16.05.2021
[Salmo 90] Oração de Moisés, homem de Deus. 1Senhor, tu tens sido nosso refúgio ao longo das gerações. 2Antes que os montes nascessem, antes que formasses a terra e o mundo, de eternidade a eternidade, tu és Deus. 3Fazes as pessoas voltarem ao pó quando dizes: “Retornem ao pó, mortais”. 4Para ti, mil anos são com um dia que passa, breves como algumas horas da noite. 5Arrastas as pessoas como numa enchente; elas são como sonhos que desaparecem. São como a grama que nasce pela manhã; 6pela manhã, brota e floresce, mas, à tarde, murcha e seca. 7Somos consumidos por tua ira, ficamos apavorados com tua fúria. 8Tu pões diante de ti os nossos pecados, nossos pecados secretos, e vês todos eles. 9Passamos a vida debaixo de tua ira e terminamos nossos dias com um gemido. 10Recebemos setenta anos, alguns chegam aos oitenta. Mas até os melhores anos são cheios de dor e desgosto; logo desaparecem, e nós voamos. 11Quem conhece o poder de tua ira? Grande é a tua fúria, como o temor de que és digno. 12Ajuda-nos a entender como a vida é breve, para que vivamos com sabedoria. 13Ó SENHOR, volta-te para nós! Até quando te demorarás? Tem compaixão de teus servos. 14Satisfaze-nos a cada manhã com o teu amor, para que cantemos de alegria até o final da vida. 15Dá-nos alegria proporcional aos dias de aflição; compensa-nos pelos anos em que sofremos. 16Que nós, teus servos, vejamos teus feitos outra vez; que nossos filhos vejam a tua glória. 17Seja sobre nós a bondade do Senhor, nosso Deus; faze prosperar nossos esforços, sim, faze prosperar nossos esforços.
É possível avaliar a vida de forma realista sem cair no desespero? Para muita gente, é desesperador encarar os fatos da existência. Afinal, apenas no plano do aqui e agora (que é o jeito mais comum de se enxergar a existência) a vida está cheia de contradições: ela é uma dádiva – que nos é tirada na morte; florescemos – e logo murchamos; crescemos, ascendemos – e declinamos; temos prazeres – e dores; entre os muitos bilhões de pessoas, não há duas que sejam iguais (nem mesmo entre gêmeos univitelinos), mas todas compartilham o mesmo final. Tudo o que somos desaparece na morte, ou assim parece à maioria. Neste caso, avaliar a vida de forma realista fará cair no desespero.
Talvez seja por isso que todo mundo parece viver ou em negação ou em fantasia, buscando um jeito de existir que seja mais confortável, menos doloroso e com algum significado. Mas será esta a melhor forma de viver? Creio que não. Tanto a negação como a fantasia farão com que o indivíduo despenque no mesmo abismo no final: o desespero. A grosso modo: a negação, geralmente, é o caminho dos mais pragmáticos, daqueles que enfiam a cabeça no trabalho e nos prazeres, cegando-se para as realidades metafísicas – que transcendem a experiência sensível; já a fantasia, é a estrada trilhada pelos mais teóricos ou românticos, com sentimentos mais aguçados para o que há além da matéria. Nenhum desses é o certo a se seguir. O melhor caminho é aprender a viver sabiamente, no temor do SENHOR que é o princípio de toda sabedoria – e é este o caminho que Moisés, autor do Salmo 90, nos aponta em seu único salmo preservado no Saltério.
O salmo é, na verdade, uma oração – “Oração de Moisés, homem de Deus” (como está na inscrição do salmo). O título atribuído é extraído da tradição dos hebreus, que costumavam chamar Moisés de “homem de Deus”:
Josué 14.6 Uma delegação da tribo de Judá, liderada por Calebe, filho do quenezeu Jefoné, foi a Josué em Gilgal. Calebe disse a Josué: “Lembre-se do que o SENHOR disse a Moisés, o homem de Deus, a respeito de você e de mim quando estávamos em Cades-Barneia.
Esdras 3.2 Então Jesua, filho de Jeozadaque, juntou-se a seus colegas, os sacerdotes, e a Zorobabel, filho de Sealtiel, e seus companheiros, para reconstruir o altar do Deus de Israel. Queriam apresentar holocaustos ali, conforme a instrução da lei de Moisés, homem de Deus.
