14.02.2021
[Salmo 83] Cântico; salmo de Asafe [da família de Asafe]. 1Ó Deus, não fiques em silêncio! Não feches os ouvidos e não permaneças calado, ó Deus! 2Não ouves o tumulto de teus adversários? Não vês que teus inimigos te desafiam? 3Tramam com astúcia contra o teu povo; conspiram contra os teus protegidos. 4Dizem: “Venham, exterminemos a nação de Israel, para que ninguém se lembre de sua existência”. 5Sim, em unanimidade decidiram; fizeram um tratado e aliaram-se contra ti 6os edomitas e os ismaelitas, os moabitas e os hagarenos, 7os gebalitas, os amonitas e os amalequitas, os povos da Filístia e de Tiro. 8A eles também se uniram os assírios e se aliaram aos descendentes de Ló. Interlúdio 9Trata-os como trataste os midianitas, como trataste Sísera e Jabim no rio Quisom. 10Foram destruídos em En-Dor; tornaram-se adubo para a terra. 11Que seus nobres morram como Orebe e Zeebe, e todos os seus príncipes, como Zeba e Zalmuna, 12pois disseram: “Vamos nos apossar das pastagens de Deus!”. 13Ó meu Deus, espalha-os como folhas num redemoinho, como palha ao vento. 14Assim como o fogo consome o bosque, como a chama incendeia os montes, 15persegue-os com a tua tempestade, enche-os de medo com o teu vendaval. 16Faze-os cair na desgraça mais profunda, até que se sujeitem ao teu nome, SENHOR. 17Sejam envergonhados e aterrorizados para sempre e morram em desonra. 18Então aprenderão que somente tu és chamado SENHOR, somente tu és o Altíssimo, supremo sobre toda a terra.
Este Salmo é uma “Oração de contra ataque”. Outro título que poderíamos atribuí-lo seria: “Quando Deus não reage”. Afinal, [1] consternado (vs. 1-2), o salmista [2] passa em revista a conspiração que há muito existe contra o povo de Deus (vs. 3-4), [3] rememora a confederação de exércitos inimigos que sempre se levantaram contra Israel (vs. 5-8) e [4] faz uma convocação a Deus (vs. 9-15): reaja, meu Deus! Reaja!
Quanto maior é a fé em Deus, mais intrigante é o silêncio de Deus em face do mal que se alastra sem nenhum pudor ou piedade, especialmente quando se trata de uma conspiração contra o povo de Deus. Se a presença do problema já é em si mesmo perturbadora além da conta, a aparente falta de reação de Deus nos deixa ainda mais derrubados. Não é verdade? Se esse é o seu caso – e temo que seja o caso de todos nós –, esse salmo é para você e para mim que vira e mexe nos achamos cercados de problemas, inimigos da fé e sentimos que Deus não está reagindo. Esse salmo ensinará a oração de contra ataque quando Deus não reage.
O livro dos Salmos é único na literatura bíblica, não só pelo seu conteúdo poético tão precioso para o povo de Deus, mas também pela forma como o Saltério é organizado:
Os Salmos de Asafe descrevem eventos que estão separados por séculos de distância uns dos outros. Portanto, esses poemas foram compostos por Asafe mesmo e por seus sucessores – a família de Asafe (NVI) – no cargo de cantor-chefe (1Cr 16.5). O Salmo 83 (nosso salmo de hoje) foi possivelmente escrito por Jaaziel, um descendente de Asafe que serviu como levita sob o reinado de Josafá (2Cr 20.14).
