29.11.2020
[2Coríntios 4.14-15] 14Sabemos que Deus, que ressuscitou o Senhor Jesus, também nos ressuscitará com Jesus e nos apresentará a ele junto com vocês. 15Tudo isso é para o bem de vocês. E, à medida que a graça alcançar mais pessoas, haverá muitas ações de graças, e Deus receberá cada vez mais glória.
O que seria mais patético do que alguém, por exemplo, ir ao Paraná, chegar ao Parque Nacional do Iguaçu, às Cataratas, face a face àquele conjunto deslumbrante de 275 cachoeiras na foz do rio Iguaçu, tirar da mochila um espelho e ficar contemplando o próprio rosto, admirando-se de sua beleza e expressões faciais? Pateticamente lastimável, mas foi exatamente isso que o homem fez com a glória de Deus, trocando “a grandeza do Deus imortal por imagens de seres humanos mortais” (Rm 1.23)!
O modo como Deus nos criou fez de nós seres humanos que são atraídos e movidos pela beleza que nos dá prazer ou regozijo. Não é de espantar, portanto, que vivamos em uma geração tão seduzida pela imagem – por belas imagens. Visitamos lugares paradisíacos, tiramos selfies com paisagens deslumbrantes ao fundo ou com pessoas bonitas do nosso lado e somos hipnotizados pelas belezas que nos cercam por todos os cantos e nos atraem.
Deus nos criou para a glória – “eu os criei para minha glória; fui eu quem os formou” (Is 43.7). Temos fome e sede de glória, da glória exuberante e irradiante de Deus – “Alguém tem sede? Venha e beba, mesmo que não tenha dinheiro!” (Is 55.1-4). Jonathan Edwards, com apenas 20 anos de idade, já compreendia isso muito bem e escreveu [As Miscelâneas, Miscelânea no 3]: “O fim da criação é que esta possa glorificar. Mas o que é a glorificação de Deus senão um regozijo com a glória que ele tem demonstrado?”
O pecado, porém, confundiu e obscureceu o entendimento das pessoas; achando-se sábias, tornaram-se tolas; e agora, cegas e impedidas de enxergarem a glória do Soberano Criador (cf. 2Co 4.4), elas sofrem com todo tipo de desordem e de depravação (cf. Rm 1.18-32). Quando, finalmente, decidem que buscarão a Deus, em vez de recorrerem à glória de Deus na face de Cristo (cf. 2Co 4.6) – que é a fonte de todo prazer e felicidade para os quais nós fomos criados (cf. Is 55.1-4), as pessoas procuram aqueles que falam de si mesmos, pois não querem a glória de Deus (cf. 2Co 4.5); elas querem aqueles que refletem o estado tão egocentrado em que a alma delas se encontra, aqueles que falam o que elas querem ouvir (2Tm 4.3-4):
3Pois virá o tempo em que as pessoas já não escutarão o ensino verdadeiro. Seguirão os próprios desejos e buscarão mestres que lhes digam apenas aquilo que agrada seus ouvidos. 4Rejeitarão a verdade e correrão atrás de mitos.
O problema fundamental da raça humana é que “todos pecaram e não alcançam o padrão da glória de Deus” (Rm 3.23); ou seja, estamos aquém de refleti-la, pois dela nós fomos destituídos. Então, privados dessa glória, os seres humanos amam mais a glória dos homens do que a glória de Deus; vivem mais para buscar a aprovação dos homens do que a de Deus, satisfazem-se mais nos homens do que em Deus (cf. Jo 12.43).
Doente, a humanidade está em busca de cura, mas ela não entendeu que a cura da alma começa quando a glória de Deus volta a ocupar o seu lugar no centro. Explicando que “o mais profundo anseio do coração humano e o mais profundo significado do céu e da terra estão resumidos nesta expressão: a glória de Deus”, John Piper fez uma constatação, como sempre, esclarecedora. Eis o que disse aquele bom batista reformado, o meu bom velhinho:
Todos nós necessitamos da glória de Deus, não da nossa própria glória. Ninguém vai ao Grand Canyon para aumentar a autoestima. Por que vamos, então? Porque, quando contemplamos algo maravilhoso, existe uma cura maior para a alma do que quando contemplamos a nós mesmos. Na verdade, o que poderia ser mais ridículo neste imenso e glorioso Universo do que um ser humano vivendo numa partícula chamada Terra e em pé diante diante de um espelho tentando encontrar significado em sua imagem ali refletida [ou dentro de si mesmo]? Que lástima saber que esse é o evangelho do mundo moderno!