Conhecemos Moisés como o autor inspirado por Deus para escrever a Torá, a Lei de Deus para os hebreus. E é. Mas Moisés também foi compositor de cânticos de louvor. Por exemplo, além do Salmo 90, existem duas outras canções de Moisés na Bíblia. Uma delas é o hino que os hebreus cantaram após sua libertação do Egito e o afogamento de Faraó e seu exército no Mar Vermelho (registrado em Êxodo 15.1-18). O de Êxodo, aliás, é o primeiro cântico, a primeira música da Bíblia. A outra canção que Moisés compôs e recitou inteira ao povo (registrada em Deuteronômio 32.1-43) é a que aparece antes de sua subida ao Monte Nebo, local e época de sua morte. A primeira canção de Moisés (Êx 15.1-18) é puro louvor, uma celebração alegre. A segunda é um lembrete da rebelião de Israel contra Deus e dos julgamentos resultantes do SENHOR (Dt 31.1-43).
O Salmo 90 é a mais sombria e também a mais pessoal das composições mosaicas. Trata de temas que começaram com a queda de nossos primeiros pais e continuarão a ser importantes e intrigantes até a volta de nosso Salvador Jesus; isto é, Deus é eterno e o ser humano é efêmero; Deus é santo e o homem é pecador; vida e morte; e o sentido da vida em um mundo confuso, difícil, amargo e dolorido. De novo, é possível avaliar a vida de forma realista sem cair no desespero? O salmo nos ajudará a responder.
Moisés deve ter escrito este salmo após a falha de fé de Israel em Cades-Barneia (registrada em Números 13–14), quando a nação foi condenada a vagar pelo deserto por 40 anos até que a geração mais velha, a geração de incrédulos morresse. Essa tragédia foi seguida pela morte da irmã de Moisés, Miriã (registrada em Números 20.1) e de seu irmão Arão (registrada em Números 20.22-29). Entre essas duas mortes, veja bem!, Moisés desobedeceu o Senhor e, cheio de ira contra o povo, em vez de apenas falar à rocha, bateu na rocha duas vezes para que dela saísse água (Números 20.2-13). Que situação! Veja que até mesmo Moisés, “o homem de Deus” (Js 14.6), sofreu com perdas dolorosíssimas e explosões de raiva, fruto de momentâneo lapso de fé.
Como Moisés conseguiu se tornar “homem de Deus” em meio a tudo isso? Note que as referências a ele como “o homem de Deus”, registradas em Josué e Esdras, são de depois desses episódios lamentáveis, são de após sua morte. Como Moisés se tornou “o homem de Deus” tendo vivido os primeiros 40 anos de sua vida no Egito pagão (de onde ele teve que dar no pé em segredo para não morrer nas mãos de Faraó), depois mais 40 anos em Midiã como um pastor humilde de rebanhos (no Egito ele não tinha feito nada disso, rebanhos eram impuros para os egípcios), e ainda mais 40 anos liderando, literalmente, uma marcha fúnebre pelo deserto (já que os mais velhos teriam que morrer primeiro antes de os hebreus entrarem na terra prometida)? Meu Deus, como foi possível?! A vida não foi fácil para Moisés, mas ele triunfou, e no Salmo 90 ele compartilhou seu coração para que aprendêssemos de sua sabedoria e assim, pela graça e por meio da fé, nós também tivéssemos força e coragem para a jornada cristã e terminemos bem.
O Salmo 90 é a introdução ao Livro IV dos Salmos. O Livro IV é composto dos Salmos 90 ao 106. Ele trata da esperança futura do povo de Deus. O contexto imediato do Salmo, da composição do Salmo 90 nós já vimos – Moisés estava diante de perdas dolorosas e cheio de pesares pelo pecado. Mas quando se olha para a estrutura dos Salmos como um todo, quando se pensa com a cabeça do editor do livro (e não do autor do salmo apenas), a gente percebe que o pano de fundo do Salmo 90 é o 89; ou seja: o Livro III do Saltério (que vai do Salmo 73 ao 89), e que terminou com a maior de todas as crises teológicas do Antigo Testamento: Deus falhou com seu povo?
Em 2Samuel 7, Deus prometeu a Davi que haveria descendentes de sua linhagem no trono de Israel para sempre. O SENHOR deu a palavra de que Israel jamais seria removido da terra prometida. Mas cadê o rei, o descendente de Davi no trono? Aliás, somos informados pelo segundo livro dos Reis que o último rei de Israel, Zedequias, assistiu seus próprios filhos serem assassinados, então seus olhos lhe foram arrancados e ele foi levado acorrentado para a Babilônia, e lá viveu cativo na corte do rei babilônico pelo resto de sua vida (2Rs 25.5-7); restando-lhe na memória apenas a desgraçada cena do assassinato cruel de seus filhos, a linhagem de Davi. Na ocasião, os filhos de Israel também foram levados ao cativeiro babilônico, juntamente com o rei Zedequias. E desde o cativeiro babilônico, mesmo após o retorno do exílio à terra prometida, nunca mais houve rei sobre o trono de Israel. Nunca mais!
