12.03.2023
[Atos 18.18-23; 19.1-7] 18Paulo ainda permaneceu em Corinto por algum tempo. Então se despediu dos irmãos e foi a Cencreia, onde raspou a cabeça, de acordo com o costume judaico para marcar o fim de um voto. Em seguida, partiu de navio para a Síria, levando consigo Priscila e Áquila. 19Chegaram ao porto de Éfeso, onde Paulo os deixou. Enquanto estava ali, foi à sinagoga para debater com os judeus. 20Eles pediram que ficasse mais tempo, mas ele recusou. 21Ao despedir-se, Paulo disse: “Voltarei depois, se Deus quiser”. Então zarpou de Éfeso. 22A parada seguinte foi no porto de Cesareia, de onde subiu a Jerusalém e visitou a igreja. Em seguida, voltou para Antioquia. 23Depois de passar algum tempo ali, voltou pela Galácia e pela Frígia, visitando e fortalecendo todos os discípulos. […] Atos 19.1-7 1Enquanto Apolo estava em Corinto, Paulo viajou pelas regiões do interior até chegar a Éfeso, no litoral, onde encontrou alguns discípulos. 2Ele lhes perguntou: “Vocês receberam o Espírito Santo quando creram?”. “Não”, responderam eles. “Nem sequer ouvimos que existe o Espírito Santo.” 3“Então que batismo vocês receberam?”, perguntou ele. “O batismo de João”, responderam. 4Paulo disse: “João batizava com o batismo de arrependimento, dizendo ao povo que cresse naquele que viria depois, isto é, em Jesus”. 5Assim que ouviram isso, foram batizados em nome do Senhor Jesus. 6Paulo lhes impôs as mãos e o Espírito Santo veio sobre eles, e falaram em línguas e profetizaram. 7Eram ao todo uns doze homens.
VOCÊ SABE O QUE REALMENTE IMPORTA PARA DEUS? Semana passada nós terminamos com esta nota: importa para Deus um coração santo, sincero e satisfeito em Cristo, um coração de servo; importa para Deus sermos iguais a Jesus: servos, mansos e humildes; importa para Deus o coração de servo de João Batista, o qual fora elogiado pelo próprio Cristo. Outro deste calibre foi o apóstolo Paulo. Este apóstolo tinha Jesus como superfície de contraste com o qual entrar e comparação, e com propriedade podia dizer: “Sejam meus imitadores, como eu sou imitador de Cristo” (1Co 11.1).
O modelo de humildade de Paulo
Lá pelo no final de sua segunda viagem missionária e no início da terceira — aqui em Atos 18.18–19.7 — nós podemos observar a atitude humilde do apóstolo em ação; seu estilo de liderança (o tipo de liderança que verdadeiramente importa no reino de Deus).
A essa altura, a influência do cristianismo havia crescido para muito, muito além de Jerusalém, Judeia e Samaria; havia chegado até mesmo para além da Ásia Menor, atingindo inclusive as principais áreas metropolitanas dos confins do mundo greco-romano. Esse feito realmente deve ter sido motivo de bastante orgulho pessoal para Paulo, no momento em que ele deixou a Europa (Atenas e Corinto) para ir à Éfeso (na Ásia Menor), e depois voltar à Antioquia da Síria e, eventualmente, para casa; para depois iniciar a terceira e última viagem missionária, começando pela cidade de Éfeso.
Imagine o coração de Paulo. Mas imagine também como deve ter sido emocionante para os crentes jovens que, ao longo do caminho de Paulo, iam ouvindo que o talentoso apóstolo logo estaria chegando em seu meio! Era muita emoção para todo mundo, para aquela gente e para o próprio Paulo. Eles, de fato, sob a liderança desse apóstolo haviam conquistado muita coisa, em meio a muita luta e perseguição. Tinham, portanto, o que celebrar. Ora, de fato, gente, Paulo havia, pela graça de Deus, feito tudo aquilo acontecer! Tanto que, ao ter que, de algum modo, defender o próprio ministério lá em Corinto (uma vez que já havia divisão na igreja tão jovens: uns preferiam Paulo, outros Apolo, outros Pedro etc.), o apóstolo falou a eles nestes termos em sua primeira carta:
1Coríntios 15.8-11 8Por último, [o Cristo ressurreto] apareceu também a mim, como se eu tivesse nascido fora de tempo. 9Pois sou o mais insignificante dos apóstolos. Aliás, nem sou digno de ser chamado apóstolo, pois persegui a igreja de Deus. 10O que agora sou, porém, deve-se inteiramente à graça que Deus derramou sobre mim, e que não foi inútil. Trabalhei com mais dedicação que qualquer outro apóstolo e, no entanto, não fui eu, mas Deus que, em sua graça, operou por meu intermédio. 11Logo, não faz diferença se eu prego ou se eles pregam, pois todos nós anunciamos a mesma mensagem na qual vocês já creram.