Lastimável, realmente! E com prejuízos eternos. Assim é que hoje, 503 anos após a Reforma iniciada por Martinho Lutero, estamos nós aqui de novo, necessitando de reforma. Sim, irmãos, carecemos desesperadamente de um retorno ao princípio central, fundante, não apenas da teologia dos reformadores, mas do ensino de toda a Bíblia, qual seja: a glória de Deus.
Timothy George esclareceu que a motivação de Lutero no debate que ele iniciou era única e exclusivamente a manutenção da glória de Deus. George é jornalista e teólogo batista reformado, muito respeitado nos EUA. Ouça o que ele escreveu sobre a doutrina da salvação, conforme Lutero a compreendia:
Lutero recusou-se a submeter Deus ao tribunal da justiça humana como se a “Majestade, que é o criador de todas as coisas, tivesse de curvar-se a uma das escórias de sua criação”. “Deixem Deus ser bom”, clamava Erasmo, o moralista. “Deixem Deus ser Deus”, replicava Lutero, o teólogo.
David F. Wells foi profético quando declarou que “o que a igreja agora precisa não é renovação [ou atualização, conforme creem e buscam alguns], mas reforma”. A falta de entusiasmo na vida dos cristãos e a falência dos valores na sociedade apenas revelam um problema mais profundo – um problema que não será resolvido com esforços humanos na busca por uma renovação espiritual (afinal, renovar o quê? à partir de que conteúdo, de qual fundamento teológico?).
A igreja não precisa de renovação – ou seja, um “reavivamento” produzido por esforços humanos, mediante aplicação de novas metodologias ou reprodução de modelos de “sucesso”; não é disso que a igreja precisa. A igreja precisa de reforma – i.e, de recuperação da visão da glória de Deus em Cristo.
Quando a igreja perde o sabor pelo Deus glorioso e não o serve mais aos outros no esplendor de sua majestade – ou não o prega ou não o apresenta aos outros de forma toda-gloriosa, totalmente-saciadora e plenamente-regozijante é natural que todos os encantos dos prazeres passageiros pecaminosos deste mundo ofusquem o que a igreja tem para oferecer: o Deus todo-glorioso.
Pedro, o apóstolo, revela que o evangelho é o meio de Deus ofertar a si mesmo aos pecadores (1Pe 3.18): “Pois Cristo também sofreu [morreu] por nossos pecados, de uma vez por todas […] a fim de conduzi-los [os pecadores] a Deus”. Nenhuma das realizações de Cristo, narradas nos evangelhos, e nenhuma das bênçãos do evangelho em si mesmas – p.ex., expiação, perdão, justificação, santificação, vida eterna… nenhuma dessas bênçãos – são boas-novas, se não forem meios pelos quais podemos ver e experimentar a glória de Deus. Essa doce verdade está muito bem explanada no livro de John Piper: Deus é o Evangelho. Preste atenção ao subtítulo desse livro: “um tratado sobre o amor de Deus como oferta de si mesmo”. Portanto, quando a igreja (agência do evangelho que nos leva a Deus) perde a glória de Deus ela perde a razão de existir. Por isso que precisamos de uma reforma, de um retorno à glória de Deus. David Wells afirmou:
É este Deus, majestoso e santo no seu ser, este Deus cujo amor não conhece limites porque sua santidade não conhece limites, que tem desaparecido do mundo evangélico moderno. Ele foi substituído em muitos lugares por um Deus que é fofinho e frouxo, cujos propósitos morais tornaram-se meros conselhos de um tiozão que nós podemos desconsiderar ou negociar como acharmos conveniente, cuja palavra é um brinquedo para aqueles que desejam apenas escutar a si mesmos, cuja igreja é um shopping em que religiosos, com seus bolsos cheios de moedas de necessidades, fazem seus negócios. Buscamos felicidade, não justiça. Queremos ficar contentes, não completos. Estamos interessados em satisfação, não em santa insatisfação com tudo o que está errado.
É por isto que nós precisamos de reforma em vez de reavivamento [ou atualização]. Os hábitos do mundo moderno, agora onipresentes no mundo evangélico, precisam ser mortificados, não revividos. Eles precisam ser erradicados, não simplesmente embrulhados com novo entusiasmo religioso. E eles estão neste ponto tão invencíveis que nada menos do que a intrusão de Deus [da glória de Deus] será suficiente.