Este é o contexto do Salmo 89, e por isso sua conclusão (de fato, conclusão do Livro III, que trata do exílio babilônico) ser tão desesperadora:
Salmos 89.49-51 49Onde está, Senhor, o teu antigo amor? Tu o prometeste a Davi com um juramento fiel. 50Considera, Senhor, como teus servos passam vergonha; levo no coração os insultos de muitos. 51Teus inimigos, SENHOR, têm zombado de mim; zombam do teu ungido por onde ele vai.
Em outras palavras: “as promessas de Deus a Davi e Israel falharam?”
É por isso que o Salmo 90 está aqui. Este salmo, abrindo o Livro IV, volta-se para Deus em busca de esperança. E onde está a esperança do povo de Deus? Encontra-se na raiz da história do povo de Deus, os dias de Moisés. Aliás, este salmo inteiro está recheado com palavras de Deuteronômio 32 e 33. Na verdade, há palavras neste salmo que remontam a Gênesis 1, 2 e 3. Então, o que está acontecendo aqui é que o povo de Deus, no meio do desespero, usando as palavras de Jeremias 6.16: olhou para “o caminho antigo, o bom caminho” em busca de paz para a alma. Em tempos difíceis, em épocas de dúvida, dor e desespero, o povo de Deus fará muito bem em olhar para a história, para o caminho antigo, para as Escrituras. O salmista, por exemplo, olhou para os dias de Moisés, buscou um cântico de Moisés, o homem de Deus, para que o povo de Deus recobrasse a esperança. É o que faremos a seguir.
Dividiremos o salmo em três partes: [1] a habitação do homem de Deus (vs. 1-2); [2] a convicção do homem de Deus (vs. 3-11); e [3] a oração do homem de Deus (vs. 12-17). Estamos em busca de, pelas palavras do próprio de Moisés no salmo, descobrir como um homem comum, com rugas e verrugas, cheio de altos e baixos, acumulando perdas e ganhos, forjado pelo ferreiro do deserto de desesperos, tornou-se “Moisés, o homem de Deus.”
Pare e pense. Reflita um pouco sobre a história de Moisés. Ele foi uma pessoa que nunca teve seu próprio lugar, uma habitação para chamar de sua: ao nascer, o bebê foi colocado numa cesta e lançado à sorte no rio Nilo (do contrário, por ser muito formoso, seria morto); achado pela princesa, foi criado em um palácio que nunca foi seu, sempre com o coração dividido entre a família de criação e a família consanguínea, sempre incomodado com os maus-tratos dispensados ao seu povo de origem (e ele vivendo nos palácios dos opressores!); já adulto, fugiu por fracassar em tentar justiça com as próprias mãos; após esses primeiros 40 anos em habitação que, de fato, nunca foi sua mesma (Egito), foi morar mais 40 anos em terra de nômades, cuidado de gado no fundo dos desertos (Midiã); até que Deus mesmo o chamou e o colocou, nos próximos 40 anos, como nômade no deserto, em marcha, sem nunca se estabelecer na terra prometida com o povo de Deus; aliás, morreu tendo apenas um vislumbre da terra de Canaã, cercado de um povo rixoso, ingrato e incrédulo que ele, como instrumento de Deus, libertou da escravidão no Egito.
Pare e pense. Pense bem! Em quê ou em quem um homem assim encontraria estabilidade emocional? Onde ele descansaria seu coração? Gósen? Egito? Midiã? Deserto? Canaã? Onde ele habitaria? Onde seria seu lar? Ah, como nós sabemos o quanto é sagrado o local de nossa habitação! Não é verdade? Lar e família, a casa da gente, são coisas sagradas para nós! Não é mesmo? Mas deveria ser assim desse jeito? Será mesmo que a estabilidade de um homem ou de uma mulher deveria estar no local de sua habitação? Em quê deveria? Deveria mesmo a nacionalidade, a naturalidade ou os laços de família e amizade definirem tanto assim a nossa identidade? O quê deveria?
Deixemos Moisés nos responder:
Salmo 90. 1-2 1Senhor, tu tens sido nosso refúgio [hebraico: morada, habitação] ao longo das gerações. 2Antes que os montes nascessem, antes que formasses a terra e o mundo, de eternidade a eternidade, tu és Deus.
Moisés nunca teve uma habitação para chamar de sua, mas tinha no Senhor o seu refúgio, a sua morada ou habitação. Isso lhe bastava. Versículo 1: “Senhor, tu tens sido nosso refúgio [hebraico: morada, habitação] ao longo das gerações [ano após ano].”