Juntos, os salmos da coleção de Asafe oferecem informações valiosas sobre Deus como o Defensor de seu povo e Juiz do mal. O Salmo 73 nos ensina a não invejar os ímpios, pois somos lembrados da condenação que os aguarda. O Salmo 74 nos lembra que oramos ao Deus Criador, cujo poder é infinito para salvar e julgar. O Salmo 75 lembra que há um cálice de julgamento para todos os ímpios beberem, e conclui nos dizendo: “Acabarei com a força dos perversos, mas farei crescer o poder dos justos” (Sl 75.10). O Salmo 78 relembra os grandes eventos do Êxodo e do reinado de Davi, fazendo-nos recordar do julgamento passado de Deus sobre os inimigos de Israel. Portanto, note: este método de olhar para o passado bíblico em busca de esperança de salvação está no cerne dos Salmos de Asafe, e não é diferente aqui no Salmo 83:
O autor do salmo – Jaaziel ou qualquer outro descendente da família de Asafe – está tão certo da intervenção divina que sua preocupação muda em um instante da consternação (vs. 1-2) para a compaixão e o desejo da glória de Deus na salvação daqueles ímpios confederados para destruir o povo de Deus (Sl 83.16-18). Esse conhecimento da palavra de Deus terá que produzir o mesmo tipo de transformação em nosso coração e conduta em face de todo mal que enfrentamos no mundo.
Passemos ao salmo. Caminharemos por ele sob as seguintes divisões:
No final faremos duas aplicações.
O salmo começa com uma consternação. Note que o salmista está triste, pesaroso, angustiado em face de tudo o que vê; e se sente ainda mais abatido por sentir que Deus está sem reação. Veja:
Salmo 83.1-2 1Ó Deus, não fiques em silêncio! Não feches os ouvidos e não permaneças calado, ó Deus! 2Não ouves o tumulto de teus adversários? Não vês que teus inimigos te desafiam?
Não há um evento histórico definido apontado aqui no salmo. Conforme já lemos, o salmista cita dez inimigos tradicionais de Israel (vs. 7-9), sem possibilitar que saibamos a data exata do evento. Não há indício de que estes inimigos se coligaram contra Israel todos ao mesmo tempo. Parece que é uma queixa genérica, de repetições de acontecimentos recorrentes ao longo dos anos. Alguns estudiosos, entretanto, sugerem que o gatilho para a composição do salmo tenha sido uma ocasião durante o reinado de Josafá, em 2Crônicas 20, quando moabitas e amonitas lideraram um grupo que incluía edomitas contra a nação de Judá. Lê-se assim sobre aquela ocasião:
2Crônicas 20.1-6 1Depois disso, os exércitos dos moabitas e dos amonitas e alguns meunitas declararam guerra a Josafá. 2Mensageiros informaram a Josafá: “Um exército enorme de Edom vem de além do mar Morto contra o rei. Já está em Hazazom-Tamar (isto é, em En-Gedi)”. 3Josafá ficou amedrontado com essa notícia e pediu orientação ao SENHOR. Ordenou um jejum em todo o Judá, 4e habitantes de todas as cidades de Judá vieram a Jerusalém para buscar a ajuda do SENHOR. 5Josafá se pôs em pé diante da comunidade de Judá e de Jerusalém, em frente ao pátio novo do templo do SENHOR, 6e orou:
Se esta em 2Crônicas 20 foi a ocasião para o Salmo 83, não importa. Interessa-nos que de novo e de novo, em todos os períodos da história e em cada geração, o povo de Deus é vítima de ataques e de perseguições hostis. E a atitude de Josafá relatada no segundo livro das Crônicas de Israel corrobora para compreendermos como o desespero do povo de Deus sempre o colocou de joelhos em oração – tantas vezes consternados pela aparente falta de reação de Deus:
Salmo 83.1-2 1Ó Deus, não fiques em silêncio! Não feches os ouvidos e não permaneças calado, ó Deus! 2Não ouves o tumulto de teus adversários? Não vês que teus inimigos te desafiam?
