14.02.2018
QUANDO A ALMA FICA ABATIDA
Salmo 42
Ao regente do coral: salmo [salmo didático; em hebraico, maskil] dos descendentes de Corá. 1Como a corça anseia pelas correntes de água, assim minha alma anseia por ti, ó Deus. 2Tenho sede de Deus, do Deus vivo; quando poderei estar na presença dele? 3Dia e noite, as lágrimas têm sido meu alimento, enquanto zombam de mim o tempo todo, dizendo: “Onde está o seu Deus?”. 4Meu coração se enche de tristeza, pois me lembro de como eu andava com a multidão de adoradores, à frente do cortejo que subia até a casa de Deus, cantando de alegria e dando graças, em meio aos sons de uma grande festa. 5Por que você está tão abatida, ó minha alma? Por que está tão triste? Espere em Deus! Ainda voltarei a louvá-lo, meu Salvador e 6meu Deus! Agora estou profundamente abatido, mas me lembro de ti, desde o distante monte Hermom, onde nasce o Jordão, desde a terra do monte Mizar. 7Ouço o tumulto do mar revolto [um abismo chama outro abismo], enquanto suas ondas e correntezas passam sobre mim. 8Durante o dia, porém, o SENHOR me derrama seu amor, e à noite entoo seus cânticos e faço orações ao Deus que me dá vida. 9Clamo: “Ó Deus, minha rocha, por que te esqueceste de mim? Por que tenho de andar entristecido, oprimido por meus inimigos?”. 10Os insultos deles me quebram os ossos; zombam de mim o tempo todo, dizendo: “Onde está o seu Deus?”. 11Por que você está tão abatida, ó minha alma? Por que está tão triste? Espere em Deus! Ainda voltarei a louvá-lo, meu Salvador e meu Deus!
O problema da depressão
Muito se fala em depressão na sociedade atual. Não é para menos, pois estima-se que cerca de 16% da população mundial já sofreu de depressão ao menos uma vez na vida. Os estudos sobre a doença se iniciaram em 1920 e, já na época, foi reportado que as mulheres possuem o dobro de chances do que os homens de se tornarem depressivas.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), até 2020, a depressão será a segunda causa de morte mundial por doença, ficando atrás apenas das doenças cardíacas. No Brasil, 5,8% da população sofre com esse problema, que afeta um total de 11,5 milhões de brasileiros (dados de 2015). Ainda segundo os dados da OMS, o Brasil é o país com maior prevalência de depressão da América Latina e o segundo com maior prevalência nas Américas, ficando atrás somente dos EUA, que têm 5,9% de depressivos.
Como depressão e ansiedade são tópicos diretamente relacionados, vale dizer que o Brasil é recordista mundial em prevalência de transtornos de ansiedade: 9,3% da população sofre com o problema. Ao todo, são 18,6 milhões de pessoas.
Agora, pasmem! Sabemos que o suicídio no Brasil é a segunda maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, só perdendo para mortes por acidentes e outras violências. Espantoso!
Depressão espiritual
O problema da depressão não é de hoje. Sim, ele parece vir se agravando, mas depressão, melancolia, abatimento emocional ou espiritual de qualquer natureza, são mazelas que veem afligindo desde sempre a alma das pessoas. Por exemplo: preocupado com o estado de suas ovelhas, o pastor puritano William Bridge, em 1648, com a habilidade de um verdadeiro médico de almas, pregou uma série de 11 mensagens para a sua congregação em Londres. Os sermões eram endereçados aos cristãos sob os seus cuidados que estavam sofrendo de “depressão espiritual”. Todos eles, baseados no Salmo 42.11 — “Por que você está tão abatida, ó minha alma? Por que está tão triste? Espere em Deus! Ainda voltarei a louvá-lo, meu Salvador e meu Deus!” —, foram publicados com o título “Lifting Up For The Downcast” (tradução livre: Ânimo para os abatidos; ed. Banner of Truth).
Martyn Lloyd-Jones, 300 anos mais tarde (1965), preocupado com seu rebanho em Londres, também pregou uma série de mensagens no mesmo tópico e seus sermões foram posteriormente publicados com o título “Depressão Espiritual: suas causas e cura” (ed. PES).
Interessante é que ambos os pastores foram encorajados a pregar à partir da experiência do salmista, que estava com sua alma profundamente abatida ou deprimida (42.5 e 11; 43.5). E se nós nos aprofundássemos na história da igreja, por exemplo, descobriríamos o quanto é comum encontrar pastores pregando ou escrevendo sobre o tema, tentando lidar com o problema da alma abatida dos cristãos.