Achando-se sábios, mas na verdade agindo como loucos, evangélicos modernos rejeitaram a glória de Deus e recorreram à glória do “eu”. Lesslie Newbigin estava surpreendentemente correto quando diagnosticou o nosso estado desastroso. Ele escreveu:
De repente, vi que alguém poderia usar a linguagem costumeira da cristandade evangélica e ainda assim no centro de tudo ser o eu, a minha necessidade de salvação. E Deus ser simplesmente o auxílio para tal […] Também vi que grande parte da cristandade evangélica pode facilmente errar, que pode tornar-se centralizada no eu e na sua necessidade de salvação e não da glória de Deus!
Como nós temos errado, meu Deus! Onde estão as igrejas, hoje, nas quais a experiência predominante é o peso da glória de Deus? –– perguntou John Piper. Estão em extinção!
Não centralizar a glória de Deus não apenas desonra a Deus (o que já é terrível o bastante, eternamente desastroso), mas também torna a igreja cúmplice do estado de apodrecimento do mundo em que ela está inserida. Neste estado, insípido, para nada mais a igreja prestará. Nas palavras do Senhor da igreja (Mt 5.13):
Vocês são o sal da terra. Mas, se o sal perder o sabor [se a igreja não exaltar e não irradiar com paixão a glória de Deus na face de Cristo], para que servirá? É possível torná-lo salgado outra vez? Será jogado fora e pisado pelos que passam, pois já não serve para nada.
Eis, mais uma vez, nas palavras de David Wells, como a Nossa Cultura Moribunda – que perdeu o referencial de Deus – precisa, rapidamente, que a igreja se posicione, levantando com esplendor o estandarte da glória de Deus:
Na medida em que desapareceu nosso entendimento de nós mesmos como criaturas morais [que vivem diante da face de Deus], o vácuo vem agora sendo preenchido por antropologias alternativas [nas palavras de Calvino: “o homem jamais chega ao puro conhecimento de si mesmo até que haja antes contemplado a face de Deus, e da visão dele desça a examinar-se a si próprio — Institutas I.1.1]. Essas [antropologias] alternativas [sem o referencial da face gloriosa de Deus em Cristo], contudo, não estão só no centro de nossa crise de cultura; estão também no centro de nossa crise de identidade. Se não somos seres morais, que se colocam na presença de Deus e perante sua Lei, quem somos? “Eu sou meus genes,” respondemos; “Eu sou minha orientação sexual”; “Eu sou o meu passado”; “Sou minha autoimagem”; “Sou minha personalidade”; “Sou minhas experiências”; “Sou o que tenho”; “Sou aquilo que como”, “Sou o que faço”, “Sou quem eu conheço”. Essa bravata ecoa com seu próprio vazio. Sumiu o pecado, mas é evidente que esta jogada dos dados não ganhou o jogo. Não só nossos dilemas pessoais se multiplicam geometricamente, como também nossa cultura se esfacela. Quanto mais atenção damos às nossas ilusões morais e espirituais, mais temos de combater as consequências buscando a lei e o litígio [nos tribunais dos homens], e mais temos de achar paliativos para nosso próprio tédio, cinismo e desespero.
Meu Deus! É urgente! Precisamos de uma reforma pela recuperação da glória de Deus. É imperativo que retornemos aos princípios da Reforma iniciada por Lutero no século XVI.
A industria do purgatório e das indulgências, que fez Lutero entrar em erupção com suas 95 Teses que alavancaram a Reforma Protestante, todos os temas principais advindos daquelas práticas e combatidos pelos reformadores, lá nos primórdios da Reforma — p.ex., justificação pela fé mais alguma coisa, abuso sacerdotal, transubstanciação, oração aos santos e pelos mortos, autoridade papal… tudo, todos eles têm como problema fundamental o abandono da glória de Deus.