Um testemunho da história – século IV
Sabemos pela História da Igreja Cristã, um livro clássico escrito por Philip Schaff, que em 302 d.C., os governantes do Império Romano, Diocleciano e Galério, reuniram-se para discutir o crescente poder político dos cristãos. Diocleciano inicialmente apelou pela moderação, mas Galério pediu o extermínio dos cristãos. Os dois césares consultaram o oráculo de Apolo, ouvindo de volta que os deuses não poderiam se pronunciar até que “os justos na terra”, isto é, os cristãos, fossem eliminados. Com base nisso, os planos foram traçados. Sem qualquer aviso prévio, a ordem foi dada em 23 de fevereiro de 303, dia da festa de um de seus deuses pagãos. O mandado era para queimar a recém-construída igreja cristã em Nicomédia (a atual Ismide na Turquia). No dia seguinte, Diocleciano colocou mais lenha na fogueira e emitiu uma ordem exigindo a queima de todas as igrejas e Escrituras Sagradas dos cristãos, a remoção deles de cargos públicos e a abolição do culto cristão. O imperador prosseguiu com outros mandados: pedindo a prisão de todo o clero, exigindo que os cristãos oferecessem sacrifícios a deuses pagãos e, finalmente, a tortura e execução de milhares de cristãos que se recusaram a adorar os ídolos. A igreja, portanto, sofreu sob um plano habilmente velado e muito bem orquestrado, projetado para erradicar o cristianismo do império. Encaixava-se muito bem as palavras do salmista nos lábios daqueles crentes:
Salmo 83.1-2 1Ó Deus, não fiques em silêncio! Não feches os ouvidos e não permaneças calado, ó Deus! 2Não ouves o tumulto de teus adversários? Não vês que teus inimigos te desafiam?
Somos um povo perseguido
Povo de Deus, nós não devemos nos surpreender quando forças seculares e pagãs se engajarem em estratégias veladas e muito bem boladas para travar guerra contra o evangelho e a igreja. Essas estratégias – saibam bem disso – envolvem inclusive reivindicações de tolerância aos incrédulos que estão em “minoria”, enquanto os atos mais estridentes de intolerância são cometidos contra os cristãos que são a “maioria”. Sim, não se enganem, esses planos astutos envolvem uma mídia tendenciosa, políticos desonestos e a promoção enganosa de comportamento imoral por meio do entretenimento, das artes e impostas pela lei. Nada há novo debaixo do sol. O povo de Deus sempre foi e sempre será perseguido. E o nosso sentimento inicial será sempre o de consternação:
Salmo 83.1-2 1Ó Deus, não fiques em silêncio! Não feches os ouvidos e não permaneças calado, ó Deus! 2Não ouves o tumulto de teus adversários? Não vês que teus inimigos te desafiam?
O objetivo dos inimigos do evangelho ou da fé cristã, tanto no tempo dos hebreus do salmista Asafe, da igreja primitiva e ao longo dos anos, e ainda hoje, é o mesmo:
Salmo 83.3-4 3Tramam com astúcia contra o teu povo; conspiram contra os teus protegidos. 4Dizem: “Venham, exterminemos a nação de Israel, para que ninguém se lembre de sua existência”.
O objetivo do plano do inimigo é o extermínio da fé cristã e a eliminação da igreja. Saiba, entretanto, que não é por mero capricho ou puro preconceito. O mais importante para aqueles que conspiram contra o povo de Deus é a remoção da palavra de Deus e sua influência restritiva contra o reinado do pecado. Afinal, como Paulo escreveu a Timóteo (1Tm 3.15), “Ela é a igreja do Deus vivo, coluna e alicerce da verdade.” E a postura da igreja e de seus cristãos, uma vez de posse da verdade, sempre haverá de revoltar o coração dos pecadores. Quer ver uma coisa, 2Timóteo 4.1-5:
1Eu lhe digo solenemente, na presença de Deus e de Cristo Jesus, que um dia julgará os vivos e os mortos quando vier para estabelecer seu reino: 2pregue a palavra. Esteja preparado, quer a ocasião seja favorável, quer não. Corrija, repreenda e encoraje com paciência e bom ensino. 3Pois virá o tempo em que as pessoas já não escutarão o ensino verdadeiro. Seguirão os próprios desejos e buscarão mestres que lhes digam apenas aquilo que agrada seus ouvidos. 4Rejeitarão a verdade e correrão atrás de mitos. 5Você, porém, deve manter a sobriedade em todas as situações. Não tenha medo de sofrer. Trabalhe para anunciar as boas-novas e realize todo o ministério que lhe foi confiado.
