16.08.2017
PROVE E VEJA
Salmo 34
[Salmo de Davi sobre a ocasião em que se fingiu de louco diante de Abimeleque, que o expulsou de sua presença.]
A máscara do louco
Uma das lembranças da infância que trago na memória é de minha mãe dizendo: “Eu estou ficando louca!”. Algumas vezes, em simples desabafo com as amigas; noutras ocasiões, aos berros no meio de brigas com meu pai alcoolizado. Era triste, muito triste!
Hoje eu compreendo. Sem saber como agir e temendo pelas consequências de tantos atos desequilibrados tanto dela como do papai, aquela era a sua maneira de se protejer face a tantos conflitos no casamento. Papai bebia e, provocado, agredia; ela berrava e se fingia de louca na tentativa de se proteger. Coisa deprimente, que só entende a profundidade desse pântano de desgraças quem já viveu num contexto assim de tantos desajustes.
Houve um tempo na vida de Davi, como acabamos de ler no título do Salmo 34, quando ele teve que vestir a máscara do louco. Temendo pela própria vida, esse foi o caminho que o homem segundo o coração de Deus encontrou para fugir do perigo. O incidente a que se refere o cabeçalho do salmo está registrado em 1Samuel 21.10 a 22.1.
Contexto do salmo
A situação de Davi deveria estar realmente desesperadora, de outra forma ele jamais escolheria se refugiar na região costeira dos filisteus, pedindo asilo para Aquis, rei de Gate. Afinal, aquela era a capital onde teria morado o principal guerreiro da nação, o mesmo que Davi, com apenas uma funda e uma pedra, havia derrotado em batalha — o gigante Golias. Para piorar, a última parada de Davi, antes de chegar a Gate, foi em Nobe, na casa de Aimeleque. O sacerdote, sem ter outra arma para ceder a Davi, entregou-lhe a espada de Golias, a mesma usada por Davi para degolar o gigante.
Davi, realmente, deveria estar desesperado, pois é com essa espada na mão (ato obviamente muito ofensivo para os filisteus) que ele se apresenta ao rei Aquis, pedindo-lhe socorro e abrigo! O texto diz assim (1Sm 21.8-22.1):
8Davi perguntou a Aimeleque: “Você tem uma lança ou espada? O assunto do rei era tão urgente que não tive tempo nem de pegar uma espada ou outra arma!”. 9O sacerdote respondeu: “Tenho apenas a espada de Golias, o gigante filisteu que você matou no vale de Elá. Está enrolada num pano atrás do colete sacerdotal. Pode levá-la, pois não há nenhuma outra arma aqui”. “Dê-me essa espada”, respondeu Davi. “Não há outra melhor que ela.” 10Então Davi fugiu de Saul e foi até Aquis, rei de Gate. 11Os oficiais de Aquis, porém, disseram: “Não é este Davi, o rei da terra de Israel? Não é a ele que o povo honra com danças e cânticos, dizendo: ‘Saul matou milhares, e Davi, dezenas de milhares’?”. 12Davi ouviu esses comentários e teve muito medo do que Aquis, rei de Gate, poderia fazer com ele. 13Por isso, agiu de modo estranho, fingindo estar louco, arranhando as portas e deixando saliva escorrer pela barba. 14Por fim, Aquis disse a seus homens: “Precisavam me trazer um doido? 15Temos doidos suficientes aqui! Por que trouxeram alguém assim ao meu palácio?”. 22.1Davi fugiu de Gate e se escondeu na caverna de Adulão.
Foi lá, escondido na caverna de Adulão, depois de usar a máscara do louco para se proteger, que Davi escreveu o salmo que nós temos para hoje.
Prove e veja
Fugindo de Saul, Davi saiu do espeto e caiu na brasa de Aquis, rei dos filisteus. Assim tantas vezes é a vida da gente. O pecado nos desgraça de tal maneira que, por vezes além da conta nós, cegos pelo desespero, ficamos sem saber o que fazer diante dos problemas que nós mesmos criamos ou dos pecados dos outros contra nós; a fé se evapora e nos desesperamos, agindo, literalmente, como loucos. Foi assim com Davi e é assim com muitos de nós hoje, aqui e agora. Não é verdade?