Depressão, portanto, não é um problema de hoje, mas de sempre; trata-se de uma realidade por se ser humano, vivendo com todas as consequências do pecado na alma, no corpo e no mundo. Graças a Deus, porém, que nós temos os Salmos 42 e 43, escritos por alguém que estava lidando com o problema da alma que fica abatida ou deprimida espiritualmente, cuja intensão é nos ensinar a atravessar o mesmo vale de dores. Não é à toa, portanto, que se deu a estes salmos o título “maskil” ou “salmo didático” dos filhos de Corá. O salmista quer nos ensinar a enfrentar a depressão, a depressão espiritual.
Salmos didáticos
O Salmo 42, juntamente com o 43, abre o Livro 2 dos Salmos. Nesses salmos, o salmista lamenta suas circunstâncias, pois elas o impediam de comparecer ao templo para adoração. Cada um deles pode ser tomado separadamente, mas geralmente eles são estudados em conjunto, como canção única em três estrofes (42.1-5; 42.6-11; 43.1-5).
Há pelo menos quatro razões que comumente são apresentadas para se tomá-los como uma unidade perfeita: 1eles compartilham o mesmo refrão — “Por que você está tão abatida, ó minha alma? Por que está tão triste?” (42.5 e 11; 43.5); 2ambos possuem versículos quase idênticos (43.2 e 42.9); 3os dois expressam o desejo de retornar à presença de Deus no santuário (42.2 e 43.3-4); e 4o Salmo 43 não possui um sobrescrito ou título — nada há que o introduza ou o identifique, sendo ele o único salmo do Livro 2 que não possui título ou sobrescrito.
Apesar de sua perfeita unidade, tomaremos cada um desses salmos separadamente. Ao Salmo 42, nós daremos os títulos: “Quando a alma fica abatida” e “Cura para a alma abatida”; e ao 43: “Quando o coração está dividido”. Estudaremos hoje e no domingo o 42 e, Deus permitindo, o 43 na próxima quarta-feira.
Por que a alma fica abatida?
Quando a alma da gente fica abatida, a primeira coisa a se fazer é descobrir por que a alma da gente fica abatida. O próprio salmista faz a si mesmo três vezes essa pergunta: “Por que você está tão abatida, ó minha alma? Por que está tão triste?” (42.5; 42.11; 43.5). A cura sempre passa pelo diagnóstico correto. Não se cura ninguém sem que antes se descubra as causas da doença.
Charles Spurgeon, quando pregou aos seus alunos no Colégio de Pastores, falou com propriedade sobre “As crises de desânimo dos ministros” (Lições aos meus alunos, vol. 2, cap. 11; ed. PES). O príncipe dos pregadores introduziu assim o seu assunto:
Sabendo pela mais penosa experiencia o que significa uma profunda depressão de espírito, sendo visitado por ela frequentemente e a intervalos não demorados, achei que poderia ser consolador para alguns dos meus irmãos se partilhasse meus pensamentos sobre isso para que os mais jovens não imaginem que algo estranho lhes acontece quando tomados em alguma ocasião pela melancolia; e para que os mais deprimidos saibam que a pessoa sobre quem o sol está brilhando jubilosamente nem sempre andou na luz.
Daí, a forma como Spurgeon abordou seu tema foi respondendo às seguintes perguntas: “Por que será que os filhos da luz andam às vezes em trevas espessas? Por que será que os arautos da alvorada às vezes se acham numa noite que vale por dez?”. Em outras palavras: não tem como oferecer cura para a alma abatida sem que antes se descubra por que ela está abatida.
Outro notável pastor e pregador do passado, o Dr. John Henry Jowett, em uma carta pessoal a um amigo, escreveu o que segue:
Não quero que você pense que sou santo. Você parece imaginar que não tenho altos e baixos, mas apenas uma condição elevada e inabalável de realização espiritual, com alegria e tranquilidade ininterruptas. De maneira nenhuma! Muitas vezes me sinto completamente desprezível e tudo parece mais escuro. Muitas vezes sinto como se a minha vida religiosa tivesse acabado de começar, como se eu estivesse no jardim de infância. Mas geralmente consigo rastrear esses períodos miseráveis chegando a alguma causa pessoal, e a primeira coisa a fazer é tratar dessa causa, e seguir novamente em direção à luz do sol.