É precisamente porque o povo de Deus reflete a luz das Sagradas Escrituras que seus inimigos clamaram agem como eles agem:
Salmo 83.3-4 3Tramam com astúcia contra o teu povo; conspiram contra os teus protegidos. 4Dizem: “Venham, exterminemos a nação de Israel, para que ninguém se lembre de sua existência”.
O mal contra a igreja nunca anda sozinho. Ele conspira em confederação contra o povo de Deus – isto é, associam-se na forma de Estados soberanos para agir contra o corpo de Cristo que é a igreja.
Salmo 83.5-8 5Sim, em unanimidade decidiram; fizeram um tratado e aliaram-se contra ti 6os edomitas e os ismaelitas, os moabitas e os hagarenos, 7os gebalitas, os amonitas e os amalequitas, os povos da Filístia e de Tiro. 8A eles também se uniram os assírios e se aliaram aos descendentes de Ló.
A lista começa com os edomitas, que eram descendentes de Esaú, irmão de Jacó, assim como os amalequitas, junto com os ismaelitas, que descendiam do filho de Abraão com a serva Agar (v. 6). Aparentados com eles estão os hagarenos, junto com os desconhecidos gebalitas. Adicionados à lista estão também os moabitas, que eram descendentes de Ló, sobrinho de Abraão, assim como os amonitas. Todos esses confederados moravam ao leste ou nordeste de Israel. Outros inimigos estavam localizados a oeste e noroeste: os filisteus e a cidade mercante de Tiro. Por último, vieram os assírios, que alcançariam um poder tão surpreendente no século VIII a.C., mas que nessa época são citados como mercenários contratados: “aliaram aos descendentes de Ló” (Sl 83.8). Essa declaração conclusiva indica que a confederação era liderada pelos moabitas e amonitas, que descendiam de Ló, nos dias de Josafá (2Cr 20).
Unidos pelo ódio
Essa confederação contra Israel é bastante reveladora. Demonstra, em primeiro lugar, que A OPOSIÇÃO A DEUS E AO SEU POVO É CAPAZ DE UNIR INIMIGOS BASTANTE IMPROVÁVEIS, que de outra forma não teriam interesse mútuo ou comum, muito ao contrário, viveriam brigando uns contra os outros. Essas tribos que se uniram contra Israel jamais teriam se unido se não fosse pelo ódio comum ao povo de Deus. William Plumer escreveu que “em oposição à causa de Deus e ao povo dele, os ímpios são sempre unânimes.” O principal exemplo é a improvável aliança dos sacerdotes judeus e do governador romano Pôncio Pilatos na crucificação de Jesus Cristo.
Hoje em dia não é diferente. Por exemplo: onde estão os grupos feministas que não vociferam contra a brutalidade praticada contra mulheres no Oriente e em países islâmicos, especialmente se essas mulheres abusadas são cristãs? onde estão os Black Lives Matter [Vidas Negras Importam] que não se pronunciam contra massacres de mulheres negras e de homens negros cristãos em regiões da África? Esses mesmos grupos, no entanto, são capazes de se juntar ou de abrandar com os mesmos grupos que massacram minorias nessas partes do mundo. Não faz sentido algum, até que você perceba que eles têm uma causa comum: opor-se ao cristianismo e à palavra de Deus.
A fonte ou a raiz dessa conspiração que se confedera contra Deus e seu povo pode ser vista no mesmo capítulo que registra a queda de Adão no pecado. Deus amaldiçoou Satanás, dizendo: “Farei que haja inimizade entre você e a mulher, e entre a sua descendência e o descendente dela” (Gn 3.15). Como resultado, todos os grupos e povos descrentes, sob o domínio do diabo (Ef. 2.1), compartilham do mesmo ódio pela igreja, que é a descendência piedosa unida ao Filho-Salvador, Jesus Cristo. Essa história de inimizade mostra que, embora a salvação não passe pela linhagem de sangue, o ódio a Deus certamente que sim – corre nas veias o pecado.
