28.02.2018
CURA PARA O CORAÇÃO DIVIDIDO
Salmo 43
1Declara-me inocente [faze-me justiça], ó Deus! Defende-me desse povo mau [nação que tem prazer em contender] , livra-me dos falsos e injustos. 2Pois tu és minha fortaleza, ó Deus; por que me rejeitaste? Por que tenho de andar entristecido, oprimido por meus inimigos? 3Envia a tua luz e a tua verdade, para que me guiem. Que elas me conduzam ao teu santo monte, ao lugar onde habitas. 4Ali, irei ao altar de Deus, a Deus, fonte de toda a minha alegria. Eu te louvarei com minha harpa, ó Deus, meu Deus! 5Por que você está tão abatida, ó minha alma? Por que está tão triste? Espere em Deus! Ainda voltarei a louvá-lo, meu Salvador e meu Deus!
Lutando contra a vontade dividida
Este salmo narra a respeito de uma das experiências mais comuns do ser humano: a vontade dividida. Observamos, na semana passada, que parte do coração do salmista teme a Deus, recorre a Deus, busca a Deus, refugia-se em Deus, mas outra parte teme outras coisas, busca outras coisas, recorre a outras coisas, refugia-se noutras coisas; parte consegue orar, outra parte não consegue louvar; parte quer sentir, outra parte não sente nada… O coração está dividido, contém impurezas (incredulidade), não é inteiramente fiel, não teme só a Deus. Estado lamentável! Quem nunca o provou com desgosto?
Agostinho, nas suas Confissões, relatou sua experiência com a vontade dividida. Simpliciano, pai de Ambrósio (grande responsável pela conversão de Agostinho), narrou para ele a história da conversão de Vitorino (retórico e tradutor de livros de filosofia platônica admirados por Agostinho). Muitíssimo se alegrou Agostinho ao saber que um de seus heróis havia morrido cristão. Ele, então, no processo de sua própria conversão, inspirado pela conversão de Vitorino, passa a narrar o estado de seu coração dilacerado entre duas vontades divididas. Vale a pena dedicar sua atenção ao que passo a ler para vocês (Confissões, XVIII:5:10-11):
10 Quando teu servo Simpliciano me narrou esses feitos de Vitorino, ardi de desejo de imitá-lo; ele, de fato, os narrava por isso. E quando acrescentou ainda o seguinte, que aos tempos da lei promulgada pelo imperador Juliano, que proibia aos cristãos ensinar literatura e oratória, ele, respeitando a lei, preferiu abandonar aquele ensino palavroso a abandonar tua Palavra, pela qual as línguas das crianças se tornam eloquentes.
Vitorino pareceu-me não apenas forte, mas também afortunado, porque aproveitou a ocasião para ficar a teu dispor [dedicar mais tempo para servir a Deus]. Eu ansiava por isso, atado não por grilhões exteriores, mas pelos grilhões de minha própria vontade. O inimigo dominava meu querer, dele fizera minha corrente e me prendera.
Por certo, da vontade pervertida nasce a paixão, e quando se obedece à paixão nasce o hábito, e quando não se resiste ao hábito nasce a necessidade. Por todos eles, como anéis entrelaçados — por isso falo em corrente —, uma dura escravidão me mantinha prisioneiro. Mas a nova vontade que começara a surgir em mim, pela qual queria te servir gratuitamente e desfrutar de ti, único prazer seguro, ainda não estava pronta para vencer a anterior, fortalecida pelo tempo. Por isso, duas vontades, uma velha, outra nova, uma carnal, outra espiritual, combatiam entre si e, divergindo, dilaceravam minha alma.
11 Assim, pela minha própria experiência, compreendia o que lera: que a carne deseja contra o espírito e o espírito, contra a carne. Era eu em ambos os casos: mais eu, porém, naquilo que aprovava em mim [isto é, querer fazer o bem], do que naquilo que em mim desaprovava [isto é, fazer o mal]. Nisto, com efeito, eu não era eu, porque em grande parte consentia, contra a vontade, com aquilo que fazia voluntariamente. Contudo, era eu quem tornava o hábito mais resistente contra mim, buscando voluntariamente o que não queria buscar. […]
Esta é a crise da vontade dividida, e tal condição não é incomum na vida cristã, conforme visto na última mensagem. Graças a Deus, porém, que no nosso salmo (43) nós encontramos cura para o coração dividido.
1. Quando o coração está dividido, olhe para além dos problemas
Semana passada, estudamos que o salmista, quando se viu assim, oprimido por fora e dividido por dentro, olhou para além dos problemas. Hoje, veremos que ele clamou a Deus em meio aos problemas; e pregou para si mesmo na hora dos problemas.