João Calvino, por exemplo, com seu zelo incessante em expor a glória de Deus, viu a mesma coisa que Newbigin vê no evangelicalismo moderno cheio do “eu”. Eis o que o reformador de Genebra respondeu a Jacopo Sadoleto – que era um cardeal de Roma e que em 1538 escreveu aos líderes de Genebra, buscando reconquistá-los para o catolicismo romano. Rebateu Calvino:
[Teu] zelo por uma vida santa [é] um zelo que mantém um homem inteiramente devoto a si mesmo e não o desperta, em nenhum momento, a santificar o nome de Deus. [O desejo de minha vida é] colocar à frente [do homem], como motivo primordial de sua existência, zelo para demonstrar a gloria de Deus. […] Onde o conhecimento desse tema [a justificação pela fé somente] é removido, a glória de Cristo é extinta.
No sermão biográfico que publicou sobre o reformador de Genebra, John Piper argumentou que para Calvino,
a necessidade da Reforma era fundamentalmente essa: Roma tinha “destruído a glória de Cristo de muitas maneiras – apelando aos santos para interceder quando Jesus Cristo é o único mediador entre Deus e o homem; adorando a Virgem Santa, quando somente Cristo deve ser adorado; oferecendo um contínuo sacrifício na Missa, quando o sacrifício de Cristo na Cruz foi completo e suficiente”, elevando a tradição ao nível das Escrituras e até mesmo tornando a palavra de Cristo dependente da palavra do homem para sua autoridade. Calvino pergunta, […] “Por que acontece que sejamos ‘levados pelos diversos ensinamentos estranhos’ (Hb 13.9)?” E ele responde: “Porque a excelência de Cristo não é compreendida por nós”. Em outras palavras, o grande guardião da ortodoxia bíblica por todos os séculos é a paixão pela glória e pela excelência de Deus em Cristo.
Michael Horton reverbera essa mesma ideia quando, escrevendo sobre Os solas da Reforma, anotou que: “pregar a Escritura é pregar Cristo; pregar Cristo é pregar a cruz; pregar a cruz é pregar a graça; pregar a graça é pregar a justificação [somente pela fé]; pregar a justificação é atribuir o todo da salvação à glória de Deus”. O apóstolo Paulo, no texto que lemos no início, sustenta essa verdade sistematizada por Horton, 2Coríntios 4.14-15:
14Sabemos que Deus, que ressuscitou o Senhor Jesus, também nos ressuscitará com Jesus e nos apresentará a ele junto com vocês. 15Tudo isso é para o bem de vocês. E, à medida que a graça alcançar mais pessoas, haverá muitas ações de graças, e Deus receberá cada vez mais glória.
Não é exagero, portanto, afirmar que a essência da Reforma Protestante foi o resgate da glória de Deus na face de Cristo. É dessa mesma reforma que, hoje, a igreja brasileira está tão carente.
Jamais encontraremos algo tão monumental para ser estudado, ao mesmo tempo que é tão encantador para o coração sedento de glória, quanto a pessoa do nosso glorioso Deus. Charles H. Spurgeon, com apenas 20 anos de idade, pregou um sermão, à partir de Malaquias 3.6, intitulado: A Imutabilidade de Deus. Falando da necessidade de se conhecer a Deus, aquele bom batista reformado, conhecido como “príncipe dos pregadores”, trovejou do púlpito de sua igreja em Londres:
O estudo apropriado dos eleitos de Deus é Deus. A mais alta ciência, a especulação mais elevada, a filosofia mais poderosa, as quais podem capturar a atenção de um filho de Deus, é o nome, a natureza, a pessoa, a obra, as atitudes e a existência do grande Deus a quem ele chama seu Pai.
Deus, graciosamente, escolheu se revelar. De forma geral, ele se revelou através da obra da criação, da história e dos atos da humanidade. De forma toda especial, Deus se revelou em sua palavra escrita, a Bíblia, a qual nos aponta para e se cumpre na encarnação, vida obra do Verbo eterno de Deus, Jesus Cristo.
Apesar de não ter falado exaustivamente sobre si mesmo, o Senhor Deus falou o bastante a nós, suas criaturas, homens e mulheres criados à sua imagem e conforme a sua semelhança (Gn 1.26). Assim, enquanto as profundezas de Deus e de sua glória permanecerão eternamente fora de nossa absorção e compreensão plenas (mesmo lá na glória do céu; afinal, somos finitos e Deus infinito), pela graça, através da fé em sua revelação, podemos conhecê-lo; e, em parte, nós o conhecemos. Expressando-se sobre a tão-gloriosa revelação de Deus, Spurgeon falou assim:
Não posso esperar entender os mistérios de Deus […] Se eu entendesse Deus, ele não poderia ser o verdadeiro Deus. Uma doutrina que não consigo compreender plenamente [eu a tomo como] a verdade de Deus que se destina a me fisgar. [Assim,] Quando eu não consigo escalar, eu me ajoelho. Onde eu não consigo construir um observatório, coloco um altar. Uma grande pedra que não consigo levantar me serve como uma coluna, sobre a qual eu derramo o óleo da gratidão e adoro de coração o Senhor meu Deus. Quão inútil é sonhar com o nosso conhecimento sempre em paralelo com o conhecimento do Deus infinito! Seu conhecimento é maravilhoso demais para nós. Ele é tão alto – não podemos alcançá-lo [completamente].
