28.10.2018
A VIDA É GUERRA
Salmo 60
[Ao regente do coral: salmo de Davi, útil para o ensino, sobre a ocasião em que Davi lutou contra Arã-Naaraim e Arã-Zobá, e Joabe regressou e matou doze mil edomitas no vale do Sal. Para ser cantado com a melodia “Lírio do testemunho”.]1Tu nos rejeitaste, ó Deus, e quebraste nossas defesas; sobre nós derramaste tua ira; agora, restaura-nos. 2Sacudiste nossa terra e nela abriste fendas; repara as brechas, pois a terra estremece. 3Foste muito severo conosco, teu povo, e nos fizeste beber vinho que nos deixou atordoados. 4Contudo, levantaste uma bandeira para os que te temem, um ponto de abrigo em meio ao ataque. Interlúdio5Agora, livra teu povo amado; responde-nos e salva-nos por teu poder. 6Deus, em seu santuário, prometeu: “Com alegria dividirei Siquém e medirei o vale de Sucote. 7Gileade é minha, e também Manassés; Efraim é meu capacete, e Judá, meu cetro. 8Moabe é minha bacia de lavar; sobre Edom limparei os pés e darei um grito de triunfo sobre a Filístia”. 9Quem me levará à cidade fortificada? Quem me guiará até Edom? 10Acaso nos rejeitaste, ó Deus? Não marcharás mais com nossos exércitos? 11Ajuda-nos contra nossos inimigos, pois todo socorro humano é inútil. 12Com o auxílio de Deus, realizaremos grandes feitos, pois ele pisará os nossos inimigos.
Há o dito popular que diz que chegam momentos na vida em que parece que tudo dá errado. Mesmo pedindo uma ajuda a Deus, parece que: “quanto mais se reza, mais assombração aparece”. Você estica daqui, puxa dali e arrebenta acolá. E assim vamos vivendo, matando um leão por dia, pois os problemas não param de pipocar.
A sensação é de que estamos vivendo num campo de batalha. A luta é desumana, pois os problemas são muito maiores do que conseguimos suportar. É verdade! Vivemos, sim, em constante batalha. Vivemos em guerra. Só que, como bem esclareceu o apóstolo, “nós não lutamos contra inimigos de carne e sangue, mas contra governantes e autoridades do mundo invisível, contra grandes poderes neste mundo de trevas e contra espíritos malignos nas esferas celestiais”(Ef 6.12). É tanto que Paulo nos convoca à preparação (Ef 6.13): “Portanto [por causa da batalha em que estamos todos engajados], vistam toda a armadura de Deus, para que possam resistir ao inimigo no tempo do mal. Então, depois da batalha, vocês continuarão de pé e firmes”.
Ah, meu povo, se de fato nos déssemos conta de que a vida não é vivida em parques de diversões, mas em campos de batalhas! Jamais baixaríamos a guarda, buscaríamos estar sempre preparados, resistiríamos “ao inimigo no tempo do mal”. A. W. Tozer, em seu livro: Este mundo: lugar de lazer ou campo de batalha?, nos meados do século passado, fez a seguinte afirmação:
A interpretação mudou completamente. As pessoas não mais pensam no mundo como sendo um campo de batalha, mas como um lugar de lazer. Não estaríamos aqui para lutar; estaríamos aqui para brincar. Não estaríamos num país estrangeiro; estaríamos em casa. Não estaríamos preparando-nos para a vida, mas já estaríamos vivendo a nossa vida, e o melhor que poderíamos fazer é livrarmo-nos de nossas inibições e de nossas frustrações para viver esta vida o máximo que pudéssemos. Isto, cremos, é um correto resumo da filosofia religiosa do homem moderno, abertamente professada por milhões e tacitamente aceita por muito mais pessoas ainda, que vivem de acordo com essa filosofia, mesmo que não a admitam por meio de palavras.
Povo de Deus, nós estamos em batalha, a vida na terra se passa num campo de guerra, vivemos em assentamentos de refugiados (Hb 11.13 e 38), pois nossa pátria não é aqui, este mundo não é o nosso país. Nossa morada é o céu, a nova Jerusalém.