Uma das lições que aprendemos na última mensagem foi que nós podemos e devemos orar pelos nossos problemas, pela nossa saúde, pelas nossas dificuldades… afinal, o salmista orou assim — faça-me justiça! (Sl 43.1-2); mas chega o momento em que o melhor a fazer é parar e confiar que a graça de Deus nos basta (mesmo que os problemas continuem), pois o poder de Deus se aperfeiçoa na fraqueza (2Co 12.7-10).
Essa atitude nos diferencia de outros, faz-nos glorificar a Deus e resguarda a nossa fé, livrando-nos de escorregar e cair. Portanto, quando o coração está dividido, olhe para além dos problemas.
2. Quando o coração está dividido, clame a Deus em meio aos problemas
Em meio aos problemas, nós não podemos parar de clamar, mas devemos aprender a mudar o foco do nosso clamor. O salmista, de forma sobrenatural, aprendeu a clamar pela coisa certa e mais importante: a satisfação de sua alma em Deus.
O que há de mais importante na vida de um cristão não é a sua cura física, a sua honra diante dos homens ou a volta por cima dos problemas. Diante da eternidade, nada disso valerá se o nosso coração não tiver aprendido a se satisfazer plenamente em Deus; nada valerá se continuarmos pela vida idolatrando bem-estar, saúde, diplomas, carreira ou quaisquer outros prazeres passageiros desta vida, mesmo que todos sejam legítimos.
A batalha do crente nunca é simplesmente pela cura do câncer, a restauração da saúde, a resolução de um problema ou conflito, a libertação financeira, a boa criação dos filhos, etc. A luta do crente é pelo que nós vemos o salmista lutando aqui neste salmo:
3Envia a tua luz e a tua verdade, para que me guiem. Que elas me conduzam ao teu santo monte, ao lugar onde habitas. 4Ali, irei ao altar de Deus, a Deus, fonte de toda a minha alegria. Eu te louvarei com minha harpa, ó Deus, meu Deus! 5Por que você está tão abatida, ó minha alma? Por que está tão triste? Espere em Deus! Ainda voltarei a louvá-lo, meu Salvador e meu Deus!
O salmista quer voltar a louvar a Deus; ele quer sua alma alegre em Deus; quer que sua alma beba da fonte da verdadeira alegria: o próprio Deus (a grande alegria; a alegria da sua alegria — v. 4).
É isso o que importa, realmente, na vida: alma alegre, satisfeita em Deus. Afinal, de que adiante um país justo ou vidas sadias e prósperas se todos seguem idolatrando seus tesouros aqui na terra; se todos vivem buscando satisfação plena no bem-estar e nas coisas que eles constroem neste mundo; se todos vão atrás de seus ídolos de estimação.
Em meio aos problemas, o salmista parou de clamar pelos problemas e começou a clamar pela saúde de sua alma: ele queria voltar a louvar a Deus, queria estar alegre e satisfeito em Deus, queria pegar sua harpa e de novo tocar com alegria um hino de louvor ao seu Salvador e seu Deus. Então, pelo que ele clama? Clama por direção e por mais de Deus. Observe.
2.1 — Clame por direção, para não se desviar do destino que importa: Deus
3Envia a tua luz e a tua verdade, para que me guiem. Que elas me conduzam ao teu santo monte, ao lugar onde habitas.
O salmista se enxerga no escuro. Os problemas o deixaram sob um eclipse total na alma — circunstâncias bloqueavam a luz de Deus em sua alma; ele não conseguia mais achar o caminho de volta para Deus, sabia que poderia se desviar e se perder, caso Deus não o viesse guiar e o conduzir à sua presença. O salmista se enxerga no escuro.
O salmista clama por luz. Nas palavras de Paulo (Ef 1.18), o salmista deseja que Deus, pelo seu Espírito, ilumine os olhos do coração dele, para ele saber qual é a esperança concedida àqueles que Deus chamou, e a rica e gloriosa herança que o Senhor deu a seu povo santo.
Perdido, o salmista clama por direção:
“Ó Deus, envia-me a tua luz! Eu quero ver. Quero ver a verdade; a verdade das realidades espirituais nas regiões celestiais que me aguardam. Que a verdade, esclarecida pela luz do teu Espírito, possa me guiar e me conduzir à tua presença. Eu não quero me perder pelo caminho. Não quero me desviar. Não quero me amargar; não quero ódio; não quero ídolos… Quero o Senhor, somente o Senhor. Ilumina os olhos do meu coração. Faça-me ver a verdade do Senhor revelada no evangelho da glória e da graça de Deus para que assim eu chegue seguro ao destino meu.”