Veja, portanto, que abatimento de alma ou depressão de espírito é um sentimento comum a todos os santos de Deus, grandes e pequenos. Ninguém está imune à praga do sofrimento melancólico que nos abate (do hebraico, abaixar-se, curvar-se), fazendo-nos, como bem escreveu Charles Swindoll, querer “nos dobrar em posição fetal e desistir”.
Felizmente, o salmista não nos deixa no chão. Ele nos aconselha sobre como podemos vencer esses sentimentos em vez de sucumbir a eles. Antes, porém, ele nos revela por que sua alma estava abatida e em que estado ela se encontrava.
1. A alma se abate quando ela fica privada da comunhão com Deus
1Como a corça anseia pelas correntes de água, assim minha alma anseia por ti, ó Deus. 2Tenho sede de Deus, do Deus vivo; quando poderei estar na presença dele?
Alguma coisa forçou a fulga do salmista para o deserto. Talvez fosse perseguição religiosa. Seja como for, pela descrição que faz, ele estava longe de casa e do templo; deveria estar na região do deserto da Judeia, lugar desértico, ermo e pedregoso. Longe de casa, no deserto, o salmista se sente longe de Deus, sente sede de Deus. Sedento de Deus, ele se identifica com a corsa sedenta em busca de água naquela região.
O salmista cria que Deus pode ser buscado e achado em todos os lugares, quando se faz de coração, tanto é que ele está orando a Deus. A questão, no entanto, é que ter sido forçado a sair da comunhão com Deus no templo o deprimiu, o abateu.
Fica ainda mais evidente o porquê, quando consideramos quem eram os filhos de Corá. Segundo o relato de Moisés, eles era bisnetos de Levi, portanto levitas (Nm 16). Cabia aos coraítas o ministério de louvor, bem como guardar as entradas do lugar de adoração (1Cr 19.19ss. e 26.1-6). Portanto, quando se viram forçados a não poderem mais fazer aquilo para o que eles nasceram para fazer — i.e., adorar, eles se abateram.
A alma se abate quando ela fica privada da comunhão com Deus; quando se vê forçada a deixar práticas que nos levam para perto de Deus; quando dela é cortado o suprimento de água viva. Longe dessa comunhão, tudo é deserto e sequidão. A alma morre nesse estado de privação. A alma se abate quando ela fica privada da comunhão com Deus. Alguma coisa tem privado a sua comunhão com Deus?
2. A alma se abate quando se sente abandonada por Deus
Pior do que se sentir privado da comunhão com Deus (ter a fonte interrompida) é sentir que Deus nos abandonou (achar que ele não faz questão de religa-la). Veja…
3Dia e noite, as lágrimas têm sido meu alimento, enquanto zombam de mim o tempo todo, dizendo: “Onde está o seu Deus?”. […] 9Clamo: “Ó Deus, minha rocha, por que te esqueceste de mim? Por que tenho de andar entristecido, oprimido por meus inimigos?”. 10Os insultos deles me quebram os ossos; zombam de mim o tempo todo, dizendo: “Onde está o seu Deus?”.
Observe que distante do local de adoração, o salmista está cercado por incrédulos que o provocavam com o desafio mordaz: “Onde está o seu Deus?”. Esses deboches devem ter causado muita dor no salmista, a ponto dele repetir a mesma expressão duas vezes nesse salmo tão pequeno (vv. 3 e 10).
Nos tempos antigos, quase ninguém era verdadeiramente ateu. O primeiro tipo de ateísmo, conforme nós o conhecemos, veio com a filosofia grega. Então, a provocação não significava que Deus não existisse, mas que Deus havia abandonado o salmista. Era como se eles estivessem dizendo: “Onde está seu Deus quando você mais precisa dele? Onde está seu deus agora? Por que você não o troca pelos nossos deuses?”. De tanto ouvir aquilo, o salmista começou a acreditar: “Onde está o meu Deus que não faz nada para me tirar dessa situação? Por que ele não ouve as minhas orações?”. A alma se abate quando se sente abandonada por Deus.
4. A alma se abate quando se vive preso ao passado
O passado pode ser enorme fonte de encorajamento para o futuro, principalmente quando se consegue contar as inúmeras bênçãos de Deus ao longo da jornada até o presente, com fé e esperança de que o melhor está ainda por vir. O problema com o passado, porém, é quando nós o transformamos numa prisão; como se o melhor já tivesse passado e não voltasse jamais; como se o futuro nunca pudesse ser melhor do que aquilo que já foi vivido no passado. Observe o caso do salmista:
4Meu coração se enche de tristeza, pois me lembro de como eu andava com a multidão de adoradores, à frente do cortejo que subia até a casa de Deus, cantando de alegria e dando graças, em meio aos sons de uma grande festa.