Paulo sabia que tinha feito muito, feito mais até do que todos os demais. Mas o apóstolo também sabia que havia sido tudo pela graça de Deus. Isto sim é humildade; humildade é saber dizer: “Sim! Eu fiz. Fiz muita coisa. Fiz mais do que muita gente. Mas foi tudo inteiramente pela graça que Deus derramou sobre mim, e que não foi inútil. Deus me deu muito. Deus me capacitou muito. E eu usei tudo para a glória de Deus.”
Gente, é impressionante!, apesar de tudo e de tanto, Paulo era humilde; ele sabia qual era a sua fonte de poder: a graça de Deus derramada na sua vida. Desse modo, olhe comigo para Atos 18 e veja pelo menos quatro qualidades de quem sabe que imagem não é tudo; quatro qualidades de grandeza aos olhos de Deus; quatro qualidades de um servo, um servo de Deus. São estas: [1.] piedade pessoal; [2.] descentralização ministerial (ou multiplicação); [3.] prestação de contas; e [4.] relacionamento interpessoal.
1. Piedade pessoal
A primeira qualidade — a piedade pessoal — está oculta em um detalhe breve e aparentemente sem importância no relato do texto. Lucas nos conta (em Atos 18.18) que depois que Paulo deixou Corinto e foi para Éfeso com Áquila e Priscila, ele – preste atenção: Atos 18.18! – [ele, Paulo] parou em “Cencreia, onde raspou a cabeça, de acordo com o costume judaico para marcar o fim de um voto.”
Ora, por que Lucas se importou em mencionar a visita de Paulo a uma barbearia da pequena cidade de Cencreia (hoje, apenas uma vila no município de Corinto, em Coríntia, na Grécia; na época de Paulo era uma pequena cidade portuária, dista a 10,5 km de Corinto, e que dava acesso ao Mar Egeu); por que Paulo teria parado lá para raspar a cabeça; por que Lucas tomou tempo e tinta para nos escrever este detalhe?
Este corte de cabelo representava o cumprimento de um voto que Paulo havia feito ao SENHOR Deus, e nos permite ter um raro vislumbre de sua privacidade espiritual – sua piedade pessoal. Tratava-se de um voto nazireu, no qual, além de não se cortar o cabelo, requeria-se estrita pureza pessoal e abstinência de bebidas com alto teor alcoólico – isto é, bebidas fortes – (Nm 6.1-21). Alguém faria este tipo de voto com um de dois motivos pessoais (talvez, ambos): [1.] ação de graças por benção recebida e [2.] direção divina para um novo passo de vida. No caso de Paulo, parece que ambos.
John Stott argumentou que esses votos foram feitos por Paulo em gratidão pela proteção divina que o apóstolo recebeu em Corinto, quando Gaio se recusou a condená-lo: Atos 18.14-15) e/ou como parte de uma petição por bênçãos futuras: a salvaguarda na viagem iminente que o apóstolo faria, concluindo a segunda viagem missionária e início da terceira. Stott ainda informou que se o voto fosse cumprido fora de Jerusalém, o cabelo ainda podia ser levado até lá para ser queimado.
Ora, mas Paulo, — o grande arauto contra as obras da lei para a salvação e a espiritualidade cristã, — iria mesmo se meter em tal prática?