Pense nas decisões erradas e intempestivas que tomamos, buscando fugir de um problema; as atitudes escandalosas e inconsequentes que assumimos, tentando resolver um conflito; os gritos, os berros, as guerras de palavras, as fugas, as vinganças, enfim… quantas vezes, no impulso e sem fé, como Davi, nós saímos do espeto e caímos na brasa!
Graças a Deus, porém, que ele é mestre em pegar nossas cinzas e transformá-los em belíssimas obras de arte, em vasos de honra. O Senhor sabe como ninguém como transformar nossas desgraças em vida abundante e cheia de graça.
Davi ficou tão impressionado com a forma como Deus cuidou dele e o protegeu, que lá na caverna de Adulão, em vez de se revirar na lama da autopiedade (“Pobre de mim, veja o que fizeram comigo!”) ou de se engasgar com mais desespero ainda (“Meu Deus, e agora, o que será de mim?”), afinal, leia a história em 1Samuel 22 e veja o tipo de gente que foi para lá se encontrar e conviver com ele — era gente “aflita, endividada e descontente” e “Davi acabou se tornando líder de cerca de 400 homens”… em vez de lamentar ou se desesperar, Davi decidiu parar e pensar na proteção de Deus.
Foi nesse contexto que nasceram os salmos 34 e 56. O 56 é a oração de Davi enquanto esteve preso em Gate e o 34 é a canção de Davi, lá na caverna de Adulão, enquanto ele refletia sobra o livramento do Senhor.
O Salmo 34 pode ser dividido em duas partes bastante evidentes: a primeira (vv. 1-10) narra o testemunho de Davi, acompanhado de palavras de encorajamento para se confiar e louvar o Senhor; a segunda parte (vv. 11-22) forma um conjunto de observações sábias baseadas na experiência do salmista. Charles H. Spurgeon, apropriadamente, chamou a primeira parte de “hino” e a segunda parte de “sermão”.
Para facilitar a nossa trilha através desse salmo, em busca de aprendizado para os momentos quando a vida parece ser sair do espeto e cair na brasa, nós chamaremos a primeira parte de alegrem-se comigo (vv. 1-10) e a segunda de aprendam comigo (vv. 11-22).
1. Alegrem-se comigo
Alegrem-se comigo… louvem o Senhor (vv. 1-3).
1Louvarei o SENHOR em todo o tempo; meus lábios sempre o louvarão. 2Somente no SENHOR me gloriarei; que todos os humildes se alegrem. 3Venham, proclamemos a grandeza do SENHOR; juntos, exaltemos o seu nome.
Quando louvamos a Deus, nós tiramos os olhos de nós mesmos e das circunstâncias; e com olhos fixos em Deus nós nos alegramos na medida em que o exaltamos.
Alegrem-se comigo… busquem o Senhor (vv. 4-7).
4Busquei o SENHOR, e ele me respondeu; livrou-me de todos os meus temores. 5Os que olham para ele ficarão radiantes; no rosto deles não haverá sombra de decepção. 6Clamei ao SENHOR em meu desespero, e ele me ouviu; livrou-me de todas as minhas angústias. 7O anjo do SENHOR é guardião; ele cerca e defende os que o temem.
Que testemunho! Que conjunto abençoado de instruções! Temos aqui uma sequência: 1o problema: medo (v. 4); abatimento no rosto (v. 5); desespero (v. 6); angústia (v. 6); fragilidade e fraqueza (v. 7); 2a oração: buscar (v. 4); olhar (v. 5); clamar (v. 6); 3a libertação: resposta e livramento (v. 4 e 6); 4a transformação: “Os que olham para ele ficarão radiantes; no rosto deles não haverá sombra de decepção” (v. 5).
Alegrem-se comigo… provem do Senhor (vv. 8-10).
8Provem e vejam que o SENHOR é bom! Como é feliz o que nele se refugia! 9Temam o SENHOR, vocês que lhe são fiéis, pois os que o temem terão tudo de que precisam. 10Até mesmo os leões jovens e fortes passam fome, mas aos que buscam o SENHOR nada de bom faltará.