O salmista parece estar usando o passado para se encorajar com o futuro. Sabemos disso pelo que virá nos versos 5 e 11: “Por que você está tão abatida, ó minha alma? Por que está tão triste? Espere em Deus! Ainda voltarei a louvá-lo, meu Salvador e meu Deus!”. Os filhos de Corá não estavam mais conseguindo louvar, mas criam que ainda voltariam a louvar o seu Deus. A história da graça de Deus no passado os fazia crer na graça de Deus para o futuro (vv. 4-5). Esse sim é o jeito correto de se usar o passado.
O problema é que, quando a alma fica abatida, nossa grande tentação é nos aprisionarmos no passado, temendo que o futuro nunca será melhor. Pior ainda é quando a história do passado nada traz de bom como oferta de esperança para o futuro (história de abusos, maus tratos, decepções, etc.) Seja como for, lembre-se sempre: a alma se abate quando se vive preso ao passado.
4. A alma se abate quando um problema nos leva a outro problema
Pior do que enfrentar um problema é se ver em queda livre noutros problemas ainda maiores, decorrentes um do outros. Esse era o caso do salmista: um abismo estava chamando outro abismo na vida dele.
6meu Deus! Agora estou profundamente abatido, mas me lembro de ti, desde o distante monte Hermom, onde nasce o Jordão, desde a terra do monte Mizar. 7Ouço o tumulto do mar revolto [um abismo chama outro abismo], enquanto suas ondas e correntezas passam sobre mim.
O salmista estava lá no extremo norte, onde nasce o rio Jordão, nas cataratas do rio Banias. O Jordão nasce na gruta do Banias e vai descendo através de uma enorme escada natural, cheia de limo, daí a expressão: “um abismo chama outro abismo”. A imagem, portanto, é a do salmista, tentando atravessar o rio, mas ele escorrega e vai se batendo, se batendo e ao se dar conta de estar no fundo das águas e cascatas que por lá correm, lembra-se de seu estado espiritual: escorregando correnteza abaixo, um abismo após o outro, indo cada vez mais para o fundo, enquanto ondas e correntezas passam sobre ele.
A alma se abate quando um problema nos leva a outro problema: um choro leva ao outro, uma dor à outra, uma crise à outra, uma enfermidade à outra, um desespero ao outro ainda maior… A alma se abate quando um problema nos leva a outro problema.
5. A alma se abate quando não tiramos os olhos daqueles que nos feriram
O salmista estava vivendo de abismo em abismo, ele não conseguia mais louvar a Deus, alimentava-se de suas lágrimas e, para piorar as coisas, aqueles que o feriram não saia de sua cabeça. O Salmo 43, sequência do nosso, diz assim logo no começo (v. 1):
Declara-me inocente, ó Deus! Defende-me desse povo mau, livra-me dos falsos e injustos.
Nada de errado em orar dessa forma; aliás, é assim que se deve orar. No entanto, o que o salmista deixa transparecer é que ele não conseguia se livrar das lembranças do que disseram contra a sua pessoa. Ele era inocente e queria que todos soubessem que ele realmente era inocente. Ele não estava conseguindo tirar os olhos daqueles o feriram com falsidades e injustiças.
A alma se abate quando não tiramos os olhos de quem nos feriu.
A alma se abate quando…
Há tanto mais que poderia ser dito sobre os motivos para o abatimento da alma ou depressão espiritual. Spurgeon, por exemplo, aos seus alunos enumerou como causas: 1o simples fato de sermos seres humanos; 2doenças físicas; 3cansaço físico e mental; 4hábitos sedentários; 5peso de responsabilidade sobre os ombros; 6períodos de grandes sucessos geralmente são seguidos por momentos de profundo abatimento; etc.
Lloyd-Jones, que além de pastor era médico por formação, no livro Depressão Espiritual, como causas para o abatimento da alma, discorreu sobre: 1temperamento (alguns são mais propensos à depressão); 2condições físicas; 3momentos de baixa após períodos de alta; 4ataques satânicos; e 5simples incredulidade.
Talvez você tenha algumas coisas pessoais para adicionar: uma grande decepção na vida, algum fracasso pessoal, o fardo de envelhecer… A lista provavelmente é infinita. Mas, vamos prosseguir.
A seguir, Deus permitindo, veremos: Qual é o estado da alma abatida e cura para a alma abatida.
S.D.G. L.B.Peixoto
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