Toda revelação que Deus faz de si mesmo visa arrancar de nós louvor e adoração.
A forma mais gloriosa e final de Deus se revelar, o meio mais completo de revelação é a encarnação do Verbo eterno (Jo 1.18; Cl 2.9; Hb 1.1-3). O próprio Jesus Cristo, o Filho eterno encarnado (Jo 1.1-14), respondendo ao pedido de Filipe, que queria ver o Pai (Jo 14.8), declarou: “Quem me vê, vê o Pai!” (Jo 14.9). Ah! Como nós poderíamos prosseguir pelo Evangelho de João, buscando enxergar a glória de Deus! Afinal, o propósito desse apóstolo, ao escrever o quarto evangelho, é revelar a glória de Deus no Filho eterno encarnado (Jo 1.14) para a salvação de seus leitores (Jo 20.30-31).
No entanto, para um vislumbre particularmente útil da glória de Deus, nós nos voltaremos para a segunda carta de Paulo aos coríntios, particularmente o texto que se encontra em 2Coríntios 4.3-6:
3Se as boas-novas que anunciamos estão encobertas atrás de um véu, é apenas para aqueles que estão perecendo. 4O deus deste mundo cegou a mente dos que não creem, para que não consigam ver a luz das boas-novas, não entendendo esta mensagem a respeito da glória de Cristo, que é a imagem de Deus. 5Não andamos por aí falando de nós mesmos, mas proclamamos que Jesus Cristo é Senhor e que nós mesmos somos servos de vocês por causa de Jesus. 6Pois Deus, que disse: “Haja luz na escuridão”, é quem brilhou em nosso coração, para que conhecêssemos a glória de Deus na face de Jesus Cristo.
Esta epístola, mais do que qualquer outra, contém 21 referências à expressão glória de Deus (contando formas nominais e verbais – cf. 2Co 1.20; 3.7 (x2), 8, 9 (x2), 10 (x3), 11 (x2), 18 (x3); 4.4, 6, 15, 17; 6.8; 8.19, 23). Glória é um tema vital para Paulo, especialmente nesta carta, onde ele atesta que a revelação da glória de Deus é predominantemente cristológica, em Jesus Cristo. Por exemplo: Deus revelou sua presença em esplendor e brilho a Moisés, mas agora ele a revelou de forma plena e maravilhosa em Jesus (2Co 3.7-18). João chamou esta progressão da revelação de Deus (Moisés, depois Jesus Cristo) de “graça sobre graça” (Jo 1.16-18). Para Paulo também a revelação é progressiva; ela é genuína na antiga aliança ou Antigo Testamento, mas é completa na nova aliança ou Novo Testamento. 2Coríntios 1.20: “Pois todas as promessas de Deus se cumpriram em Cristo com um alto e claro ‘Sim!’”.
Paulo dá um passo além, falando da “luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus” (2Co 4.4), em seguida, ele afirma que salvação ou nova criação consiste em se obter a “iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo” (2Co 4.6). Ô, meu povo, como nós precisamos dessa verdade! Afinal, salvação não consiste em absorção de conteúdo doutrinário, mas de abertura dos olhos do coração para o deleite na glória de Deus em Jesus Cristo. –– Isso só será possível de duas maneiras: pregação encantadoramente, arrebatadoramente, apaixonadamente centrada em Jesus e oração pela intervenção soberana e sobrenatural do Espírito Santo de Deus no coração do ouvinte.
O evangelho ou o conhecimento do conteúdo do evangelho é fundamental, mas não é final. Sem o evangelho não se chega a Cristo. Mas o fim do evangelho não são as doutrinas da graça per si; o fim do evangelho e das doutrinas da graça é a glória de Deus na face de Jesus Cristo; o que se busca com o evangelho e com as doutrinas da graça não é inchaço ou orgulho intelectual, mas alargamento progressivo e eterno de prazer e de alegria e de deleite na glória de Deus resplandecente na fece de Jesus Cristo.