Por que provar? Por que Davi não nos exortou a simplesmente “pensar” ou “lembrar”, por exemplo? Por que ele não usou outro exercício cognitivo qualquer? Sei lá… talvez “meditar”, “estudar”, “refletir”… Por que “provar”?
Quando provamos, nós realmente descobrimos o sabor, o que, convenhamos, é totalmente diferente de quando alguém descreve para nós o que sentiu no paladar. Só conhece realmente quem provou efetivamente. Uma coisa é alguém nos dizer como é o sabor de uma manga, por exemplo, outra bem diferente e muito melhor é nós mesmos chuparmos a manga, provarmos a manga. Provando-a nós a conhecemos melhor, nós experimentamos por nós mesmos, nós nos deliciamos.
Quando provamos, nós não ficamos apenas na abstração do pensamento, mas concluímos que Deus é doce e bom. Além de verdadeiramente conhecer, provando nós saboreamos com prazer, conhecemos e glorificamos a Deus, tudo ao mesmo tempo. Afinal, como John Piper bem definiu, “Deus é mais glorificado em nós quando nós mais nos satisfazemos nele”. Por isso que nós devemos prová-lo, saboreá-lo, e não apenas pensar nele, saber sobre ele, falar dele, entender ou crer que ele existe. Deus precisa ser a nossa delícia, o nosso prazer, a nossa maior alegria. Deus precisa ser provado pelas papilas gustativas da alma.
Mas, como provar do Senhor? Davi dá uma dica: (v. 9) temendo e (v. 10) confiando. Veja de novo:
8Provem e vejam que o SENHOR é bom! Como é feliz o que nele se refugia! 9Temam o SENHOR, vocês que lhe são fiéis, pois os que o temem terão tudo de que precisam. 10Até mesmo os leões jovens e fortes passam fome, mas aos que buscam o SENHOR nada de bom faltará.
Tudo isso, temor e confiança, nascem de nossa imersão na Palavra. Noutro lugar, Davi escreveu assim (Salmo 119):
103Como são doces as tuas palavras; são mais doces que o mel! 104Tuas ordens me dão discernimento; por isso odeio todo caminho falso.
Portanto, você que se encontra na caverna do desespero, você que saiu do espeto e caiu na brasa da aflição… não finja de louco nem dê uma de louco para se proteger e sobreviver. Davi, que esteve nessa rota igualzinha a sua, nos apresenta um caminho melhor. Ele diz: alegrem-se comigo… louvem o Senhor, busquem o Senhor e provem do Senhor.
Mas Davi também diz algo mais… ele diz: aprendam comigo (Sl 34.11-22).
2. Aprendam comigo
Com o verso 11 Davi começa a segunda e última parte desse salmo.
Essa metade (vv. 11-22) possui enormes paralelos com o material de sabedoria que abre o livro de Provérbios (caps. 1–9). Mas tem algo mais… essa seção instrutiva do salmo, esse “sermão” (para usar a forma como Spurgeon definiu esses versículos), nos ensina o que significa provar do Senhor.
Então, como Davi acabou de dizer, se provar do Senhor é temê-lo e nele confiar, o que significa temer e confiar? É disso que Davi trata quando ele diz: aprendam comigo.
Aprendam comigo… temam o Senhor (vv. 11-16).
11Venham, meus filhos, e ouçam-me; eu os ensinarei a temer o SENHOR. 12Quem deseja ter uma vida longa e próspera? 13Refreie a língua de falar maldades e os lábios de dizerem mentiras. 14Afaste-se do mal e faça o bem; busque a paz e esforce-se para mantê-la. 15Os olhos do SENHOR estão sobre os justos, e seus ouvidos, abertos para seus clamores. 16O SENHOR, porém, volta o rosto contra os que praticam o mal; apagará da terra qualquer lembrança deles.
Davi nos informa que temer o Senhor, mais do que uma emoção, significa ação: 1desejar o que é bom (v. 12), 2falar a verdade em amor (v. 13), 3buscar a justiça (v. 14) e 4esperar o melhor de Deus (vv. 15-16). Isso é temer o Senhor. Quem o teme, quem assim vive, prova dele e vê que ele é bom. Pedro, o apóstolo, tanto entendeu e tanto provou que repassou esse ensino, quando escreveu sua primeira carta (1Pe 3.10-12).