Filhos pródigos de Deus
Uma segunda característica dessa conspiração que se confedera contra Deus e o povo de Deus é A QUANTIDADE DE TRIBOS UNIDAS CONTRA ISRAEL QUE ERA APARENTADAS DE ISRAEL. Deveria, no mínimo, ter havido comunhão entre esses primos. Em vez disso, prevaleceu o ódio mais amargo.
Da mesma forma, hoje descobrimos que alguns dos oponentes mais fervorosos do cristianismo bíblico são filhos de missionários e pastores, ex-crentes. Impressionante! Aqueles que têm um relacionamento carnal, mas não espiritual com a igreja, e que se voltaram para a impiedade, geralmente são os mais rancorosos em atacar o evangelho. Outro fato curioso: as principais universidade do mundo Ocidental, todas filhas do cristianismo, hoje se unem contra a fé cristã. Nasceram no berço do cristianismo e cresceram para se tornar a maior voz “científica” contra o Cristo e o cristianismo. Não foi à toa, portanto, que Calvino escreveu que
é, por assim dizer, o destino da Igreja, não apenas ser atacada por inimigos externos, mas sofrer problemas muito maiores nas mãos de falsos irmãos [ou daqueles que um dia foram].
Pois é assim mesmo que acontece: inimigos de Deus conspiram em confederação contra o povo de Deus, tentando calar a voz de Deus. E muitas vezes eles foram ou se dizem dos nossos. Nada novo debaixo do sol!
Indignado, o salmista faz uma oração de contra ataque. Ele recorre às vitória do passado para alimentar sua fé na esperança de vitória no futuro. Dois incidentes do livro de Juízes são mencionados aqui: [1] a derrota dos cananeus por Débora e Baraque com a ajuda de Jael (Sl 83.9-10; Jz 4–5) e [2] a derrota dos midianitas por Gideão (Sl 83.11-12; Jz 7–8). En-Dor (Sl 83.10) fica ao pé do Monte Tabor, onde a batalha contra os cananeus foi travada. O ponto dessas referências é que ambos os ataques foram com o objetivo de dominar a terra (Sl 83.12) e foram revertidos pela intervenção de Deus. Veja:
Salmo 83.9-15 9Trata-os como trataste os midianitas, como trataste Sísera e Jabim no rio Quisom. 10Foram destruídos em En-Dor; tornaram-se adubo para a terra. 11Que seus nobres morram como Orebe e Zeebe, e todos os seus príncipes, como Zeba e Zalmuna, 12pois disseram: “Vamos nos apossar das pastagens de Deus!”. 13Ó meu Deus, espalha-os como folhas num redemoinho, como palha ao vento. 14Assim como o fogo consome o bosque, como a chama incendeia os montes, 15persegue-os com a tua tempestade, enche-os de medo com o teu vendaval.
A lembrança desses eventos deu a Asafe uma nova ousadia para pedir algo semelhante na terrível situação na qual se encontrava. A linguagem é muito forte: almeja-se que sejam espalhados como a palha ao vento ou folhas num redemoinho (v. 13), que sejam consumidos como o fogo consome o bosque e a chama incendeia os montes (v. 14), que sejam atingidos e atormentados como em uma tempestade e que morram de medo do vendaval (v. 15). De fato, o salmista quer justiça; ele convoca Deus ao contra ataque.
O julgamento do mal é uma necessidade moral. Deus trata diferentemente os que seguem o bem e os que seguem o mal (Êx 11.7), e isto se chama justiça:
Êxodo 34.5-7 5Então o SENHOR desceu em uma nuvem, ficou ali com Moisés e anunciou seu nome, Javé. 6O SENHOR passou diante de Moisés, proclamando: “Javé! O SENHOR! O Deus de compaixão e misericórdia! Sou lento para me irar e cheio de amor e fidelidade. 7Cubro de amor mil gerações e perdoo o mal, a rebeldia e o pecado. Contudo, não absolvo o culpado; trago as consequências do pecado dos pais sobre os filhos até a terceira e quarta geração”.
