13-17 | 13 Então um dos anciãos me perguntou: “Quem são estes vestidos de branco? De onde vieram?”. 14 Eu lhe respondi: “Senhor, tu sabes”. E ele disse: “São aqueles que vieram da grande tribulação (do grande sofrimento). Lavaram e branquearam suas vestes no sangue do Cordeiro. 15 Por isso estão diante do trono de Deus e dia e noite o servem em seu templo. E aquele que se senta no trono lhes dará abrigo. 16 Nunca mais terão fome, nem sede, e o calor do sol nunca mais os queimará. 17 Pois o Cordeiro que está no centro do trono será seu Pastor. Ele os guiará às fontes de água viva, e Deus enxugará de seus olhos toda lágrima”.
Toda montanha tem seus vales de subida gradativa até o topo.
2. Os vales têm água fresca
Os vales não são apenas os caminhos de subidas mais gradativas até o topo, mas também os que apresentam melhor suprimento de água. Neles encontramos água fresca por todo o percurso. Há rios, regatos, fontes e lagunas calmas nas valas mais profundas do caminho.
Durante os meses quentes de verão, à caminho dos pastos dos picos dos montes, as longas caminhadas podem ser cansativas. Os rebanhos sentem sede intensa. No entanto, como eles se alegram pelos frequentes bebedouros encontrados ao longo da estrada pelo vale, nos quais podem se refrescar e matar a sede.
Como crentes, descobrimos, mais sedo ou mais tarde, que é nos vales da vida que encontramos as melhores águas da parte de Deus. É caminhando com ele através dos profundos vales das dificuldades que aprendemos a encontrar nele, em doce comunhão com ele, na palavra dele, refresco para a alma ressecada. Observe trechos do Salmo 119:
Sl 119.50 | Tua promessa renova minhas forças; ela me consola em minha aflição.
Sl 119.92 | Se tua lei não fosse meu prazer, eu teria morrido em meu sofrimento.
Sl 119.107 | Sofri muito, ó SENHOR; restaura minha vida, como prometeste.
Sl 119.153 | Vê meu sofrimento e livra-me, pois não me esqueci de tua lei.
Nos vales é que encontramos as águas mais frescas.
3. Nos vales encontramos pastagens
A terceira razão pela qual o criador prefere levar o rebanho para a montanha, passando pelo vale, é que, geralmente, lá se encontram, ao longo da rota, as mais ricas fontes de alimento e a melhor forragem.
Apesar de todos os perigos dos vales – tempestades súbitas, inundações bruscas, avalanches de pedras, deslizamento de neve ou de terra, animais felinos e serpentes – esse ainda é o melhor caminho para conduzir o rebanho ao monte, pois é nesse vale que a relva cresce melhor. Os vales são frutíferos. Nos vales o crente se robustece espiritualmente.
Como atravessar o vale escuro da morte
Pois bem, nosso destino são os lugares altos da presença de Deus. Assim como toda montanha tem seus vales, aprendemos no Novo Testamento que a tribulação é o caminho inevitável para a glorificação. No vale, porém, nós podemos beber da água fresca da palavra de Deus e nos saciar com a doce comunhão do Senhor Deus Trino que adoramos: o amor de Deus Pai, a graça de Deus Filho e a consolação de Deus Espírito Santo.
A questão, portanto, não é se pelo caminho nós encontramos muitos ou poucos vales. Não é, tampouco, se esses vales são escuros ou se estão apenas obscurecidos pelas sombras. A questão é: como atravessá-los? Davi nos indica como, observe (Sl 23.4):
Mesmo quando eu andar pelo escuro vale da morte, não terei medo, pois tu estás ao meu lado.
1) Não se espante quando você chegar ao vale: “Mesmo quando eu andar pelo vale escuro da morte”. O vale não é uma opção, mas uma certeza na vida do crente. Davi não diz: “Se eu andar”. Ele diz: “Quando eu andar”. Jesus disse que atravessaríamos os vales (Jo 16.33). Contar os vales como certos poupará você de muitas surpresas ou “decepções” com Deus.
2) Faça do vale um curso intensivo de intimidade com Deus. Note os pronomes de tratamento na primeira e na segunda pessoa: “eu andar” e “tu estás”. Até aqui, até o verso 4, Davi falou de Deus para a sua própria alma ou para outras pessoas – Davi professou fé. Todos os pronomes estavam na terceira pessoa: “ele” – “ele faz isso”, “ele faz aquilo”. Agora, porém, chegando ao vale, o salmista para de falar de Deus para falar com Deus: “Mesmo quando eu andar pelo escuro vale da morte, não terei medo, pois tu estás ao meu lado”. Davi agora ora e fala com Deus.
Quando nós aprendemos com os vales e crescemos na intimidade com Deus, da próxima vez que chegarmos a um vale – e sempre chegaremos lá, teremos água para beber – estaremos mais maduros e mais fortes para a próxima batalha e a próxima e a próxima, até chegarmos no céu. Observe, por exemplo, a experiência dos filhos de Corá:
Sl 84.6-7 | 6 Quando passarem pelo vale do Choro [Baca], ele se transformará num lugar de fontes revigorantes; as primeiras chuvas o cobrirão de bênçãos. 7 Eles continuarão a se fortalecer [eles seguem o caminho de força e força], e cada um deles se apresentará diante de Deus, em Sião.
3) Desfrute ao máximo da única coisa que realmente temos na vida e que realmente vale a pena: a presença de Jesus Cristo – “não terei medo, pois tu estás ao meu lado”. Deus nos leva para os vales para nos ensinar que a única coisa que temos e que realmente vale a pena na vida é Cristo – não são pastos, águas, nada disso… Cristo é tudo. Ele é o tesouro.
4) Tenha fé e siga com coragem a caminhada cristã… confie na condução e na bondade do Bom Pastor. Sim, coragem. Coragem não para enfrentar, mas para confiar, para resistir, para prosseguir, para descansar… seguindo avante, sem medo até o topo. Afinal, se o Senhor é o seu pastor, você poderá dizer aos outros e orar a Deus com fé: “Mesmo quando eu andar pelo escuro vale da morte, não terei medo, pois tu estás ao meu lado.” Meu destino final é o céu. Coragem, povo de Deus! Coragem!
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