Outra coisa: em que pese toda a incredulidade e inconstância e instransigência do povo, aquele era o povo de Moisés – e ele, de algum modo, também achou naquele povo, junto com aquele povo, sua morada em Deus. Preste atenção no versículo 1, observe o plural do pronome possessivo: “Senhor, tu tens sido nosso refúgio ao longo das gerações.” Deus, na companhia do povo de Deus, era o refúgio de Moisés. Ele sabia o valor da comunidade de fé. A salvação é pessoal, mas cristianismo não é individual.
Note ainda o seguinte: não é que Deus oferece algum refúgio; ele mesmo é o refúgio de seu povo. Deus mesmo é a habitação, a morada de seu povo. Mas, que Deus é esse? Ele é o Deus eterno, criador de todas as coisas, nos céus e na terra. Versículo 2: “Antes que os montes nascessem, antes que formasses a terra e o mundo, de eternidade a eternidade, tu és Deus.”
Por que essas declarações de Moisés são tão importantes, e justamente aqui neste lugar do livro dos Salmos? Por que e como esse salmo de cerca de 1.000 anos antigo para os Judeus da época do cativeiro e pós-cativeiro babilônico servia de algum consolo e fonte de esperança para Israel?
Ora, nada seria mais apropriado para os filhos de Israel do que este salmo de Moisés. Afinal, cativos na Babilônia (e depois de volta a Israel, para uma terra totalmente devastada), todos indagavam: “Senhor, o que aconteceu? Não estamos mais na terra que os SENHOR nos prometeu! Estamos no exílio! Onde está nossa morada? Estamos sendo forçados pelos nossas captores a cantar as canções do Senhor em uma terra estranha! Deus, veja o que fizeram com a nossa habitação em Israel! O que houve? Onde está o SENHOR?” E eis que o Livro IV do Saltério irrompe com as palavras de Moisés:
Salmo 90. 1-2 1Senhor, tu tens sido nosso refúgio [hebraico: morada, habitação] ao longo das gerações. 2Antes que os montes nascessem, antes que formasses a terra e o mundo, de eternidade a eternidade, tu és Deus.
Dito de outro modo: O Deus eterno é a sua morada. O Criador da terra e do mundo é a sua habitação. O SENHOR é o seu refúgio. Não é a terra prometida. É o SENHOR Deus o lugar para habitar seu coração. Seu rei é e sempre será o SENHOR eterno.
No passado ressente da história deles, o refúgio de Israel havia sido as alianças políticas que Jeremias e demais profetas tanto denunciaram, mas sem sucesso. Agora, depois de tudo que haviam passado na Babilônia, o Senhor se tornara, reconhecidamente, o refúgio de seu povo (pelo menos para o salmista!). Anteriormente, por se recusarem a refugiarem-se no SENHOR, a Babilônia se tornou habitação deles como escravos. É assim que o pecado faz conosco (seduz e escraviza). Deus é a melhor habitação. Ele é o único refúgio. O mundo e seus prazeres – i.e., a Babilônia, assim como o Egito – é passageiro. Até Canaã seria passageiro. Só Deus é a habitação eterna. Tudo o mais é passageiro. Só Deus é eterno, por todas as gerações.
As lições: [1] confiar no Deus Eterno, e nunca em homens; e [2] colocar o coração no SENHOR, e nunca nos prazeres (mesmo que legítimos) desta vida passageira. Moisés aprendeu a lição ainda bem cedo, em comparação com Israel:
Hebreus 11.24-26 24Pela fé, Moisés, já adulto, recusou ser chamado filho da filha do faraó, 25preferindo ser maltratado junto com o povo de Deus a aproveitar os prazeres transitórios do pecado. 26Considerou melhor sofrer por causa do Cristo do que possuir os tesouros do Egito, pois tinha em vista sua grande recompensa.
O homem de Deus faz do SENHOR, o Deus eterno e Criador de todas as coisas, a morada de seu coração, sua habitação inabalável, seu refúgio eterno, de geração em geração. PERGUNTA: O SENHOR é mesmo a sua habitação? Onde está seu tesouro? Em quê você habita e tem ensinado seus filhos habitarem? Ouça Paulo, o apóstolo:
Filipenses 4.6-7 6Não vivam preocupados com coisa alguma; em vez disso, orem a Deus pedindo aquilo de que precisam e agradecendo-lhe por tudo que ele já fez. 7Então vocês experimentarão a paz de Deus, que excede todo entendimento e que guardará seu coração e sua mente em Cristo Jesus.
S.D.G. L.B.Peixoto
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