O evangelho é o meio (e ah! como o evangelho deve ser devidamente conhecido, articulado e anunciado, do púlpito e pessoalmente através de relacionamentos discipuladores!), mas o fim, o objetivo que se persegue, o propósito da pregação do evangelho é o desfrute da glória de Deus. Deus é o evangelho (1Pe 3.18). John Piper escreveu assim:
O nível mais profundo de salvação está no termo “a glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus” [2Co 4.4] ou “a glória de Deus na face de Cristo” [2Co 4.6]. […] a glória de Deus em Cristo, ou a glória de Cristo, que é Deus. Você não poderá ir mais fundo. Não há uma realidade mais profunda e nenhum valor maior do que a glória de Deus em Cristo. Não há nenhum prêmio e nenhuma satisfação além disso. Quando você tem isso, você está no fim da linha. Você está em casa. A glória de Deus não é um meio para nada maior. Ela é a realidade definitiva, absoluta. Toda a verdadeira salvação termina aqui, não antes e não além. Não há além. [Além é Cristo.] A glória de Deus em Cristo é o que torna o evangelho “evangelho”.
Assim é que Paulo, ao longo de toda a segunda carta aos coríntios, destaca que a revelação da glória de Deus é decisiva e permanentemente centrada em Jesus Cristo.
O puritano John Owen, em 1684, com brilhante percepção detectou o ensino de Paulo e escreveu:
Todas as comunicações do ser divino e infinita plenitude [dele] no céu para os santos glorificados estão e são através de Cristo Jesus. Ele deve ser para sempre o meio de comunicação entre Deus e a igreja, mesmo na glória. Todas as coisas estão reunidas num só, nele, a saber: tanto as coisas do céu como as coisas da terra – o seu ser está em imediata dependência de Deus – esta ordem nunca será dissolvida (Ef 1.10 e 11; 1Co 3.23). E destas comunicações de Deus através de Cristo depende inteiramente nossa continuação em um estado de bem-aventurança e glória. Nós não deveremos ser mais auto-subsistentes lá na glória do que agora somos na natureza ou graça.
Ainda sobre a revelação da glória de Deus em Cristo, consideremos mais uma vez o que Paulo escreveu (2Co 4.6): “Pois Deus, que disse: ‘Haja luz na escuridão’, é quem brilhou em nosso coração, para que conhecêssemos a glória de Deus na face de Jesus Cristo”. Para o apóstolo, o evangelho nada mais é do que o resplendor da luz “da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus” (2Co 4.4). Então, à partir desses e de outros textos joaninos e paulinos, John Owen se expressou da seguinte maneira:
Em sua pessoa divina absolutamente considerada, ele é a imagem essencial de Deus, o Pai. Ele está no Pai, e o Pai nele, na unidade da mesma essência divina (Jo 14.10). Agora ele está com o Pai (João 1.1), distintamente como pessoa, então ele é a sua imagem essencial (Cl 1.15; Hb 1.3). Em sua encarnação, [Cristo] se torna a imagem representativa de Deus para igreja (2Co 4.6); sem o qual o nosso entendimento não poderá abordar as excelências divinas, mas que Deus continue a ser para nós o que ele é em si mesmo — o “Deus invisível”. Na face de Jesus Cristo nós vemos a sua glória.
Pois bem, Deus em Cristo – aqui e agora pela graça somente, por meio da fé somente (2Co 5.7), e também por toda a eternidade, face a face como ele realmente é (1Co 13.12) – é a única possibilidade que temos de conhecer, contemplar e cantar regozijantemente a glória de Deus.
O que é a glória de Deus?
A glória de Deus só poderá ser compreendida quando nós a virmos ou a mirarmos em relação aos atributos ou qualidade de Deus. Pense, por um instante, na santidade de Deus. Isaías se expressou da seguinte maneira: “Santo, santo, santo é o SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia de sua glória!” (Is 6.3). A lógica ou a coerência literária, no lugar do profeta, completaria a afirmação dizendo: “toda a terra está cheia de sua santidade” e não “toda a terra está cheia de sua glória”. Não é mesmo? –– A não ser que exista algo mais importante sendo comunicado. E há. Cada uma das características de Deus, reveladas sobre si mesmo e por ele mesmo, faz parte de um todo, que é a glória de Deus – são as pontas brilhantes e gloriosas do mesmo diamante: Deus.