Stott sustentou com muita precisão que uma vez que Paulo foi libertado da imposição de ser justificado pela lei, sua consciência estava livre para participar de práticas que – sendo cerimoniais ou culturais – faziam parte de “questões menores”; e neste caso, talvez, para conciliar os líderes cristãos judeus que visitaria em Jerusalém. É tão verdade que, a respeito da visita que Paulo fará noutra ocasião (levando consigo alguns convertidos gentios para testemunharem do poder do evangelho para a salvação de todos os que creem, tanto judeus quanto gregos), Lucas escreveu nestes termos:
Atos 21.20-26 20Quando [os crentes judeus em Jerusalém] ouviram isso [o testemunho de Paulo entre os gentios], louvaram a Deus e disseram: “Você sabe, irmão, quantos milhares de judeus também creram, e todos eles seguem à risca a lei de Moisés. 21Mas eles foram informados de que você ensina todos os judeus que vivem entre os gentios a abandonarem a lei de Moisés. Ouviram que você os instrui a não circuncidarem os filhos nem seguirem os costumes judaicos. 22Que faremos? Certamente eles saberão que você chegou. 23“Queremos que você faça o seguinte. Temos aqui quatro homens [judeus] que cumpriram um voto. 24Vá com eles ao templo e participe da cerimônia de purificação. Pague as despesas para realizarem o ritual de raspar a cabeça. Então todos saberão que os rumores são falsos e que você mesmo cumpre as leis judaicas. 25“Quanto aos convertidos gentios, devem fazer aquilo que pedimos por carta [a decisão do concilio de Jerusalém em Atos 15]: abster-se de comer alimentos oferecidos a ídolos, de consumir o sangue ou a carne de animais estrangulados e de praticar a imoralidade sexual”. 26No dia seguinte, Paulo se purificou junto com aqueles homens e entrou no templo. Declarou quando terminariam os dias da purificação e quando seria oferecido o sacrifício em favor deles.
Ora, gente, se a lei não salva, se Paulo, com razão, combateu tão veementemente as obras da lei, por que ele procederia desta maneira, raspando a cabeça em Cencreia? A resposta é simples: sua preocupação era sempre a de manter o bom testemunho pela causa do evangelho de Jesus Cristo. Deixemos que ele mesmo se explique:
1Coríntios 9.19-23 19Embora eu seja um homem livre, fiz-me escravo de todos para levar muitos a Cristo. 20Quando estive com os judeus, vivi como os judeus para levá-los a Cristo. Quando estive com os que seguem a lei judaica, vivi debaixo dessa lei. Embora não esteja sujeito à lei, agi desse modo para levar a Cristo aqueles que estão debaixo da lei. 21Quando estou com os que não seguem a lei judaica, também vivo de modo independente da lei para levá-los a Cristo. Não ignoro, porém, a lei de Deus, pois obedeço à lei de Cristo. 22Quando estou com os fracos, também me torno fraco, pois quero levar os fracos a Cristo. Sim, tento encontrar algum ponto em comum com todos, fazendo todo o possível para salvar alguns. 23Faço tudo isso para espalhar as boas-novas e participar de suas bênçãos.
NOTE A PREOCUPAÇÃO DE PAULO com o bom testemunho no caso de Timóteo: Atos 16.3 — “Em respeito aos judeus da região, providenciou que Timóteo fosse circuncidado antes de partirem, pois todos sabiam que o pai dele era grego.” Portanto, parece que ao judeu convertido a Cristo pela graça e por meio da fé, caso esse irmão desejasse praticar suas disciplinas espirituais herdadas pela tradição, Paulo não se opunha (desde que não fosse tomado como meio de justificação pelas obras da lei). Veja:
1Coríntios 7.17-19 17Cada um continue a viver na situação em que o Senhor o colocou, e cada um permaneça como estava quando Deus o chamou. Essa é minha regra para todas as igrejas. 18Se um homem foi circuncidado antes de crer, não deve tentar mudar sua condição. E, se um homem não foi circuncidado antes de crer, não o deve ser agora. 19Pois não faz diferença se ele foi circuncidado ou não. O importante é que obedeça aos mandamentos de Deus.
Os mandamentos (ou a lei de Deus), aos quais Paulo se refere, dizem respeito aos mandamentos ou à lei de Cristo – a qual toma Cristo como o cumprimento da lei, e que não deixa de sustentar tanto a estrutura teológica como os preceitos morais da lei mosaica:
1Coríntios 9.21 Quando estou com os que não seguem a lei judaica, também vivo de modo independente da lei para levá-los a Cristo. Não ignoro, porém, a lei de Deus, pois obedeço à lei de Cristo.
Gálatas 6.2 Ajudem a levar os fardos uns dos outros e obedeçam, desse modo, à lei de Cristo.
Pois bem, de volta ao voto de Paulo em Atos 18.18.
Neste voto, enxergamos a piedade pessoal que se tornou o motor do coração de servo de Paulo. Aos olhos de todo mundo, estava Paulo: homem forte, durão, mas servo e humilde, amoroso, respeitoso e dedicado; e sustentando essa personalidade, lá no coração de tudo, estava acesa a sua piedade pessoal que fortalecia sua vida e seu ministério com um poder silencioso e oculto. A mesma piedade que também o manteve humilde – uma atitude particularmente difícil em meio ao sucesso e a aclamação do público nas regiões por onde passou (exceto, talvez em Corinto).
Continua na parte 3…
S.D.G. L.B.Peixoto
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