Uma das formas de ataques que sofremos aqui é o sofrimento. Por vezes, o inimigo de nossas almas, através de “espíritos malignos”quem compõem os seus exércitos do mal, com a clara intensão de arrancar de nós “o escudo da fé”, que muito bem nos serve de proteção contra “as flechas de fogo do maligno”(Ef 6.16), ataca-nos com sofrimentos de todos os tipos. Pedro sabia bem disso quando, escrevendo aos crentes dispersos por causa de perseguição, vivendo como refugiados no mundo (1Pe 1.1), disse assim (1Pe 5.8-9):
8Estejam atentos! Tomem cuidado com seu grande inimigo, o diabo, que anda como um leão rugindo à sua volta, à procura de alguém para devorar. 9Permaneçam firmes contra ele e sejam fortes na fé. Lembrem-se de que seus irmãos em Cristo em todo o mundo estão passando pelos mesmos sofrimentos.
O diabo ruge ao nosso derredor, suas presas são os sofrimentos, de todos os tipos, que nos atingem, e sua intenção é devorar nossa fé, pois ele sabe que sem fé nós somos presas fáceis. Por isso o apóstolo Pedro prosseguiu nos encorajando (1Pe 5.10-11):
10Deus, em toda a sua graça, os chamou para participarem de sua glória eterna por meio de Cristo Jesus. Assim, depois que tiverem sofrido por um pouco de tempo, ele os restaurará, os sustentará e os fortalecerá, e os colocará sobre um firme alicerce. 11A ele seja o poder para sempre! Amém.
Crentes, a vida que vivemos no corpo não é para ser desfrutada, como bem descreveu A. W. Tozer, em um “lugar de lazer”, mas para ser empregada em um “campo de batalha”; batalha esta que visa manter viva a fé que, pela graça, nos une a Cristo; batalha para permanecermos crendo nas promessas da graça sem perdermos a esperança na vida eterna e o amor por Deus e pelo próximo. Paulo tanto entendia assim que, em sua última carta, declarou a Timóteo a forma como viveu a vida (2Tm 4.6-8):
6Quanto a mim, minha vida já foi derramada como oferta para Deus. O tempo de minha morte se aproxima. 7Lutei o bom combate, terminei a corrida e permaneci fiel [guardei a fé e mantive a fé; ou seja: guardei a doutrina e me mantive crendo]. 8Agora o prêmio me espera, a coroa de justiça que o Senhor, o justo Juiz, me dará no dia de sua volta. E o prêmio não será só para mim, mas para todos que, com grande expectativa, aguardam a sua vinda.
A vida é vivida em um campo de batalha. Sim, matamos um leão por dia — às vezes, até uma alcateia inteira deles. E será assim até o último suspiro de vida, quando, em Cristo, venceremos nosso último inimigo: a morte e seus aguilhões. Para vencermos, no entanto, além de vestir toda a armadura de Deus (i.e., cinto da verdade, couraça da justiça, calçados do evangelho, escudo da fé, capacete da salvaçãoe espada do Espírito — a palavra de Deus), conforme somos instruídos por Paulo (Ef 6.13-17), o que nos cabe fazer, sem perder o vigor, é orar (Ef 6.18):“Orem [grego: orando] no Espírito em todos os momentos e ocasiões. Permaneçam atentos e sejam persistentes em suas orações por todo o povo santo”.
John Piper foi quem me ensinou a ter essa visão da oração. Em seu livro: Em busca de Deus — a plenitude da alegria cristã(Shedd Publicações), no capítulo sobre oração (Oração: O Poder do Prazer Cristão), ele escreveu assim (p. 148):
Vemos repetidas vezes nas Escrituras que a oração é um rádio transmissor militar para ser usado na guerra, não um interfone doméstico para aumentar nosso conforto. O objetivo da oração é capacitar para a missão. Orem “também por mim; para que me seja dada, no abrir da minha boca, a palavra, para, com intrepidez, fazer conhecido o mistério do evangelho” (Ef 6.19). “Suplicai, ao mesmo tempo, também por nós, para que Deus nos abra porta à palavra, a fim de falarmos do mistério de Cristo” ( Cl 4.3 ). “Lutai juntamente comigo nas orações a Deus a meu favor, para que […] este meu serviço em Jerusalém seja bem aceito pelos santos” (Rm 15.30-31). “Irmãos, orai por nós, para que a palavra do Senhor se propague e seja glorificada” (2Ts 3.1). “Rogai ao senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara!” (Mt 9.38).