Portanto, falar da glória de Deus ou pregar a glória de Deus é anunciar todos os os atributos ou qualidades, e também as ações motivadas pelos atributos ou qualidades de Deus, conforme ele mesmo a nós nos revelou, especialmente em Jesus.
Ah! como nós teríamos mais o que dizer! Mas, como dizer tanta coisa em tão pouco tempo de uma forma coerente para a mente e encantadora para o coração? Sinto-me aqui como Spurgeon se expressou no sermão que ele pregou sobre este mesmo tema, A Glória de Deus na Face de Jesus Cristo:
Não esperem, meus irmãos, que o pregador possa lidar com tal assunto. Estou vencido pelo tema. Nas minhas meditações, senti-me perdido em seu comprimento e amplitude. A minha alegria é grande com o tema e, no entanto, estou consciente da pressão sobre o cérebro e o coração, pois sou uma criança pequena perdida entre as montanhas ou como um andarilho solitário que perdeu o caminho olhando para as estrelas. Eu tropeço em sublimidades. Eu me afundo em maravilhamento. Só posso apontar com o dedo para o que vejo, mas não posso descrevê-lo. Que o próprio Espírito Santo tome as coisas de Cristo e mostre-as a vocês.
Na tentativa de amarrar tudo, permitam-me concluir com duas afirmações e três aplicações: Cristo mesmo é (1) o fundamento e (2) o farol da glória de Deus.
Ele é o FAROL, pois nele é que vemos e veremos plenamente a glória de Deus, aqui pela fé e no céu face a face. Sobre isto nós já falamos, mas deixe-me reforçar com algo dito por John Owen:
O nosso estado contínuo de felicidade e glória dependerá inteiramente de Deus, por meio de Cristo. Assim, nunca nos cansaremos de ver a Cristo no céu. O infinito objeto de nossa visão glorificada será imensurável e sempre novo para o nosso entendimento finito. A nossa felicidade consistirá em comunicações saudáveis [a nós, ao nosso coração] da infinita plenitude da natureza de Deus [em Cristo].
Além de farol, Cristo é o FUNDAMENTO para o nosso conhecimento da glória de Deus, pois sem o que ele fez em Cristo, substituindo-nos enquanto pecadores – morrendo a nossa morte; justificando-nos com sua justiça, imputando a nós a sua justiça – nós jamais poderíamos nos aproximar de Deus. Seríamos, pecadores que somos, incinerados pela glória santíssima e infinitamente superior ao poder do sol, por exemplo. Portanto, sem Cristo, não veríamos nem poderíamos nos aproximar da glória de Deus. Jesus Cristo é o farol e o fundamento da glória de Deus.
Resolvido o problema da limitação humana e da culpa pelo pecado com a encarnação e a expiação de Jesus Cristo, respectivamente, sobra-nos outro problema para resolver. Nós abandonamos a glória de Deus. O pecado nos matou. Agora, em nosso estado natural, nós não desejamos Jesus Cristo. Ele não é nada glorioso para os nossos olhos naturais. Não nos atrai de jeito nenhum. Amamos mais as trevas do que a luz. Somos escravos de nossa vontade corrompida ou inclinada pelo pecado.
Livre-arbítrio? De jeito nenhum! Escravo-arbítrio. Livre-agência, sim. Fazemos sim o que sentimos vontade ou desejamos, mas o que sempre queremos, à parte da graça de Deus, é satisfazer nossos desejos pecaminosos. Logo, aquilo de que realmente precisamos, para contemplar ou desejar contemplar e desfrutar da glória de Deus na face de Jesus Cristo é de um arbítrio-liberto. Ou seja: um coração ou uma vontade transformados. João chama isto de novo nascimento. “Quem não nascer de novo não verá o reino de Deus [não verá glória!]” (Jo 3.3).
Portanto, o conhecimento da glória de Deus na face de Jesus Cristo é obra sobrenatural, milagrosa do Espírito Santo – soprado por Jesus ao pecador (Jo 20.20) –, que nos regenera e nos faz nascer de novo, coloca em nós um novo desejo e uma nova fé. As promessas do pecado não nos escravizarão mais; o que Deus promete ser e nos dar em Jesus será o nosso prazer.