Aprendam comigo… confiem no Senhor (vv. 17-22).
Em lugar nenhum neste salmo Davi sugeriu que a vida de fé e de obediência dispensaria o filho de Deus de problemas, pelo contrário (ver v. 4, 6, 17, 19). Agora, o que ele promete, se confiarmos em Deus e o invocarmos, é que o Senhor nos verá através dos nossos problemas, além de torná-los em benção para nós e, através de nós, para os outros. Nesse sentido, a promessa de Deus para aqueles que nele confiam é de cuidado, cuidado emocional, espiritual e físico. Observe:
17O SENHOR ouve os justos quando clamam por socorro; ele os livra de todas as suas angústias. 18O SENHOR está perto dos que têm o coração quebrantado e resgata os de espírito oprimido. 19O justo enfrenta muitas dificuldades, mas o SENHOR o livra de todas elas. 20Pois o SENHOR protege os ossos do justo; nem um sequer será quebrado. 21A calamidade certamente destruirá os perversos, e os que odeiam o justo serão castigados. 22O SENHOR, porém, resgatará os que o servem; ninguém que nele se refugia será condenado.
Prove e vaja
Portanto, para quem saiu do espeto do sofrimento e caiu na brasa da desgraça, Davi diria:
Alegrem-se comigo… louvem o Senhor, busquem o Senhor e provem do Senhor.
Aprendam comigo… temam o Senhor e confiem no Senhor.
Agora, a forma como esse salmo termina nos aponta para Cristo e o Evangelho:
22O SENHOR, porém, resgatará os que o servem; ninguém que nele se refugia será condenado.
A libertação que de fato todo ser humano precisa é do pecado e da justa condenação de Deus. O pecado — a culpa dele advinda e as consequências dele na existência — é o que sempre nos faz experimentar momentos de loucura por causa de tanta aflição.
O pecado, aliás, nos faz, nas palavras de Paulo (Rm 1.22ss.): “Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos…” e criaram ídolos, entregaram-se à impureza sexual, às paixões vergonhosas, tornaram-se injustos… enfim, como diz Paulo (Rm 1.29-32):
29A vida deles se encheu de toda espécie de perversidade, pecado, ganância, ódio, inveja, homicídio, discórdia, engano, malícia e fofocas. 30Espalham calúnias, odeiam a Deus, são insolentes (bisbilhoteiros), orgulhosos e arrogantes. Inventam novas maneiras de pecar e desobedecem a seus pais. 31Não têm entendimento, quebram suas promessas, não mostram afeição nem misericórdia. 32Sabem que, de acordo com a justiça de Deus, quem pratica essas coisas merece morrer, mas ainda assim continuam a praticá-las. E, o que é pior, incentivam outros a também fazê-lo.
O pecado nos torna loucos, prende-nos em sofrimento e nos lança na caverna da aflição; e no final, poderá nos lançar na caverna da condenação eterna. Lugar de onde não terá volta.
Jesus, porém, entrou na caverna do pecado, ele mesmo sem pecado, para nos arrancar de lá; ele experimentou a pior de todas as aflições, sem se enlouquecer, apesar de sofrer algo que nenhum ser humano suportaria sem se enlouquecer e padecer eternamente — i.e., o peso e a angústia do pecado; a ira e a separação de Deus.
Jesus viveu sem pecado, sofreu injustamente, foi pregado na cruz, sofreu e sofreu muito, mas nenhum de seus ossos foi quebrado, conforme profetiza esse salmo (Sl 34.18-20); Jesus morreu e ressuscitou, vencendo a morte e abrindo para nós um novo e vivo caminho de acesso a Deus.
Tudo o que se espera de nós agora é que provemos e vejamos por nós mesmos esse seu amor. Saia, portanto, da caverna do pecado. Viver aí é loucura… depois te tanto sofrer, ainda o levará à condenação eterna.
Saia daí, confesse o seu pecado, o pecado de ter fugido de Deus e se escondido aí. Receba a Cristo pela fé. Creia. Seja salvo. Prove e veja o amor de Deus. Pare de se refugiar na loucura do pecado. Refugie-se em Cristo. Prove e veja que ele é bom.
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