Que ninguém pense que Deus é apático, apatetado e que não vê nada nem julga. O próprio evangelho é palavra de julgamento:
João 3.18 Não há condenação alguma para quem crê nele. Mas quem não crê nele já está condenado por não crer no Filho único de Deus.
João 12.46-48 46Eu vim como luz para brilhar neste mundo, a fim de que todo aquele que crê em mim não permaneça na escuridão. 47Não julgarei aqueles que me ouvem mas não me obedecem, pois vim para salvar o mundo, e não para julgá-lo. 48Mas todos que me rejeitam e desprezam minha mensagem serão julgados no dia do julgamento pela verdade que tenho falado.
Portanto, a convocação que Asafe faz a Deus se fundamenta na obra de Deus no passado e, principalmente, na gloriosa e infalível justiça de Deus que castigará o mal no futuro.
A oração de Asafe, no entanto, não termina com desejo de vingança, uma vez que a motivação dele não é que se pague o mal com o mal, mas a aplicação da justiça e o exercício da compaixão em doses certas. Como em outras passagens imprecatórias [textos que expressam desejo de castigo], o motivo é honrar a Deus tanto na condenação como na salvação do pecador. Afinal, essa confederação que conspirava contra o povo de Deus estava, de fato, desafiando a Deus e se opondo ao que era mais caro para ele – o louvor de sua gloriosa graça na salvação de Israel para ser bênção para as nações:
Salmo 83.3-4 3Tramam com astúcia contra o teu povo; conspiram contra os teus protegidos. 4Dizem: “Venham, exterminemos a nação de Israel, para que ninguém se lembre de sua existência”
Ora, tramar com astúcia conta o povo de Deus, conspirar contra os protegidos do Senhor, visando exterminá-los para que ninguém ao menos se lembre de sua existência é o mesmo que desejar que se apaguem para sempre qualquer vestígio do que Deus mesmo em graça soberana intencionou e realizou desde o início para as nações da terra através do Israel de Deus (concebido na eternidade, gestado no Antigo Testamento, em trabalho de parto nos Evangelhos e dado à luz no dia de Pentecostes) – a igreja do Deus vivo. Eis o que de fato se espera exterminar par que ninguém se lembre de Deus e de seu povo:
Gênesis 12:1-3 1O SENHOR tinha dito a Abrão: “Deixe sua terra natal, seus parentes e a família de seu pai e vá à terra que eu lhe mostrarei. 2Farei de você uma grande nação, o abençoarei e o tornarei famoso, e você será uma bênção para outros. 3Abençoarei os que o abençoarem e amaldiçoarei os que o amaldiçoarem. Por meio de você, todas as famílias da terra serão abençoadas”.
Atos 1.8 Vocês receberão poder quando o Espírito Santo descer sobre vocês, e serão minhas testemunhas em toda parte: em Jerusalém, em toda a Judeia, em Samaria e nos lugares mais distantes da terra”.
Aqueles que têm consciência do que de fato está em jogo na conspiração contra o povo de Deus e qual é o plano de Deus para a igreja no mundo – agência do reino de Deus e da sua justiça – agirão com as devidas armas de contra ataque. É tanto que os últimos versículos do Salmo 83 (vs. 16-18) se desenvolvem de um modo surpreendente nesta passagem final. Essa é uma guerra que o povo de Deus planeja e executa não consultando seus generais quatro estrelas, mas buscando a Deus em oração conforme o costume de Davi, por exemplo:
2Samuel 5.22-23 22Pouco tempo depois, os filisteus voltaram a se espalhar pelo vale de Refaim. 23Mais uma vez, Davi consultou o SENHOR. “Não os ataque pela frente”, respondeu o SENHOR. “Em vez disso, dê a volta por trás deles e ataque-os perto dos álamos.