Graças a Deus por Jesus Cristo, porque ele morreu como expiação pelos meus pecados, batizou-me com o Espírito Santo (ou regenerou-me ou me fez nascer de novo), de forma que agora meu coração, pela fé, o enxerga “de modo imperfeito, como um reflexo no espelho”, mas somente até aquele Dia, quando o verei face a face (1Co 13.12).
Finalmente, três aplicações, brevemente. Povo de Deus, busquemos ser esse tipo de crente, pastor e igreja, lutemos para ser assim, nós a Segunda Igreja Batista em Goiânia.
Jesus, conforme é revelado na Bíblia, traz consigo uma glória – uma beleza espiritual incomparável – que pode ser vista como uma verdade que por si só é evidenciada. É como ver o sol e saber que ele é luz, e não trevas, ou provar o mel e saber que ele é doce, e não amargo. Não existe nenhuma longa cadeia de motivos para passarmos das premissas às conclusões. Existe uma percepção direta de que a pessoa de Jesus é verdadeira e que sua glória é a glória de Deus. […] A descrição verbal de Jesus no evangelho, […] acompanhada do brilho de Deus “em nossos corações”, nos mostra o que ela realmente é — “a gloria de Deus na face de Cristo” ou “a glória de Cristo que é a imagem de Deus” [2Co 4.4-6]
Se quisermos morrer alegremente, devemos pensar em como Deus nos chamará do túmulo na ressurreição. Então, pelo seu grandioso poder, ele não apenas nos restaurará à glória de Adão e Eva na criação, como também nos acrescentará ricas bênçãos além da nossa imaginação. Devemos, também, nos lembrar que apesar do corpo e da alma do nosso glorioso Salvador terem sido separados na morte (à semelhança que os nossos também serão), ele agora possui grande glória. O seu exemplo pode nos dar esperança.
Aqueles que receberam fé e graça para entenderem corretamente o propósito da natureza humana, devem se regozijar porque ela [a natureza humana] foi elevada das profundezas do pecado para a glória que agora recebeu mediante a honra concedida a Cristo.
A BÍBLIA NOS APRESENTA JESUS CRISTO, em quem habita corporalmente toda a plenitude de Deus. Portanto, lendo-a, dia a dia, é que nós nos preparamos para o grandioso encontro com o Cristo glorioso. Permitam-me, pois, terminar com uma citação de Geoffrey Thomas sobre a leitura da Bíblia, na esperança de que te encoraje a prosseguir buscando conhecer a glória de Deus na face de Jesus Cristo, conforme a revelação das Escrituras (THOMAS, Reading the Bible, Banner of Truth, 1980, p. 22):
Não espere dominar a Bíblia com profundidade em um dia, ou em um mês, ou em um ano. Pelo contrário, espere ficar muitas vezes intrigado com o seu conteúdo. Isto porque ele não fica tão clara assim à primeira vista (veja, p.ex., a experiência de Pedro: 2Pe 3.14-18). Grandes homens e mulheres de Deus sentem-se absolutamente principiantes quando leem a Palavra. Portanto, não pense que todas as vezes que você se pôr para ler a Bíblia você terá um abastecimento emocional, ou sentimentos de paz. Pela graça de Deus você pode esperar que isto seja uma experiência frequente; mas, muitas vezes, você não terá qualquer resposta emocional animadora. Contudo, deixe a Palavra quebrar o seu coração e a sua mente constantemente ao longo dos anos. Imperceptivelmente grandes mudanças estarão acontecendo na sua perspectiva de vida, nos seus pensamentos, nas suas palavras e no seu procedimento. Você, provavelmente, será o último a perceber estas mudanças. Muitas vezes você se sentirá minúsculo diante do imenso Deus da Bíblia. Mas, não desista. Continue. Prossiga. Persevere. Leia até que você não consiga mais ler. Leia até você não precisar mais de ler, pois quando os seus olhos se fecharem pela última vez nesta vida, e nunca mais conseguirem ler a Palavra de Deus na Escritura, você haverá de abri-los diante da Palavra de Deus encarnada. O mesmo Jesus da Bíblia, aquele que você conhecia de tantos anos, por causa de suas leituras diárias, estará diante de você para recebê-lo em seu Reino Eterno. Ele não lhe será estranho.
S.D.G. L.B.Peixoto
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