A oração de guerra é indispensável para a nossa vitória, tanto para a manutenção da nossa fé como para o avanço do evangelho entre as nações. Pois bem, essa fundamentação teológica nos traz ao Salmo 60.
Oração de guerra
Esse salmo, a princípio, é intrigante. O título diz uma coisa e o corpo do salmo diz outra, iniciando já no verso um. Preste atenção (Sl 60):
[Ao regente do coral: salmo de Davi, útil para o ensino, sobre a ocasião em que Davi lutou contra Arã-Naaraim e Arã-Zobá, e Joabe regressou e matou doze mil edomitas no vale do Sal. Para ser cantado com a melodia “Lírio do testemunho”.] [Aí vem o salmo:] 1Tu nos rejeitaste, ó Deus, e quebraste nossas defesas; sobre nós derramaste tua ira; agora, restaura-nos.
Percebeu? O título traz a descrição de uma vitória e o salmo narra uma situação de derrota; de fato, uma súplica por socorro, face ao enorme revés no campo de batalha. Como pode ser? O que podemos aprender?
Vamos começar pela escolha da melodia para esta letra: “Lírio do testemunho [da Aliança]”. O lírio mencionado é o lótus do Egito, que floresce límpido no meio do lodo. Davi escolheu um símbolo que descreve o seu momento: a nação estava como que na lama da derrota, mas, voltando-se para Deus em oração, viu florescer uma esperança límpida, imaculada, inatingida pela situação. Tanto que o salmo terminou assim (v. 12):
12Com o auxílio de Deus, realizaremos grandes feitos, pois ele pisará os nossos inimigos.
Mas, o que teria acontecido? Precisamos conhecer o contexto.
O pano de fundo para o Salmo 60 está em 2Samuel 8.1–14 e 1Crônicas 14.1-18. Antes, porém, do fato em si, narrado no capítulo 8 de 2Samuel, várias coisas são registradas. Primeiro, Davi se torna rei sobre todo o Israel(2Sm 5.1-5). Em segundo lugar, ele conquista Jerusalém e torna-a sua capital(5.6–16). Terceiro, ele alcança vitórias decisivas sobre os filisteus(5.17-25). Quarto, ele traz a arca para Jerusalémcomo foco para a adoração do povo (cap. 6). Quinto, Deus envia Natã a ele com a maior mensagem corretiva que Davi jamais recebeu em toda sua vida: Deus estabeleceria seu trono para sempre (cap. 7); tratava-se de uma profecia messiânica, que Davi imediatamente reconheceu.
Logo após esses eventos, chegamos ao capítulo sobre as muitas vitórias militares de Davi (2Sm 8.1-14), o cenário para o Salmo 60.
Ocorre que quando as tropas de Davi estavam com ele, próximas ao Eufrates, vencendo os sírios (Arã-Naaraim e Arã-Zobá eram áreas específicas na Síria), os edomitas atacaram Judá pelo lado sul. Essa derrota pelo sul, causada pelos soldados de Edom, não está registrada nas Escrituras. O Salmo 60, no entanto, indica que foi uma derrota significativa o bastante para angustiar grandemente ao rei Davi. Dessa alegria(vitória sobre os sírios) misturada com angústia(derrota pelos edomitas) nasce o nosso salmo, surge essa oração de guerra.
Aprendemos que a nossa história contém altos e baixos, é composta de vitórias e derrotas, mas, mesmo nos momentos difíceis, há esperança quando nos voltamos para Deus. Da mesma forma que o lótus do Egito brota límpido no meio do lodo, a esperança do justo sempre resplandece alva mais que a neve, apesar de todo lodo do pecado que nos cerca. Sim, haveremos de amargar derrotas em batalhas específicas na vida, mas a guerra não se encerrará pedida. Cabe-nos buscar a Deus em oração, oração de guerra. Como?
S.D.G. L.B.Peixoto
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