As estratégias de nosso contra ataque aos conspiradores confederados contra a igreja não são traçadas em salas do alto comando das forças armada ou contratando um exército mercenário, mas buscando a Deus em oração e obedecendo à palavra de Deus com fé, esperança e amor. Nossas armas não são carnais, mas espirituais (2Co 10.3-5). Mais está em jogo do que nação, território ou supremacia religiosa ou ideológica. A questão fundante é “Quem é o Senhor? Quem reina sobre toda a terra?” Com isso em mente e latente no coração, o povo de Deus ora e age de modo diferente, espiritual:
Salmo 83.16-18 16Faze-os cair na desgraça [vergonha] mais profunda, até que se sujeitem [busquem] ao teu nome, SENHOR. 17Sejam envergonhados e aterrorizados para sempre e morram em desonra. 18Então aprenderão que somente tu és chamado SENHOR, somente tu és o Altíssimo, supremo sobre toda a terra.
Note que há nesses versículos três desejos: [1] rendição a Deus com fé por parte dos inimigos do povo de Deus (v. 16), [2] aplicação da devida justiça de Deus aos insubmissos (v. 17) e [3] a glória do nome do SENHOR que é o Altíssimo, supremo sobre toda a terra (v. 18). É a obra de Deus, sua intervenção justa, graciosa e sobrenatural, que prova que seu nome é verdadeiro. Como Jesus mesmo disse em João 14.11: “Apenas creiam que eu estou no Pai e que o Pai está em mim. Ou creiam pelo menos por causa das obras que vocês me viram realizar.”
Não precisa ser especialista para identificar que o povo de Deus e a causa da justiça do reino de Deus estão travando uma batalha espiritual inglória (do ponto de vista humano) contra os conspiradores e confederados poderosos, donos do sistema deste mundo inimigo de Deus. Mas como podemos, como devemos triunfar sobre eles?
1 – Ore com fé e esperança
Nós não podemos vencê-los, e não devemos contra atacar com as mesmas armas que eles usam. Jesus é quem pode e no final triunfará. Devemos, portanto, invocá-lo em oração, pedindo que vá à batalha por nós. Como o salmista dos tempos antigos, podemos nos animar com fé e esperança, olhado para as vitórias passadas do povo de Deus; podemos nos encorajar e nos envolver com grandes avanços missionários e a obra do discipulado – levando todo pensamento cativo a Deus pelo evangelho (2Co 10.3-5); podemos olhar para os grandes avivamentos do passado e orar: “Senhor, faça de novo!”; também podemos olhar para todos os pecados e males em nosso mundo e orar do mesmo modo que o salmista ourou:
Salmo 83.13-18 13Ó meu Deus, espalha-os como folhas num redemoinho, como palha ao vento. 14Assim como o fogo consome o bosque, como a chama incendeia os montes, 15persegue-os com a tua tempestade, enche-os de medo com o teu vendaval. 16Faze-os cair na desgraça mais profunda, até que se sujeitem ao teu nome, SENHOR. 17Sejam envergonhados e aterrorizados para sempre e morram em desonra. 18Então aprenderão que somente tu és chamado SENHOR, somente tu és o Altíssimo, supremo sobre toda a terra.
2 – Contra ataque com amor
Esse salmo inteiro nos ensina que perseguição ao povo de Deus, em todos os sentido – da forma mais velada à mais escancarada –, em última instância, é perseguição contra Deus mesmo e o seu Cristo (Sl 83.3, 5). O SENHOR e o seu povo são como esposo e esposa, de modo que atacar sua noiva é colocar Deus mesmo em contra ataque, provocando sua ira. Calvino escreveu assim:
Não é pouca coisa que nos dá confiança de que aqueles que são nossos inimigos também são inimigos de Deus.
De fato, ouça Zacarias 2.8-9
8Depois de um período de glória, o SENHOR dos Exércitos me enviou contra as nações que saquearam vocês e disse: “Quem lhes faz mal, faz mal à menina dos meus olhos. 9Levantarei minha mão para esmagar essas nações, e seus próprios escravos as saquearão”. Então vocês saberão que o SENHOR dos Exércitos me enviou.