Clame por direção, para não se desviar do destino que realmente importa: Deus.
2.2 — Clame por Cristo, para que seus problemas não te façam perder o foco: Cristo
4Ali, irei ao altar de Deus, a Deus, fonte de toda a minha alegria. Eu te louvarei com minha harpa, ó Deus, meu Deus!
Nosso altar é Cristo (Hb 13.10). O salmista ora pedindo Cristo. Ele quer permanecer em Cristo, no altar de Cristo. Ele sabe que sem o altar, sem Cristo, sem santificação ele não chegará a Deus, pois não poderá ver a Deus (Hb 12.14). Então, ele leva seu coração à Cristo, à obra de Cristo, pois sabe que é lá, e somente por lá, que nós chegaremos a Deus, desfrutaremos de Deus, tocaremos e cantaremos de alegria a Deus.
Quando o coração está dividido, clame a Deus em meio aos problemas; tire seus olhos dos problemas; olhe para além dos problemas; queira louvar a Deus de novo; deseje alegrar-se e fartar-se em Deus; clame por luz (Espírito Santo) e verdade (evangelho de Cristo); clame por Cristo, para que seus problemas não te façam perder o foco da cruz de Cristo; afinal, Cristo morreu pelos pecadores para conduzir-nos a Deus (1Pe 3.18).
3. Quando o coração está dividido, pregue para si mesmo
Tendo aprendido a olhar para além de seus problemas (para as glórias do céu) e a clamar pela coisa certa na hora dos problemas (mais de Deus em Cristo), o salmista se vê, de novo, face a face com o seu coração dividido. O que ele faz? Segue a vida pregando para si mesmo as verdades que, pela iluminação do Espírito de Deus, ele aprendeu. Observe:
5Por que você está tão abatida, ó minha alma? Por que está tão triste? Espere em Deus! Ainda voltarei a louvá-lo, meu Salvador e meu Deus!
Quando o coração está dividido, pregue para si mesmo; pregue o evangelho para a sua própria alma (parafraseando 2Co 4.8-18):
8De todos os lados, ó minha alma, somos pressionados por aflições, mas não esmagados. Ficamos perplexos, mas não desesperados. 9Somos perseguidos, mas não abandonados. Somos derrubados, mas não destruídos. 10Pelo sofrimento, nosso corpo, ó minha alma, continua a participar da morte de Jesus, para que a vida de Jesus também se manifeste em nosso corpo. 11Sim, minha alma, vivemos sob constante perigo de morte, porque servimos a Jesus, para que a vida de Jesus se manifeste em nosso corpo mortal. 12Assim, ó minha alma, enfrentamos a morte, mas isso resulta em vida para nós e para os outros para quem pregamos. 13Continuamos a pregar, ó minha alma, porque temos o mesmo tipo de fé mencionada nas Escrituras: “Cri em Deus, por isso falei”. 14Sabemos, ó minha alma, que Deus, que ressuscitou o Senhor Jesus, também nos ressuscitará com Jesus e nos apresentará a ele junto com todos os santos. 15Tudo isso é para o nosso bem, o minha alma, e para o bem daqueles para quem pregamos. E, à medida que a graça alcançar mais pessoas, haverá muitas ações de graças, e Deus receberá cada vez mais glória. 16Por isso, ó minha alma, nunca desistimos. Ainda que nosso exterior esteja morrendo, nosso interior está sendo renovado a cada dia, ó minha alma. 17Pois estas aflições pequenas e momentâneas que agora enfrentamos produzem para nós uma glória que pesa mais que todas as angústias e durará para sempre. 18Portanto, ó minha alma, não olhamos para aquilo que agora podemos ver; em vez disso, fixamos o olhar naquilo que não se pode ver. Pois as coisas que agora vemos logo passarão, mas as que não podemos ver durarão para sempre, ó minha alma.
Quando o coração está dividido, pregue para si mesmo.
Quando o coração está dividido
Os problemas nos dividem por dentro, eles partem ao meio o nosso coração: ora cremos e confiamos em Deus, ora nos abatemos e pensamos em desistir de tudo; oramos, mas não conseguimos louvar. É da nossa natureza a alma ficar dividida. O pecado nos destruiu, dilacerou a nossa alma.
O salmista, contudo, nos ensina que, na hora dos problemas, devemos olhar para além dos problemas (para as glória do céu); clamar a Deus em meio aos problemas, pedindo luz e verdade para nos conduzirem a Deus (mais de Deus em Cristo); e pregar para nós mesmos o evangelho de forma a não desfalecermos. Esta é a cura para o coração dividido.
S.D.G. L.B.Peixoto
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