Jesus falou de maneira similarmente protetora quando confrontou Saulo – o então perseguidor da igreja cristã – na estrada de Damasco: “Saulo, Saulo, por que você me persegue?” (At 9.4). Assim, os cristãos sob ataque por causa de sua fé, seja em escala nacional, mundial – pela nova ordem mundial – ou individualmente no trabalho, na escola ou dentro de uma família, podem e devem orar a Deus, dizendo: “Senhor, eles estão perseguindo o SENHOR, estão ferindo a menina dos seus olhos que está nesta terra para – vestida de fé, esperança e amor – espalhar o evangelho.” Essa certeza deve nos fazer amar e abençoar os que nos perseguem. Nosso contra ataque como povo de Deus será sempre em amor.
Lembra-se de Galério, sobre quem falamos há pouco, aquele que persuadiu o imperador romano Diocleciano a desencadear perseguições cruéis, visando destruir a igreja cristã lá no iniciozinho do século IV? Pois bem, nas províncias romanas do Oriente, onde Galério reinou, os crentes em Cristo sofreram o maior tormento e um grande número de mortes. Mas eles demonstraram a Galério uma resolução de fé que ele nunca havia imaginado ou pensado em testemunhar.
Por volta do ano 311, até Galério desistiu de tentar destruir a igreja, admitindo seu fracasso contra aquele povo invencível. Embora, até onde se sabe, nunca tivesse se arrependido do pecado e crido para a salvação, quando adoeceu e viu que ia morrer, Galério mandou chamar alguns cristãos que haviam escapado de sua perseguição para vir a ele e orar ao Deus deles por ele. Impressionante, pois mesmo que inconfesso, em meio ao julgamento pelo qual ele já encarava a ira de Deus, Galério ainda deu testemunho:
Salmo 83.18 Então aprenderão que somente tu és chamado SENHOR, somente tu és o Altíssimo, supremo sobre toda a terra.
Galério discerniu corretamente: as portas do inferno não prevalecerão contra a igreja, tentem o que tentar, pois o nosso general é Cristo. Com efeito, Jesus assegurou o favor de Deus para a igreja e, portanto, a ajuda salvadora de Deus; juntamente com o julgamento de seus inimigos – e assim Jesus o fez pela vida perfeita e as feridas redentoras que ele carrega perpetuamente pelos crentes no céu.
Foi apenas em seu próprio caso, enquanto Jesus sofria na cruz, que o grito de um crente não conseguiu despertar a graciosa resposta de Deus: “Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste?” (Mt 27:46). Foi apenas enquanto Jesus, o Filho de Deus, sofria o ódio dos homens, mas mais importante a ira de Deus por causa dos nossos pecados, que o céu negligenciou o Salmo 83 – Deus permaneceu em silêncio enquanto o justo sofria condenação e morte no lugar dos injustos. Foi, entretanto, por esse meio que Deus mais fielmente respondeu ao apelo do nosso salmo para os crentes em Jesus, realizando a grande obra que nos salvou de nossos maiores inimigos: o pecado, a justa condenação e a morte eterna tormentosa. Conforme Isaías 55.3 profetizou:
[Cristo] foi ferido por causa de nossa rebeldia e esmagado por causa de nossos pecados. Sofreu o castigo para que fôssemos restaurados e recebeu açoites para que fôssemos curados.
Isso significa que a primeira e grande necessidade de cada pessoa, sendo todos nós pecadores que merecem o julgamento de Deus, é olhar para Jesus Cristo com fé salvadora, confessando nossos pecados e crendo em seu sangue purificador. Se o fizermos, não seremos mais inimigos do céu. Faremos parte do povo protegido do SENHOR dos exércitos (Sl 83.3). Então, quaisquer que sejam os perigos que possamos enfrentar neste mundo – e nós enfrentaremos muitos! –, a maior declaração de fé de Asafe, registrada no primeiro desta coleção de salmos atribuída a ele, será nossa experiência também:
Salmos 73.26 Minha saúde pode acabar e meu espírito fraquejar, mas Deus continua sendo a força de meu coração; ele é minha possessão para sempre.
Com esta consciência, cheios de fé e esperança, obteremos força para orar e agir, contra atacar com amor, espalhando o bom perfumo, o cheiro de vida para a vida, o cheiro de Cristo.
S.D.G. L.B.Peixoto
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